Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1092/15.3T8LRA-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: ARRESTO
OPOSIÇÃO
APERFEIÇOAMENTO
Data do Acordão: 12/16/2015
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 372, 590 Nº4 CPC
Sumário: 1 - Instaurado procedimento cautelar de arresto, alegando-se que o empréstimo que a alicerça foi entregue ao defunto marido da requerida para acudir a dificuldades do tráfego comercial do casal, e que esta se comprometeu a restituir a quantia, é o bastante para se concluir que, ao menos implicitamente, o requerente quer significar que também a esta foi concedido.

2- Se a requerida, na oposição ao arresto, não nega, adrede, a dívida, e, menos ainda, a comunicabilidade da mesma por ter sido contraída em proveito do casal, factos e consequência apurados e que levaram ao decretamento da providência, a oposição é inócua, e, assim, devendo ser liminarmente indeferida.

3- O convite ao aperfeiçoamento da exposição da matéria de facto – artº 590º nº4 do CPC – apenas pode ser efetivado, sob pena de violação dos princípios do dispositivo e da substanciação, quando o juiz inequivocamente conclua ter existido lapso/descuido manifesto mas desculpável na exposição/concretização dos factos, que certamente será suprido com o convite.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

A (…) instaurou procedimento cautelar de arresto contra G (…).

Pediu:

O decretamento do arresto sobre o produto do remanescente da venda do património da requerida que foi efetuada em certo processo executivo e que estima ascender a oitenta mil euros.

Alegou:

Emprestou ao falecido marido da requerida, com conhecimento desta, sessenta mil euros.

Nem o falecido marido, nem esta, apesar de ter dito que pagava, restituíram tal valor.

A requerida não tem outros bens.

Produzida a prova, sem contraditório da requerida, foram dados como provados os seguintes factos:

1) O autor entregou a seu irmão e cunhada, L (…) falecido entretanto em 04/12/05, e G (…)a quantia de 60.000 euros, que estes usaram nas empresas que possuíam, com a obrigação de estes restituírem a referida quantia ao autor.

2) A atividade das empresas cessou, e já a meação que a requerida possuía no património comum do casal e o quinhão hereditário recebido foram objeto de venda na execução n.º 159/14.0TBANS, no dia 15/01/2015, não havendo outros bens susceptíveis de ressarcir o crédito referido em 1), para além do remanescente em dinheiro resultante do produto da venda do seu património no referido processo de execução.

Com base em tais factos foi decretado o arresto.

A requerida foi notificada desta decisão.

E deduziu oposição.

Alegou, nuclearmente.

Não teve conhecimento do empréstimo, nem sequer sabendo que o casal atravessava dificuldades financeiras.

Não é verdade que tenha dito ao requerente que pagaria a dívida nem que fosse com bens de que era dona.

A existir, a dívida é da herança, e apenas os bens desta respondem pelo seu pagamento, no âmbito de processo de inventário ainda a tramitar.

2.

Seguidamente foi proferida decisão liminar que julgou improcedente a oposição.

Para tanto, expendeu a Srª Juiz:

Mesmo que os factos nela alegados se provassem, eles não obstariam à decisão que decretou o arresto.

Na verdade, não bastava negar o desconhecimento da dívida, pois que se provou que o dinheiro foi também entregue à requerida.

O que deveria ter sido alegado é que a dívida inexistiu, ou, no mínimo, que a requerida não deu qualquer uso aos 60 mil euros.

Sendo a dívida um encargo da herança, e correndo inventário, a partilha , atento o teor da oposição, ainda não foi feita, pelo que o requerente não pode pedir o arresto dos bens relacionados, mas apenas o remanescente do direito ao quinhão hereditário da requerida, pois que este é o único direito – que não direito a bens relacionados que apenas com a partilha serão adjudicados – que tem no inventário.

Acresce que, não tendo sido impugnada, a dívida também é da responsabilidade da requerente – e não apenas da herança – pelo que o arresto da sua meação é possível.

3.

Inconformada recorreu a oponente.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1 - Nos termos do artigo 372.º do C.P.C. quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência é-lhe lícito deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução, aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 367.º e 368.º.

2 - Na oposição à providência cabe alegar factos que afastem os fundamentos da providência e não o despacho que a decretou, já que este só no recurso pode ser impugnado. (artigo 372.º do C.P.C.)

