Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
58/11.7GAFCR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: AMEAÇA
Data do Acordão: 07/03/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE FIGUEIRA CASTELO RODRIGO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGO 153º CP
Sumário: 1.- Para que ocorra o crime de ameaça não se exige que o agente cause ao ofendido receio, medo ou inquietação, exigindo-se apenas que a ameaça seja adequada a provocar medo, mesmo que no caso concreto o não venha a provocar.

2.- Pratica o crime de ameaça aquele que dirigindo-se ao assistente lhe diz ” tem cuidado que se te apanho sozinho ainda te pode acontecer algum mal”, anunciando assim a possibilidade de lhe poder acontecer qualquer mal que pode indicar morte ou ofensas à integridade física.

Decisão Texto Integral: Acordam  no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

***

No processo comum singular, supra identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que:

                           

A) Absolveu a arguida A... , pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de injúrias, previsto e punido pelo art. 181º e 182º, ambos do Código Penal.

B) Absolveu o arguido B... , pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça, previsto e punido pelo art. 153º, n.º 1, do Código Penal.

C) Condenou a arguida A..., pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelos art. 143º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a quantia total de € 385,00 (trezentos e oitenta e cinco euros);

D) Condenou o arguido C..., pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúrias, p. e p. pelo art. 181º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a quantia total de € 330,00 (trezentos e trinta euros);

E) Condenou o arguido D... , pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia total de € 360,00 (trezentos e sessenta euros);

F) Condenou os arguidos A..., C... e D... no pagamento de 2 UC´s de taxa de justiça e nas custas do processo (art. 8º e tabela III do Regulamento Custas Processuais).

G) Julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela assistente F... contra a arguida A... e, consequentemente, condenar a demandada no pagamento à demandante de uma indemnização no valor de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos calculados às sucessivas taxas de juros civis legalmente aplicáveis, desde a sentença até integral pagamento;

H) Julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela assistente F...contra o arguido C... e, consequentemente, condenar o demandado no pagamento à demandante de uma indemnização no valor de € 400,00 (quatrocentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos calculados às sucessivas taxas de juros civis legalmente aplicáveis, desde a sentença até integral pagamento;

I) Condenou os demandados A... e C... e a demandante F...nas custas da instância cível, na proporção do decaimento (art. 446º, n.º 1 e 2, do C.P.C., ex vi do art. 523º do C.P.C.), sem prejuízo da isenção prevista no art. 4º, n.º 1, al. m), do Regulamento das Custas Processuais.

J) Julgou totalmente improcedente o pedido de indemnização civil formulado pelo assistente C... contra o arguido B... e, consequentemente, absolver o demandado do pedido.

K) Julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo assistente C... contra o arguido D... e, consequentemente, condenar o demandado no pagamento ao demandante de uma indemnização no valor de € 400,00 (quatrocentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos calculados às sucessivas taxas de juros civis legalmente aplicáveis, desde a sentença até integral pagamento;

L) Mais se condenou o demandado D... e o demandante C... nas custas da instância cível, na proporção do decaimento (art. 446º, n.º 1 e 2, do C.P.C., ex vi do art. 523º do C.P.C.), sem prejuízo da isenção prevista no art. 4º, n.º 1, al. m), do Regulamento das Custas Processuais.

 
            Desta decisão interpuseram recurso os arguidos, A... e C..., sendo do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso:
            1. O Tribunal a quo condenou a aqui arguida/recorrente A... pela prática do crime de ofensas à integridade física simples, p.p. pelo artigo 143.° n.° 1 do
C.P., isto porque ficou provado que:

14) Em acto contínuo, a arguida A... desferiu uma palmada no braço esquerdo da assistente F..., forçando-a a baixá-lo.”
            2. Ora analisando a prove testemunhal verifica-se que a presente matéria dada como provada, apenas se sustenta na versão relatada e pouco equilibrada da assistente/recorrida F..., tendo todas as outras testemunhas apresentado uma versão própria e divergente entre todas elas.
            3. Tais disparidades e contradições dos depoimentos da prova testemunhal não tiveram, com todo o devido respeito, a crítica ajustada na Douta Sentença. Na verdade, esta espelha um erro autêntico da apreciação da prova gravada, devendo ter sido dado como não provado o artigo 13 e 14 dos factos provados.
            4. Violou assim o Tribunal a
quo ao condenar a arguida/recorrente A... por um crime que não estava provado os artigos 143.° n.° 1 do C.P.,
apresentando-se a presente condenação aqui recorrida num erro notório na

apreciação da prova, nos termos e para os efeitos do
artigo 410.º n.° 2 al. c) do C.P.P., pelo que no uso dos poderes de alteração da matéria de facto, deve o Tribunal ad quem alterar a matéria de facto, dando como não provado os artigos 13 e 14 dos factos provados, absolvendo assim a arguida/recorrente A... do crime que lhe é imputado.
            5. Sem prescindir, que caso assim não se entenda e face às nítidas contradições dos depoimentos, impunha-se a aplicabilidade do principio in dúbio pro reo e consequentemente a absolvição da arguida/recorrente A....
            6. A teoria da adequação ou teoria da causalidade adequada considera causa, em sentido jurídico, aquela que é tipicamente adequada a produzir o resultado, pelo que exclui a causalidade se a produção do resultado depender de um suceder anormal ou atípico dos acontecimentos, com o qual se não podia razoavelmente contar.

            7. Ora, tal extensão do ferimento e dores que alega a assistente/recorrida F... ter sofrido, não pode ser causado por uma palmada com uma mão, não existindo por isso o nexo de causalidade adequada que se pretende imputar.
            8. Pelo que nunca deveriam ter sido dado como provado os artigos 19. e 20. dos factos provados, pois uma alegada palmada em circunstâncias normais não pode provocar os danos físicos que alega a assistente/recorrida.
            9. Violou assim o Tribunal a
quo, numa deficiente apreciação da prova, sem recurso as regras de experiência comum nos termos do artigo 127° do C.P.P, espelhando a Douta decisão ao decidir pela condenação um erro notório na apreciação da prova nos termos do 410, n°2 alínea c) do C.P.P.
            10. Ao aqui arguido/recorrente C... foi-lhe imputado a prática de um crime de injúria, e posteriormente condenado, por ter proferido a seguinte expressão:

“15)
(..): “Daqui não saímos, tu não és ninguém, és uma merda, vai para o caraIho.”
           
11. Ora não resulta da matéria de prova gravada que o arguido tenha proferido tal expressão.
            12. Resulta da análise de todos estes depoimentos, indubitavelmente, da análise das declarações da aqui assistente/recorrida e das testemunhas de acusação que todos “não se entendem” nas versões apresentadas.
            13. Acresce ainda que a assistente não distingue ela própria
quem a “mandou” à merda ou pró caralho, que as restantes testemunhas não ouviram ou só ouviram a voz da assistente, e outras que imputam tal expressão à arguida
A... proferir a expressão que é imputada ao arguido C....
            14. Ou seja, estamos novamente numa falta de apreciação crítica da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, que implicaria

numa alteração da matéria de facto provada, impondo-se uma resposta negativa à matéria provada do artigo 15.

            15. Violou assim o Tribunal a quo ao condenar o aqui arguido/recorrente C... por um crime que não estava provado os artigos 181, nº 1 do C.P. e o artigo 410, n°2, alínea c)do CPP.
            16. Admitindo que tais palavras/expressões proferidas pelo arguido C... foram eventualmente proferidas, o que só por mera hipótese se admite, sempre se deverá ter em conta que as mesmas palavras foram proferidas numa situação de conflito e de tensão, e as mesmas não podem ser vistas de uma forma isolada mas sim de forma contextualizada, ou seja, o carácter injurioso de determinada palavra ou acto é fortemente tributário do lugar ou ambiente em que ocorreu, das pessoas entre quem ocorrem, do modo como ocorrem.
            17. Na verdade dizer a alguém em situação de conflito “és
uma merda, vai para o caralho” mais não quer dizer do que popularmente se diz ‘Vai-te lixar” ou
muito simplesmente
“não me chateies”. Foi esse o sentido de tais palavras, que
dizem dirigidas à assistente, e é esse mesmo o significado de tais palavras.
            18. Objectivamente, o arguido/recorrente, e admitindo que proferiu tais expressões, não imputou factos injuriosos à assistente, o arguido/recorrente C... apenas disse à assistente que dali não saia, ignorando e desprezando a sua exigência, todavia respondendo de uma forma desbocada, mal-educada, indecorosa, desrespeitosa e nunca pretendendo atingir a sua honra e consideração.

            19. Não tinha intenção ou qualquer propósito o arguido em ofender a honra e consideração da assistente, querendo sim provocá-la, negando-lhe e
desprezando o que estava a dizer e a exigir.

            20. Tal conduta a existir pelo arguido não integra a prática de qualquer ilícito criminal, devendo nesta parte ser absolvido, por não se encontrar preenchido o tipo objectivo e subjectivo do crime de Injúria que lhe é imputado.
            21. Ao subsumir deficientemente os factos à lei, num erro notório da apreciação da prova, descontextualizando as expressões proferidas, violou o Tribunal a
quo ao condenar o arguido/recorrente C..., o artigo 181, n° 1 do C.P. e 410, n°2 alínea c) do C.P.P.
            22. Ficou provado em audiência de discussão e julgamento as palavras que o arguido B... dirigiu ao aqui assistente/recorrente C...; “Não andes, sozinha, pode-te acontecer alguma coisa”.
           
23. Mais ficou provado que
“25) Ao proferir tal expressão referida em 23) e dirigindo-se ao assistente C... o arguido E... pretendia provocar-lhe medo e inquietação, o que conseguiu.
           
24. Ou seja, ficou provada a intenção e o resultado da acção, assim como a consciência da prática do ilícito pelo arguido/recorrido E..., bem como
que o aqui assistente/recorrente C... sentiu medo e inquietação que o arguido concretiza-se as devidas palavras.

