Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1878/10.5TBVIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
DILIGÊNCIA PROBATÓRIA ORDENADA OFICIOSAMENTE
DIREITOS DA CONTRAPARTE
Data do Acordão: 02/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 4.º, 293,º, 1 E 411.º DO CPC
Sumário: I. O processo civil é regido por ciclos dentro dos quais se exercem determinados direitos processuais sob pena de preclusão, como, por exemplo, nos incidentes da instância (artigo 293.º do CPC), a indicação da prova no requerimento inicial ou na respetiva oposição.

II. O juiz, ao abrigo do disposto no artigo 411.º do CPC – princípio do inquisitório –, pode e deve realizar ou ordenar oficiosamente as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio.

III – Neste caso, a parte interessada, se pretender contradizer esta nova prova, pode sugerir ao tribunal, ao abrigo do disposto nos artigos 4.º (igualdade substancial entre as partes) e 411.º, ambos do CPC, a produção de outra prova e o tribunal deve ordená-la, mas apenas se esta nova prova respeitar ao mesmo facto e mostrar ter implicações em relação à prova oficiosamente ordenada, no sentido de a contrariar ou tornar duvidosa, e só se ter mostrado necessária devido à produção da prova oficiosamente ordenada.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra,

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Juiz relator…………....Alberto Augusto Vicente Ruço

1.º Juiz adjunto………José Vítor dos Santos Amaral

2.º Juiz adjunto……….Luís Filipe Dias Cravo


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(…)

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Recorrentes.……………………..AA e esposa BB, executados.

Recorridas.……………………….CC, exequente;

………………………………………A... Unipessoal Lda.


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I. Relatório

a) O presente recurso insere-se num processo executivo, mais concretamente num seu incidente – artigo 771.º do CPC – destinado a determinar o valor dos bens a entregar que os ora recorrentes e fiéis depositários não apresentaram quando lhes foi solicitado.

O recurso vem interposto do despacho proferido na audiência de julgamento, ocorrida em 14 de junho de 2022, o qual não admitiu, a requerimento dos executados, por extemporaneidade, face ao disposto no artigo 293.º do Código de Processo Civil, a junção de documentos e audição de duas novas testemunhas, cuja justificação dada pelos executados  se baseou na circunstância de na anterior sessão de julgamento, o tribunal, no decurso da inquirição da última testemunha, ter admitido, no uso dos seus poderes oficiosos, a junção de alguns documentos.

b) As conclusões do recurso são estas:

«I. No âmbito da presente execução, a Exequente, a ora Recorrida, juntou aos autos o requerimento com referência 42247094, solicitando o Aditamento e Alteração do Requerimento de Prova.

II. No requerimento supra mencionado requeria-se o aditamento de três testemunhas, bem como a inspeção ao local e a admissão de três documentos, em particular, o registo fotográfico realizado na diligência de entrega dos bens; o registo fotográfico realizado no Estabelecimento Comercial objecto de contrato de arrendamento e subjacente à execução e, ainda a junção de uma factura.

III. Os Executados, ora Recorrentes, por requerimento com referência 42331931, pronunciaram-se ante a inadmissibilidade legal do solicitado, requerendo a final que fosse ordenado, para todos os devidos e legais efeitos, o desentranhamento de tal requerimento.

IV. O digno Tribunal a quo pronunciou-se por despacho com referência 90679056 decidindo “indeferir in totum a actividade probatória requerida, nos termos do artigo 293.º, n.º 1 a contrario do CPC”.

V. Foram as partes notificadas, em 12 de Maio de 2022, da designação do dia 26 de Maio de 2022, pelas 14h00, para a realização da Audiência de Discussão e Julgamento.

VI. Porém, no decurso do depoimento de uma das testemunhas da Exequente, ora Recorrida, foi proferido despacho pela Meritíssima Juiz que admitia a junção do documento, sendo que em despacho anterior já havia sido indeferida a sua junção.

VII. Irresignada com tal decisão a Recorrente opôs-se ao decidido, uma vez que, tal como já antes se havia manifestado, a junção aos autos do referido documento não podia ser admitida atendendo à sua intempestividade, nos termos do artigo 293º a contrario sensu.

XIII. No entanto, por entenderem que deveria ser dada aos Executados, ora Recorrentes, a mesma oportunidade, na audiência de julgamento realizada a 14.06.2022, aquando da inquirição da testemunha DD, solicitaram a junção aos autos de documentos tidos como essenciais para a descoberta da verdade e o aditamento de duas testemunhas ao rol.

IX. Porém, ao arrepio do princípio do inquisitório e da igualdade de armas o Tribunal a quo indeferiu in totum o requerido.

X. Inconformados com tal decisão, os Recorrentes dela vêm interpor Recurso de apelação, impetrando, a final, a nulidade do despacho recorrido, e a sua consequente revogação, máxime por violação do princípio do inquisitório e da igualdade de armas, nos termos e para os efeitos dos artigos 411º e 4º do C.P.C.