3 - Os fundamentos da providência são apenas os que foram alegados pelo requerente.

4 - Na sua petição inicial, o requerente em lado algum alegou que tivesse entregue a sua cunhada, aqui requerida G (…), a quantia de 60.000,00 €.

5 - É o que resulta dos artigos 9º, 10º, 12º, 13º, 14º e 15º, d. d. petição onde consta clara e repetidamente que apenas o marido da requerida solicitou ao requerente seu irmão e dele recebeu a quantia de 60.000,00 € e que o seu irmão L (…) não conseguiu restitui-la no prazo comunicado antes que a morte o chamasse.

6 - Na d. decisão ao declarar-se que se encontram indiciariamente provados todos os factos alegados, designadamente que o autor entregou à requerida a quantia de 60.000,00 € e que esta usou nas empresas que possuía com o marido com a obrigação de restituir aquela quantia ao autor, o Meritíssimo Juiz conhece de questão que não foi alegada e da qual não podia tomar conhecimento, por dar por provados factos não alegados, sendo nula tal decisão na parte em que deu como provado que o autor entregou à requerida a referida quantia – artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do C.P.C.

7 - Na sua oposição a requerida contrariou os factos alegados pelo requerente e todos os factos que alegou estão em oposição com os factos alegados pelo requerente – artigo 574.º, n.º 1 e 2 do C.P.C.

8 - Mesmo no artigo 5.º da sua oposição a requerida contrariou a única alusão efetuada no requerimento inicial relativamente à eventual responsabilidade da requerente, efetuada no artigo 16.º do r.i., ao referir que, não é verdade que a requerida sempre tenha transmitido ao requerente que pagaria a dívida, nem que fosse com a entrega de bens de que era dona.

9 – Do alegado nos artigos 3.º, 4.º e 7.º da oposição apresentada pela requerida, resulta que à requerida não foi entregue a quantia de 60.000,00 €, nem qualquer outra.

10 - Quando a requerida alega que desconhecia a existência do empréstimo da quantia de 60.000,00 €, tal facto tem subjacente a negação de que tal dívida tenha sido contraída pela requerida (caso contrário, nem faria sentido esta alegar o seu desconhecimento!)

11 - Face à ausência de alegação por parte do requerente que tenha emprestado os 60.000,00 € à requerida, e face ao teor da oposição, e tratando-se de questão de valor objetivamente elevado (e para a requerida imprescindível à sua subsistência), deveria ter o Meritíssimo Juiz convidado as partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada ao abrigo do disposto nos artigos 590.º, n.º 4 e 7.º, n.º 2 ambos do C.P.C, se dúvidas tivesse quanto à impugnação dos factos alegados no requerimento inicial.

12 - Na d. sentença  recorrida não se fez correcta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 372.º, 615.º, n.º 1, alínea d), 574.º, n.º 1 e 2, 590.º, n.º 4 e 7.º, n.º 2, todos do C.P.C., normas que foram violadas.

4.

Sendo que, por via de regra - artºs 608º nº2,  635º e 639º-A  do CPC -, de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:

Ilegalidade de indeferimento liminar da oposição, por:

I) nulidade por excesso de pronuncia na decisão que decretou o arresto;

II) Suficiência dos factos alegados na oposição para infirmar os alegados pelo requerente;

III) Obrigação do juiz a convidar ao aperfeiçoamento.

5.

Os factos a considerar são os dimanantes do relatório supra.

6.

Apreciando.

6.1.

Quanto ao argumento da nulidade da sentença por excesso de pronúncia, ele soçobra.

Primus porque, nem vistas as coisas, não se trata de uma nulidade da sentença prevista no artº 615º, rectius o excesso de pronúncia.

Há decisão “ultra petitum” sempre que o julgador não confina o julgamento da questão controvertida ao pedido formulado pelo autor ou ao pedido reconvencional deduzido pelo réu e conhece, fora dos casos em que tal lhe é permitido “ex officio”, questão não submetida à sua apreciação.