            25. O Tribunal a quo vem literalmente contradizer a prova produzida e provada, diga-se desprezando a contextualização dos factos, o ambiente em que estes ocorreram, das pessoas com quem ocorreram e do modo como ocorreram.
            26. No domínio da contextualização estamos numa situação de tensão, o
E... é filho da assistente/recorrida F..., tal como ficou provado em 24. dos factos provados, ao qual lhe tinha sido comunicado via telefónica que a sua mãe tinha sido agredida.
            27. Resultou inequivocamente da análise da prova gravada que o arguido/recorrido E... se deslocou propositadamente á GNR á procura do aqui assistente/recorrente C..., que agiu com frieza de ânimo, com a nítida intenção de “acertar contas” com o aqui assistente C.... Na verdade, tudo leva a crer e resulta também da análise da prova que o agente E..., não agrediu o assistente corporalmente atento o local e pessoas em redor, mas que indubitavelmente ameaçou o assistente/recorrente C... “prometendo-lhe” um mal futuro, caso o encontre sozinho.
            28. Não podemos concordar com o Douto juízo de 1° instância que absolveu o arguido/recorrido E... da prática do crime de ameaças, pois se houvesse uma correcta análise da prova gravada e dos factos dados como provados, como do resultado em concreto -— medo e receio -— e se efectivamente houve por parte do arguido intenção de provocar esse medo e receio, não existe justificação para não ser condenado o arguido pelo ilícito de que vinha acusado.
            29. Reiterando que a Juiz do Tribunal a
quo não teve em consideração que o critério de adequação a utilizar para um tal efeito será do tipo objectivo- individual, para se aferir da idoneidade da ameaça, devendo levar-se em consideração todas as circunstâncias do caso concreto, sejam as referentes ao âmbito de espaço e tempo, sejam as atinentes á actuação propriamente dita do agente, sejam as concernentes às condições físicas e de personalidade dos sujeitos envolvidos.
            30. Dúvidas não podem existir que tal expressão é com certeza apta, adequada e idónea para produzir um medo e inquietação futuro no aqui
assistente/recorrente C... Como efectivamente produziu e provocou. (factos
provados n°s 34, 36 e 37)

            31. Atento a tais factos existe uma deficiente subsunção dos factos à lei, uma deficiente apreciação da prova ao não considerar a contextualização do caso
concreto. Violou assim o Tribunal a
quo ao não condenar o arguido/recorrido
E... por um crime que estava provado os artigos 153, n° 1 do C.P. e
410, n° 1 alínea c) do CPP.

            32. A arguida A..., aqui recorrente, tinha à altura dos factos que lhe estão a ser imputados, 18 anos de idade. A pena deveria ter sido determinada para efeitos do artigo 71 do C.P. em conjugação com o regime do D.L. 401/82 e considerar-se tanto a globalidade da actuação do jovem, como a sua situação pessoal e social, e que implica o conhecimento da sua personalidade, das suas condições pessoais, da sua conduta anterior e posterior ao crime.
            33. Pelo que ao não se pronunciar sobre a aplicação do regime como lhe era imposto por ter carácter oficioso a decisão é nula nos termos do artigo 379 n.1 alínea c) do Código de Processo Penal, que para todos os efeitos se alega e invoca.
            Nestes termos, deve a Sentença do Tribunal a
quo ser totalmente revogada na parte impugnada, os aqui arguidos/recorrentes serem absolvidos pela prática dos crimes de Injúrias e ofensas à integridade física simples, p.p. pelos artigos 181, n° 1 e 143, n° 1 do C.P., que lhe são imputados, bem como dos pedidos de indemnização civil contra estes formulados pela assistente/recorrida, assim como ser condenado o arguido E... pela prática do crime de ameaça, p.p. pelo artigo 153, n° 1 do C.P., e consequentemente no pedido de indemnização civil formulado pelo aqui recorrente/assistente C... fazendo-se assim justiça como já é apanágio de V.s Exas

            O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.

O recurso abrange matéria de direito e de facto já que a prova se encontra documentada.

            Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:

        

1) Em 08 de Maio de 2011, entre as 16h00 e as 17h00, a arguida A..., na companhia de C..., dirigiu-se ao Lar (...), sito na Rua (...), em (...), para aí visitar os seus avós.

2) Na hora e local mencionados em 1., encontrava-se F..., na qualidade de representante legal da sociedade (...), Lda., proprietária do referido lar.

3) No átrio de entrada do lar referido em 1., a arguida A... solicitou à assistente F..., que desejava visitar os seus avós, a Sra. G... e o Sr. H....

4) Em virtude dos seus avós de encontrarem a lanchar, foi solicitado pela assistente F... aos arguidos A... e C... que aguardassem no átrio da entrada, tal como as outras visitas que aí se encontravam, que o lanche dos seus familiares terminasse.

5) Nesse átrio, encontravam-se várias pessoas, inclusive idosos, que já se tinham reunido, previamente, com as suas famílias.

6) De seguida, a assistente F... entrou para um gabinete vidrado, contíguo ao referido átrio, que funciona como escritório, e notou que os arguidos A... e C..., se começavam a dirigir para o refeitório, que se situava ao fundo do corredor.

7)  Na sequência, a assistente F... encaminhou-se de novo para o átrio e chamou a atenção dos arguidos A... e C... que não podiam ir, nesse momento, para o refeitório e que teriam de continuar a aguardar no átrio, pois mais tarde os avós da arguida viriam ter com eles.

8) Nesse instante, a arguida A... perguntou à assistente F...: “Como é que a senhora sabe, se ainda não lhe foi dizer nada?”.

9) Em resposta, a assistente F... asseverou à arguida A... que não se preocupasse, pois que quando os seus avós terminassem o lanche, estariam disponíveis para a visita.

10) Neste momento, a assistente F... foi circundada pelo arguido C... que lhe disse, em tom de voz alto: “É melhor estares calada, pois isto não te pertence”.

11) Perante a atitude do arguido C..., a assistente F... pediu a este e à arguida A... para saírem do lar, pois estavam a perturbar o ambiente do mesmo.

12) Ao que o arguido C... respondeu: “Daqui não saímos”.

13) Em virtude da resposta do arguido C..., a assistente F... levantou o braço esquerdo e apontou para a porta de saída, reiterando aos arguidos A... e C... o seu desejo de que saíssem.

14) Em acto contínuo, a arguida A... desferiu uma palmada no braço esquerdo da assistente F..., forçando-a a baixá-lo.

15) Entretanto, o arguido C... aproximou-se de frente da assistente F..., e encostando o seu peito ao dela foi forçando-a a recuar no sentido da porta do gabinete referido em 6., enquanto lhe dizia, num tom de voz alto: “Daqui não saímos, tu não és ninguém, és uma merda, vai para o caralho”.

16) A assistente F..., nervosa e ao ver que não conseguia convencer os arguidos a se retirarem do lar, dirigiu-se ao escritório referido em 6., e solicitou auxilio da GNR.

17) Os arguidos A... e C... apenas saíram do lar quando a GNR chegou.

18) Na sequência da acção da arguida A..., a assistente F... necessitou de assistência hospitalar, cerca das 17h30, em concreto no Hospital de (...).

19) Como consequência directa da conduta dos arguidos A... e C..., a assistente F... sofreu um aumento súbito de tensão arterial para 20/11 e como consequência directa apenas da conduta da arguida A... sofreu a assistente dores no braço esquerdo.

20) Ao agir da forma descrita, quis a arguida A... ofender o corpo e a saúde da assistente F..., o que conseguiu, provocando-lhe – o que sabia ser consequência directa da sua conduta – mal-estar físico e psíquico.

21) O arguido C..., ao proferir as expressões mencionadas, visava atingir a assistente F... na respectiva honra e consideração, o que conseguiu, bem sabendo que tais expressões eram ofensivas.

22) Na sequência de tais factos, A... e o assistente C..., entre as 17h00 e as 18h00, dirigiram-se ao posto da GNR de (...), a fim de aí apresentarem queixa pelos factos ocorridos.

23) Já no exterior do posto da GNR de (...), apareceu o arguido E..., a conduzir um veículo de marca Opel, modelo Corsa e cor branca, de matrícula não concretamente apurada, abrandou a velocidade e dirigindo-se ao assistente C... proferiu a seguinte expressão: “Nunca andes sozinho, pode-te acontecer alguma coisa”.

24) O arguido E... é filho da assistente F..., com quem tem uma relação próxima. 

25) Ao proferir a expressão referida em 23) e dirigindo-se ao assistente C..., o arguido E... pretendia provocar-lhe medo e inquietação, o que conseguiu.

26) De seguida, o assistente C... dirigiu-se para o seu veículo, juntamente com A..., I...e J..., entrou no mesmo e após circular uns metros mais à frente do local referido em 22., entre o edifício do Tribunal Judicial de Figueira de Castelo Rodrigo e o Hospital da mesma localidade, chegou a pé o arguido D... e dirigindo-se ao assistente C... proferiu a seguinte expressão: “Não sabes quem eu sou, hei-de te partir os dentes”.

27) O arguido D... é genro da assistente F..., com quem tem uma relação próxima. 

28) Ao proferir a expressão referida em 26. e dirigindo-se ao assistente C..., o arguido D... pretendia provocar-lhe medo e inquietação, o que conseguiu.

29) Agiu o arguido D... de forma livre, voluntária e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei e mesmo assim quis praticá-la.


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Do pedido de indemnização civil da assistente F...:

30) Em consequência do comportamento dos arguidos A... e C..., a assistente sentiu-se profundamente vexada, nervosa e inquieta, bem como dores por vários dias.

31) A assistente é uma pessoa sensível e considerada por todos no meio em que vive e bem quista quer pelos familiares, quer pelos utentes do Lar referido em 1.

32) Os factos descritos de 3. a 17., ocorreram na presença de alguns utentes do Lar, bem como dos familiares destes, que se encontravam no átrio.

33) Por várias semanas, a assistente andou nervosa e sempre que alguém lhe tocava no que tinha sucedido com os arguidos A... e C..., entrava em crises de choro ao recordar.


