Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
64/12.4TTGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL DO TRABALHO
CONTRATO DE FORMAÇÃO
ESTÁGIO PROFISSIONAL
CONTRATO DE TIROCÍNIO
Data do Acordão: 06/06/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: PORTARIA 129/09, DE 30/01.
Sumário: I – A competência dos tribunais do trabalho para conhecer e decidir das questões emergentes dos contratos de formação não pode fundar-se no artº 85º/g da LOFTJ, na parte em que nela se mencionam os contratos de aprendizagem.

II – As questões emergentes de um contrato de formação celebrado ao abrigo dos DL nºs 253/84, de 26/09, e 242/88, de 7/7, devem considerar-se abrangidas nas questões emergentes de contratos de tirocínio a que se alude no artº 85º/g da LOFTJ.

III – Por isso, os tribunais do trabalho são competentes para conhecer e decidir de acções respeitantes a questões emergentes de contratos de formação em contexto de trabalho no âmbito do programa de estágios profissionais regulado pela Portaria 129/09, de 30/01.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - Relatório

A autora propôs contra a ré a presente acção com a forma de processo comum e emergente de contrato de trabalho, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe determinados créditos emergentes de um contrato de formação em contexto de trabalho entre ambas celebrado no âmbito do programa de estágios profissionais regulamentado na Portaria 129/09, de 30/1.
Em 11/3/2013, foi proferida a decisão a seguir transcrita: “Atento o alegado pela autora no que respeita designadamente ao contrato celebrado entre autora e ré e traduzido no documento junto pela mesma com documento 1, afigura-se-nos, salvo o devido respeito por entendimento diverso, que assiste razão à ré, porquanto tal relação não configura uma relação de trabalho subordinado nem uma relação estabelecida com vista a celebração de contrato de trabalho, repita-se tendo em conta o alegado pela autora, pois não resulta dos referidos articulados da P.I. e Resposta configurada tal relação de forma a que seja competente para conhecer da mesma o Tribunal do Trabalho.
Trata-se assim da excepção de incompetência absoluta em razão da matéria cujo conhecimento ora se impõe de acordo com o disposto no art.º 103 do CPC ex vi, art.º 1º CPT.
Face ao supra exposto julga-se verificada a excepção de incompetência absoluta arguida, absolvendo-se a ré da instância.”.
Dessa decisão interpôs recurso a autora.
Apresentou as alegações que a seguir se deixam transcritas:
[…]
A ré contra-alegou, concluindo pela inadmissibilidade do recurso, atento o valor da acção, inferior ao da alçada do Tribunal da Relação, ou pela sua improcedência.

A Exmª Procuradora-Geral Adjunta junto desta Relação defendeu no seu parecer que o recurso não deve ser admito e que, sendo-o, não merece provimento.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento do mérito.


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II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso, as questões suscitadas e a decidir são as seguintes:
1ª) saber se o recurso é admissível;
2ª) saber se os Tribunais do Trabalho são competentes, em razão da matéria, para conhecer e decidir da presente acção.
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III – Fundamentação
A) De facto


A autora e a ré outorgaram entre si, no âmbito do programa de estágios profissionais regulamentado na Portaria 129/09, de 30/1,  o contrato de formação em contexto de trabalho que está documentado a fls. 10 a 18.
Através desta acção, a autora pretende obter a condenação da ré a pagar-lhe determinados créditos que considera terem emergido do referido contrato e que não terão sido oportunamente satisfeitos pela ré.

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B) De direito

Primeira questão: se o recurso é admissível.

No presente recurso vem arguida a violação de uma norma que rege a competência em razão da matéria dos Tribunais do Trabalho – art. 85º, alínea g), da LOFTJ.
Como assim, conjugando o estatuído nos arts. 79º do CPT e 678º/2/a do CPC, o recurso é admissível independentemente do valor da causa.
Improcede, pois, a questão prévia de inadmissibilidade do recurso suscitada pela ré.
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Segunda questão: saber se os Tribunais do Trabalho são competentes, em razão da matéria, para conhecer e decidir desta acção.