Para que não se verifique tal vício terá de existir uma correspondência entre a pronúncia e a pretensão, isto é, a sentença não pode decidir para além do que está ínsito no pedido, nos termos formulados pelo demandante. Este princípio é válido quer para o conhecimento excessivo em termos quantitativos, quer por condenação em diverso objeto - excesso qualitativo – cfr. Ac. do STJ de 28.09.2006, dgsi.pt, p.06A2464

Por outro lado e como é consabido e constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, não se devem confundir «questões» a decidir, com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes.

A estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas às pretensões formuladas e aos elementos inerentes ao pedido e à causa de pedir –cfr. Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, 2005, p.228; Antunes Varela in RLJ, 122º,112 e, entre outros, Acs. do STJ de 24.02.99, BMJ, 484º,371 e de 19.02.04, dgsi.pt.

Ora no caso vertente o juiz, na sentença do arresto, não extravasou o que lhe foi pedido, pois que se limitou a decretar o mesmo nos estritos termos em que foi impetrado.

Secundus porque tal nulidade apenas relevaria se existisse e se, aqui, nesta  sede recursiva, pudesse ser conhecida.

Ora nada disto se verifica.

Quanto à sua inexistência urge ter em consideração que o requerente reporta o empréstimo também à requerida.

A instauração do procedimento contra ela assim o indica.

Ademais, ele conexiona a necessidade do mesmo com a atividade comercial e a vida do casal, no âmbito dos quais inclui a intervenção da requerida – artº 3º e segs. do ri.

E chegando inclusive, a alegar que a demandada anuiu a solvê-la com bens de sua pertença – artº 16º -.

O que, tudo, senão expressamente de um modo adrede e inequívoco, pelo menos implicitamente, demonstra que o requerente entende que o empréstimo foi, senão factual e diretamente, pelo menos indiretamente e com conhecimento da requerida, a ela também concedido ou, no limite, que ela por ele é juridicamente responsável, porque, sendo gasto no giro comercial do casal, dele beneficiou; o que é o qb.

Convém, assim, uma palavra para a problemática do pedido tácito ou implícito.

Na verdade, tal como uma declaração negocial, também uma decisão ou um articulado da parte devem ser devidamente analisados e interpretados de sorte a que deles se retire o seu  real e verdadeiro fundamento, sentido e fito.

Nesta conformidade, o intérprete deve partir do texto e do seu sentido perfunctório, liminar e heurístico para, através de adequada hermenêutica jurídica alcançar o real e essencial pensamento, a ratio e teleologia do quid interpretando, pois que só assim se consecute a finalidade suprema a alcançar pela aplicação concreta do direito: a realização efetiva da justiça material – cfr., neste sentido, o Ac. do STJ de 05.11.1998, p. 98B712 in dgsi.pt.

Este vislumbre último pode não advir, desde logo e como é preferível, da letra da declaração adrede consignada, sendo pois, por vezes, necessário efetivar um esforço hermenéutico/exegético para o alcançar, máxime se aquele verdadeiro fundamento e finalidade se indiciarem tácitos ou implícitos.

Ora: «A declaração negocial tácita deve deduzir-se de factos que ‘com toda a probabilidade a revelem» -artigo 217.º, n.º 1 do CC.

Assim: «a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução, no sentido de auto regulamento tacitamente expresso, seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade …A univocidade dos “facta concludentia” deve ser aferida por um critério prático que não de acordo com um critério estritamente lógico. Há que buscar um grau de probabilidade da vida da pessoa comum, de os factos serem praticados com determinado significado negocial.

 Já a autorização ou aceitação implícita não tem de se inferir de factos por inequivocamente se conter na declaração integrando-se na vontade que esta exprime» - Ac. do STJ de  01.07.2008, p. 08A1920 in dgsi.pt, citando Mota Pinto in Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª ed., 425.

Por conseguinte, tem sido entendido que, por ex., na ação de reivindicação, quando o autor pede e vê reconhecido o seu direito de propriedade, tem direito à restituição da coisa, mesmo que não tenha expressamente formulado tal pedido – cfr. Ac. do STJ de 05.11.1998, p. 98B712.

E demonstrada a propriedade – cujo pedido de reconhecimento pode ser implícito – a restituição só pode ser recusada excepcionalmente e apenas nos casos previstos na lei, assumindo-se pois a entrega/restituição como consequência da constatação daquele direito, por o direito de reivindicar ser uma manifestação da sequela – artº 1311º nº2 do CC e Acs. do STJ de  13.07.2010 e de 08.02.2011, dgsi.pt, p. 122/05.1TBPNC.C1.S1 e 12/09 9T2STC.E1.S1.

