Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
685/15.3T8CBR-I.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: MEDIDAS DE PROMOÇÃO DOS DIREITOS E DE PROTECÇÃO
ACOLHIMENTO RESIDENCIAL
Data do Acordão: 10/11/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 3.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEA F), 35.º, N.º 1, ALÍNEA F), DA LPCJP
Sumário: I – A LPCJP (Lei nº 147/99, de 1 de Setembro), que tem por objeto a promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral, prevê a intervenção quando o representante legal ou quem tenha a guarda de facto da criança ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento.

II – Essa intervenção deverá pautar-se pelos princípios orientadores enunciados no art. 4º, referenciando-se, desde logo, o interesse superior da criança.

III – Em obediência ao que, não obstante a vinculação afetiva com o agregado familiar existente, uma medida de acolhimento institucional cautelar e temporária poderá ser a única, proporcionada e atual a remover o risco em que a menor se encontra.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]                                                                                   *

1 – RELATÓRIO

O Ministério Público instaurou o presente processo judicial com vista à aplicação de medida de promoção e proteção relativamente à menor AA, nascida a .../.../2014, filha de BB e de CC.

 Na conferência de pais realizada a ... foi homologado acordo de promoção e proteção no qual foi aplicada medida de apoio junto da mãe, pelo período de seis meses, comprometendo-se os pais a aceitar a intervenção do “...” do Gabinete da Ação Social da Câmara Municipal ... e a seguir as orientações que lhes fossem dadas pelos técnicos e a manter um ambiente harmonioso na presença da filha.

Tendo sido sinalizada em fevereiro de 2021 pelos SATT a continuação da comunicação disfuncional dos progenitores, o que colocava em perigo a menor, o Tribunal providenciou pela instrução dos autos, designadamente através das audições dos pais, conferências, relatórios das entidades que tiveram intervenção junto dos pais, como o Centro de Prestação de Serviços à Comunidade da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, Instituto Nacional de Medicina Legal, CEIFAC, Segurança Social, informações escolares e Gabinete de Intervenção Sistémica do Instituto Superior Miguel Torga, bem como esclarecimentos dos respetivos profissionais.

Em conferência de pais, realizada a ..., foi celebrado novo acordo de promoção e proteção, traduzido em «medida de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe, pelo período de seis meses, nos termos dos artigos 35.º, n.º 1, alínea a), 36.º, 39.º, 55.º e 56.º da LPCJP», sendo que neste âmbito se determinou, nomeadamente, que a situação da criança seria acompanhada pela Segurança Social.

De referir que em subsequente informação enviada, datada de 19.05.2022, as técnicas dos SATT concluem propondo a aplicação da medida de acolhimento residencial, por três meses, única que no entender da equipa, atendendo à inexistência de retaguarda familiar eximida e ao comprometimento da relação paterno-filial, seria capaz de nesta fase acautelar o bem-estar integral da AA.

O Ministério Público, concordando com tal posição das técnicas dos SATT,  pronunciou-se oportunamente no sentido de que a AA se encontra em situação de grande perigo aos cuidados da mãe.

                                                           *

Por despacho judicial proferido na sequência, mais concretamente em 07.07.2022, considerou-se que «A sobreposição do alto conflito parental ao bem-estar da AA constitui, de acordo com os vários técnicos envolvidos no acompanhamento e com a avaliação psicológica da criança e sua interação com os pais (vide a avaliação psicológica solicitada no processo de regulação apenso), o principal fator de risco para a criança», pelo que se decidiu, a final, o seguinte:

«Assim, de harmonia com os artigos 35.º n.º 1, al. f) e 37.º n.º 1 da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, inexistindo por ora alternativa em meio natural de vida, procurando retirar a AA do conflito parental a que se encontra sujeita até que os pais elejam o seu bem estar como bem superior à manutenção do litígio, determina-se a aplicação à AA, a título cautelar, da medida de acolhimento residencial, única medida que, neste momento, se mostra adequada para afastar a situação de perigo em que se encontra, atenta a sobreposição do conflito dos pais ao bem-estar da AA e à falta de adesão da mãe à intervenção proposta.

Os convívios da AA com os pais ocorrerão na residência onde a criança AA seja integrada, cumprindo as orientações da respetiva equipa técnica.

Determino a emissão dos competentes mandados de condução da criança ao Centro de Acolhimento que o SATT vier a indicar.»

                                                           *

Inconformada com essa decisão, apresentou a progenitora da menor, CC recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes “conclusões”:

«1- Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido nos autos e que determinou “a aplicação à AA, a título cautelar, da medida de acolhimento residencial, única medida que, neste momento, se mostra adequada para afastar a situação de perigo em que se encontra, atenta a sobreposição do conflito dos pais ao bem-estar da AA e à falta de adesão da mãe à intervenção proposta”.

