Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1622/10.7TBACB-H.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: INSOLVÊNCIA
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RENDAS
MASSA INSOLVENTE
DÍVIDAS
Data do Acordão: 06/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - ALCOBAÇA - INST. CENTRAL - 2ª SEC.COMÉRCIO - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 47, 51, 89, 146 CIRE
Sumário: 1.- Optando o administrador da insolvência pela manutenção do contrato de arrendamento em que a insolvente é arrendatária, as rendas vencidas desde a declaração da insolvência constituem dívidas da massa insolvente (art. 51º, nº1, als. e) e f), do CIRE).

2.- A ação intentada pelo senhorio com vista à cobrança dessas rendas corre por apenso ao processo de insolvência, nos termos do art. 89º, nº2 (e não do art.146º), do mesmo diploma legal.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A (…) e outros interpuseram ação contra a massa insolvente de P (…) Lda, por apenso ao processo n.º 1622/10.7TBACB, no qual, por sentença de 01/03/11, foi declarada a insolvência daquela sociedade, pedindo o pagamento de € 30.000,00, e juros contados da citação.

Para tanto, os Autores alegam o não pagamento de rendas vencidas, desde março de 2011 a fevereiro de 2012, suportadas no contrato de arrendamento estabelecido entre os Autores e a Insolvente.

O pedido foi indeferido liminarmente, por estar fora do prazo previsto no art. 146.º, n.º2, al. b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.         


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Inconformados, os Autores recorreram e apresentam as seguintes conclusões:

I. O thema decidendum é saber se uma qualquer Massa Insolvente pode ser demandada através de acção comum por dívidas da sua responsabilidade, nomeadamente as resultantes da falta de pagamento de rendas relativas a contrato

de arrendamento para comércio (celebrado pela insolvente na qualidade de arrendatária) que, após a declaração da insolvência, não veio a ser denunciado pelo respectivo Administrador da Insolvência.

II. O n.º 1, do Art.º 108.º do CIRE, determina que a declaração de insolvência não suspende o contrato de locação em que o insolvente seja locatário, mas o Administrador da Insolvência pode sempre denunciá-lo com um pré-aviso de 60 dias, se nos termos da lei ou do contrato não for suficiente um pré-aviso inferior.

III. Significa que, com a declaração de insolvência, a devedora é automaticamente substituída pela Massa Insolvente, na qualidade de arrendatária, no contrato de arrendamento para comércio.

IV. A Massa Insolvente (no que ao arrendamento diz respeito) substitui a devedora em todos os direitos e obrigações, podendo dar continuidade ao contrato ou podendo denunciá-lo, sendo que, optando pela primeira hipótese, terá de proceder ao pagamento das rendas.

V. O pagamento das rendas, após a declaração da insolvência é, nos termos do Art.º51.º, n.º 1, alínea e), do CIRE, da responsabilidade da Massa Insolvente.

VI. É entendimento jurisprudencial pacífico que, após a declaração da insolvência, as rendas são dívidas da Massa Insolvente. Neste sentido vide:

a. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28.03.2012, Processo:

1483/10.6TBBGC-H.P1; b. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08.04.2010, Processo 2715/08.6TBVCD.P1; c. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 03.05.2011, Processo: 2158/07.9TJPRT-B.P1; d. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 03.12.2009, Processo: 826/09.0TJPRT.P1, todos consultáveis em www.dgsi.pt;

VII. Sendo a causa de pedir, numa acção de processo comum intentada contra a Massa Insolvente, a falta de pagamento das rendas vencidas após a decretação da insolvência, tal acção (em que a Massa Insolvente figura como ré)

não pode ser indeferida liminarmente como se de uma acção de verificação ulterior de créditos extemporânea se tratasse.

VIII. Face à causa de pedir não podia o Tribunal a quo configurar a acção como uma acção de verificação ulterior de créditos (extemporânea).

IX. Assim o determina o preceituado no Art.º 89.º, do CIRE, norma que regula as condições de acesso à acção de processo comum para cobrança de dívidas da massa insolvente.

X. Se o recurso a uma acção comum contra a Massa Insolvente, por dívidas desta, não fosse possível, o Art.º 89.º do CIRE, simplesmente, não existiria.

XI. O Tribunal a quo violou, portanto, as disposições legais contidas nos Art.ºs 89.º e 146.º, ambos do CIRE, na medida em que tendo aplicado, no caso em concreto, o preceituado no Art.º 146.º, deveria ter aplicado o disposto no Art.º 89.º, ambos do CIRE.

XII. Bem como o disposto no art.º 51, n.º 1, e) do CIRE.

XIII. O Tribunal a quo errou, pois, na determinação da norma aplicável.


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            Não foram apresentadas contra-alegações.

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            A questão a decidir é a de saber como se aciona o crédito reclamado.