*

Do pedido de indemnização civil do assistente C...:

34) Em consequência das expressões referidas em 23. e em 26., o assistente temeu e ainda hoje teme pela concretização das mesmas, procurando desde essa altura andar sempre acompanhado.

35) O assistente desde a data referida em 1., nunca mais se dirigiu ao lar aí referido com a sua namorada.

36) O assistente resolveu imigrar para França, de molde a fugir da possibilidade de concretização, por parte dos arguidos E... e D..., das expressões por estes proferidas.

37) Pese embora não tenha tido logo trabalho em França, o assistente sabia que era um local onde podia estar sossegado, arranjar emprego como aconteceu e onde não seria incomodado pelos arguidos E... e D....


*

Mais se provou:

38) Os arguidos A... e C... são pessoas pacatas, trabalhadoras e educadas.

39) A arguida A... encontra-se actualmente desempregada, não auferindo qualquer rendimento.

40) Vive com o companheiro C..., aqui arguido, em Bègles, França.

41) Não tem filhos.

42) Tem o 12º ano de escolaridade.

43) A arguida A... não averba qualquer condenação no seu Certificado de Registo Criminal.

44) O arguido E... trabalha como assistente numa parafarmácia, auferindo um vencimento mensal de € 485,00.

45) Vive com os pais, em casa destes, não contribuindo para as despesas domésticas.

46) Despende cerca de € 100,00 mensais para pagamento de um empréstimo bancário para aquisição de um motociclo e cerca de € 20,00 mensais para pagamento de seguro do mesmo veículo.

47) O arguido não tem filhos.

48) Tem o 12º ano de escolaridade.

49) O arguido E... não averba qualquer condenação no seu Certificado de Registo Criminal.

50) O arguido D... é assistente administrativo num escritório, auferindo um vencimento mensal de € 650,00.

51) Vive com a esposa e dois filhos de 4 anos e de 6 meses, em casa própria, pela qual paga ao banco uma prestação de € 400,00.

52) A esposa do arguido trabalha como assistente administrativa e aufere um vencimento mensal de € 650,00.

53) Despende cerca de € 200,00 mensais para pagamento de um empréstimo bancário para aquisição de automóvel.

54) Despende entre € 300/400,00 mensais em despesas domésticas.

55) Tem o 12º ano de escolaridade.

56) O arguido D... não averba qualquer condenação no seu Certificado de Registo Criminal.

57) O arguido C... encontra-se, actualmente, desempregado, fazendo trabalhos esporádicos de carpinteiro.

58) Recebe um subsídio de desemprego de € 900,00.

59) Vive com a companheira A..., aqui arguida, em casa arrendada, pela qual pagam uma renda de € 660,00.

60) Despende cerca de € 300,00 em alimentação e € 40,00 para pagamento de um seguro.

61) Não tem filhos.

62) Tem o 9º ano de escolaridade.

63) O arguido C... não averba qualquer condenação no seu Certificado de Registo Criminal.


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Factos não provados:

Não resultaram provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:

a) Que a arguida A... tivesse desferido mais do que uma palmada no braço esquerdo da assistente F....

b) Que a arguida A..., aparentemente insatisfeita com a explicação da assistente F..., em voz alta e na presença das várias pessoas presentes no átrio, quer visitas, quer idosos, se tenha dirigido à mesma e dito: “Tu não és a proprietária do local, por isso cala-te. Tu aqui não mandas nada, nem tens nada a ver com isto, tu aqui não és ninguém”.

c) Que a arguida tenha começado a falar ainda mais alto e tenha dito à assistente o seguinte: “Tu aqui não mandas nada, nem tens nada a ver com isto”.

e) Que como resposta ao pedido da assistente para sair do lar, a arguida A... tenha dito: “Cala-te”.

f) Que a arguida A..., no momento em que desferiu a pancada no braço da assistente, lhe tenha dito: “Cala-te, eu daqui não saio enquanto não vir os meus avós”.

g) Que os arguidos tenham, também, começado a discutir com outra visita e com um idoso, que aí se encontrava.

h) Que uma idosa, que assistiu ao sucedido, tivesse ficado num estado de grande perturbação pelos factos sucedidos, tendo sido medicada por essa razão.

i) Que a crise de hipertensão sofrida pela assistente F... em consequência do comportamento dos arguidos, se tivesse prolongado por alguns dias.

j) Que a arguida A... nunca mais tenha visitado os seus avós no lar referido em 1.

k) Que o arguido E... tivesse agido de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei e mesmo assim tivesse querido praticá-la.