XI. O princípio do inquisitório não pode ser utilizado para objectivamente auxiliar uma das partes, prejudicando a outra, permitindo àquela introduzir no processo documentos que não apresentou atempadamente nos termos do artigo 293º do CPC.

XII. A verdade material não poderá ser conseguida a todo o custo, mormente através do atropelo e da manifesta violação de normas processuais.

XIII. Poder-se-ia até objectar, in casu, estar coarctado o direito da Recorrida à prova, à luz do disposto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

XIV. Por uma questão de justiça, de coerência e de fair process, o Tribunal a quo, tendo admitido um desvio ao artigo 293º do C.P.C. a favor da parte contrária, sempre teria de conceder o mesmo benefício aos Recorrentes.

XV. Nos termos do artigo 4º do C.P.C. “O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.”.

XVI. O princípio da igualdade das partes é inerente ao sistema processual comum, sob influencia directa do artigo 13º da C.R.P.

XVII. O Tribunal deve tratar de forma equitativa, assegurando a paridade no que respeita ao exercício de faculdades e uso de meios de defesa.

XVIII. Os documentos, cuja junção aos autos o Tribunal a quo indeferiu, se referirem à mesma questão controvertida que se discutia em audiência, mostrando-se essencial a sua apresentação naquele momento processual para confrontação com a testemunha (agente de execução que efetuou a penhora 10 anos antes).

XIX. Ao não admitir a junção dos documentos como elemento probatório, documentos esses referentes à questão material controvertida discutida em audiência e essenciais para a descoberta da verdade material, tendo antes concedido tal prorrogativa à Recorrida, foi cometida uma nulidade, a qual se encontra consubstanciada no despacho proferido, ora recorrido.

XX. Assim, da linha argumentativa detalhadamente explicitada, o despacho de não admissão de documento de que se recorre, proferido na audiência de julgamento, é nulo, por violação do princípio da igualdade de armas e da igualdade das partes, preconizado pelo artigo 4.º do C.P.C, devendo ser revogado, o que necessariamente implica a nulidade dos atos subsequentes, onde se inclui a sentença, nos termos do artigo 195º n.º 2 do mesmo diploma.

XXI. Tudo com as devidas consequências legais.

Termos em que,

- Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido de não admissão de meio de prova, por nulidade, por violação do disposto no artigo 4º e 411 do C.P.C.,

- Devem ser revogados os actos subsequentes, onde se inclui a sentença, nos termos do artigo 195º n.º 2 do C.P.C

Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.»

c) A exequente  contra-alegou e concluiu assim:

«1 - O Douto Despacho recorrido não merece qualquer censura, pelo que deve o Venerando Tribunal da Relação confirmar a decisão recorrida.

2 - Não ocorreu qualquer diferença de apreciação destes dois momentos, (despacho de 26-05-2022 com ref. citius 90715741 e requerimento de 14-06-2022, com Ref. citius 90848047), nem assim ocorreu a violação do princípio ínsitos nos artigos 411º e 4º do C.P.C,” pelo que, o Douto Despacho do Tribunal a quo não se encontra ferida de qualquer nulidade.

3 - Todos os princípios enformadores do Processo foram respeitados pelo Tribunal a quo, nomeadamente no que concerne ao da igualdade de armas ou do contraditório.

4 - Na interpretação das respetivas normas fez a Meritíssima Juíza “a quo” uma análise cuidada e objetiva dos diferentes momentos e dos respetivos institutos, análise e interpretação essa que está de acordo com a melhor doutrina e jurisprudência vigente e à qual o recorrido integralmente adere.

5 - Com efeito, estes momentos, (despacho de 26-05-2022 com ref citius 90715741 e requerimento de 14-06-2022, com Ref citius 90848047), não têm o mínimo de correspondência, constituindo situações absolutamente distintas, com circunstancias que não se confundem, isto, ao contrário do que ardilosamente e diga-se, recorrendo a argumentos cuja falta de verdade é indiscutível, alegam os Recorrentes ao longo da sua peça recursória.

6 - Vejamos que, o documento cujo o Tribunal “a quo”, entendeu determinar a sua junção oficiosamente, (despacho de 26-05-2022 com ref citius 90715741), ao abrigo do disposto no artigo 411.º do C.P.C., surge e resulta no decurso do depoimento de uma testemunha, o qual refere expressamente e faz alusão ao referido documento e surge ainda da necessidade de confrontar a testemunha com o conteúdo do mesmo.

7 - Foi assim que, na sequência do depoimento de uma testemunha, a qual refere a existência de uma factura correspondente à aquisição de parte dos bens objectos da penhora, que o Tribunal “a quo”, oficiosamente, requereu a sua junção - (despacho de 26-05-2022 com ref citius 907157419) - constituindo uma superveniência objectiva ou subjectiva ou por via de necessidade de ocorrência posterior.

8 - Pelo que, a relevância do referido documento e atento o objecto da acção era notória, (objecto da acção o qual se resumia a determinar os valores dos bens objecto de penhora, isto perante os sucessivo incumprimentos dos prazos e obrigação de entrega dos bens por parte do fiel depositário e ora Recorrentes).