2- Entendeu o douto Tribunal a quo aplicar a medida mais gravosa de todas as medidas previstas, aparentemente face à incapacidade da mãe para, no momento actual, exercer de forma responsiva e empenhada as responsabilidades parentais, para garantir a estabilidade emocional e as necessidades psico-afectivas da filha”, traduzidas, a avaliar pelos “factos indiciariamente demonstrados”, na “obstacularização” dos convívios entre pai e filha, o que não pode aceitar-se.

3- Desde logo, a “informação junta aos autos a 28.04.2022” não podia referir-se a convívios posteriores à sua data de elaboração, tratando-se de um lapso que importa corrigir, imaginando a ora recorrente que o douto tribunal a quo se quereria referir à informação de 19/05/2020.

4- E diz-se “imaginando”, uma vez que a ora recorrente não foi pessoalmente notificada nem da proposta da SATT, nem para fazer comparecer a AA onde quer que seja, nem de qualquer outra coisa constante do referido despacho, pois dele não foi pessoalmente notificada e não ficou a conhecê-lo.

5- Também não é exacto, como consta da Informação social de 03/06/2022, que a AA tenha faltado a qualquer sessão de acompanhamento psicológico.

6- É certo que a mãe reagendou, fundamentando, duas das consultas (a de 19/04/2022 para 22/04/2022 e a de 20/05/2022, para 23/05/2022), mas não faltou, tendo a AA comparecido em todas elas.

7- Ou seja, a AA, enquanto esteve com a mãe, não faltou a qualquer consulta agendada pela Drª DD, psicóloga que a acompanha no âmbito do projecto SER+Família.

8- Salvo o devido respeito, mesmo que tal fosse exactamente assim – e não é como se demonstrou – ainda assim, não nos parece que seja suficiente para arrancar uma criança de 8 anos do seio da família que sempre conheceu e que tem por securizante e protectora.

9- Por outro lado, a medida foi aplicada pelo período de três meses, com início a 12/07/2022, o que significa que terminará a 12/10/2022 - um mês depois do início do ano lectivo, o que significa que, para além da já de si difícil separação da mãe, com quem viveu toda a sua vida e da adaptação a uma nova situação e casa, a medida aplicada, a manter-se, imporá à AA mais uma difícil adaptação, desta vez a uma nova escola, sem o suporte e apoio da mãe.

10- Tornando também mais difícil, também a nível logístico, a sua reversão, o que deve ser muito bem equacionado.

11- A ora recorrente é e sempre foi uma boa mãe, sendo a AA a menina dos seus olhos, o seu grande amor e a sua única e verdadeira prioridade.

12- A decisão a agora tomada e de que se recorre é demasiado gravosa para a AA, estando a ora recorrente convencida de que trará mais prejuízos do que benefícios, especialmente a manter-se para além do início do ano lectivo, como decidido.

13- Devendo, pois, ser revogada, voltando a AA a residir com a mãe, que desde já se compromete a cumprir com todas as recomendações que lhe vierem a ser efectuadas quer pelo tribunal, quer pela Segurança Social, tal como sempre cumpriu com o acompanhamento psicológico da AA, que também foi interrompido pela medida aplicada e que é imperioso que seja retomado.

14- Ao decidir da forma explanada no despacho proferido violou o douto tribunal a quo, entre outros, os princípios da proporcionalidade e adequação e do superior interesse da criança.

Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, e, consequentemente, ser o douto despacho proferido revogado, com todas as legais consequências.

JUSTIÇA! »

                                                           *

Contra-alegou o Ministério Público, sustentando a manutenção do decidido.

                                                           *

Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                           *

2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4, 636º, nº2 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:

- a (in)correção da medida de proteção aplicada.

                                                           *

3 - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Vejamos o elenco factual que foi considerado “fixado”/“provado” pelo Tribunal a quo, sendo certo que o recurso deduzido pela Recorrente, por nada ter sido formulado pela mesma no quadro do art. 640º do n.C.P.Civil, se encontra circunscrito à matéria de direito. 

Tendo presente esta circunstância, consignou-se o seguinte na 1ª instância:

«- BB intentou a 21.01.2015 contra CC ação especial de regulação do exercício das responsabilidades parentais (processo principal) de AA, nascida a .../.../2014.

- Foram firmados diversos regimes provisórios, sendo a residência habitual da criança fixada junto da mãe, o exercício conjunto das responsabilidades parentais no que respeita às questões de particular importância, estabelecendo-se convívios com o pai.

- Os convívios iniciaram-se na creche, passando por convívios acompanhados pela Segurança Social, evoluindo para tardes e depois fins de semana com o pai.

- Os pais apresentam comunicação disfuncional, receando a mãe pela segurança da filha em face da instabilidade do pai, entendendo o pai que a mãe incentiva a recusa da criança a estar consigo.

