Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
21/13.3PTVIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: CONVERSÃO DA MULTA NÃO PAGA EM PRISÃO SUBSIDIÁRIA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PRISÃO SUBSIDIÁRIA
Data do Acordão: 11/18/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (INST. LOCAL CRIMINAL DE VISEU - J3)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 49.º, N.º 3, DO CP
Sumário: I - Visando a aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 49.º do CP, a demonstração de que o não pagamento da pena de multa não é imputável ao condenado pode fazer-se por via da prova de factos positivos, de onde resulte essa não imputabilidade.

II - Por que a suspensão da prisão subsidiária se traduz num poder-dever ou poder-vinculado do tribunal, constando dos autos elementos demonstrativos de uma situação de precariedade económica/financeira do condenado, induzindo fundamentadamente o juízo de que o não pagamento da multa decorre de razão que àquele não é imputável, então é mister concluir encontrarem-se reunidas as condições para decidir pela suspensão da execução da prisão subsidiária [sanção de constrangimento, visando, de facto, em último termo, constranger o condenado a pagar a multa], nos precisos termos previstos no normativo acima indicado.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do processo n.º 21/13.3ptvis-A, da Comarca de Viseu, Viseu – Inst. Local – Secção Criminal-J3, por despacho judicial de 20.04.2015, foi determinado o cumprimento pelo arguido A... , melhor identificado nos autos, de 40 dias de prisão subsidiária, correspondente a 2/3 dos dias de multa não paga em que foi condenado.

2. Inconformado, recorreu o arguido, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:

1. No âmbito destes autos, foi, originariamente, o recorrente condenado na pena de 60 dias de multa, no quantitativo diário de € 7,00 (sete euros) e no quantitativo global de € 420,00 (quatrocentos e vinte euros).

2. O arguido como sempre confessou, admitiu ter praticado os factos que lhe são imputados.

3. E, humildemente, reconheceu o seu dever em pagar a multa que, em consequência dos seus atos, resulta. Ainda assim,

4. Entendeu o arguido que o valor fixado, a título de quantitativo diário, atentos os factos tidos por assentes é, excessivo e, por isso, ilegal.

5. O arguido apenas aufere a quantia mensal fixa de 250,00€ e, a quantia mensal, variável, média de 100,00 €.

6. O arguido tem as despesas normais de qualquer agregado familiar, composto por um casal e por um filho menor, recém-nascido.

7. E, a somar a esta, tem ainda de arcar com uma renda mensal de 310,00€.

8. Ou seja, o valor auferido pelo arguido é, na quase íntegra, consumido, pela renda que tem de pagar para assegurar um teto para si e para a sua família.

9. E, por isso, este Tribunal da Relação entendeu e decidiu alterar a decisão recorrida e reduzir o quantitativo diário da multa.

10. E, é por força dessa mesma situação económica, que justificou a alteração da sentença recorrida, que se justifica a alteração da decisão agora sob recurso.

11. Pois que, dos autos, resulta provado que a razão do não pagamento da multa não é imputável ao arguido.

12. Como já alegado nos autos, só, por manifesta impossibilidade material, o arguido não conseguiu cumprir o pagamento da multa.

13. Como consta dos autos, a fls. 201-205, o arguido é prestador de serviços, sem rendimento mensal fixo e atentos os últimos três recibos dos pagamentos, o arguido auferiu, apenas: 73,10€, 166,66€ e 770,92€.

14. Verifica-se ainda que não possui qualquer automóvel.

15. A última vez que teve uma remuneração fixa foi há mais de 3 anos – fevereiro de 2012 (fls. 178-180).

16. Logo, atento o disposto no artigo 49.º, n.º 3 do Código Penal:

17. Impunha-se que, porque provado que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, fosse a execução da prisão suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.

18. Assim, impunha-se, assim se entende, atenta toda a prova existente nos autos, suspender a execução da prisão subsidiária, ainda que subordinando a mesma ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro.