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            Factos a considerar (documentados), para além dos já relatados:

Na ação, os Autores alegam ainda:

“Na sequência da declaração da insolvência da P (…) Lda., sociedade que deu origem à aqui ré, a mesma não denunciou o aludido contrato de arrendamento e continuou na posse dos imóveis, objecto do aludido contrato de arrendamento.”

“Tal posse durou até meados de Fevereiro de 2012, altura em que a ré, através da entrega das respectivas chaves, deu a posse dos imóveis aos autores livres de pessoas e bens.”

“A ré, desde a data de declaração da insolvência da devedora P (…) Lda. até à altura em que procedeu à entrega das chaves aos autores, apenas procedeu ao pagamento das rendas de Outubro de 2011 e de Janeiro de 2012.”

“A ré, a título de rendas vencidas e não pagas, é devedora aos autores do montante global de €30.000,00.”

“Nos termos do Art.º 51, n.º 1, e), do CIRE, são dívidas da massa insolvente, qualquer divida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado pelo administrador da insolvência.”


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            Conforme a petição, os Autores acionam um contrato de arrendamento com P (…) Lda, que se manteve em vigor para além da data da declaração de insolvência desta. Na vigência do contrato, não foram pagas rendas entre março de 2011 e fevereiro de 2012.

De acordo com o n.º 1 do art. 108.º do Código da Insolvência (doravante CIRE), apesar da declaração de insolvência, não se suspende o contrato de locação em que o insolvente seja locatário, embora o administrador possa denunciá-lo.
Mantendo-se o contrato, mantém-se devida a contrapartida pela ocupação. De quem é a responsabilidade por esta contrapartida?

O CIRE, conforme especifica o legislador no nº21 do Preâmbulo do diploma de aprovação do Código, procedeu à distinção formal entre dívidas da insolvência e dívidas da massa insolvente, delimitando umas das outras nos arts.47º e 51º da lei.

As dívidas da massa insolvente são, grosso modo, as constituídas no decurso do processo de insolvência.

Assim, de acordo com o art.51º, nº1, alíneas e) e f), do CIRE, as dívidas resultantes de contrato bilateral, cujo cumprimento não foi recusado, desde que não se reportem a período anterior à declaração de insolvência, são tidas por dívidas da massa insolvente.

No caso, porque os Autores exercitam um direito a rendas, relacionado com a manutenção do contrato de arrendamento, já que não denunciado pelo administrador da insolvente, a correspetiva dívida não é da insolvência mas, sim, da massa insolvente.

C. Fernandes e J. Labareda, CIRE Anotado, 2009, página 240, explicam: “Por outro lado, se há o direito a optar entre o cumprimento e a resolução – e nesta eventualidade apenas poderia haver lugar a indemnização da contraparte como crédito sobre a insolvência –, é de crer que se o administrador seguiu o primeiro caminho é porque isso é útil para a generalidade dos credores, o que significa comportar algum ganho para a massa ou evitar-lhe alguma perda, visto o negócio em causa na sua globalidade. Mas, se é assim, então parece justo que a massa cumpra também, pronta e prioritariamente, as obrigações que são, afinal de contas, a contrapartida da prestação do terceiro.”

Qualificado o crédito ou a dívida, como se aciona o mesmo?

O tribunal recorrido aplicou à situação o art.146º do CIRE.

Porém, como resulta da sua inserção sistemática, a ação ali prevista enquadra-se no capítulo III do Título V, que começa no art.128º, relativo aos credores da insolvência e a créditos sobre a insolvência.

De forma diferente, o art. 89.º do CIRE (Ações relativas a dívidas da massa insolvente) está no Título IV do Código. Estas acções também correm por apenso ao processo de insolvência mas não está previsto qualquer prazo de propositura para as mesmas. (Neste sentido, os acórdãos referidos pelos Autores e na Relação de Lisboa, o de 28.5.2013, no processo 208/10.)

            Pelo exposto, não sendo aplicável o art.146º do CIRE, os recorrentes têm razão e a petição não podia ser indeferida liminarmente, por não estar fora do prazo, que não existe.

(Além disso, no sentido de que o prazo estabelecido na alínea b), do nº2, do art. 146º do CIRE, é de caducidade, não sendo esta de conhecimento oficioso (como entendeu o tribunal recorrido), ver acórdãos da R.Porto, de 17.6.2014 e de 21.2.2013, nos processos 1218/12 e 2981/11, respetivamente, e da R.Guimarães, de 6.2.2014 e de 15.11.2012, nos processos 1551/12 e 123/11, respetivamente, em www.dgsi.pt.)


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Decisão.

            Julga-se o recurso procedente, revoga-se a decisão recorrida e ordena-se o prosseguimento dos autos.

            Custas conforme for decidido a final.

Coimbra, 2015-6-23


 (Fernando de Jesus Fonseca Monteiro( Relator )

 (Luís Filipe Dias Cravo)

 (António Carvalho Martins)