- Por informação do CEIFAC datada de 11.05.2020, constante dos autos principais, é notória a falta de disponibilidade da mãe para as sessões conjuntas, dadas as desmarcações, retomando os pais os episódios de conflito, amplificados pela mãe que apresenta uma postura de resistência e pouca colaboração, quer para com a equipa terapêutica, quer para com o pai, no processo de negociação do tempo parental. A equipa terapêutica considera que a dificuldade na relação entre os progenitores da AA continua a ser o principal obstáculo a uma parentalidade bem-sucedida, em que a criança continua a ser triangulada no conflito parental, com repercussões no seu estado emocional. A mãe assume ter a autonomia para continuar a tomar um conjunto de decisões de grande importância sem consultar o pai, sem lhe dar conhecimento ou impedindo que a criança usufrua de tempo com o pai, como é o caso de tempo de férias. Conclui a equipa terapêutica não haver nenhuma condição que impeça que a criança usufrua do tempo com ambos de forma mais equilibrada.

- A 02.06.2020, por a AA não estar a receber os cuidados e afeição adequados à sua idade, estar exposta aos conflitos crescentes entre os pais com reflexos nefastos no seu equilíbrio emocional e saudável desenvolvimento, foram intentados os presentes autos de promoção e proteção.

- Já entre 25.02.2015 e 07.03.2017, correra igualmente neste Juízo, processo de promoção e proteção em benefício da AA, aberto por exposição da criança ao conflito parental. Aberta a instrução, veio o SATT reportar a conflitualidade parental e propor a aplicação de medida de apoio junto da mãe, com intervenção ao nível das competências parentais e da relação entre os pais, por forma a assegurar o exercício de uma parentalidade positiva e funcional.

- Na conferência de pais realizada a ... foi homologado acordo de promoção e proteção no qual foi aplicada medida de apoio junto da mãe, pelo período de seis meses, comprometendo-se os pais a aceitar a intervenção do “Programa SER + Família” do Gabinete da Ação Social da Câmara Municipal ... e a seguir as orientações que lhes fossem dadas pelos técnicos e a manter um ambiente harmonioso na presença da filha.

- Em fevereiro de 2021, o SATT veio dar conta de que ainda se verificavam dificuldades de os progenitores lidarem com as questões relativas à vida da filha, que a ... (respetivos companheiros da mãe e do pai) e propor a prorrogação da medida, tendo em vista a continuidade da intervenção do Programa SER+Família junto da criança e de ambos os pais.

- Em relatório elaborado pela professora da AA, e junto na mesma data, dá-se conta que «(…)  A AA é uma criança meiga, afável e muito educada, procura, a miúdo, a atenção e o carinho. Ao longo do tempo e à medida que os laços se foram estreitando, esta menina teve necessidade de desabafar com a professora. Apesar de muito jovem revela grande maturidade e preocupação no que diz respeito à sua situação familiar. Não quer, de forma alguma, magoar quer a mãe, refere à sua situação para que possa estar, com ambos, sem sobressaltos.

Sempre que ocorre alguma situação menos afável entre os progenitores o seu semblante muda, chora, por vezes, mostra-se mais agitada e não se consegue concentrar em tarefa.»

- Em 10.03.2021, foi comunicada pelo DIAP ... a abertura do Inquérito n.º124/21.... por agressão (bofetada) perpetrada pelo pai à AA, a 26.02.2021, denunciada pela mãe, tendo esta cessado unilateralmente os convívios da criança com o pai.

- Solicitada reavaliação da situação, vem o SATT a 06.04.2021, propor a manutenção de convívio com a supervisão técnica entre pai e filha, para avaliação da sua interação.

- Do relatório de avaliação psicológica elaborado pelo Centro de Prestação de Serviços à Comunidade da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, datado de ..., constante dos autos principais, destaca-se o seguinte:

-A AA é uma criança espontânea, inteligente, carinhosa, com desenvolvimento adequado à idade, partilhando que o regime ideal de residência seria “um dia com a mãe, um dia com o pai”;

-Verificou-se na interação com a criança um relacionamento ajustado de cada um dos pais;

-A AA refere que tanto a mãe como o pai lhe dão ocasionalmente palmadas em castigos;

-A AA manifestou-se feliz, extrovertida e espontânea na interação com o pai, o que não é consentâneo com a alegada recusa afirmada pela mãe em estar com o pai ou a verbalização da criança quando diz não gostar do pai;

-Os pais constituem o modelo de interação social privilegiado para a criança, dificultando a vivência relacional positiva da AA com ambos.

- Em conferência realizada a 25.05.2021, a Técnica Gestora deu conta que a AA não estava com o pai desde o episódio da alegada agressão, e que não se conseguia trabalhar de forma consistente com os pais, para o que ambos estavam a contribuir e propôs a prorrogação da medida. Mais informou que a mãe recusou o agendamento do Programa SER+Família, optando por acompanhamento psicológico privado.