Como resulta do artigo II da petição inicial, conjugado com o documento de fls. 10 a 18, a autora e a ré celebraram entre si um contrato de formação em contexto de trabalho no âmbito do programa de estágios profissionais regulado pela Portaria 129/09, de 30/1, na redacção em vigor à data da celebração do contrato de trabalho.
Desse contrato resulta que a ré aceitou proporcionar à autora um estágio profissional em contexto de trabalho, pagando a ré à autora uma bolsa de estágio no valor de 838, 44 euros, acrescido de subsídio de alimentação de valor correspondente ao da generalidade dos trabalhadores da ré.
 “O Programa Estágios Profissionais tem como objectivo apoiar a transição entre o sistema de qualificação e o mercado de trabalho, bem como apoiar a melhoria das qualificações e a reconversão da estrutura produtiva e, nomeadamente:
a) Complementar e aperfeiçoar as competências de desempregados, de forma a facilitar o seu recrutamento e integração;
b) Aumentar o conhecimento de novas formações e competências por parte das empresas e promover a criação de emprego em novas áreas.” – art. 2º da Portaria 129/09, de 30/1.
O IEFP, I. P., tem por missão promover a criação e a qualidade do emprego e combater o desemprego, através da execução de políticas activas de emprego, nomeadamente de formação profissional – art. 3º/1 do DL 213/2007, de 29/5.
A formação profissional encontrava-se regulada pelo DL 242/88, de 7/7, que tinha por objectivo regular a situação jurídica do formando que participe em acções de formação profissional (art. 1º), e definia os conceitos de formando, acção de formação profissional, entidade formadora e contrato de formação (cfr. art.2º).
Por sua vez, o art.4º do mesmo diploma refere-se ao contrato de formação, estabelecendo nos ns. 1 e 2 as formalidades a que ele deve obedecer. E no nº 3 estabelece que "o contrato de formação não gera nem titula relações de trabalho subordinado...".
Consequentemente, o contrato de formação não se pode considerar como sendo uma espécie do contrato de trabalho, sendo que, por isso, as questões emergentes desse contrato não podem qualificar-se como questões emergentes do contrato de trabalho.
Logo, a competência dos tribunais do trabalho para conhecer e decidir das questões emergentes dos contratos de formação não pode fundar-se no art. 85º/a da LOFTJ.
O contrato de formação do tipo do celebrado pela autora e pela ré também não pode qualificar-se como contrato de aprendizagem.
Na verdade, “Entende -se por contrato de aprendizagem o contrato celebrado entre um formando ou, quando este seja  menor de idade, o seu representante legal, e a entidade formadora, em que esta se obriga a ministrar -lhe formação e aquele se obriga a frequentar essa formação, executando todas as actividades que constam da estrutura curricular do curso.” (art. 10º/1 da Portaria 1497/2008, de 19/12), sendo os contratos deste tipo celebrados no âmbito dos denominados cursos de aprendizagem regulamentados por essa mesma Portaria.
Portanto, o contrato de formação em que a autora outorgou e os contratos de aprendizagem correspondem a categorias jurídicas distintas e autónomas entre si.
Logo, a competência dos tribunais do trabalho para conhecer e decidir das questões emergentes dos contratos de formação não pode fundar-se no art. 85º/g da LOFTJ, na parte em que nela se mencionam os contratos de aprendizagem.
No entanto, esta mesma norma refere-se, também, aos contratos de tirocínio.
Como é sabido, o tirocínio (ou estágio) é uma realidade que se distingue da aprendizagem, no sentido atrás exposto, bem como do contrato de trabalho propriamente dito.
Na verdade, o tirocinante ou estagiário é, normalmente, alguém que se exercita em certa ordem de funções laborais, como exercício preliminar indispensável ao bom desempenho de uma profissão; o período de estágio é, assim, um período de aproximação à inserção plena do estagiário em todos os problemas inerentes à carreira profissional que se quer abarcar.
Em última análise, o estágio permite à entidade formadora e ao formando um período de experiência e de avaliações recíprocas sobre um conjunto de aspectos subjectivos, objectivos e circunstanciais relevantes  para a decisão de se constituir ou não uma relação de trabalho subordinado.
O estágio em empresas no âmbito do ensino técnico-profissional rege-se pelo disposto do DL 253/84, de 26/9.
O estágio profissional não inserido no sistema educativo rege-se pelo DL 242/88, de 7/7.
Como assim, as questões emergentes de um contrato de formação celebrado ao abrigo destes dois últimos diplomas legais devem considerar-se abrangidas nas “…questões emergentes de contratos de … tirocínio…” a que se alude no referido art. 85º/g da LOFTJ.
Por isso, os tribunais do trabalho são competentes para conhecer e decidir de acções respeitantes a questões emergentes de contratos de formação em contexto de trabalho como aquele que está em causa no âmbito destes autos.
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IV – Decisão
Deliberam os juízes que compõem esta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de revogar a decisão recorrida e de declarar a competência material do tribunal recorrido para conhecer e decidir desta acção, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores trâmites no tribunal recorrido.
Custas a cargo da apelante.

 (Jorge Manuel Loureiro – Relator)

 (Ramalho Pinto)

 (Azevedo Mendes)