19. Sendo que a decisão recorrida violou, precisamente, o disposto no artigo 49.º, n.º 3 do Código Penal.,

20. Impondo-se, por isso, a revogação da decisão recorrida e a sua substituição, por outra, que conclua pela suspensão da execução da prisão subsidiária.

21. Termos em que, por violação do disposto no artigo 49.º, n.º 3 do Código Penal se requer a revogação da decisão recorrida, concluindo-se pela suspensão da execução da prisão subsidiária, por um período de 1 a 3 anos, subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro.

3. Foi o recurso admitido, fixado o respetivo regime de subida e efeito.

4. Ao recurso respondeu o Ministério Público, o que fez contrariando a argumentação expendida pelo recorrente, concluindo: «Destarte, não se mostrando possível a cobrança coerciva de tal pena e não tendo sido requerida a sua substituição por trabalho a favor da comunidade, apenas restava ao Tribunal a conversão da mesma no correspondente tempo de prisão subsidiária, em obediência ao consignado no artigo 49º, n.º 1, do Código Penal

Deste modo, a decisão recorrida não merece qualquer censura, encontrando-se a mesma devidamente fundamentada, de facto e de direito».

5. Na Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no qual, concordando genericamente com a resposta apresentada em 1.ª instância pelo Ministério Público, se pronunciou no sentido da improcedência do recurso.

6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, o recorrente não reagiu.

7. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

     De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP, e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, o âmbito do recurso é delimitado em função das conclusões sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, ainda que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].

Sendo estes os parâmetros, no presente caso a única questão que importa dirimir traduz-se em saber se, em face das circunstâncias concretas, deveria o tribunal ter decidido pela suspensão da execução da prisão subsidiária.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar do despacho recorrido:

«Requerimento de fls. 211:

A sentença transitou em julgado em 21-10-2013.

Está decorrido o prazo para pagamento voluntário, para requerer o pagamento da multa em prestações ou para requerer o deferimento do pagamento integral no prazo de um ano, tudo nos termos previstos no art. 47.º e 48º, ambos do Código Penal.

Aliás, o arguido já requereu o pagamento em prestações, o que lhe foi deferido em 7.1.2014.

Assim sendo, por extemporâneo, indefiro o requerido deferimento do pagamento da multa.

Notifique.


*

Ao arguido A... foi aplicada a pena de 60 dias de multa, no quantitativo diário de 6,00€.

Tendo-lhe sido deferido o pagamento da multa em prestações (cf. fls. 115), o arguido não pagou nenhuma delas (cf. fls. 153) razão pela qual se declarou o respetivo vencimento (cf. fls. 155).

O arguido nada disse quanto às razões do incumprimento nem então alegou a alteração das circunstâncias da sua vida, nomeadamente os dos seus rendimentos.

Não foi possível a cobrança coerciva da multa, por falta (presente) de bens penhoráveis conhecidos que o permitisse, sendo inviável fazê-lo com base em rendimentos aleatórios e variáveis de valor inferior ao salário mínimo nacional, estes que se apuraram junto da entidade para quem o arguido presta serviços.

Assim, e de acordo com o disposto no artigo 49.º, n.º 1, do Código Penal, determina-se que o arguido cumpra 40 dias (2/3 dos dias de multa não paga em que foi condenado) de prisão subsidiária.

Notifique, também na pessoa do arguido, por via postal simples, com PD com a advertência de que, após trânsito, serão passados mandados de detenção para cumprimento da prisão subsidiária».

3. Apreciação

Decorre com clareza das conclusões incidir a divergência do recorrente no facto de não ter sido, embora subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro, suspensa na sua execução a prisão subsidiária, com o que resultaria violado o n.º 3 do artigo 49º do C. Penal.

Escortinemos, pois, o que de pertinente para a decisão, no essencial, resulta dos autos.