- Do relatório de acompanhamento do Programa SER+Família datado de 28.06.2021, destaca-se a instabilidade emocional da AA, associada a episódios recorrentes de conflito entre os pais; níveis elevados de ansiedade, mesmo na presença da mãe, a exposição da criança a episódios de conflituosidade dos pais.

- A 09.07.2021, mantendo-se o conflito entre os pais, com acusações recíprocas e fraca adesão à intervenção técnica indicada pela Segurança Social e pelo tribunal (designadamente o acompanhamento psicológico da filha a que a mãe deixou de comparecer com a criança) mas havendo o compromisso dos pais de cumprirem o acordo de promoção e proteção e de aderirem, efetivamente, à intervenção técnica, foi proferida decisão de prorrogação da medida de apoio junto da mãe, por seis meses.

- Em nova avaliação junta aos autos a 20.12.2021, o SATT vem dar conta que a AA «projeta no seu quotidiano alguns sinais preocupantes, nomeadamente os pesadelos relatados pela mãe e o facto de projetar cansaço em espaço escolar na maioria dos dias, revelando que dorme mal e apresenta dificuldade em estar quieta, sinais de que necessita de acompanhamento psicológico.

- Mais refere o SATT que a AA tem vindo a ser exposta ao conflito parental latente e persistente, situação altamente desestruturante para qualquer criança, sendo absolutamente necessário deslocar o conflito para longe dela e organizar um sistema que permita à criança continuar a viver com todas as pessoas que ama e fazem parte da sua vida.

Mais informa que a mãe deixou de frequentar o Programa SER+Família, invocando aquela falta de regularidade de acompanhamento e por ter saído a psicóloga do projeto quando na verdade foi decisão da mãe retirar a AA das consultas de psicologia para o fazer no privado. Igualmente dá conta que a mãe refere que os convívios foram suspensos por decisão judicial quando tal não corresponde à verdade.

- Em 17.02.2022 foram ouvidos os pais que aceitaram a continuação da intervenção no Projeto SER+Família e foi determinado o restabelecimento dos convívios da AA com o pai, através de convívios supervisionados na Segurança Social, para averiguar a interação entre os dois, a ocorrerem às terças feiras, das 17 às 18 horas.

- Em conferência de pais, realizada a ..., foi celebrado novo acordo de promoção e proteção, comprometendo-se a mãe a:

»Garantir as necessidades básicas da AA, nomeadamente higiene, alimentação, rotina de sono e vestuário;

»Garantir a satisfação das necessidades educativas/formativas;

»Garantir a satisfação das necessidades a nível de saúde;

»Garantir a satisfação das necessidades psicoafectivas;

»Promover as condições económicas suficientes e autonomia financeira para assegurar a satisfação das necessidades da criança;

»Manter adequadas condições habitacionais, no que toca à organização e higienização do lar;

»Fazer comparecer a AA nas consultas de psicologia no Projeto SER+Família que lhe sejam marcadas e seguir as orientações dadas;

»Comparecer nas sessões de intervenção no Instituto Miguel Torga que lhe sejam marcadas e seguir as orientações dadas;

»Fazer comparecer a AA nos convívios acompanhados nos termos designados pelo tribunal, seguindo as orientações técnicas da equipa multidisciplinar;

»Seguir as orientações da Segurança Social.

O pai, por seu turno, comprometeu-se a:

«Comparecer nas sessões de intervenção no Instituto Miguel Torga que lhe sejam marcadas e seguir as orientações dadas;

»Comparecer nos convívios acompanhados nos termos designados pelo tribunal, seguindo as orientações da equipa multidisciplinar;

»A pagar o ATL e a alimentação escolar da AA diretamente na escola, servindo tal pagamento por conta do montante devido pelo pai a título de pensão de alimentos e outras despesas;

»Seguir as orientações da Segurança Social.

- Em informação junta aos autos a 20.05.2022[2], o SATT vem dar conta que uma vez mais não foi possível realizar o convívio entre a AA e o pai, previsto para o dia de ontem, 18.05.2022, em virtude de a AA não ter comparecido e que a mãe e a avó se mantiveram incontactáveis, não justificando a ausência da criança.

Mais refere a equipa técnica que, considerando os ganhos que haviam sido alcançados no ultimo convívio ocorrido a 11.05.2022 – em que a AA, apesar da recusa em estar com o pai no início do convívio e tentado evitar qualquer tipo de contacto com este, já no interior da sala, durante a visita e decorrente das atividades interativas promovidas pelas Técnicas intervenientes, jogou “UNO” e acedeu a dialogar com o pai, pedindo-lhe cartas, algo que até então nunca se tinha verificado – e a ausência de qualquer justificação, se poderá estar perante uma clara tentativa por parte da mãe de condicionar e mesmo obstaculizar a promoção da relação paterno-filial, sendo exemplo disso, o facto de até à data só ter sido possível concretizar cinco dos trezes convívios previstos.