9 - Já o mesmo não ocorreu aquando do Requerimento probatório apresentado pelo Recorrente em sede de Recurso, o qual, de forma perfeitamente distinta do oficiosamente determinado pelo Tribunal “a quo”, o Requerimento formulado pelo Recorrente (requerimento de 14-06-2022, com Ref citius 90848047), não resultou do decurso do depoimento de qualquer testemunha.

10 - Isto ao contrário, do que ardilosamente e incorretamente alega e faz constar das suas conclusões, nomeadamente no ponto XIII e XVIII das conclusões.

11 - Ora, o “Requerimento probatório” (de 14-06-2022, com Ref citius 90848047), que os Recorrentes pretendiam ver deferido, não ocorre, nem resultado, no decurso e aquando da inquirição da testemunha “DD”, mas sim, em momento posterior ao mesmo e nada relacionado com o mesmo – (Testemunha a qual ao longo seu depoimento não fez referência ou alusão, nem aos documentos que os Recorrentes pretendia juntar, nem faz referência às testemunhas que este pretendia ouvir).

12 - Pelo que, os recorrentes não obstante conhecerem que a afirmação que fizeram constar das conclusão XIII e XVIII serem absolutamente falsas, ainda assim enunciou-as, de forma deliberada, e com o objectivo claro de criar a aparência de que duas situações, (junção de documento oficiosamente no decurso do depoimento despacho de 26-05-2022 com ref citius 90715741, - e o requerimento probatório junto pelo Recorrente em audiência de julgamento - requerimento de 14-06-2022, com Ref citius 90848047), são de alguma forma idênticos.

13 - Conforme se constata do teor do requerimento apresentado pelos Recorrentes, (requerimento de 14-06-2022, com Ref citius 90848047), o motivo da junção dos documentos e prova testemunhal, não se prendia com a necessidade de confrontar a testemunha com os documentos, ao contrário do agora alegado em sede de recurso.

14 - No referido requerimento, os recorrentes, nunca alegam este facto, nem sequer referem que o requerimento probatório que pretendiam juntar resulta do depoimento do agente de execução - E não fizeram porque, diga-se, efetivamente não resultou.

15 - Aliás, o único fundamento invocado no referido Requerimento probatório, circunscreve-se à expressão genérica de “descoberta da verdade” e ao facto de ter o Tribunal “a quo” ter promovido oficiosamente a junção de um documento, servindo-se de este facto para obter um benefício que foi negado à recorrida.

16 - Ora, a confusão dos Recorrentes é evidente, e deliberada, pretendendo criar a aparência, diga-se artificial, de que as circunstâncias são identificas ou semelhantes e com isto alegar que o Tribunal “a quo”, violou o princípio da igualdade de armas.

17 - O tratamento dado pelo Tribunal “a quo” nas situações supra descritas, nem sequer aparentemente é “distinto”, porquanto as circunstâncias subjacentes aos mesmos, são absolutamente distintas.

18 - Com efeito, correspondem a diferentes momentos processuais, decididos por motivos, fundamentos e circunstâncias distintas, tendo características formais e substanciais distintas.

19 - Como se disse, a circunstância do Tribunal “a quo” ordenar a junção de documentos ao abrigo do disposto no artigo 411.º do CPC radica num juízo de valor de que os mesmos podem ter relevância para a boa decisão da causa, atento o conteúdo do depoimento de uma testemunha, a qual refere a existência do documento.

20 - Na interpretação das respetivas normas fez a Meritíssima Juíza “a quo” uma análise cuidada e objetiva dos diferentes momentos e dos respetivos institutos, análise e interpretação essa que está de acordo com a melhor doutrina e jurisprudência vigente e à qual o recorrido integralmente adere.

21 - De referir ainda que, o referido Requerimento é ainda, totalmente omisso relativamente aos factos que pretende provar com a sua junção.

22 - Diga-se ainda que, estes exageros e liberdades argumentativa por parte dos Recorrentes, é sintomática da falta de fundamento legal e factual com que subscrevem no seu libelo.

23 - Destarte, os Recorrentes trouxeram às suas conclusões de recurso matéria que é falsa, não se encontrando sustentada em qualquer realidade que tenha ocorrido em sede de julgamento.

24 - Pelo que, não podem assim ser consideradas para qualquer efeito as conclusões de recurso formuladas nas respetivas alíneas conclusão XIII e XVIII.

25 - De referir ainda, que os Recorrentes, nem sequer pretendiam, com o referido Requerimento impugnar o conteúdo do documento junto oficiosamente pelo Tribunal “a quo”, na sequência do despacho (despacho de 26-05-2022 com ref citius 90715741) – documento o qual, nem sequer foi impugnado.

26 - Pelo que dúvidas não restam, que todos os princípios enformadores do Processo foram respeitados pelo Tribunal a quo, nomeadamente no que concerne ao da igualdade de armas incluindo os do contraditório.