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Motivação
Para formar a sua convicção relativamente aos factos provados, o tribunal observando os critérios a que alude o artigo 127º e 355º, ambos do Código de Processo Penal, baseou-se no correlacionamento de toda a prova produzida e apreciada em audiência de julgamento, segundo a regra da livre apreciação, a espaços doseada com o recurso às regras da experiência comum.
Nas suas declarações, os arguidos A... e C... confirmaram, na generalidade, o episódio ocorrido no Lar (...), negando, no entanto, a prática por parte da arguida A... dos factos relativos à pancada no braço esquerdo da assistente, bem como a autoria das expressões ofensivas da honra da assistente proferidas a estas e que lhes são imputadas.
Assim, tanto pela arguida A..., como pelo arguido C..., foi confirmado que no dia 08.05.2011, por volta das 16h00, se dirigiram ao Lar (...), sito em (...), para aí visitarem os avós da primeira.
Que aí chegados, foram recebidos por uma funcionária que, antes de se retirar, lhes pediu para aguardarem. Por ambos foi dito que, momentos depois, apareceu a assistente que, se apercebendo da presença destes, lhes perguntou, com um ar arrogante: “O que quereis?”, tendo o arguido C... respondido, que queriam ver os avós da sua namorada. Referiram que, a esta resposta, retorquiu a assistente insistindo para que esperassem, embora não explicasse porque razão o teriam que fazer.
Referem ambos os arguidos que, ao cabo de 15 minutos e cansados de esperar, decidiram sentar-se numas cadeiras livres ali existentes e para as quais se encaminharam. Que na sequência desse gesto, a assistente surgiu do corredor e disse-lhes: “O que estais aí a fazer? Porque ides para aí? Não vos disse para aguardarem na entrada, seus garotos de merda?”.
Relatam que, em face desta abordagem, o arguido C... respondeu à assistente: “Só nos íamos a sentar!”, ao que esta retorquiu: “O que vocês queriam eram bisbilhotar! Não tendes educação!”. Que sentindo-se provocado, foi pelo arguido C... dito o seguinte: “Tenho mais educação que a senhora!”.
Referiram ambos os arguidos que esta troca de palavras originou uma discussão entre os três, tendo em consequência a assistente agarrado os braços da arguida A.... Que surpreendido com esta atitude, o arguido C... decidiu intervir, pegando no braço de cada uma delas e separando-as. Acrescentam que, histérica e completamente desorientada, a assistente acabou por se dirigir ao seu escritório, pegou numa chave, trancou a porta da entrada e disse aos arguidos: “Estais lixados, vou chamar a GNR”.
Ora, esta versão dos factos, embora coincidente, em alguns aspectos, com o que foi relatado pelas testemunhas, não foi corroborada por nenhuma delas, em particular nos seus pontos principais, nomeadamente quanto aos facto da assistente ter chamado os arguidos de “garotos de merda”, ter agarrado a arguida A... pelos braços, ter dito que aqueles estavam “lixados” ou ter ido ao escritório buscar uma chave e fechado a porta da entrada.
Por outro lado, tal versão dos factos não logrou convencer o Tribunal, não só por não ter sido corroborada por nenhuma testemunha, mas também por apresentar incoerências, para as quais os arguidos não conseguiram apresentar explicações razoáveis e coincidentes com as regras da normalidade e experiência comum.
Em primeiro lugar, não conseguiram os arguidos explicar porque razão a assistente havia reagido tão mal à decisão de ambos em sentar-se nas cadeiras livres existentes no átrio, junto da escadaria. Pois se pela mesma lhes foi solicitado, minutos antes, que esperassem ali até que os avós da arguida A... terminassem o lanche e se, ao decidirem sentar-se, os mesmos se encontravam a cumprir rigorosamente o ordenado, porque razão a assistente havia de surgir, tão nervosa e indignada com a atitude dos arguidos? E mais inexplicável ainda se torna a escolha das palavras por esta usadas para exprimir essa indignação: “O que estais aí a fazer? Porque ides para aí? Não vos disse para aguardarem na entrada, garotos de merda?”, “O que vocês queriam eram bisbilhotar!”.
Não faz, pois, qualquer sentido que tendo os arguido permanecido sempre no átrio da entrada – local onde lhes foi ordenado que esperassem e local onde se encontravam as cadeiras onde os mesmos se decidiram sentar – a assistente tivesse interrompido o que se encontrava a fazer para os vir repreender, utilizando frases que por si só são indicativas de uma atitude de desobediência. Atente-se, por exemplo, à expressão “porque ides para aí?”, “não vos disse para aguardar na entrada”.
Por outro lado, qual o sentido da palavra “bisbilhotar” (ou “coscuvilhar” referida pelo arguido C...), no contexto da versão apresentada pelos arguidos? Não faz qualquer sentido, alguém pensar que duas pessoas que se dirigiam em direcção a duas cadeiras pretendiam bisbilhotar? A única explicação razoável para tal expressão está no facto dos arguidos terem desobedecido à ordem que lhes havia sido dada no sentido de aguardarem ali no átrio e avançado para zona cujo acesso lhes estava vedado.
A segunda incoerência apresentada pela versão dos arguidos, prende-se com a total ausência de reacção por parte do arguido C... em face dos acontecimentos por si presenciados. Não é razoável que em virtude de uma abordagem inicial tão “arrogante” e “agressiva” por parte da assistente, a qual os apelida de “garotos de merda” e que perante o facto desta ter decido agarrar a sua namorada pelos braços, deixando-a a chorar, o arguido C... nada diga e nada faça, assumindo uma atitude de total passividade. E menos sentido faz tal postura – a qual até seria aceitável se esse tivesse sido sempre o seu comportamento – se atentarmos nas reacções iniciais do arguido C... às abordagens da assistente, o qual assumiu sempre uma postura de defesa da sua namorada, de líder do casal, respondendo em primeiro lugar ao que lhes era perguntado – “Queremos ver os avós da minha namorada”, “Só nos íamos a sentar”, “Tenho mais educação que a senhora”.
Por fim, não apresentam os arguidos qualquer explicação plausível para o facto da assistente, no meio da discussão, ter decido ir buscar uma chave ao escritório e trancado a porta da entrada. Não se compreende que, a responsável de um lar de idosos, no qual se desenvolvia uma cena de discussão, a qual já havia captado a atenção dos idosos, encontrando-se alguns até a reagir mal, decida trancar o “foco” dessa discórdia dentro do seu estabelecimento, correndo o risco de prolongar o conflito e dessa forma desestabilizar o ambiente mais do que já estava, podendo assim causar prejuízos mais sérios ao bem estar e saúde dos seus utentes.
Ainda que se aceite como verdadeira a explicação do arguido C..., quando diz saber que entre a família da A... (mais propriamente a mãe desta) e a assistente já havia problemas antigos por resolver – já que tal facto foi confirmado pela testemunha Q... , tia materna da arguida A... – não é crível que esses problemas pudessem suplantar o dever e a responsabilidade que um responsável de um lar de idosos tem para com o bem estar dos seus utentes e para com as famílias destes, já para não falar que se trata de um ramo empresarial que funciona muito á base da publicidade e da qualidade dos serviços prestados aos seus utentes. Não é, pois, razoável que a assistente, por causa de um problema antigo, que nem sequer envolvia directamente os arguidos, tudo fizesse para aumentar o risco de piorar a situação já criada, pondo em risco a imagem do seu estabelecimento.
Desta forma, para formar a sua convicção quanto aos factos dados como provados e relativos ao episódio ocorrido dentro do Lar (...), tomou o Tribunal em consideração as declarações da assistente F..., e o depoimento das testemunhas L..., funcionária do Lar (...), M..., N...e O..., todos familiares de utentes do Lar (...).
Pese embora ao Tribunal não tenha sido indiferente ao facto do depoimento destas testemunhas não ter sido absolutamente coincidente em todos os pormenores, foi-o nos aspectos mais importantes.
Isto para dizer que não esperava o tribunal, e se assim acontecesse é que nos mereceria muita reserva, que as testemunhas dissessem todas o mesmo, que os seus depoimentos fossem todos iguais e concertados, porque em situações como a descrita não é verosímil que isso aconteça. Tantas vezes, em situações comuns do dia a dia, sem qualquer conflito, as pessoas descrevem de forma diferente a mesma situação da vida, recordando-se uns de uns pormenores e outros de outra. Por outro lado, com o decorrer do tempo, nem sempre aquilo que as pessoas guardam na memória foi o que efectivamente sucedeu, porque há momentos que falham e a memória de cada um constrói um quadro lógico, dentro da lógica de cada um, sobre o que aconteceu.
Com efeito, no caso, houve algumas discrepâncias nos vários depoimentos destas testemunhas, mas todas elas focaram apenas pormenores e não aspectos essenciais. Enfim, toda uma séria de pormenores que, dado o tempo decorrido e dadas as circunstâncias supra referidas é normal que assim aconteça.
Assim, tanto a assistente, como as testemunhas referidas (e já os arguidos A... e C... o haviam feito), confirmaram todo o circunstancialismo de tempo e lugar descrito nas acusações pública e particulares.
Pela assistente foi também confirmada a sua qualidade de representante legal da sociedade (...), Lda., a qual detém a propriedade do Lar (...), também da sua responsabilidade.
Quer pela testemunha M..., que havia entrado no lar um minuto antes dos arguidos para visitar a sua mãe, quer pela testemunha N..., que já se encontrava dentro do Lar, sentado nas cadeiras junto da sua irmã, quer ainda pela testemunha O..., que se dirigia para o escritório com a assistente a fim de proceder ao pagamento da mensalidade relativa à sua mãe, foi confirmado terem visto os arguidos entrar no lar e já no átrio da entrada solicitado à assistente que queriam ver os avós da arguida. Pelas mesmas testemunhas foi dito que em resposta, a assistente lhes pediu para aguardarem ali, uma vez que os avós da arguida se encontravam a lanchar.
Todas estas testemunhas e inclusive a assistente, foram unânimes em afirmar que, num primeiro momento, se encontravam no átrio os arguidos, a testemunha N... e a irmã deste, a testemunha O..., que depois acaba por entrar no escritório do lar com a assistente para lhe efectuar o pagamento e a testemunha M....
Confirmou a assistente, bem como as testemunhas M... e O..., que já dentro do escritório, se apercebeu, através de um vidro escuro encastrado na parede, que os arguidos avançavam para dentro do corredor, em direcção ao refeitório, onde se encontravam os avós da arguida a lanchar.
Esclareceu bem este ponto a testemunha O..., quando refere que, enquanto procedia ao pagamento, reparou que a assistente, na posição de frente para o referido vidro escuro, viu os arguidos passar e disse para a mesma: “Espere aqui um bocadinho” e saiu de seguida.
 Pela assistente foi referido – e confirmado pelas testemunhas M..., N... e L..., que passava nesse momento no corredor com o objectivo de ir buscar um idoso com mobilidade reduzida – que apercebendo-se que os arguidos se dirigiam para o refeitório, decidiu encaminhar-se para junto deles e chamá-los à atenção quanto à proibição de estranhos entrarem pelo corredor, devendo aguardar pelos seus avós ali no átrio, até que terminassem o lanche.
Esta proibição de entrar no corredor, decorre, antes de mais, das regras de funcionamento do próprio lar, constantes do regulamento interno do mesmo, junto aos autos a fls. 232 a 239, que também se encontra afixado no placard da entrada do referido estabelecimento. Todas as testemunhas referidas, bem como a assistente, foram peremptórias aos afirmar que o procedimento habitual das pessoas que pretendem visitar os seus familiares, passa sempre por se fazer anunciar na recepção a um funcionários, para a partir daí serem devidamente acompanhados até junto do seu familiar para a biblioteca ou para a sala de convívio, onde decorrem as visitas.
Relatou a assistente que desagradada, a arguida A... lhe perguntou como é que ela sabia que os seus avós viriam ter com eles, se ainda ninguém lhes havia dito que tinham chegado, tendo a primeira lhe asseverado que logo que eles terminassem o lanche viriam ter com eles.
Pelas testemunhas M... e L..., corroborando as declarações da assistente, foi referido que nessa sequência o arguido C... se exaltou e num tom de voz alto, mandou calar a assistente, dizendo que “aquilo não lhe pertencia”, que “ela ali não mandava nada”.
Em consequência da atitude dos arguidos, referiu a assistente, o que foi confirmado pela testemunha M... e L..., que pediu àqueles para saírem do lar, o que foi recusado pelo arguido C....
Para prova do que a seguir se seguiu, relativamente à agressão no braço da assistente, tomou o Tribunal em consideração as declarações da mesma, corroboradas pela testemunha M..., que foram consentâneos em descrever os factos da seguinte forma: perante o comportamento dos arguidos e já exaltada, a assistente levantou o braço esquerdo em direcção da rua, esticou o dedo indicador para a porta da entrada e mandou os arguidos saírem dali, tendo a arguida A..., em acto continuo, dado uma palmada e apenas uma, na zona desse braço localizada entre a mão e o cotovelo, forçando-a a baixá-lo.
Contribuiu o depoimento da testemunha L... para dar como provado que a pancada ocorreu no braço esquerdo, uma vez que foi peremptória ao afirmar que foi nesse braço que viu, nesse mesmo dia à noite, o vermelhão característico de uma pancada, facto também referido pela testemunha S..., Directora técnica do Lar (...), a quem a assistente mostrou o braço na manhã do dia seguinte.
Relativamente às expressões descritas na acusação particular apresentada pela assistente, provou-se que as mesmas foram proferidas apenas pelo arguido C... e já não pela arguida A.... Assim, foram as testemunhas M..., L... e O... unânimes ao garantir terem ouvido apenas o arguido C... dizer à assistente, no decurso da discussão, as expressões dadas como provadas.
Apenas a assistente imputou a co-autoria destas expressões também à arguida A.... Mas porque o fez de uma forma genérica – “começaram a tratar-me mal” – sem discriminar que expressões foram ditas por qual dos arguidos, dando mesmo a entender que foram ditas por ambos e ao mesmo tempo, em estilo de coro, o qual não faz qualquer sentido naquele contexto, para além de tal versão não ter sido corroborada por nenhuma testemunha arrolada e atento o interesse directo da mesma na causa, não pôde o Tribunal considerar as suas declarações nesta parte.
Não considerou também o Tribunal as declarações da testemunha N..., no que às expressões imputadas ao arguido C... diz respeito. Primeiramente, em virtude de se encontrar de relações cortadas com o mesmo à data dos factos, facto que foi por este revelado no decurso da inquirição e que coloca em causa a imparcialidade do seu depoimento, nesta parte, já que foi evidente, ao longo do seu depoimento, a inimizade que os desune. Por outro lado, teve o Tribunal dúvidas em apurar se esta testemunha ouviu efectivamente as referidas expressões, já que na data dos factos (tal como à data do julgamento) a sua audição já se encontrava bastante afectada e ainda não usava aparelho, e pese embora ouvisse bem os sons, não os distinguia, o que coloca em causa a veracidade do seu depoimento nesta parte.
Um pequeno reparo quanto à questão do “empurrão” referido na acusação particular. Da conjugação das declarações da assistente com as da testemunha M..., não teve dúvidas o Tribunal em dar como provado que o arguido C..., não empurrou de facto a assistente, mas através de uma conjugação de comportamentos corporais, forçou a mesma a recuar para trás. Ou seja, pegando nas palavras da testemunha M..., o arguido C... “vai-se aproximando dela (assistente) com o peito e andando para a frente, forçando-a a recuar até à porta do escritório. Nunca a empurrou com as mãos.”.
A decisão da assistente em chamar a GNR foi confirmada pelas testemunhas M... e L... e corroborada pela testemunha O..., que se encontrava dentro do escritório e garantiu ter ouvido a mesma dizer que ia chamar a GNR.
Todas as testemunhas acima referidas, para além da assistente, foram unânimes em afirmar que os arguidos só saíram do Lar (...) quando chegou a GNR.
De referir, ainda, que os factos provados relativos às lesões apresentadas pela assistente resultam do cotejo do depoimento desta, com o teor da documentação clínica de fls. 230 a 231 dos autos, dos quais resulta que a assistente foi assistida nas Urgências do Hospital de (...), no dia dos factos e na sequência destes, sendo-lhe ali diagnosticada uma situação clínica compatível com uma reacção aguda ao stress, causador de um aumento de tensão arterial e medicada para o efeito, o que conjugado com as regras da experiência comum, permite que, para além de qualquer dúvida razoável, o tribunal não hesite em julgar provada esta a factualidade.
No que diz respeito à prova da matéria descrita no pedido de indemnização civil deduzido pela assistente, considerou-se as declarações da mesma, que referiu ter ficado muito nervosa e ofendida com tudo o que se passou no lar. Referiu, ainda, ter sentido dores durante alguns dias, tendo tomado anti-inflamatórios para o alívio das mesmas.
Também as testemunhas M..., L..., O..., R..., concordaram que os acontecimentos passados no lar com os arguidos, vexaram e ofenderam a assistente, tendo sido unânimes quanto à alteração de comportamentos desta nos dias seguintes, a qual passou a isolar-se mais, a andar triste e agitada.
Contribuiu a última testemunha, não só na qualidade de amiga mas principalmente na qualidade de licenciada em psicologia, para esclarecer de que modo se deu essa alteração de comportamento. Referiu esta testemunha que a assistente é uma pessoa muito activa e que gosta de estar sempre dentro dos assuntos do lar. Descreveu-a como uma pessoa sensível e sempre preocupada com todos no lar. Frisou que na manhã do dia seguinte aos factos, em virtude de a assistente ainda não se ter dirigido a ela para a cumprimentar, procurou saber dela, tendo-a encontrado no escritório, muito nervosa, e de choro fácil. Apresentava-se agitada, levantando-se e andando de forma constante de um lado para o outro do gabinete. Recordou que esse comportamento durou algumas semanas. Alertou que sempre que se tocava no assunto, a assistente não controlava o choro. E que tal afastamento foi, também, notado pelos utentes do lar, entre os quais a assistente é muito apreciada.
Quanto a esta matéria, não foi considerado depoimento da testemunha P..., amiga dos arguidos A... e C... e antiga funcionária do Lar (...), que descreveu a assistente como uma pessoa de temperamento explosivo e desadequado para estar à frente de um lar. Tal prendeu-se com o facto do depoimento desta testemunha ter sido, quanto a esta parte, influenciado pelo sentimento de ressentimento e inimizade, confirmado pela mesma aliás, para com a assistente e relacionado com o facto desta ter dispensado os seus serviços no lar e alegadamente a ter humilhado como funcionária no passado.
Contudo, quando confrontada com o acervo fotográfico e a planta do lar, muito contribuiu esta testemunha para compreender as várias divisões do mesmo em que se desenrolaram os factos dos autos.