Considera, ainda, que face a todo o historial de intervenção e postura obstaculizante da família materna, a AA se encontra em perigo junto da mãe, vivenciando elevada instabilidade comportamental e psicoemocional, instabilidade que tem vindo a ser observada nos contactos com a mesma e que estará intrinsecamente associada à postura bastante disruptiva que os familiares maternos e a progenitora (assim como dos elementos que têm acompanhado a criança e a família nos dias de visita,) têm vindo a assumir na sua presença (filmar, incentivar a recusa de contacto da criança com a figura paterna denegrindo a sua imagem com verbalizações diretas à criança, acusações contra o progenitor, criticas/acusações/desconfiança em relação aos intervenientes judiciais e técnicos, entre outras). Tais comportamentos, consequentemente repercutem-se na recusa da AA em estar com o progenitor, tapando esta a cara com a mão nos momentos de convívio, recusando-se a estabelecer consigo o contato ocular, como se de uma traição estivesse a criar com a mãe, comprometendo de forma séria a sua vinculação à figura paterna (grita, chora compulsivamente, recusa sair do colo de familiares e até pede para estes filmarem e chamarem a policia).

Conclui, propondo a aplicação da medida de acolhimento residencial, por três meses, única que no entender da equipa, atendendo à inexistência de retaguarda familiar eximida e ao comprometimento da relação paterno-filial, será capaz de nesta fase acautelar o bem-estar integral da AA, sobretudo a sua estabilidade psicoemocional, avaliar de forma isenta e objetiva a sua dinâmica relacional com cada um dos progenitores, garantir o restabelecimento do vinculo com a figura paterna, bem como, promover a cooperação/comunicação do casal parental em prol da filha em comum, permitindo libertar a criança do conflito de lealdade a que está sujeita.

- A progenitora foi confrontada com a proposta do SATT e alertada, por despacho datado de 20.05.2022, para fazer comparecer a AA nos convívios agendados e para a necessidade de colaborar com os Técnicos envolvidos, seguindo as suas orientações.

- Em informação junta a 01.06.2022, o SATT dá conta de nova falta da AA aos convívios determinados pelo tribunal, desta feita no dia 25.05.2022, havendo informação do Agrupamento de Escolas ... que a criança compareceu neste dia à escola e ao ATL.

- Em Informação Social datada de 03.06.2022, a Técnica Gestora comunicou que em abril foram acordadas entre a mãe e o Projeto SER+Família sessões quinzenais de acompanhamento psicológico com a AA, porém a criança já faltou a duas sessões.»

                                                           *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Apreciando a linha de argumentação da Recorrente, vejamos a questão suscitada pela mesma, a saber, a alegada incorreção da medida de proteção aplicada.

Na verdade, pretende a progenitora recorrente que a medida aplicada seja «(…) revogada, voltando a AA a residir com a mãe, que desde já se compromete a cumprir com todas as recomendações que lhe vierem a ser efectuadas quer pelo tribunal, quer pela Segurança Social, tal como sempre cumpriu com o acompanhamento psicológico da AA, que também foi interrompido pela medida aplicada e que é imperioso que seja retomado.».

Esta é a única questão substantiva que importa abordar e decidir, o que iremos fazer procurando aferir o acerto das razões que para fundamentar tal pretensão a mesma aduziu, naturalmente que em contraponto com aquela que se deteta ter sido a linha de entendimento de sinal contrário perfilhada pela decisão recorrida.

Não sem antes vincarmos as seguintes ideias.

Como decorre do disposto no artigo 1º do Anexo à Lei nº 147/99 de 1 de Setembro (“Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo”, doravante “LPCJP”[3]), “O presente diploma tem por objeto a promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem estar e desenvolvimento integral”.

Refere o art. 3º, nº1 do mesmo diploma, que “A intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo”. E no seu nº2 lê-se que “Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo, quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:

a) Está abandonada ou vive entregue a si própria;

b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;

c)Não recebe os cuidados ou a afeição adequados á sua idade e situação pessoal;

d) Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais;

e) É obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;

f) Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;

g) Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.”.

Nos termos do art. 4º da dita LPCJP, são princípios orientadores da intervenção:

a) interesse superior da criança e do jovem;

b) privacidade;

c) intervenção precoce;

d) intervenção mínima;

e) proporcionalidade e atualidade;

f) responsabilidade parental;

g) primado da continuidade das relações psicológicas profundas;

h) prevalência da família;

i) obrigatoriedade da informação;

j) audição obrigatória e participação; e,

k) subsidiariedade.

Sendo certo que visam as medidas de promoção dos direitos e de proteção das crianças e dos jovens em perigo, nos termos do art. 34º da aludida LPCJP:

a) afastar o perigo em que estes se encontram;

b) proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral;

c) garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso. 

E que, consabidamente, as medidas previstas no art. 35º do mesmo diploma, são as seguintes:

a) apoio junto dos pais;

b) apoio junto de outro familiar;

c) confiança a pessoa idónea;

d) apoio para a autonomia de vida;

e) acolhimento familiar;

f) acolhimento residencial;

g) confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a  instituição com vista à adoção.         

