Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CARLOS QUERIDO | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS | ||
Data do Acordão: | 05/25/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | NELAS | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS.47, 90, 128, 129, 136, 137, 138, 146 DO CIRE | ||
Sumário: | I. Da conjugação do disposto nos artigos 47.º, 90.º, 128.º n.º 1 e 3 do CIRE, se conclui que, declarada a insolvência da devedora, aos credores depara-se em regra um único caminho: a reclamação dos seus créditos no âmbito do processo de insolvência. II. Excepcionalmente, findo o prazo das reclamações, é possível reconhecer ainda outros créditos, nos termos do artigo 146.º do CIRE, por meio de acção proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor, mas tal reclamação não pode ser apresentada pelos credores que tenham sido avisados nos termos do artigo 129º, excepto tratando-se de créditos de constituição posterior e só pode ser feita no prazo de um ano subsequente ao trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência, ou no prazo de três meses seguintes à respectiva constituição, caso termine posteriormente. III. Reclamado um crédito por parte da recorrente, não reconhecido pelo administrador da insolvência, nem aprovado na tentativa de conciliação prevista no n.º 2 do artigo 136.º do CIRE, deverá ser fixada a base instrutória, nela se integrando os factos alegados pela reclamante como suporte da sua pretensão, com vista à realização da audiência de julgamento, após o que se proferirá sentença de verificação e graduação de créditos que inclua, ou não, consoante o que vier a ser decidido, o crédito da recorrente. IV. Não pode ser declarado não reconhecido o crédito reclamado, no despacho saneador, sem qualquer produção de prova, com fundamento em que o mesmo “não se encontra titulado” e em que os autos de insolvência “não são o meio processualmente adequado ao reconhecimento de tal crédito”. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório Tendo sido declarada a insolvência da S (…) SA, no âmbito do Processo n.º 275/09.0TBNLS, Prés (…) Lda reclamou junto do Administrador de Insolvência o crédito de € 174.000,00, nos termos e com os fundamentos que constam de fls. 540 destes autos, alegando em síntese que: tem por objecto o comércio de tabaco, jornais e revistas; celebrou com a insolvente o contrato de ocupação de espaço de loja para comércio que junta, nos termos do qual, ficou a reclamante autorizada a utilizar, pelo período de 5 anos, contados de 01 de Novembro de 2006, aloja n.º 110, piso 1 do denominado edifício Multiusos (…); em contrapartida de uma renda mensal de € 1.000,00, acrescida de IVA, actualizável; o pagamento da renda apenas ocorreria a partir de 01 de Janeiro de 2007, sendo que, durante os primeiros 12 meses, o seu valor seria reduzido para um terço da renda acordada; foi garantido à reclamante pelo gerente da insolvente, que iria ser um negócio bastante lucrativo, e que a Câmara Municipal de ... iria construir, junto do edifício Multiusos uma rotunda na E.N 16, que iria melhorar a acessibilidade ao edifício, que estaria pronto a receber os lojistas, reclamante incluída, o mais tardar até ao final do 1.º semestres de 2006; em início do ano de 2006, a reclamante aceitou associar-se ao novo empreendimento da insolvente, aí acordando iniciar a exploração de uma loja na qual se propunham proceder à venda de café, tabaco, brindes e afins; a abertura do novo espaço comercial foi sendo sucessivamente adiada, em virtude, soube-o posteriormente a reclamante, de a insolvente não possuir qualquer licença de utilização do edifício, que se achava ilegalmente construído, sem autorização para a actividade de comércio; a reclamante ao decidir explorar a loja no complexo da insolvente, baseou a sua decisão na informação que lhe fora previamente transmitida por aquela, concluindo que a exploração daquele espaço comercial seria certamente rentável; a insolvente garantiu à reclamante que pelo complexo comercial iriam circular diariamente entre 600 a 1000 pessoas, o que permitiria à reclamante ter um elevado contacto com clientes, traduzindo-se tal numa facturação diária não inferior a euros € 1.000,00; tanto mais que naquele espaço comercial a loja explorada pela reclamante era a única que vendia cafés, tabaco, pastelaria, jornais; garantindo a insolvente à reclamante pelo menos uma facturação mensal não inferior a € 25.000,00; o que se traduziria uma margem bruta de pelo menos 17,5% daquele valor, equivalente a cerca de € 52.500,00/ano; com