27 - Destarte, o equilíbrio entre as partes foi garantido ao longo de todo o processo, desde logo, na perspetiva dos meios processuais de que as partes dispuseram para apresentar e fazer vingar as respetivas teses, pelo que dúvidas não restam que o princípio da igualdade de armas foi rigorosamente cumprido e assegurado.

28 - Com efeito, e ao contrário do alegado e sugerido, o Tribunal “a quo”, na criteriosa aplicação da lei, teve um tratamento igual nas circunstâncias que efectivamente foram iguais.

29 - Sendo absolutamente inquestionável, que a posição das partes permaneceram idênticas, nomeadamente quando o Tribunal “a quo” indefere o requerimento probatório do Recorrente, (cfr. requerimento de 14-06-2022, com Ref citius 90848047).

Vejamos ainda que,

30 - A prevalecer a solução defendida pelos Recorrentes, a mesma conduziria sim, a uma insustentável e evidente violação do princípio do inquisitório e da igualdade de armas, nos termos e para os efeitos dos artigos 411º e 4º do C.P.C.

31 - Ora, e tal como referido na peça recursório nos pontos I, II, II, e IV, das conclusões, também a Recorrido viu o seu requerimento probatório de aditamento e alteração formulado a 13/05/2022, (ou seja, formulado no dia a seguir à marcação da audiência de discussão e julgamento que ocorreu por despacho de 11 de Maior 2022, e cujas partes foram notificadas a 12 de Maio de 2022), indeferido com os mesmos fundamentos: (“indeferir in totum a actividade probatória requerida, nos termos do artigo 293.º, n.º 1 a contrario do CPC”) - (cfr. requerimento da Recorrida de 13-05-2022 REf. Citius 42247094 e despacho proferido a 26-05-2022, com REf Citius 42331931, peças processuais instruídas com o Recurso).

32 - Pelo que, a solução jurídica defendida pelos Recorrentes criaria sim, um insustentável e injustificado tratamento diferenciado.

33 - Ora, de acordo com o princípio do inquisitório, consagrado na lei processual civil, o juiz tem a iniciativa da prova, podendo realizar e ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias para o apuramento da verdade.

34 - Neste contexto, a investigação oficiosa não deve ser exercida com a finalidade da parte poder contornar a preclusão processual decorrente da sua inércia.

35 - Ora, os Recorrente o que pretendem verdadeiramente é que lhes seja concedida a possibilidade de alterar e editar o seu requerimento probatório, na segunda sessão da audiência de julgamento.

36 - Sem que tal decorresse do depoimento da única testemunha ouvida nesse mesmo dia, nem assim, correspondesse à impugnação do documento junto oficiosamente, (o qual, como se disse não fora impugnado), quando anteriormente poderia ter carreado aos autos quer as testemunhas, quer os documentos que pretendia juntar.

37 - Repare-se que a audiência final já tinha sido encerrada, já tinha sido realizada toda a prova, tendo apenas sido marcada uma nova data para ouvir uma testemunha apenas, inquirição a qual foi determinada oficiosamente - agente de execução do processo à da penhora.

38 - Foi nesta segunda sessão, retomada apenas para a realização de uma diligência de prova específica, (a inquirição de uma testemunha, agente de execução nos autos, com vista a ser confrontado o auto de penhora, nada esclarecendo para lá do seu conteúdo), que os Recorrentes apresentam o seu Requerimento probatório - cfr. com Ref citius 90848047.

39 - Como salienta Lopes do Rego “O exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste - não podendo naturalmente configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseira ou indesculpavelmente negligentes das partes” – Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, 1999, pág. 425.

40 - Ora, o que os Recorrentes pretendem neste recurso é justamente esse resultado; ou seja, obter por via oficiosa aquilo que, por sua iniciativa, oportunamente não requereu.

41 - Dúvidas não restam, que a imparcialidade do Tribunal “a quo”, foi e é inquestionável, tendo cumprido escrupulosamente todos os seus poderes/deveres, assegurando a de forma incontestável a igualdade de armas, diligenciando o apuramento da verdade e para a justa composição do litigo.

42 - Não se mostrando violadas quaisquer disposições legais, soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.

43 - Carecem assim de total e absoluto fundamento todas as conclusões de recurso formuladas pelo recorrente, não podendo assim o Douto Despacho recorrido ser objeto de qualquer censura.

44 - Devendo assim, vir a improceder todas as conclusões de recurso formuladas pelos recorrentes.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, deverá ser negado provimento ao presente Recurso, proferindo-se acórdão que, com os fundamentos invocados e nos demais que V. Exas. não deixarão certamente de suprir, confirme na íntegra a decisão proferida, com o que será feita a clamada e costumada JUSTIÇA.»

II. Objeto do recurso.

As questões que este recurso coloca são as seguintes:

(I) A primeira questão colocada pelo recurso consiste em verificar se o despacho proferido na audiência do dia 14 de junho de 2022, o qual indeferiu os meios de prova indicados pelos executados, padece de nulidade por violação do disposto nos artigos 4.º e 411.º do C.P.C, das quais resulta a igualdade substancial entre as partes e o dever do juiz realizar as diligências necessárias ao apuramento da verdade e justa composição do litígio.