Ora, face à matéria apurada, dúvidas não podem legitimamente subsistir quanto à conclusão de que a menor AA se encontra numa situação de perigo, face à insustentável instabilidade comportamental e psicoemocional que a evidencia, consequente do historial de intervenção e postura obstaculizante da família materna ao normal e sadio convívio da menor com a figura paterna, traduzida numa «postura bastante disruptiva que os familiares maternos e a progenitora ( assim como dos elementos que têm acompanhado a criança e a família nos dias de visita,) têm vindo a assumir na sua presença (filmar, incentivar a recusa de contacto da criança com a figura paterna denegrindo a sua imagem com verbalizações diretas à criança, acusações contra o progenitor, criticas/acusações/desconfiança em relação aos intervenientes judiciais e técnicos, entre outras)», mais concretamente aquando e nos momentos em que era suposto ocorrerem os convívios com o progenitor, sendo certo que, como sublinhado em informação mais recente das Técnicas dos SATT a quem foi cometido acompanhar/supervisionar e promover tais convívios, «(…) se poderá estar perante uma clara tentativa por parte da mãe de condicionar e mesmo obstaculizar a promoção da relação paterno-filial, sendo exemplo disso, o facto de até à data só ter sido possível concretizar cinco dos trezes convívios previstos.»

A este propósito, é sublinhado pelas Técnicas dos SATT nessa mesma informação, que «Tais comportamentos, consequentemente repercutem-se na recusa da AA em estar com o progenitor, tapando esta a cara com a mão nos momentos de convívio, recusando-se a estabelecer consigo o contato ocular, como se de uma traição estivesse a criar com a mãe, comprometendo de forma séria a sua vinculação à figura paterna (grita, chora compulsivamente, recusa sair do colo de familiares e até pede para estes filmarem e chamarem a policia)»…

Ora, recorde-se que à menor já foi aplicada a medida de apoio junto da sua mãe por duas vezes – por acordos celebrados e homologados em ... e em ... – sendo que, constando de tais acordos um conjunto de imposições e regras de conduta à progenitora, tendo em vista potenciar e promover uma normal e sadia relação paterno-filial, a dita progenitora não o tem conseguido, ou tal tem frustrado, uma vezes porventura não deliberadamente, mas outras vezes num quadro que só se pode qualificar de intencional.

De referir que flui incontornavelmente do quadro fáctico supra alinhado como assente/provado que «A progenitora foi confrontada com a proposta do SATT e alertada, por despacho datado de 20.05.2022, para fazer comparecer a AA nos convívios agendados e para a necessidade de colaborar com os Técnicos envolvidos, seguindo as suas orientações», ao que se apura, sem resultado, pois que, «Em informação junta a 01.06.2022, o SATT dá conta de nova falta da AA aos convívios determinados pelo tribunal, desta feita no dia 25.05.2022, havendo informação do Agrupamento de Escolas ... que a criança compareceu neste dia à escola e ao ...» e «Em Informação Social datada de 03.06.2022, a Técnica Gestora comunicou que em abril foram acordadas entre a mãe e o Projeto SER+Família sessões quinzenais de acompanhamento psicológico com a AA, porém a criança já faltou a duas sessões»!

 O que tudo significa que a situação não registava melhorias, constituindo um prognóstico desfavorável a que a situação de comunicação disfuncional dos progenitores pudesse neste contexto ser revertida por si própria.

Carece, assim, de qualquer razão a argumentação constante das alegações recursivas no sentido de que a medida aplicada nos autos é desproporcional aos riscos/perigos do caso concreto, e põe em causa a ligação afetiva que une a AA à sua progenitora.