Para prova do episódio ocorrido no Lar (...) tomou-se, também, em consideração o teor do auto de notícia de fls. 62 e seguintes, da certidão de registo comercial de fls. 303 e 307, da certidão de registo predial de fls. 310 a 315, do acervo fotográfico do lar de fls. 567 a 570 e da planta do lar junta na última sessão de audiência de julgamento.
Para prova dos episódios ocorridos junto ao portão do Posto da GNR e do edifício do Tribunal e do Hospital, considerou-se as declarações da arguida A..., do assistente C..., das testemunhas I...e J..., mãe e tia da arguida A..., respectivamente.
Assim, confirmou o assistente C... que, em sequência dos acontecimentos no Lar, tanto ele como a arguida A..., decidiram deslocar-se ao Posto da GRN para aí prestar queixa pelos factos decorridos do lar.
Refere que chegados ao Posto, lhes foi comunicado por um guarda que se encontrava de plantão que o responsável pelo recebimento de queixas não se encontrava presente, solicitando-lhes que ali passassem num outro dia. Embora inconformados, decidiram sair do Posto e já no cimo das escadas, junto ao portão de entrada do mesmo, viu um veículo de marca Opel, modelo Corsa, de cor branca parar e abrir o vidro do passageiro. Confirma que no seu interior, sozinho e sentado no lugar do condutor se encontrava o arguido E..., que se dirigindo a ele lhe proferiu a expressão dada como provada.
Sabe que a expressão lhe foi dirigida a si porque naquele momento era o único que se encontrava no cima das escadas do portão da entrada, no limite do passeio. Tanto a arguida A..., como a mãe desta I..., como a tia desta J... encontravam-se uns metros mais afastadas, abaixo do pequeno lanço de escadas aí existente. Por outro lado, o carro do arguido parou mesmo à sua frente e o arguido olhou para si, pelo que tais indicadores não lhe deixaram dúvidas que aquele se dirigia a si.
Confirmou que após proferir a expressão, o arguido E... arrancou com o veículo e foi embora. Sem reacção, tanto ele, como a arguida A..., a mãe e a tia desta se dirigiram ao seu veículo que se encontrava estacionado no parque do Tribunal. Entraram no mesmo e após circularem alguns metros, junto ao sinal de STOP do Hospital, surgiu do seu lado o arguido D..., que se atravessou à frente do seu carro obrigando-o a parar.
Acrescenta que por se ter apercebido que o arguido queria falar com ele, abriu o vidro do seu lado. Que nessa sequência, o arguido D... lhe dirigiu a expressão dada como provada, assegurando ao Tribunal que a expressão exacta era a seguinte: “Hei-de te partir os dentes.” e não outra. Referiu que nada respondeu e que não reagiu no momento, tendo sentido medo que o arguido concretizasse a ameaça.
Refere que até àquela data não conhecia nem o arguido E..., nem o arguido D.... Esclarece que alguém lhe terá dito que um era filho da assistente e o outro genro desta, factos que também desconhecia.
Foram as declarações do assistente C... integralmente corroboradas pela arguida A..., que presenciou os factos ocorridos nas duas situações descritas. Porque se encontrava junto às escadas do Posto e dentro do veículo do assistente C..., pôde a arguida A... ouvir e confirmar as expressões proferidas pelos arguidos E... e D... e descritas pelo primeiro.
Corroborou, também, na íntegra as declarações do assistente C... o depoimento da testemunha I..., mãe da arguida A..., que se encontrava no Posto da GNR no dia e hora das factos, a acompanhar a filha e o namorado desta, no momento em que este pretenderam apresentar queixa, a qual confirmou os motivos porque esta não chegou a ser apresentada naquele dia. Referiu que se encontrava a 2/3 metros do assistente no momento em que ouviu o arguido E... proferir as expressões dadas como provadas, assim como confirmou a total ausência de reacção por parte do primeiro. Relata a ida até ao veículo do assistente, bem como o local e a forma por este descrita de como foram abordados pelo arguido D....
Por também se encontrar dentro do veículo, presenciou esta testemunha e pôde confirmar as expressões proferidas pelo arguido D... ao assistente C.... Referiu a mesma que ao ouvir estas expressões, disse ao assistente para não fazer nada, em jeito de prevenção, facto também confirmado pela arguida A.... Relata ainda que o assistente ficou assustado e sem palavras ao ouvir as expressões proferidas por ambos os arguidos e que revelava medo. Na sua opinião, o assistente não reagiu às expressões nem se tentou defender precisamente por se sentir com medo.
Por fim, corroborou as declarações do assistente C... o depoimento da testemunha J..., tia da arguida A..., que também os acompanhou ao Posto naquele dia. Também esta testemunha teve oportunidade de ouvir o arguido E... proferir a expressão constante da acusação, que pese embora não tenha visto o mesmo a proferi-la, atento ao facto de se encontrar uns degraus abaixo do portão do Posto e tapada pela testemunha anterior e pela arguida, pôde ouvi-las na perfeição, tendo confirmado que as mesmas foram proferidas pelo arguido – já que não era a voz de mais ninguém que ali se encontrava – e dirigidas ao assistente – já que era o único homem de entre todos, tendo em conta que a expressão dizia “sozinho”, no masculino.
Também esta testemunha se encontrava no veículo do assistente quando pôde ouvir o arguido D... proferir as expressões constantes na matéria assente e descritas pelo assistente. Um pequeno reparo para esclarecer que tanto o assistente C..., como a arguida A..., como as testemunhas I... e J..., foram peremptórias e unânimes em dizer que o arguido D... proferiu as seguintes expressões: “hei-de te partir os dentes” e não “parto-te os dentes”, razão porque entendeu o Tribunal dar como provada a primeira versão.
As declarações da arguida A... e das testemunhas I... e J..., porque presenciais e coincidentes com as declarações do assistente C..., e pese embora a relação de parentesco e proximidade que os une, foram consentâneas e isentas, pelo que mereceram credibilidade pelo Tribunal.
Pelo contrário, pouco esclarecedor foi o depoimento da testemunha Ana Sofia Meireles que, após relatar uma versão dos factos confusa, sem nexo e totalmente discordante com a das restantes testemunhas, revelou que em virtude do tempo decorrido já pouco se lembrava dos factos, o que levou o Tribunal a não considerar as suas declarações.
Da mesma forma, não pôde o Tribunal considerar a versão dos factos apresentada pelos arguidos E... e D..., os quais negaram que tivessem proferido as expressões que lhe são imputadas pelo assistente C....
Assim, o arguido E... começa por dizer que no dia dos factos e à hora em que ocorreu o episódio no lar, se encontrava na Guarda, tendo recebido um telefonema da irmã que lhe relatou que os arguidos C... e A... haviam agredido a sua mãe. Referiu que após terminado o telefonema e desnorteado se dirigiu directamente para o lar. Como não encontrou aí a sua mãe e por sugestão da irmã, decidiu rumar até ao Posto da GNR. Junto aos “Móveis ...”, reparou num aparato junto ao Posto da GNR e julgou que a sua mãe se encontrava aí. Parou o carro à frente do portão do Posto, que confirmou tratar-se de um veículo de marca Opel, modelo Corsa, de cor branca, e perguntou ao assistente C... se a sua mãe estava dentro do Posto.
Sem qualquer explicação, disse que o assistente C... começou a disparatar consigo, não sabendo esclarecer o que este lhe disse, tendo o arguido apenas lhe dito que “era escusado terem feito e dito o que disseram à sua mãe”, optando por se ir embora.
Ora, tal expressão, não foi corroborada por nenhuma testemunha. Por outro lado, não soube o arguido explicar porque razão não conhecendo o assistente nem este a si, este começa logo a “disparatar” consigo quando lhe pergunta pela mãe. Estes elementos conjugados, foram determinantes para o fracasso da versão do arguido E....
Já o arguido D... começou por dizer que mora ao lado do Lar (...) e que no dia dos factos viu o carro da GNR parado em frente ao mesmo. Por essa razão decidiu dirigir-se ao lar e aí disseram-lhe que os arguidos A... e C... haviam faltado ao respeito e agredido a sua sogra. Porque esta já havia ido para o hospital, foi até lá. Já no hospital e a aguardar notícias da sua sogra, viu o carro do assistente C... sair do parque de estacionamento do Tribunal. Como não o conhecia, foi a sua mulher que lhe disse que era. Referiu que em seguida se aproximou do carro do assistente e lhe fez sinal para abrandar. Este abriu o vidro do seu lado, tendo o arguido lhe perguntado se achava correcto a sua atitude para a sua sogra. Recorda-se que o assistente terá dito algo que não se lembra e em seguida o arguido perguntou-lhe se não tinha educação. Entende que não falou num tom normal mas também não gritou, simplesmente queria só tirar explicações com o assistente sobre o ocorrido no lar, chamá-lo a atenção que há coisas que não se fazem.
Também as expressões trazidas a juízo pelo arguido D..., não foram corroboradas por nenhuma testemunha inquirida.
E, tomando como verdadeira a primeira parte da versão do arguido D..., ou seja, a forma como soube o episodio ocorrido no lar, não é crível que sabendo que os arguidos C... e A... haviam faltado ao respeito e agredido a sua sogra, D..., tenha decidido tomar explicações com o assistente, feito o mesmo parar o carro para apenas lhe perguntar se achava correcto o que fez e se tinha educação.
E repare-se que o arguido D... tem uma relação de parentesco e proximidade com a assistente F... – genro e sogra – o que de acordo com as regras da experiencia comum atribuem àquele um motivo para proferir as expressões que lhe são imputadas pelo assistente.
Para prova dos factos vertidos no pedido de indemnização civil do assistente C..., designadamente, quanto às consequências psicológicas sofridas pelo mesmo em virtude do comportamento dos arguidos E... e D..., foram pertinentes as declarações da arguida A... e os depoimentos das testemunhas I... e R..., que esclareceram o Tribunal, de forma isenta e cabal, como este se passou a comportar após os factos.
Pela primeira destas testemunhas foi confirmado, porquanto foi presenciado, o abalo e o medo que o assistente sentiu no momento em que ouviu as expressões proferidas pelos arguidos E... e D....
Tanto a arguida A... como as referidas testemunhas descreveram alterações de comportamento do assistente e mudanças de rotina, após os factos. Foi referido o medo que o assistente passou a sentir de andar de noite, sozinho, tentando fazer a viagem diária para a sua casa em ...sempre de dia, com medo que alguma coisa de mal lhe pudesse acontecer, bem como o facto de nunca mais ter ido ao lar com a arguida A.... Confirmaram que este clima de constante insegurança contribuiu para a decisão de emigrar para França, juntamente com a arguida A..., mesmo antes do primeiro conseguir arranjar emprego.
Atendeu o Tribunal às declarações complementares de todos os arguidos quanto à sua situação pessoal e familiar. No que respeita aos antecedentes criminais dos arguidos, o Tribunal fundou a sua convicção no teor dos Certificados do Registo Criminal juntos aos autos a fls. 506, 507, 508 e 509.
Não foram consideradas as conclusões de facto e de Direito, bem como as considerações de todo irrelevantes para o objecto do processo.