O que, tudo, tem aqui cabimento e aponta no sentido supra exposto.

Mas, bem vistas as coisas, este argumento nem sequer pode ser invocado nesta sede recursiva.

Pois que ele reporta-se à sentença que decretou o arresto.

Mas o recurso não versa diretamente sobre esta sentença, mas antes sobre a decisão que indeferiu liminarmente a oposição.

Ademais verifica-se que na oposição a ora recorrente não esgrimiu este argumento, o qual, assim, nem sequer foi apreciado na decisão ora recorrida.

Tal argumento é, pois, novo.

Ora como é consabido, os recursos destinam-se apenas a reapreciar questões decididas e não questões novas.

6.2.

No atinente à suficiência dos factos da oposição.

Se a providência cautelar for decretada após prévia citação do requerido, o único meio de reação de que este dispõe é o recurso da respetiva decisão.

Decretada ela sem audiência prévia do requerido, este tem duas vias alternativas, que não cumulativas – de se insurgir contra a decisão: 

a) ou recorre, nos termos gerais, quando entenda que, face aos elementos apurados, tal decretamento não deveria ter ocorrido, e, ocorrendo, é ilegal.

 b) ou deduz oposição, caso em que deve alegar novos factos ou produzir novos meios de prova que possam afastar os fundamentos da providência ou implicar a sua redução – artº 372º nº1  al.s a) e b) do CPC  - cfr. Ac. do STJ de 10.07.2012, p. 3482/06.3TVLSB.L1.S1.

Neste último caso, a decisão que mantiver, reduzir ou revogar a providencia, constitui complemento ou parte integrante  da inicialmente proferidanº3 do artº 372º.

Vale isto por dizer que este segmento normativo: « consagra uma exceção ao princípio segundo o qual, proferida a sentença, fica esgotado o poder jurisdicional, quanto à matéria da causa…nestes casos a decisão inicial não faz caso julgado, configurando-se como «decisão provisória», de forma que, com a segunda decisão…o procedimento cautelar passa a ter uma decisão unitária.» - Ac. do STJ de 06.07.2000, BMJ, 499º, 205.

Assim, o incidente de oposição  previsto não implica, tout court, a reapreciação da decisão que decretou a providência, mas antes conferir a possibilidade  de revisão da convicção anteriormente formada,  ex vi dos novos factos aduzidos pelo requerido e/ou dos novos meios de prova por ele apresentados e que o tribunal não pôde antes apreciar pois que o requerido não foi chamado ao processo – cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma, 3º, 2ª ed. p..278.

Vejamos.

Atento o anteriormente expendido, verifica-se que a prova de que o dinheiro foi «entregue» ao marido da requerida e a esta, é possível e legal.

Sendo de notar que a alegação e o termo «entrega» não deve ser entendidos em sentido restrito, ou seja, na apertada interpretação do simples ato material de transferência da quantia.

Aliás, mesmo nesta interpretação, a entrega certamente que seria feita, na totalidade, apenas a um dos membros do casal – aqui e pelo que é alegado, ao marido.

Na verdade, o que está subjacente à entrega, e assim este termo deve ser interpretado, é que o dinheiro foi colocado à disposição do casal - ou, concedendo, ao marido, mas com conhecimento da requerida – para que este fosse aplicado nos negócios e no comércio que eles prosseguiam, até mediante firmas das quais eram sócios, ou seja, fosse despendido em benefício do casal.

Decorrentemente, para afastar a sua responsabilidade  deveria ela impugnar frontal, edrede e inequívocamente que a «entrega» quanto a si, não se verificou, nem no sentido material, nem, acima de tudo e relevantemente, no sentido económico.

Ora a requerida limita-se a invocar o desconhecimento  - aliás, dada a natureza das coisas e as regras da experiencia, argumento inverosímil, e, assim, não atendível porque não justificado, de que era completamente alheia aos negócios do casal - do empréstimo.

Mas tal alegação, só por si, não significa ou impede que ele tenha sido concedido.

Mais.

Mesmo que tal desconhecimento fosse verídico, restava ainda a entrega ao marido e a sua, natural e presumida, aplicação em benefício do casal.