a qual iria a reclamante suportar todos os demais custos anuais no valor de € 18.500,00; o que lhe permitiria obter um lucro de cerca de € 34.000,00/ ano; lucro esse que se repetiria pelo menos durante os 5 anos de duração do contrato, num total de € 170.000,00, por cujo pagamento é a insolvente responsável; devendo ainda a reclamante ser indemnizada pelo valor do recheio que ficou aprisionado no interior da loja aquando do seu encerramento em valor não inferior a € 4.000,00. O crédito reclamado não foi reconhecido pelo Administrador de Insolvência, tendo a Pres (…), Lda impugnado a referida decisão nos termos e com os fundamentos que constam do requerimento de fls. 531. Consta da acta da tentativa de conciliação - fls. 820/1: «Pres (…), Lda - impugnação apresentada a fls. 531. A reclamante tem um crédito não reconhecido no valor de 174.000,00. Alega que o crédito nasceu de um contrato de ocupação de espaço de loja, pelo qual ficou autorizada a utilizá-la pelo período de 5 anos contados desde 01-11-2006. Dada a palavra ao Sr. Administrador da Insolvência, o mesmo refere que tal crédito não está reflectido na contabilidade, pelo que não deverá ser reconhecido. Levado a aprovação, todos os credores se opuseram, pelo que não foi reconhecido este crédito…». Foi proferido despacho saneador (fls. 803 e seguintes), no qual se decidiu conhecer de imediato das impugnações deduzidas, nomeadamente a da Pres (…) Lda «considerando que nos autos existem todos os elementos fácticos que permitem uma decisão de mérito da mesma…». Consta da referida decisão: «No que concerne ao crédito de PRES (…), LDA, improcede o mesmo, porquanto e como resulta da sua própria alegação, se trata de um crédito futuro e eventual, estando ainda por apurar a responsabilidade contratual da insolvente em processo próprio, não sendo os presentes autos o meio processualmente adequado ao reconhecimento de tal crédito. Por outras palavras, o crédito reclamado não se encontra titulado. Pelo exposto, indefere-se o requerido não se reconhecendo o crédito reclamado.» Não se conformando, a reclamante Pres (…) Lda, interpôs recurso de apelação, no qual formula as seguintes conclusões: A - O presente recurso é interposto da sentença datada de 05.02.2009, na parte em que a mesma decidiu não reconhecer o crédito de euros 174.000,00 reclamado pela recorrente; B - O crédito reclamado resulta de um incumprimento contratual por parte da insolvente quanto ao contrato de ocupação de espaço de loja para comércio pelo período de 5 anos ente esta e a recorrente; C - A recorrente apresentou reclamação de créditos dirigida ao Sr. Administrador de Insolvência, tendo alegado os factos constitutivos do seu direito e junto l0 documentos, incluindo o contrato incumprido, para prova de tais factos a par de testemunhas; D - O crédito reclamado não foi reconhecido pelo Sr. Administrador de Insolvência com a justificação de que o “crédito reclamado não reflectido na contabilidade da devedora. Face aos fundamentos apresentados, não se reconhece tal crédito.”; E - Em face de tal não reconhecimento a recorrente impugnou alista de credores reconhecidos requerendo o reconhecimento do seu crédito; F - A fundamentação do Sr. Administrador é insuficiente e o mesmo nem sequer nega os factos alegados, sendo certo que o não registo contabilístico por parte da insolvente não pode ser imputado à recorrente; G - Na impugnação a recorrente, à cautela, deu por reproduzido o teor da reclamação (tendo juntado cópia); H - Por força da não fundamentação e da não contestação dos factos, deveria o crédito do reclamado ter sido de imediato reconhecido; I - O crédito reclamado, contrariamente ao referido pelo Tribunal a quo não é futuro nem eventual, pois refere-se a situações passadas relativas à insolvência e anteriores ao início do processo de insolvência; J - A titularidade do crédito não é condição essencial para o reconhecimento de um crédito em processo de insolvência; K - A recorrente cumpriu com os requisitos do artigo 128° do CIRE tendo junto vários documentos para prova dos factos; L - Só o credor que reclama o seu crédito pode obter pagamento no processo de insolvência e esse crédito pode ser qualquer crédito, desde que anterior à data da declaração de insolvência e da responsabilidade da insolvente mesmo que tal crédito não conste em absoluto de documentos e a sua existência não seja totalmente pacífica; M - Os artigos 128°, n.º 3, 134°, n.º 1, 25°, n.º 2, 136°, n.