*

Quanto aos factos não provados, estes resultaram da ausência de prova sobre os mesmos e da prova do contrário. Assim, não resultou provado que a arguida A... tenha dado mais do que uma palmada no braço esquerdo da assistente. Tanto por esta como pela testemunha M... só apenas referida a ocorrência de uma palmada e não mais do que uma, razão porque o Tribunal não pode dar como provado que a arguida tivesse desferido duas palmadas no braço da assistente.

Quanto à matéria vertida nas alíneas b) a f), relativa a expressões alegadamente proferidas pela arguida A..., não deu o Tribunal a mesma como provada porquanto a mesma não foi confirmada por nenhuma testemunhas. Tanto a testemunha M..., como L..., N... e O..., foram claros ao relatar que apenas ouviram o arguido C... proferir essas expressões à assistente e já não a arguida A.... Apenas a assistente o referiu, mas atenta a sua qualidade no processo, o facto de ter interesse na causa e ainda o facto de não ter sido corroborado por mais ninguém, contribuiu para que o Tribunal não pudesse dar como provado que a arguida A... tivesse efectivamente proferido tais expressões.

Também nenhuma prova consistente foi produzida quanto aos factos descritos em g) e h). Apenas pela testemunha N... foi dito que a determinada altura o arguido C... lhe terá dito que “eu contigo acerto contas lá fora”. No entanto, tal expressão isolada e dirigida à testemunha, não representa por si só uma discussão. Por outro lado, não envolve a arguida A.... E por fim, desconhece o Tribunal se a testemunha N... é efectivamente a “visita” ou o “idoso” vertido no facto alegado pela assistente. Assim, perante estes elementos e perante tal dúvida, entendeu o Tribunal dar como não provado tal facto. Já quanto à idosa que passou mal, nenhuma prova concreta se fez quanto a essa matéria.

Não resultou provado que a crise de hipertensão sofrida pela assistente se tivesse prolongado por vários dias. Da documentação clínica resultou provado que a assistente sofreu um aumento súbito de tensão arterial e que foi medicada nesse dia. Pela mesma e pela testemunha R...foi confirmada essa crise de hipertensão, mas nem pela prova documental, nem pela testemunhal resultou provado que a mesma tivesse durado mais do que o dia dos factos, razão porque não pode o Tribunal dar tal facto como assente.

Por fim, porque se fez prova do contrário, não resultou provado que a arguida A... nunca mais tenha visitado os seus avós no Lar (...). Pela assistente foi referido que recentemente, no dia 29.11.2012, a arguida A... esteve no lar para visitar os seus avós, tendo tudo corrido bem.

                                            *
            Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. Portanto, são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar.

Questões a decidir:
            -Erro na apreciação da prova;
            - Aplicação do princípio in dúbio pró reo;
            - Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia no que concerne à falta de aplicação do regime especial para jovens entre os 16 e 21 anos, aprovado pelo DL nº 401/82 de 23/09;
            - Da falta da ilicitude e preenchimento do tipo de ilícito de injúrias;
            - Erro da apreciação da prova e deficiente valoração e subsunção dos factos à lei no que concerne à responsabilidade criminal do arguido B...;
           
            Os arguidos, A... e C..., interpuseram recurso da decisão que condenou a arguida A... pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artº 143º, nº 1 do CPenal e o arguido C... pela prática de um crime de injúrias p. e p. pelo artº 181, nº 1 do mesmo diploma sustentando que houve clara violação das regras da experiência comum bem como, erro na apreciação da prova.
            Os recorrentes pretendem a alteração da matéria de facto e para tal põe em causa em causa as declarações prestadas pela assistente F... e os depoimentos prestados pelas testemunhas e tidos em consideração pelo Tribunal, dando a sua versão dos referidos depoimentos.
Tal não é indicar provas que imponham decisão diversa. Estes depoimentos têm de ser apreciados em conjugação com todos os outros elementos trazidos aos autos, ou seja, no depoimento de todas as testemunhas e documentos junto aos autos, tal como vem referido na sentença recorrida. Foi no conjunto de todos os elementos que o tribunal fundou a sua convicção.

O que os recorrentes fazem é impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos em contraposição com a que sobre os mesmos eles adquiriram em julgamento, esquecendo a regra da livre apreciação da prova inserta no art 127.

            Cabe ao tribunal a administração e valoração da prova. É o tribunal que apreciará e decidirá sobre a matéria de facto segundo o princípio da livre apreciação da prova – salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente (art 127 do CPP).

            O tribunal deve apreciar e valorar os meios de prova de acordo com a experiência comum, com “o distanciamento, a ponderação e a capacidade crítica, na “liberdade para a objectividade” (cfr Teresa Beleza, Revista do Mº Pº, Ano 19, pg 40).
“O art 127 do Código Processo Penal estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e naturezas completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar; outra também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjectiva, que resulte da livre convicção do julgador.
A prova resultante da livre convicção do julgador pode ser motivada e fundamentada mas, neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjectivos, embora explicitados para serem objecto de compreensão” (Ac STJ de 18/1/2001, proc nº 3105/00-5ª, SASTJ, nº 47,88).
Tal como refere o Prof Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal, Vol II, pg 131 “... a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva”.
Ou seja, a livre apreciação da prova realiza-se de acordo com critérios lógicos e objectivos.
Assim, e para respeitarmos estes princípios se a decisão do julgador, estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso. Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de_2002 (C.J. , ano XXV|II, 20 , página 44) "quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum".