(II) Em segundo lugar, sendo a resposta afirmativa verificar se devem ser anulados os atos subsequentes incluindo a sentença, nos termos do artigo 195.º n.º 2 do C.P.C.

III. Fundamentação

a) 1. Matéria de facto – Factos provados (para melhor compreensão dos factos provados 1 e 2, adita-se mais um facto, com o n.º 3, que se encontra provado documentalmente).

1 - Na sessão da audiência de julgamento de 26 de maio de 2022 [na ata consta o dia 27] foi exarada na respetiva ata o seguinte:

Despacho do Juiz: «No decurso do depoimento da testemunha EE faz-se menção aos valores de aquisição dos bens que equiparam o estabelecimento comercial da executada que foram posteriormente objecto de penhora nestes autos.

Ora, pese embora a instrução do incidente se deva fazer em sede de articulados nos termos prescritos no artº 293º do C. P. Civil, sem prejuízo do decidido quanto ao requerimento probatório apresentado pela proprietária dos bens em 22-05-2022, considera o Tribunal que a junção dessas facturas de aquisição se mostra imprescindível para a descoberta da verdade material, pelo que ao abrigo dos nossos deveres/poderes de averiguação oficiosa determinamos que a exequente seja notificada para, em cinco dias, fazer a sua junção aos autos.

Notifique.»

Mais consta: «Pedida a palavra pelo ilustre mandatário da requerente pelo mesmo foi dito que os tem em seu poder e que se disponibiliza a apresentá-los nesta audiência.

Dada a palavra à ilustre mandatária do requerido declarou opor-se a tal junção dada a sua inadmissibilidade legal nos termos do 293º do C. P. Civil.

De seguida, pela Mmª Juiz, foi proferido o despacho que se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal com início às 15h:05m:10s e o seu termo às 15h:12m:04s e que se transcreve:

Uma vez que a requerente se disponibiliza a apresentar os documentos em questão admite-se a sua imediata junção aos autos para confrontação com as testemunhas.»

2 – Na ata de audiência do dia 14 de junho de 2022, consta o seguinte:

«Neste momento pela ilustre mandatária do requerido foi pedida a palavra e tendo-lhe sido concedida no uso da mesma disse:

Conforme resulta do douto despacho de 27-05-2022, o Tribunal, ao abrigo dos poderes/deveres de averiguação oficiosa, admitiu a junção de prova documental apresentada pela exequente, por considerar que esta se mostra imprescindível para a descoberta material.

O executado, pese embora se tenha oposto à sua junção por inadmissibilidade legal, nos termos do artº 293º do Código Processo Civil à contrario, e por considerar que lhe deve ser dado o mesmo beneficio, requer a Vª Exª se digne admitir a junção de sete documentos, bem como a alteração ao rol de testemunhas, por considerar que tal prova se afigura essencial para a descoberta da verdade material e para a justa composição do litígio.

Desta forma requer a junção dos seguintes documentos:

Documento um - contrato de arrendamento comercial com prazo certo, cuja cláusula quinta estipula que todas as benfeitorias a introduzir ao imóvel são pertença do imóvel.

Documento dois - reclamação de créditos.

Documento três - declaração de B..., que declara ter levantado uma arca frigorífica ... com a matrícula ...10 marca ....

Documento quatro - fotografias que atestam o estado do imóvel à data do arrendamento e o seu estado de degradação à data da entrega.

Documento cinco - declaração do agente imobiliário que confirmam o estado do imóvel à data do arrendamento e à data de entrega do locado.

Documento seis - fotografias da pretensa "arca frigorífica".

Documento sete - factura do ar condicionado colocado pelo executado.

Mais requer, o aditamento e alteração do rol de testemunhas, indicando para tanto as seguintes testemunhas:

- FF, com domicilio profissional na Rua ..., ..., ..., ....

- ..., com domicílio profissional na Avenida ..., ... ....

Dada a palavra ao ilustre mandatário da requerente o mesmo fez o requerimento que se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal com início às 09h:52m:42s e o seu termo às 09h:53m:06s e que se transcreve:

Deve ser indeferido o requerido por extemporâneo.

De seguida, pela Mmª Juiz, foi proferido o despacho que se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal com início às 09h:53m:15s e o seu termo às 09h:57m:34s e que se transcreve:

Pretende o requerido fiel depositário a junção de vária documentação e a alteração do seu rol de testemunhas num momento processual que a lei já não prevê.

Efectivamente nos incidentes da instância as provas devem ser apresentadas com os respectivos articulados, tal como impõe o artigo 293.º, n.º 1 do CPC, sendo certo que mesmo ao abrigo do artº 423º do C. Processo Civil, os documentos teriam que ser juntos até vinte dias antes da data em que se realize a audiência final devendo extrair-se idêntica conclusão quanto ao prazo da alteração do rol de testemunhas (cf. artigo 598.º, n.º 2 do CPC).

Nestes termos indefere-se in totum o requerido.

Notifique.