 Assente está [nunca foi colocado em crise] ter sido o arguido condenado, por sentença transitada em julgado em 21.10.2013, na pena de 60 [sessenta] dias de multa, à razão diária de € 6,00 [seis euros].

Em 29.11.2013, invocando dificuldade, decorrente da sua situação sócio-económica, para satisfazer integralmente a pena de multa, requereu o arguido, ora recorrente, o respetivo pagamento em prestações, o que lhe foi deferido por despacho de 07.01.2014.

Verificada a falta de pagamento de qualquer das prestações, ultrapassado que se mostrava o prazo para o efeito, em 11.06.2014 foram as mesmas declaradas integralmente vencidas [artigo 47.º, n.º 5 do C. Penal] e, simultaneamente, determinada a emissão de guias para pagamento integral.

Notificado da decisão, veio o arguido, em 23.06.2014, justificar o não pagamento da pena de multa em virtude de se encontrar, para tanto, economicamente impossibilitado, alegando, então, serem os seus rendimentos «parcos e mal darem para comer», adiantando, contudo, acreditar vir a estar, no fim do mês de Agosto, em condições de poder satisfazer a pena de multa, requerendo, em consequência, o deferimento do seu integral pagamento para o início de Setembro.

Na sequência foi solicitado à entidade para a qual o arguido prestava serviço informação sobre o montante da retribuição e acréscimos legais, pelo mesmo, auferidos, o que obteve resposta no sentido de não ser o mesmo «colaborador da Vodafone Portugal», antes, «um prestador de serviços», sem um «rendimento fixo mensal», procedendo, então, a dita operadora, à junção de cópia dos três últimos recibos relativos às quantias por aquele auferidas, cifrando-se estas relativamente a 01.10.2014, 27.10.2014 e 24.11.2014, em € 73,10, € 166,66 e € 770,92, respetivamente.

Constatado nos autos não possuir o arguido qualquer automóvel registado em se nome e, ainda, reportar-se o último registo na Segurança Social a remunerações correspondentes ao mês de Fevereiro de 2012, entendendo o Ministério Público, em função da natureza incerta dos rendimentos e, bem assim, do respetivo montante, inviabilizado o pagamento coercivo da multa, requereu o Digno Magistrado a substituição da pena de multa por dias de prisão subsidiária.

Por requerimento de 07.04.2015, uma vez mais, fazendo apelo à sua debilitada situação sócio-económica, solicitou o ora recorrente que lhe fosse autorizado o respetivo pagamento dentro do prazo de um ano.

Ocasião em que promoveu o Ministério Público [transcrição parcial]:

«Conforme referido, o arguido não procedeu ao pagamento da multa, sendo que também não requereu a substituição da multa por trabalho a favor da comunidade e os rendimentos que foi possível apurar não são certos, nem é certo que qualquer futuro pagamento a efetuar pela entidade patronal à qual presta serviço seja penhorável atento os recibos juntos e o limite fixado no art.º 738.º n.º 3 do NCPC (o montante equivalente ao salário mínimo nacional), pelo que se mostra inviabilizado o pagamento coercivo da multa, estando reunidos os pressupostos para que cumpra prisão subsidiária.

Nos termos do art. 49.º n.º 3 do Código Penal, “se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. (…) ”.

Assim, para que a execução da pena subsidiária seja suspensa é necessário que o arguido prove que o não pagamento da multa ocorre por motivo que não lhe é imputável, isto é, que não tem culpa de não a ter pago (…).

No caso dos autos o arguido declarou trabalhar como vendedor de telecomunicações na Vodafone (Porto) auferindo, pelo menos, um rendimento mensal de 500,00 € (quinhentos euros) com o qual poderia ter pago a multa em prestações no montante mensal de 60€ conforme já referido.