º 1 e 3 e 137º , todos do CIRE, mostram claramente que é nesta fase que todos os créditos, incluindo os resultantes de incumprimentos contratuais, devem ser reclamados; N - O credor da insolvente dispõe unicamente de dois momentos para reclamar o seu pretenso crédito, a saber, no decurso do prazo previsto para o efeito na sentença que declara a insolvência ( prazo este utilizado, in casu, pela apelante) ou, decorrido tal prazo, no ano imediatamente a seguir ao respectivo trânsito em julgado da mesma. O - A sentença recorrida, por violadora, desde logo do artigo 128° do CIRE (que deve ser interpretado no sentido de ser possível a reclamação de todos os créditos), deve ser revogada e substituída por outra que reconheça o crédito reclamado e não justificadamente não reconhecido pelo Administrador de Insolvência e em consequência proceda a nova sentença de verificação e graduação geral de todos os créditos. P - No limite, e mantendo a revogação da sentença recorrida, ordenando-se o prosseguimento dos autos, em ordem à elaboração de despacho saneador, selecção da matéria de facto, realização de diligências instrutórias e prolação de nova sentença de verificação e graduação de créditos que inclua, ou não, consoante o que vier a ser decidido, o crédito da recorrente. Num processo de verificação e graduação de créditos, apenso a processo de insolvência, a simples alegação, por parte do credor-reclamante, de factos eventualmente integradores do direito de retenção, consagrado no nº 1 do artigo 755º do Código Civil, é, por si só, insuficiente para que lhe seja reconhecido o privilégio consagrado no nº 2 do artigo 759º, deste último diploma legal, com a consequente primazia sobre hipoteca, mesmo com registo anterior. Para que tal possa ser uma realidade, torna-se necessário que prove os factos dessa alegação, juntando, para tanto, o título justificativo, que, no caso, é a sentença condenatória a reconhecer o incumprimento do promitente-vendedor e a tradição da coisa para o promitente-comprador. No caso de verificação de créditos em processo de insolvência, rege, hoje em dia, o preceituado no artigo 128º do já aludido C.I.R.E., que determina que o requerimento de reclamação de créditos deve, inter alia, ser acompanhado de todos os documentos probatórios disponíveis, no qual indiquem a sua proveniência, data de vencimento, montante de capital, as condições a que estão subordinados, a sua natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida. Salta à vista que a simples invocação de matéria de facto integradora do aludido direito de retenção é, por si só, insuficiente para que o credor obtenha, em sede de verificação e graduação de créditos, o reconhecimento daquele direito. Torna-se, antes, necessário que junte o título que reconheça esse mesmo direito, que, no caso, é a sentença condenatória a reconhecer o incumprimento do promitente-vendedor e a tradição da coisa para o promitente-comprador, factos estes que determinam a consagração do direito de retenção, tal como está consagrado no artigo 755º, nº 1, alínea f), do Código Civil. «Este preceito regula o exercício dos direitos dos credores contra o devedor no período de pendência do processo de insolvência. A solução nele consagrada é a que manifestamente se impõe, pelo que, apesar da sua novidade formal, não significa, no plano substancial, um regime diferente do que não podia deixar de ser sustentado na vigência da lei anterior. Na verdade, o artigo 90.º limita-se a determinar que, durante a pendência do processo de insolvência, os credores só podem exercer os seus direitos “em conformidade com os preceitos do presente Código”. Daqui resulta que têm de os exercer no processo de insolvência e segundo os meios processuais regulados no CIRE. É esta a solução que se harmoniza com a natureza e a função do processo de insolvência, como execução universal, tal como o caracteriza o artigo 1.º do Código. Um corolário fundamental do que fica determinado é o de que, para poderem beneficiar do processo de insolvência e aí obterem, na medida do possível, a satisfação dos seus interesses, os credores têm de neles exercer os direitos que lhes assistem, procedendo, nomeadamente, à reclamação dos créditos de que sejam titulares, ainda que eles se encontrem já reconhecidos em outro processo (cfr. artigo 98.º, n.º 3; vd., também, o n.º 2 do artigo 87.º). Neste ponto, o CIRE diverge do que, a propósito, se acolhia no […] artigo 188.º, n.º 3, do CPEREF [Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril]. Por conseguinte, a estatuição deste artigo 90.º enquadra um verdadeiro ónus posto a cargo dos credores.»[4]
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