Ao invés, como se sublinhou na decisão recorrida, «Atenta a fraca adesão ao processo terapêutico e à intervenção técnica, as acusações recíprocas continuaram e a exposição da criança a atitudes disruptivas dos pais também, culminando com o episódio ocorrido em fevereiro de 2021 (bofetada do pai à filha) e ao afastamento da mesma, por cerca de um ano do convívio com o pai, ainda que nenhuma decisão de suspensão de visitas tenha sido proferida, por decisão unilateral da mãe. A sobreposição do alto conflito parental ao bem-estar da AA constitui, de acordo com os vários técnicos envolvidos no acompanhamento e com a avaliação psicológica da criança e sua interação com os pais (vide a avaliação psicológica solicitada no processo de regulação apenso), o principal fator de risco para a criança. Muito embora ao longo do tempo a mãe venha dando conta que a AA não se quer envolver com o pai e que verbaliza que não gosta dele, nas sessões de entrevista e de interação entre pai e filha, realizadas no Centro de Prestação de Serviços à Comunidade da Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação da Universidade de Coimbra, não foi identificável qualquer aspeto negativo ou indicador de recusa ou desconforto da criança, tal como também não era identificado em meio escolar. Igualmente se observaram níveis de conforto e intimidade entre pais e filha que refletiam qualidade na relação com cada um, descrevendo então a criança dinâmica positiva com ambos os pais e contando que, ocasionalmente, tanto a mãe como o pai lhe dão palmadas, quando a castigam. Nesta data, continua aceso o conflito parental (agravado pela agressão participada às autoridades e que culminou com a prolação de acusação contra o pai por crime de ofensa agravada, na pessoa da filha) e a medida aplicada de apoio junto da mãe não está a conseguir assegurar o bem-estar e as necessidades psicoafectivas da AA. Apesar da subscrição do acordo de promoção e proteção, mais uma vez se verifica, por parte da mãe, incumprimento dos compromissos assumidos e ausência de adesão às orientações e intervenção técnica. Movida pelo grande conflito que a opõe ao pai e decidida a não partilhar o tempo parental da filha (mesmo que reduzido e supervisionado) a progenitora tudo tem feito para impedir o reatar dos contactos da AA com o pai, (ora faltando às sessões agendadas, ora com atitudes disruptivas e de desqualificação do pai e técnicos envolvidos nos convívios), indiferente ao sofrimento e desregulação emocional e relacional que provoca na filha.»

Com efeito, o descontrolo no processo formativo ao nível dos afetos e valores é muito acentuado, tudo no contexto mais alargado da comunicação disfuncional dos progenitores, inculcando a inapelável conclusão de que existia uma insofismável «sobreposição do conflito dos pais ao bem-estar da AA e à falta de adesão da mãe à intervenção proposta».

Por outro lado, a argumentação recursiva de que a decisão não observa o principio da prevalência de integração da criança na sua família também não nos merece acolhimento.

Atente-se que, s.m.j., o que os dados do processo revelam a este propósito é que, como enfaticamente sublinhado na decisão recorrida, «Não é conhecida resposta alternativa na família, pois desde logo o pai, atento o conflito que ele próprio também tem impulsionado e do episódio de agressão denunciado, não surge como alternativa. Por outro lado, os familiares maternos, pela intervenção desarvorada que têm apresentado aquando dos convívios supervisionados, não revelam igualmente isenção e capacidade para proteger a AA do conflito parental, incentivando-o, agravando o sofrimento da criança.»

Neste conspecto, não se vislumbra que a integração na família tenha sido postergada, ou que fosse possível de ser salvaguardada!

Dito de outra forma: a vivência com o núcleo familiar materno tem-se revelado não constituir o suporte que apoie e oriente o menor e lhe proporcione a orientação/formação específica de que carece, a saber, garantir a sua estabilidade emocional e ser-lhe dada a possibilidade de interagir livre de pressões com ambos os pais.

Tendo efetivamente chegado a hora de tentar alterar a situação desta menor.

A título “cautelar e urgente”, como efetuado pela decisão recorrida.   

Tendo presente que não se trata de uma opção definitiva e convicta pela institucionalização, antes de intentar consciencializar a progenitora (e porventura de quem a rodeia e apoia no respetivo núcleo familiar) de que uma tal medida é a única, proporcional e adequada à situação atual dessa menor.

Efetivamente, não podia o tribunal contemporizar nem com a situação existente nem enveredar por novas tentativas ou ensaios de solução que se traduzissem na perduração duma situação de dramatismo e urgência, a saber, com a menor «vivenciando elevada instabilidade comportamental e psicoemocional».

Esta tem um superior interesse em que lhe seja proporcionado um processo educativo que acautele o seu bem-estar integral, sobretudo a sua estabilidade psicoemocional, permitindo-a libertar-se do conflito de lealdade a que está sujeita.

O tempo vai passando e a menor vai-o perdendo, sujeita à vivência num ambiente que não é aquele de que necessita, sendo que a indefinição leva quase sempre a que depois se eternizem as ruturas e os traumas, porque antes o Tribunal esteve muito entretido a investir na reorientação/sensibilização dos elementos da família, prodigalizando-lhes oportunidades atrás de oportunidades e esquecendo o objetivo da intervenção, isto é, a salvaguarda dos interesses do menor.

Impõe-se, pois, a intervenção do tribunal, que, face aos princípios orientadores da intervenção supra aludidos, no exclusivo interesse do menor, não poderá deixar de passar nesta fase pela colocação e apoio de uma instituição.

Apesar de não se negar os laços afetivos que unirão a menor AA à progenitora (e demais elementos do núcleo familiar materno), tal não é suficiente para superar as manifestas deficiências de orientação e estabilização emocional de que a mesma carece.

Com efeito, se as relações de convívio e inerente afetividade de tipo familiar são necessárias ao crescimento salutar das crianças e ao futuro da sociedade, sendo que o meio mais adequado a criar tais laços é a família, tal deve ser desvalorizado e mesmo postergado quando se apura que esse meio familiar está a ser pernicioso para a menor, que por via disso se encontra em efetivo risco no seu desenvolvimento são e equilibrado.