Após, a Mmª Juiz, deu a palavra aos ilustres mandatários para alegações as quais se encontram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal com início às 09h:57m:41s e o seu termo às 10h:04m:02s.

Seguidamente, pela Mmª Juiz foi proferido o seguinte:

DESPACHO

Conclua os autos a fim de proferir decisão.

Notifique.»

3 - A audiência do dia 14 de junho de 2022 realizou-se para inquirição do agente de execução que elaborou o auto de penhora (DD), por se ter afigurado ao tribunal que a sua inquirição se mostrava «…essencial para a descoberta da verdade…».

(Este facto encontra-se documentado na ata da audiência, parte final, ocorrida em 26 de maio de 2022).

2. Matéria de facto – Factos não provados

Não há.

c) Apreciação das questões objeto do recurso

(I) Vejamos então se o despacho proferido na audiência do dia 14 de junho de 2022, o qual indeferiu os meios de prova indicados pelos executados, padece de nulidade por violação do disposto nos artigos 4.º e 411.º do C.P.C.

(a) O artigo 4.º (Igualdades das partes) do Código de Processo Civil diz o seguinte:

«O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.»

E o artigo 411.º (Princípio do inquisitório), do mesmo código, tem esta redação:

«Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.»

Sobre esta problemática, no domínio da legislação processual anterior, mas idêntica à atual, Lopes do Rego referiu que estamos aqui perante um «…poder-dever do juiz realizar oficiosamente quaisquer diligências probatórias ou instrutórias que considere indispensáveis ao apuramento da verdade dos factos…» e que «…a qualificação dos poderes instrutórios autónomos do julgador como revestindo a natureza de um pode-dever, tendente à plena realização do fim do processo – a justa composição do litígio – implicará que constitui nulidade a ostensiva e injustificada omissão de diligência essencial e patentemente necessária ao apuramento da verdade dos factos: tratando-se, porém, de nulidade secundária, é evidente que sempre cumprirá à parte interessada reclamá-la tempestivamente, reiterando ao juiz a essencialidade das diligências   probatórias pretensamente omitidas, nos termos dos artigos (…), sob pena de a mesma se dever considerar naturalmente precludida» - Comentário ao Código de Processo Civil. Coimbra, Almedina, 1999, págs. 207/208.

(b) Vejamos o contexto processual descrito nas alegações, no âmbito do qual foi proferido o despacho sob recurso.

Os exequentes, através do requerimento com a referência 42247094, em momento anterior ao dia da audiência de julgamento, solicitaram a inquirição de quatro testemunhas, a inspeção ao local e a junção de três documentos, sendo um deles uma fatura.

O tribunal indeferiu este requerimento, invocando o disposto no artigo 293.º, n.º 1, a contrario, do CPC.

Na sessão da audiência de julgamento de 26 de maio de 2022 e no decurso do depoimento da testemunha EE, última testemunha das indicadas para serem inquiridas, a testemunha fez menção aos valores de aquisição dos bens que equiparam o estabelecimento comercial da executada, bens que foram posteriormente objeto de penhora nos autos, e a uma fatura relativa à aquisição de parte desses bens.

O tribunal, com oposição dos executados, considerou a junção dessa fatura imprescindível para a descoberta da verdade material, pelo que, invocando os deveres/poderes de averiguação oficiosa, determinou a junção dessa fatura aos autos.

Nesta mesma audiência, por se ter afigurado ao tribunal que a sua inquirição se mostrava também «…essencial para a descoberta da verdade…», foi determinada a inquirição, como testemunha, do agente de execução (DD), autor do auto de penhora.

Na audiência do dia 14 de junho de 2022, depois da inquirição de DD, os executados requereram a junção de documentos e arrolaram mais duas testemunhas, nos termos referidos supra nos factos provados.

Este requerimento probatório foi indeferido, nos termos já atrás referidos, e daí o presente recurso.

(c) Estabelecido o contexto processual, vejamos então se ocorreu violação das normas constantes dos artigos 4.º e 411.º do Código de Processo Civil, normas acima já reproduzidas, das quais resultam duas regras:

Uma – Igualdade substancial entre as partes.

Nas palavras de Manuel de Andrade, o princípio da igualdade das partes «Consiste em as partes serem postas no processo em perfeita paridade de condições, desfrutando, portanto, idênticas possibilidades de obter a justiça que lhes seja devida» - Noções Elementares de Processo Civil. Coimbra Editora/1979, pág. 380.

Outra – O juiz deve realizar as diligências necessárias ao apuramento da verdade e justa composição do litígio.

Destas duas regras logo resulta que, não sendo formalmente conflituantes, pois em abstrato é possível manter a igualdade entre as partes quando o juiz leva a cabo as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, podem entrar em conflito quando são exercitadas em situações concretas, pois, não podendo ambas as partes sair totalmente vencedoras, qualquer diligência que o tribunal faça irá beneficiar ou tenderá a beneficiar uma parte e prejudicar a outra.

Ou seja, quando o tribunal decide intervir, dessa intervenção poderá resultar um beneficio para uma das partes e, logicamente, um prejuízo para a outra, podendo-se dizer, face ao resultado dessa atuação, que não respeitou a igualdade entre as partes e não foi imparcial.