O que acarreta a inelutável consequência de a dívida ser comum e da responsabilidade de ambos os cônjuges – artº 1691º nº1 als. b) c) e d) do CC.

Certo é que pelas dívidas comuns respondem, em primeira mão, os bens comuns do casal e, apenas na sua falta ou insuficiência, os bens próprios de qualquer dos cônjuges – artº 1695º do CC.

E que, por via de regra, pelas dívidas do falecido, respondem os bens da herança, enquanto património autónomo e ente com personalidade judiciaria – artºs 2068º, 2071º do CC e 12º al. a) do CPC.

Porém, no caso vertente mais se provou que não há outros bens susceptíveis de ressarcir o crédito para além do remanescente em dinheiro resultante do produto da venda do património da requerida no referido processo de execução.

Tanto basta para que, atenta a natureza e efeitos da presente providência, o arresto possa ser decretado no  bem  da requerida apurado.

Ademais, a questão da natureza  e domínio dos bens que é legal arrestar, posto que tenha sido colocada na oposição, não é invocada no presente recurso, pelo que dela nem sequer aqui é possível conhecer.

6.3.

Do aperfeiçoamento.

O processo civil é, essencial e determinantemente, um processo de partes, nas quais estas devem alegar os factos – causa petendi – consubstanciadores da sua pretensão, pelo modo e no tempo legalmente definidos, sob pena de não mais o poderem efetivar.

Assim o impõem os princípios do dispositivo, da substanciação, da autorresponsabilidade e da preclusão.

Certo é que as sucessivas reformas adjetivas têm vindo a privilegiar a substancia sobre a forma, a verdade material sobre a verdade processual formal.

Mas tal não deve ser conseguido a todo o custo, com postergação daqueles magnos princípios e com possível violação do necessário dever de imparcialidade e equidistância do juiz em relação às partes.

O que, ainda, poderia levar a uma delonga acrescida da decisão da causa,  com afetação e prejuízo de outro eminente  fito das aludidas reformas, qual seja a de que a justiça deve ser o mais célere possível, pois que, muitas vezes, decisão tardia já não é decisão justa.

Note-se que presentemente, no processo comum, a lei pretende que ele assuma, por via de regra, apenas dois articulados, petição e contestação, devendo os argumentos da ação e da defesa neles serem totalmente plasmados.

Nesta conformidade o poder/dever conferido ao juiz pelo artº 590º nº4  no sentido de convidar as partes a suprir as «insuficiências ou imprecisões  na exposição ou concretização da matéria de facto alegada», tem de ser interpretado cum granno sallis i. e. sensata, comedida e cautelosamente.

Decorrentemente, tal atividade inquisitória apenas poderá sobrevir quando efetivamente o juiz se convença e conclua, sem margem para quaisquer dúvidas, que a parte menos disse ou esclareceu do que podia ou devia e que, em termos de normalidade, melhor e mais esclarecidamente, pode e deve alegar e concretizar.

Caso contrário está a substituir-se à parte, com violação dos supra mencionados princípios.

Neste sentido se inclinando, se bem intuímos, a jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal.

Assim:

No domínio da lei antiga:

«…o n.º 3 (do artº 508º) … permite ao juiz convidar qualquer das partes a suprir insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, tratando-se de uma faculdade, a gerir conforme a conveniência de economia de meios e custos, celeridade processual, a eficácia ou a prontidão na realização da justiça, no caso, concretamente.

 Mas em qualquer das situações anteriormente contempladas, o convite só tem sentido se as deficiências forem estritamente formais, ou de natureza secundária, não reabrindo a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos fundamentos em que assentam, com vista a obter, por exemplo, novo prazo, nova formulação do pedido, neutralizando a eficácia do principio processual da preclusão da prática de actos processuais.» - Ac. do STJ de 20.05.2004, p.04B1218 in dgsi.pt.

E, no âmbito da lei nova, não obstante esta ter transmutado a natureza jurídica de tal convite de uma mera faculdade, para um poder/dever funcional:

«Para além de providenciar oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, no âmbito dos deveres de gestão processual, o exercício do poder-dever do Juiz de convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados tem limitações: não só se inscreve num momento processual próprio, como visa simplesmente o suprimento de eventuais irregularidades (que os articulados evidenciem), formais ou outras, nomeadamente as relativas a insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.