O importante é a convicção que o tribunal formou sobre as provas produzidas sendo irrelevante a convicção que o recorrente formou sobre os factos.
Tendo a factualidade apurada apoio na prova produzida em julgamento a questão a decidir é a de saber se a escolha do tribunal está fundamentada. Hoje exige-se que o tribunal indique os fundamentos necessários para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto dado como provado e como não provado.
O objectivo dessa fundamentação e no dizer do prof. Germano Marques da Silva, no Curso de Processo Penal, pg  294, III Vol é a de permitir “a sindicância da legalidade do acto, por uma parte e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autodisciplina”.
A ratio da exigência de fundamentação é a de submeter a decisão judicial a uma maior fiscalização por parte da colectividade e é também consequência da importância que assume no novo processo o direito à prova e à contraprova, nomeadamente o direito de defender-se, probando”.
Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo (Ac STJ de 12/4/2000, proc nº 141/2000-3ª, SASTJ nº 40,48).
Portanto esse exame crítico deve indicar no mínimo e não tem que ser de forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal.

Tal como vem referido no Ac do STJ de 2/9/2005 para avaliar da racionalidade e da não arbitrariedade da convicção sobre os factos, há que apreciar, de um lado, a fundamentação da decisão quanto á matéria de facto (os fundamentos da convicção) e de outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais, utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão.

“Relevantes neste ponto, para além dos meios de prova directos, são os procedimentos lógicos para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de uma facto conhecido: as presunções” (Ac cit.).

As presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – art 349 do CCivil.

Aqui, há a considerar as presunções naturais ou hominis, que permitem ao julgador retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido.

As presunções naturais mais não são de que o produto das regras de experiência. O julgador a partir de um certo facto e socorrendo-se das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto.

“Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos releventes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (...) ou de uma prova de primeira aparência” (cfr, Vaz Serra, Direito Probatório Material, BMJ nº 112, pg 190).

A presunção permite que de um facto conhecido e fazendo apelo ás regras de experiência e através de um processo lógico se admita a realidade de um facto desconhecido na medida em que um é a consequência do outro.

            Debruçando-nos sobre o caso vertente temos que o Tribunal condenou os arguidos e, para tal, formou a sua convicção no conjunto da prova produzida em audiência, nomeadamente, nas declarações da assistente, dos arguidos, depoimentos prestados pelas testemunhas e documentos junto aos autos.

            Os recorrentes limitam-se a criticar as declarações e depoimento prestados, fazendo o seu julgamento de acordo com a sua convicção.

            No que respeita à arguida A... sustenta a mesma que analisando a prova testemunhal verifica-se que a matéria dada como provada nos pontos 13 e 14 apenas se sustenta na versão relatada e pouco equilibrada da assistente F....

            Ora o Tribunal ao dar como provado tais factos teve, efectivamente, em consideração as declarações prestadas pela assistente F... cujas declarações foram confirmadas pelo depoimento das testemunhas L..., M... e N..., que tiveram conhecimento directo dos factos pois, encontravam-se no local.

            Estas testemunhas foram unânimes ao referirem que a arguida A... deu uma palmada no braço da ofendida. É verdade que existem algumas contradições nos depoimentos prestados, nomeadamente, se foi no braço direito ou esquerdo. No entanto, no essencial os depoimentos coincidem e não sofrem contradições. As contradições não afectam o essencial são apenas em pormenores que atento o tempo decorrido e até as circunstâncias em que tudo ocorreu, passam um pouco despercebidos e só perante as perguntas em concreto dos operadores da Justiça é que as testemunhas começam a visualizar, novamente os factos levantando-se então as dúvidas sobre pequenos detalhes que não põem em causa o essencial.  

            No entanto as testemunhas acabam por referir que a palmada foi no braço esquerdo, depoimentos corroborados pelos depoimentos das testemunhas L... e P.... Sendo que a primeira refere que foi no braço esquerdo que viu nesse dia à noite, o vermelho característico de uma pancada. A segunda refere que viu o braço da assistente na manhã seguinte à agressão.

            Ao contrário do sustentado pela recorrente é óbvio que se a pancada foi desferida com alguma força e de forma violenta e atenta até o tipo de pele da ofendida esta poderá apresentar marcas durante algum tempo.

            Já o recorrente C... refere que da prova produzida não resulta que tenha proferido a expressão “Daqui não saímos, tu não és ninguém, és uma merda, vai para o caralho”.

            Mais uma vez o recorrente faz a sua interpretação dos factos e pretende impor ao Tribunal a sua convicção.

            Do depoimento das testemunhas M..., L... e O..., resulta que a expressão em causa foi proferida pelo arguido.
            Por outro lado e atento o circunstancialismo envolvente, em que arguidos e ofendida estavam exaltados, os ânimos agitados, a expressão proferida não tem o sentido pretendido pelo recorrente de que pretendia dizer à ofendida “não me chateies”, “vai te lixar”. Com base nos factos objectivos resultantes da prova é possível inferir da intenção subjectiva do arguido ao proferir tal expressão. Ou seja, a partir de determinados factos e à luz das regras da experiência podemos concluir pela intencionalidade pela forma como agiu o arguido. Portanto, a intenção com que o recorrente agiu retira-se, extrai-se, da matéria de facto. É através da realidade factual que lhe está subjacente que o Tribunal e recorrendo às regras da experiência tem de concluir pela intencionalidade ou não do agente. E perante todo o circunstancialismo em que as expressões foram proferidas estas são ofensivas da honra e consideração da assistente.

            Na verdade, da conjugação de todos os elementos acima referenciados –factos provados, fundamentação, exame critico - em termos de experiência comum e seguindo um processo intelectual e lógico a única explicação razoável é a de que o arguido praticou o crime que lhe é imputado.
O juiz perante dois depoimentos contraditórios por qual deve optar? “Esta é uma decisão do juiz do julgamento. “Uma decisão pessoal possibilitada pela sua actividade cognitiva, mas também por elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais.
Como refere Damião da Cunha (RPCC, 8º, 2º pg 259) os princípios do processo penal, a imediação e a oralidade, implicam que deve ser dada prevalência às decisões da 1ª instância” (Ac RP nº 6862/059.
Assim, perante os factos apurados e a sua motivação não procede a critica do recorrente. Este esquece a prova produzida e as regras da experiência e sobrevaloriza a sua apreciação subjectiva do que deveria ter sido considerado provado, querendo fazer prevalecer a sua versão dos factos, sem apoio na prova produzida.
É de notar que o juiz da 1ª instância é o juiz da oralidade e da imediação da audiência de julgamento, logo está numa posição que lhe permite apreender as emoções, a sinceridade, a objectividade, as contradições, todas os pequenos gestos que escapam no recurso. Portanto, o juiz do julgamento, em virtude da oralidade e da imediação, portanto, do seu contacto, com arguidos, testemunhas, tem uma percepção que escapa aos juízes do tribunal da Relação.
O Tribunal da Relação apenas pode controlar e sindicar a razoabilidade da sua opção, o bom uso do princípio da livre convicção, com base na motivação da sua escolha.
Ora, da motivação resulta que a convicção do tribunal não é puramente subjectiva, intuitiva e imotivável, mas antes resultou da livre apreciação da prova, da análise objectiva e critica da prova. A solução a que chegou o tribunal é razoável atendendo á prova produzida e está fundamentada. Na verdade, face a todo o material probatório tudo indica que o tribunal recorrido captou a verdade material.
Os recorrentes, A... e C..., incorrem no erro usual de tratar os vícios do art 410 nº 2 do CPP, como verdadeiros vícios do julgamento, o que não está certo. Os vício do art 410 nº 2 do CPP, não podem ser tratados como vícios do julgamento, mas sim como vícios da decisão.
“Errada apreciação das provas não é o mesmo que erro notório na apreciação da prova, sendo que este vício só releva se identificável no texto da decisão recorrida, art 410 nº 2 do CPP. A errada apreciação da prova é algo de muito diverso, configura erro no julgamento, o que não é detectável no texto da decisão recorrida e só pode ser averiguado se ocorrer, impugnação da matéria de facto nos termos do art 410 nº 3  e respectivas alíneas”.
Lida a decisão recorrida conclui-se que nenhum dos vícios elencados no art 410 nº 2, nomeadamente, o do erro na apreciação da prova, está patente na decisão recorrida.

Sustenta a recorrente, A... que perante as contradições dos depoimentos, deveria o tribunal ter-se socorrido do princípio “in dubio pro reo”.
A presunção da inocência é identificada com o princípio “in dubio pro reo”, “no sentido de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido”.
O Tribunal de recurso apenas pode censurar o uso feito desse principio se da decisão recorrida resultar que o Tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido (Ac STJ de 2/5/996 in CJ, ASTJ, Ano VI, 1º, pg, 177).
No caso “sub judice”, não há lugar a aplicação de tal princípio. Na verdade, as provas existentes nos autos são deveras convincentes e não criaram ao tribunal recorrido qualquer dúvida que levasse o mesmo a socorrer-se do referido princípio, de molde a proferir um juízo decisório favorável à arguida.

Sustenta, ainda a recorrente A... que à data da prática dos factos tinha 18 anos de idade, sendo que a pena deveria ter sido determinada para os efeitos do artº 71º do CPenal em conjugação com o regime previsto no DL 401/82, consubstanciando tal omissão uma nulidade, nos termos do disposto pelo artº 379º, nº 1, al c) do CPP.
Reza o artº 4º do DL 401/82 de 23/09 “ Se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73º e 74º do CPenal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.
Como decorre claramente deste normativo a exigência de atenuação especial apenas se põe quando está em causa uma condenação em pena de prisão e não já, quando está em causa uma condenação em pena de multa.
Aliás toda a jurisprudência tem ido nesse sentido, nomeadamente, este Tribunal da Relação que no acórdão de 27/06/2012 conclui que “na hipóteses de opção na sentença de aplicação de uma pena de multa, mostra-se desnecessária a ponderação sobre a aplicabilidade, no caso, do Regime Especial para Jovens, sendo que este pressupõe a cominação de uma pena de prisão”.
Assim, não tinha o Tribunal que ponderar a aplicação do Regime Especial para Jovens na medida em que a à recorrente foi aplicada uma pena de multa.