Nestes termos, concluímos que o arguido nenhuma prova fez de que o não pagamento da multa ocorre por motivo que não lhe é imputável, pelo que promovo que se determine que a pena de 60 (sessenta) dias de multa em que o arguido foi condenado seja substituída por 40 (quarenta) dias de prisão subsidiária, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 49.º n.º 1 do Código Penal».

No seguimento do que veio a ser proferido o despacho recorrido.

Perante o quadro traçado, pergunta-se: Estão, ou não, reunidas as condições para a suspensão da prisão subsidiária?

Nos termos do artigo 49.º do Código Penal:

1. Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços (…);

(…)

3. Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de um a três anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.

(…).

Sem questionar a circunstância de o legislador fazer recair sobre o condenado a prova de que a razão de ser do não pagamento da multa lhe não é imputável - incumbência cuja conformidade à lei fundamental já foi reconhecida pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 491/2000, de 22.11.2000 -, afigura-se-nos, de todo, irrazoável que se, por força das vicissitudes com vista ao cumprimento da pena, resultar dos autos uma situação de precariedade económica/financeira por parte daquele, ao ponto de inviabilizar a cobrança coerciva da multa [não já porque não lhe sejam conhecidos rendimentos – os quais sempre poderiam existir – mas, antes, em função daqueles surgirem, mesmo, em razão do valor, por força da lei, comprometedores de uma eventual penhora] situação, essa, sustentada por documentos e informações que o próprio tribunal se encarregou de reunir, se ignorem, para efeito da suspensão da prisão subsidiária, os elementos, assim, recolhidos.

De facto, conforme decorre do citado aresto do Tribunal Constitucional, a demonstração de que o não pagamento da pena de multa não é imputável ao condenado pode naturalmente fazer-se por via da prova de factos positivos, de onde resulte essa não imputabilidade. Basta pensar, por exemplo, na apresentação de determinados documentos (declaração de rendimentos, recibo do subsídio de desemprego, atestado da junta de freguesia, declaração relativa a eventual internamento hospitalar, entre outros), dos quais se deduza não ser imputável ao condenado o não pagamento da multa em que foi condenado.

E neste domínio não podem, no caso em apreço, deixar de ser considerados todos os elementos carreados para os autos, já quanto à inexistência de vínculo laboral, já quanto ao montante dos rendimentos auferidos, já quanto aos descontos para a Segurança Social, já, finalmente, quanto à informação da inexistência de veículos, em seu nome, registados.

Quer a razão de ser do não pagamento por facto não imputável ao condenado remonte ao momento da condenação, quer surja posteriormente, como refere Maria João Antunes «depois das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 48/95, quer a razão do não pagamento da pena de multa seja contemporânea da condenação quer seja superveniente, a solução é sempre a da suspensão da execução da prisão subsidiária, nos termos do n.º 3 do artigo 49.º do CP, quando tal razão não seja imputável ao condenado, em observância do princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 2, da CRP)» - [cf.. “Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 69].

Traduzindo-se a suspensão da prisão subsidiária num poder-dever ou poder-vinculado do tribunal, constando dos autos elementos que insofismavelmente apontam para uma situação de precariedade económica/financeira do condenado, induzindo fundamentadamente o juízo de que o não pagamento da multa decorre de razão que não lhe é imputável, então, é mister concluir encontrarem-se reunidas as condições para decidir pela suspensão da execução da prisão subsidiária [sanção de constrangimento, visando, de facto, em último termo, constranger o condenado a pagar a multa], por um período compreendido entre os limites mínimo e máximo legalmente previstos, subordinando-a ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro, que se venham a revelar adequadas.

III. Decisão

Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar procedente o recurso, revogando o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que determine a suspensão da prisão subsidiária, subordinada ao cumprimento dos deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro que se mostrem adequadas ao caso, tudo em conformidade com o disposto no artigo 49.º, n.º 3 do CPP.

Sem tributação

Coimbra, 18 de novembro de 2015

[Processado e revisto pela relatora]

(Maria José Nogueira - relatora)

(Isabel Valongo - adjunta)