 O poder cometido ao julgador no sentido de realizar ou ordenar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio tem como baliza os factos de que lhe é lícito conhecer, sendo que, quanto a estes, é às partes que cabe, por regra, alegar os factos essenciais que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.» - Ac. do STJ de 25.03.2015, p. 4776/05.0TTLSB.L2.S1.

(sublinhado nosso)

No caso vertente tais requisitos não estão preenchidos.

A opoente alegou na oposição nos termos algo laterais e ineficazes, supra expostos, ou seja, e em síntese, que desconhecia o empréstimo.

Ademais não ilidiu a presunção de comunicabilidade da dívida decorrente de o dinheiro ter sido gasto para acudir aos débitos da atividade comercial do casal, pois que não impugnou tal adstrição do dinheiro recebido.

Antes acabando por admitir a existência do empréstimo, e somente pugnando que por ele devem responder apenas os bens da herança.

Perante esta alegação não incumbia ao juiz, porque nem sequer tinha elementos para tal, operar uma análise da alegação no sentido de concluir que a oponente menos bem andou na exposição da sua posição; e muito menos, podia concluir  que a opoente, meridianamente, ficou aquém, por erro ou desculpável negligencia, do que devia na exposição/concretização factual da sua oposição.

Aquela foi a posição da oponente e, repete-se, inexistiam nos autos elementos bastantes para concluir que outra, mais acutilante, inequívoca e processualmente relevante, era.

Improcede o recurso.

7.

Sumariando.

I - Instaurado procedimento de arresto, alegando-se que o empréstimo que a alicerça foi entregue ao defunto marido da requerida para acudir a dificuldades do trafego comercial do casal, e que esta se comprometeu a restituir a quantia, é o bastante para se concluir que, ao menos implicitamente, o requerente quer significar que também a esta foi concedido.

II - Se a requerida, na oposição ao arresto, não nega, adrede, a dívida, e, menos ainda, a comunicabilidade da mesma por ter sido contraída em proveito do casal, factos e consequência apurados e que levaram ao decretamento da providência, a oposição é inócua, e, assim, devendo ser liminarmente indeferida.

III - O convite ao aperfeiçoamento da exposição da matéria de facto – artº 590º nº4 do CPC – apenas pode ser efetivado, sob pena de violação dos princípios do dispositivo  e da substanciação, quando o juiz inequivocamente conclua ter existido lapso/descuido manifesto mas desculpável na exposição/concretização dos factos,  que  certamente será suprido com o convite.

8.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pelo recorrente.

Coimbra, 2015.12.16.

Carlos Moreira

Moreira do Carmo ( com declaração )

Fonte Ramos ( votei a decisão)

Declaração

Concordo com o decidido. Mas não consigo acompanhar o pensamento jurídico constante da parte do ponto 6.3 ( pág. 6/7) e que está sumariado em :

 III O convite ao aperfeiçoamento da exposição da matéria de facto – art.590 nº4 do CPC – apenas pode ser efectivado, sob pena de violação dos princípios do dispositivo e da substanciação, quando o juiz inequivocamente conclua ter existido lapso/descuido manifesto mas desculpável na exposição/concretização dos factos, que certamente será suprido com o convite.

Não vejo que a lei apenas preveja o dever de proferir despacho de aperfeiçoamento quando se conclua ter existido “descuido manifesto mas desculpável na exposição/concretização dos factos”. Nem o acórdão do STJ de 2015 referido no texto adianta que assim seja no aspecto referido.

O que resulta da lei é que detectando o juiz nos articulados imprecisão ou insuficiência na exposição da matéria de facto – factos principais ou essenciais – deve proferir tal despacho de aperfeiçoamento haja mais ou menos descuido na exposição/concretização da matéria de facto. É isso que o aludido acórdão do STJ também refere na expressão “ que os articulados evidenciem”.

Se não o fizer comete nulidade processual dependente de arguição ( há quem defenda, na doutrina e jurisprudência, mais profundamente que se tratará de uma nulidade da decisão por omissão de pronúncia, posição que se afigura ser claramente minoritária).

Assim, no caso em análise, se a recorrente entende que devia haver despacho de aperfeiçoamento devia ter arguido a respectiva nulidade processual, o que não fez.

Moreira do Carmo