Sustenta o recorrente C... que houve erro na apreciação da prova e deficiente valoração e subsunção dos factos à lei no que respeita à responsabilidade criminal do arguido B....
O arguido B... vinha acusado da prática do crime de ameaças p. e p. pelo artº 153º do CPenal.
O tribunal absolveu este arguido da prática do referido crime.
Vejamos o Tribunal deu como provado que:

23) Já no exterior do posto da GNR de (...), apareceu o arguido E..., a conduzir um veículo de marca Opel, modelo Corsa e cor branca, de matrícula não concretamente apurada, abrandou a velocidade e dirigindo-se ao assistente C... proferiu a seguinte expressão: “Nunca andes sozinho, pode-te acontecer alguma coisa”.

24) O arguido E... é filho da assistente F..., com quem tem uma relação próxima. 

25) Ao proferir a expressão referida em 23) e dirigindo-se ao assistente C..., o arguido E... pretendia provocar-lhe medo e inquietação, o que conseguiu.
E deu como não provado que:

k) Que o arguido E... tivesse agido de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei e mesmo assim tivesse querido praticá-la.
Dispõe o art 153 nº 1 do CodPenal:
“Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e auto-determinação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias”.
E o nº 2:
“se a ameaça for com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias”.
O bem jurídico aqui protegido é a liberdade de decisão e de acção, sendo elementos integradores deste crime:
- O anúncio de que o agente pretende infligir a outrem um mal que constitua crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade de autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor;
- Que esse anúncio seja adequado a provocar, na pessoa a quem se dirige, medo, ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação;
- Que a ameaça seja com a prática de um crime punível com pena de prisão superior a três anos; e
- Que o agente tenha actuado como dolo.
O crime de ameaça, após a versão de 1995 do CP, deixou de ser um crime de resultado e de dano e passou a ser um crime de mera acção e de perigo e deste modo, já não é exigido que a ameaça cause efectiva perturbação na liberdade do ameaçado ou que lhe cause medo ou inquietação, pois, como resulta do estatuído no art 153, passou a bastar que a ameaça seja adequada a provocar no ameaçado medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação.
Assim, enquanto no art 155, nº 1 do CP/1982 se exigia que o agente tivesse provocado no sujeito passivo receio, medo, inquietação ou lhe tivesse prejudicado a sua liberdade de determinação, agora basta que o agente se tenha servido de expediente adequado a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar-lhe a sua liberdade de determinação.
Como vem referido no Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, pag. 348 “O critério da adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação, ou de modo a prejudicar a liberdade de determinação é objectivo-individual: objectivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do “homem comum”); individual, no sentido de que devem relevar as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada (relevância das “sub-capacidades” do ameaçado). (...) Uma vez que o actual crime de ameaça não exige, por um lado, a intenção do agente de concretizar a ameaça, nem se exige a ocorrência do resultado/dano, e, por outro lado, exige que o mal ameaçado seja constituído pela prática de determinados crimes, a conclusão a tirar é de que a ameaça adequada é a ameaça que, de acordo com a experiência comum, é susceptível de ser tomada a sério pelo ameaçado (tendo em conta as características do ameaçado e conhecidas do agente, independentemente de o destinatário da ameaça ficar, ou não, intimidado)”.
Portanto, agora, para que ocorra o crime de ameaças não se exige que o agente cause ao ofendido receio, medo ou inquietação, exigindo-se apenas que a ameaça seja adequada a provocar medo, mesmo que no caso concreto o não venha a provocar. O crime de ameaças passou de crime de resultado a crime de perigo e deixou de ser exigível que a ameaça produza efeito no espírito do ameaçado.
Ora, no caso vertente, a expressão proferida pelo arguido “nunca andes sozinho que pode-te acontecer alguma coisa” dirigida ao arguido/assistente, atenta a forma e as circunstâncias em que foram produzidas, são adequadas a provocar medo ou inquietação e a prejudicar a liberdade de determinação do visado.
Na verdade, com a expressão acima referida e atento as circunstâncias em que tudo ocorreu o arguido pretendia ameaçar o recorrente dizendo-lhe” tem cuidado que se te apanho sozinho ainda te pode acontecer algum mal”. Portanto, com aquela frase o arguido anunciou ao ofendido a possibilidade de lhe poder acontecer qualquer mal que pode indicar morte ou ofensas à integridade física.        Quem a profere quer alertar o visado de que está disposto a dar-lhe um correctivo, a “tratar-lhe da saúde”.
Atento a tudo o que tinha ocorrido não estamos perante um aviso mas sim uma ameaça da possibilidade de uma mal e tanto é assim que o tribunal deu como apurado que ao proferir a referida expressão e dirigindo-se ao assistente C..., o arguido E... pretendia provocar-lhe medo e inquietação, o que conseguiu.
E é óbvio que o arguido E... fê-lo com intenção de provocar medo e inquietação ao ofendido.
Assim sendo altera-se a matéria de facto provado e retira-se dos factos não provados a alínea k) que passa para os factos provados.

No que respeita à determinação da medida da pena temos que considerar o que dispõe os arts 40, 70 e 71 do Código Penal.
            Dispõe o art 40 que “a aplicação das penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Sendo certo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, ou seja, a medida da culpa condiciona a própria medida da pena, sendo assim um limite inultrapassável da sua medida.
            Como se diz no acórdão desta relação de 17/1/1996 na CJ, Ano XXI, Tomo I, pg 38,  (...) a pena há-de ser determinada (dentro dos limites mínimo e máximo fixados na lei) mediante critérios legais, quais sejam, em primeiro lugar, o da culpa do agente, intervindo depois (ao mesmo nível) as exigências de prevenção especial e geral”.
            “(...) Na determinação da medida judicial da pena, o julgador terá de se movimentar tendo em atenção, em primeira linha, a culpa do agente, entendida esta no sentido atrás referido, qual seja de que o objecto de valoração da culpa é prevalentemente o facto ilícito praticado.
            Por outro lado, o preceito que vimos de analisar (...) manda igualmente que o julgador, proceda à fixação do quantum de pena concreto, tendo em conta considerações de prevenção (geral e especial), concretizadas pelo seu nº 2.
            (...) Os critérios legais de fixação da medida da pena a aplicar a cada caso, submetido a julgamento, são a culpa (num primeiro momento) e a prevenção (na fase subsequente, mas ao mesmo nível, consabido que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
O critério para a escolha da pena, bem como os limites a observar no que respeita ao seu quantum encontram-se fixados nos arts 70 e 71 do Código Penal. O art 70 dá primazia às penas não detentivas; o segundo aponta para a determinação da medida da pena a culpa do agente e as exigências de prevenção bem como, a todas as circunstâncias que não fazendo parte do crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
            “Atribuindo-se à pena um critério de reprovação ética, têm de se levar em conta as finalidades de prevenção geral e especial; fazendo apelo a critérios de justiça, procurar-se-á uma adequada proporcionalidade entre a gravidade do crime e a culpa por um lado e a pena por outro” (CJ, Ano XVII, Tomo I, pg 70).
No caso vertente há que atender a todo o circunstancialismo envolvente, que o arguido nada tem averbado no seu registo criminal, que está bem inserido a nível social, familiar e profissionalmente, que agiu compelido pela relação afectiva que tinha com a sua mãe, dominado pela revolta.
No entanto, as exigências de prevenção quer geral, quer especial, embora não sejam de descurar pois, como é de conhecimento público, cada vez são mais este tipo de comportamentos abalam a nossa sociedade, tirando a paz, a tranquilidade e a liberdade de todos quanto de alguma forma estejam envolvidos, o facto é que estas exigências estão de alguma forma atenuadas pois, o arguido está bem inserido a nível social, profissional e familiar, tudo se passou perante uma discussão com a mãe do arguido e, entretanto, o arguido passou o ofendido mudou de residência.
Assim, condena-se o arguido numa pena de multa que se fixa em 60 dias à taxa diária de € 6,00 (seis euros).

O arguido/assistente C... deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido E....
Dos factos apurados temos de concluir que se encontram preenchidos os elementos constitutivos do crime de ameaças imputados ao arguido.
O arguido e com a sua actuação causou danos ao assistente que incumbe ao arguido ressarci-los.
No que respeita aos danos de natureza não patrimonial temos de considerar que para a sua fixação se devem usar juízos de equidade, tendo em consideração, sempre, as circunstâncias referidas no art 494, isto é, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Como vem entendendo o STJ “...a indemnização por danos não patrimoniais não pode ser simbólica ou miserabilista, devendo antes ser de montante que viabiliza o fim a que se destina – atenuar e compensar sofrimentos e frustrações – através da disponibilidade de quantias em dinheiro”.
Portanto com esta indemnização o que se pretende é de alguma forma compensar os ofendidos pelas dores físicas e morais sofridas.
Assim e atendendo a toda actuação do arguido e a todo o circunstancialismo envolvente, bem como, situação económica fixa-se a indemnização no montante de € 400,00, acrescido de juros de mora á taxa legal, até integral pagamento.


Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar:
- Improcedente o recurso interposto pela arguida A..., mantendo-se a douta sentença recorrida.
Custas pela recorrente fixando-se a taxa de justiça em 4 uc.
- Parcialmente procedente o recurso interposto pelo recorrente C... e, em consequência, condena-se o arguido B... pela prática de um crime de ameaça p. e p. pelo artº 153º, nº 1 do CPenal na pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 6,00.
Custas na 1ª instância pelo arguido E....
- Julga-se parcialmente procedente o pedido de indemnização cível requerido pelo demandante C... e, em consequência condena-se o demandado E... a pagar ao demandante a quantia de € 400,00, acrescido de juros de mora á taxa legal, até integral pagamento                                            - Custas cíveis na 1ª instância em proporção de vencido. 

                                                          

                                               Alice Santos ( Relatora)

                                             Belmiro Andrade