Mas não é assim, a igualdade e a imparcialidade não exigem para que se possa dizer que são respeitadas, que não haja prejuízo para alguma das partes, pois havendo litígio e existindo uma decisão sobre ele, uma das partes, inevitavelmente, há de ficar vencida, no todo ou em parte, ou até mesmo ambas as partes.

A igualdade e a imparcialidade dizem aqui apenas respeito ao modo como deve proceder o tribunal no caminho que leva à decisão.

Se o tribunal nada fizesse quando o caso exigisse intervenção, desrespeitaria o dever de apurar a verdade e chegar à justa composição do litígio, composição essa que, para ser justa, exige que assente sobre a verdade, sobre uma correspondência entre os factos afirmados como provados e a realidade histórica, o que exige, por vezes, investigação.

Por conseguinte, exigindo a lei a aplicação conjunta destas regras está a exigir que elas se conjuguem entre si no caso concreto, observando a igualdade para chegar à verdade, com vista a alcançar a justiça.

Mas estas duas regras não são as únicas a observar.

Há outras, como as que estabelecem preclusões, relevando neste caso as normas que estabelecem preclusões quanto à indicação dos meios de prova a produzir.

No caso dos autos, a norma a observar é a do artigo 293.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que nos diz que «No requerimento em que se suscite o incidente e na oposição que lhe for deduzida, devem as partes oferecer o rol de testemunhas e requerer os outros meios de prova.»

Ou seja, depois de decorrido este momento processual a parte não pode requerer a produção de meios de prova.

Isto é assim porque o processo para avançar e ser célere tem de se reger por etapas estanques, por vezes preclusivas, pois como referiu Manuel de Andrade, «Há ciclos processuais rígidos, cada um com a sua finalidade própria e formando compartimentos estanques. Por isso os actos (maxime as alegações de factos ou meios de prova) que não tenham lugar no ciclo próprio ficam precludidos [...].

O princípio traduz-se portanto, essencialmente, na preclusão das deduções das partes» - Ob. cit., pág. 382.

Ou seja, o processo civil é regido por ciclos dentro dos quais se exercem determinados direitos processuais sob pena de preclusão, como, por exemplo, nos incidentes da instância (artigo 293.º do CPC), a indicação da prova no requerimento inicial ou na respetiva oposição.

Por conseguinte, em vez de duas passamos, agora a ter estas três regras:

– Igualdade substancial entre as partes;

– Dever do juiz realizar as diligências necessárias ao apuramento da verdade e justa composição do litígio.

– Vinculação dos requerimentos sobre a produção de provas a determinadas fases do processo, ficando precludida, em regra, a possibilidade da sua apresentação em momento posterior.

Mas esta última regra aplica-se às partes, não ao tribunal.

Porém, resulta destes princípios que ordenando o juiz oficiosamente uma diligência destinada a apurar a verdade (entenda-se por «verdade» o que acima se disse, isto é, a correspondência entre a factualidade histórica efetivamente ocorrida e a descrição que dela é feita nos factos provados e não provados), tenha de observar a igualdade e imparcialidade que o caso concreto exigir.

Como referem os autores Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Pires de Sousa, comentando a norma do artigo 411.º do CPC, «… pelo menos nos casos em que não haja razões para afirmar a existência de comportamentos processuais abusivos, cumpre ao juiz exercitar a inquisitoriedade, preservando o necessário equilíbrio de interesses, critérios de objetividade e uma relação de equidistância e de imparcialidade» - Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição. Almedina, 2022, pág. 524.

O caso concreto dos autos poderá fazer essa exigência ou não, consoante resulte claro ou provável que o meio de prova a produzir beneficiará uma parte e prejudicará outra.

Neste caso, para observar a igualdade, a parte potencialmente afetada pela diligência oficiosa, se dispuser de algum meio de prova com capacidade para contrariar ou colocar em dúvida a prova que resultará da produção desse meio de prova, oficiosamente ordenado pelo juiz, deve poder sugerir ao juiz, fundamentando adequadamente essa sugestão, a produção desse outro meio de prova.

E diz-se «sugerir» porque a parte já não tem, como se disse, por ter precludido, um direito a «requerer» a produção dessa prova.

Mas o tribunal se não acolher uma sugestão bem fundamentada, violará certamente o disposto no referido artigo 4.º, pois se assim proceder o tribunal não está a «… assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes…»

Porém, a igualdade substancial entre as partes também exige que a parte não possa aproveitar este mecanismo para indicar prova que devia ou podia ter apresentado na fase processual a isso destinada.

Podendo, inclusive, esse aproveitamento, se permitido, levar a exceder o número de testemunhas que a parte podia indicar, o que não pode ocorrer.

Por isso, a prova sugerida tem de estar de algum modo vinculada à prova ordenada oficiosamente.

Vinculada no sentido de só se ter tornado necessária devido, precisamente, à produção da prova oficiosamente ordenada, tendo por finalidade contrariar ou tornar duvidosa esta última.