Assim, bem andou o tribunal recorrido em, naquele momento temporal e face ao quadro factual existente, de efetivo risco para a menor AA, entender que nos termos do arts. 3º, nos 1 e 2, al. f), 35º, nº1, al.f) e 37º da LPCJP, se justificava e impunha a retirada da menor do respetivo agregado familiar.

Donde, afigura-se ser a decretada medida de acolhimento residencial/institucional aquela que melhor salvaguarda os superiores interesses  do menor, à luz do prescrito na Constituição da República Portuguesa de 1976 e Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque a 26.01.1990[4]: o art. 3º desta Convenção impõe um dever sobre os Tribunais (para além de instituições de proteção social e entidades administrativas) de terem, primacialmente, em conta o “interesse superior da criança” na tomada de decisões relativas a crianças, sendo o conceito de criança estabelecido no artigo 1º da Convenção como “todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo”, sendo certo que tal conceito geral e abstrato deve ser integrado com a realidade concreta de cada criança/jovem.[5]

Medida esta que assim é de sancionar e manter, também pelo seu carácter temporário, pois que tem em vista «retirar a AA do conflito parental a que se encontra sujeita até que os pais elejam o seu bem estar como bem superior à manutenção do litígio».

Sem embargo do vindo de dizer, importa sublinhar que a medida de acolhimento residencial aplicada à menor, não obstante ter sido a título provisório, o foi sem qualquer prazo de duração.

Depois, e ao invés do que vem sustentado nas alegações recursivas, quando se argumenta que a medida tem uma duração de três meses e mesmo isso é insustentável, sucede até que o prazo de seis meses previsto para as medidas provisórias é indicativo, o que tem o sentido de que não pode o seu decurso implicar a cessação imediata da medida:

«O legislador fixou um limite temporal de duração das medidas provisórias, no caso, seis meses. E isto porque considerou suficiente o prazo de seis meses para proceder ao estudo da situação da criança ou do jovem e aplicar a medida definitiva adequada... No entanto, esse prazo é apenas indicativo, na medida em que o seu decurso não pode implicar a cessação imediata da medida. Na verdade o art. 62/6 impõe a revisão das medidas provisórias no prazo máximo de seis meses após a sua aplicação. Revisão que pode determinar a cessação, continuação ou substituição da medida por outra mais adequada, entre outros (art. 62/3). Se assim é, não faria sentido proceder à revisão da medida provisória, uma vez que esta cessa logo que alcançado esse prazo. Por outro lado, estando em causa, como está a defesa dos superiores interesses da criança ou do jovem, e cuja medida provisória se justifica face a uma situação de perigo actual e eminente que afecte a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento, não faria sentido fazer cessar automaticamente essa medida, com a consequente colocação da criança ou do jovem na anterior situação de emergência. Por isso, deverá em princípio, ser respeitado esse prazo, mas pode ser justificadamente ultrapassado, em sede de decisão de revisão».[6]

Sendo certo que durante o período de execução da medida de acolhimento residencial são possíveis os normais contatos e visitas entre a menor e a sua progenitora, cumprindo ulteriormente aquilatar da positiva e efetiva verificação das condições para a reunificação familiar, inclusive preparando-a, sendo disso caso, mas nunca postergando que deve paralelamente ser salvaguardada e promovida a relação paterno-filial.

                                                           *                                                          

(…)                                                    *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final:

a) julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

b) condenar a recorrente nas custas.

                                                           *

Coimbra, 11 de Outubro de 2022

Luís Filipe Cravo

Fernando Monteiro

Carlos Moreira





[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carlos Moreira
[2] De referir que se tratava de um manifesto lapso de escrita a alusão a este propósito no despacho recorrido à data de “28.04.2022”, tal como se extrai inquestionavelmente da consulta do processo eletrónico, donde se ter corrigido, sem mais, tal lapso. 
[3] Alterada pela Lei nº 31/2003, de 22 de Agosto e pela Lei nº 142/2015, de 8 de Setembro, que procedeu à sua republicação.
[4] publicada no DR nº 211/1990, Série I, 1º Suplemento, de 12. 09.1990, ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 49/90, de 12.09 e que entrou em vigor em Portugal no 30º dia após a data do seu depósito (DR nº 248, Série I, de 24.10.1990, vigorando no direito interno português por força do disposto no art. 8º, nº 2, da CRP de 1976).
[5] Mais aprofundadamente quanto a este aspeto vide Tânia da Silva Pereira, artigo publicado na “Revista Lex Familiae”, Centro de Direito de Família da Universidade de Coimbra, pág. 21, Ano 6, nº 11.
[6] Citámos TOMÉ D’ALMEIDA RAMIÃO, in “Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo anotada e comentada”, a págs. 64.