Daqui resulta que a análise do caso concreto, como o presente, implique verificar, primeiro, se a Recorrente sugeriu a produção de prova ou requereu simplesmente a produção de provas; segundo, se mostrou, se fundamentou, a pertinência das novas provas em relação à prova oficiosamente ordenada, mostrando existir alguma probabilidade de as provas indicadas poderem contrariar ou tornar duvidosa a prova oficiosamente ordenada; terceiro, se a prova sugerida só se mostrou necessária devido à produção da prova oficiosamente ordenada.

 (d) Passando ao caso concreto.

1 – Vejamos se a Recorrente sugeriu a produção de prova ou requereu simplesmente a produção de provas.

A resposta a esta questão consiste em dizer que a Recorrente não sugeriu, mas sim que requereu.

Dado o princípio da preclusão acima já mencionado, os Recorrentes já não tinham o direito de requerer e, se nada mais se argumentasse, cumpriria encerrar a discussão recursiva julgando o recurso desde já improcedente, com fundamento em que os Recorrentes requereram a produção de provas e esse direito já estava precludido, isto é, não tinham nesse momento esse direito.

No entanto, como o «requerer» contém em si o «sugerir» e o requerimento formal sempre pode ser «convolado para…». Considera-se, por isso, que não é pelo facto da parte ter requerido que o tribunal não convola o requerimento para simples sugestão e como tal o considerará.

É o caso.

Apesar das recorrentes já não poderem requerer, interpreta-se o requerimento como sugestão.

2 Se os Recorrentes mostraram, se fundamentaram, a pertinência das novas provas em relação à prova oficiosamente ordenada pelo tribunal, mostrando existir alguma probabilidade das provas indicadas poderem contrariar ou tornar duvidosa a prova oficiosamente ordenada.

A resposta é negativa.

A prova oficiosamente ordenada pelo tribunal consistiu na junção de uma fatura a respeito da qual a testemunha que estava a ser inquirida afirmou respeitar à aquisição de alguns bens cujo valor estava a ser objeto de indagação e julgamento por parte do tribunal.

A prova que a parte poderia sugeria teria de consistir em algo que pudesse contrariar ou tornar duvidosa a prova oficiosamente ordenada.

A parte limitou-se a afirmar que a prova a produzir era importante para a descoberta da verdade, omitindo as premissas suscetíveis de mostrar a verdade ou a falsidade dessa afirmação.

Esta resposta negativa implica que não se possa concluir pela violação do princípio da igualdade, pois o que ocorre é que a própria parte não criou condições formais para que a sua pretensão pudesse ter sido atendida.

3 – Se a prova sugerida só se mostrou necessária devido à produção da prova oficiosamente ordenada.

Não se sabendo o que a Recorrente pretendia demonstrar com a prova, não se pode saber se a prova sugerida só se mostrou necessária devido à produção da prova oficiosamente ordenada.

No entanto, sempre se poderá fazer algum tipo de indagação.

Vejamos.

Consistindo a prova oficiosamente ordenada na fatura que terá documentado a compra de alguns dos bens objeto da avaliação por parte do tribunal, sendo esta fatura considerada pelo tribunal como facto histórico, como realmente existente, então ela contribuirá para formar a convicção do juiz sobre o preço real dos bens na data em que foram adquiridos, servindo esse preço para ajudar a formar a convicção do tribunal sobre o valor dos bens.

Pergunta-se, pois, que prova poderia ser oposta ao teor da fatura, que não pudesse ter sido indicada com o requerimento probatório?

Que se trata de um documento falso?

Certamente, mas nada foi alegado a este respeito, nem há indícios disso.

Que o valor dos bens não correspondia ao preço da fatura?

Não, pois o valor dos bens é precisamente o objeto do julgamento e essa questão do valor já estava colocada desde o início, e a Recorrente teve oportunidade, desde o início, de indicar prova a este respeito, não podendo beneficiar de nova oportunidade, dado o princípio da preclusão acima referido, sendo certo que a questão do real valor dos bens não foi colocada pela junção da dita fatura, antes pelo contrário, está colocada desde o início.

Por conseguinte, não se podendo concluir que a prova indicada pelas Recorrentes tinha/tem implicações em relação à prova oficiosamente ordenada, no sentido de a poder contrariar ou tornar duvidosa e só se ter mostrado necessária devido à produção da prova oficiosamente ordenada, o tribunal não podia ter tido qualquer razão para ordenar, também oficiosamente, a sua produção, pelo que, em concreto, não se pode concluir pela violação do princípio da igualdade entre as partes e do princípio da imparcialidade do tribunal.

 (II) Quanto à segunda questão, isto é, se devem ser anulados os atos subsequentes incluindo a sentença, nos termos do artigo 195.º n.º 2 do C.P.C

Esta questão estava dependente de uma resposta positiva à questão anterior, pelo que a sua análise ficou prejudicada.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se o despacho recorrido.

Custas pelas Recorrentes.


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Coimbra, 07 de fevereiro de 2023