Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
397/2002.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO
SEGURO DE VIDA
ANULABILIDADE
Data do Acordão: 12/05/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU – 3º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 443º, Nº 1 DO C. CIVIL; 429º DO CÓDIGO COMERCIAL.
Sumário: I – De harmonia com o disposto no Artº 429º do Código Comercial, toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo.

II - Não obstante o preceito refira a nulidade, a sanção para o comportamento nele previsto, é, a bem dizer, a anulabilidade do negócio.

III - Quer a declaração inexacta, que é a afirmação errónea - que pode ser dolosa ou meramente negligente - quer a declaração reticente, que se traduz na omissão de factos ou circunstâncias do conhecimento do declarante, permitem a anulação do contrato de seguro, se susceptíveis de relevarem na decisão da seguradora em o outorgar ou nas condições contratuais a estabelecer.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A) - 1J… e E… intentaram, em 27/05/2002, no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra a “Companhia de Seguros A…, S.A.”, sustentando, em síntese, que:

- Celebraram com o Banco N…, em 17/9/1996, um contrato de mútuo com hipoteca, nos termos do qual esta instituição de crédito lhes concedeu um empréstimo global de 14.500.000$00 (72.325,70 Euros);

- O referido empréstimo foi regulado pelo estipulado naquele contrato e ainda no documento anexo, em cuja cláusula 9ª se estabelece que os autores se obrigam a fazer um seguro de vida pelo valor do capital mutuado;

- Em conformidade, os autores celebraram com a “Companhia de Seguros A…, S.A.” um contrato de seguro "Ramo Vida", titulado pela apólice n.°…, contrato este onde assumem a qualidade de "pessoas seguras", sendo tomador/beneficiário o Banco N…, e que garante o pagamento do capital máximo em dívida, em cada anuidade, àquele Banco, em caso de morte, invalidez total e permanente por acidente e invalidez absoluta e definitiva, por doença, de um ou ambos os autores.

- À data da celebração do contrato o autor marido era uma pessoa saudável e tinha uma vida familiar, profissional e social estável, quadro este que começou a deteriorar-se, por motivo de doença, dando-se o 1º internamento do autor marido em Outubro/97, no Departamento de Psiquiatria do Hospital de S. Teotónio de Viseu, a que se seguiram reinternamentos, em Maio/98 e Maio/99, com assistência ambulatória e medicação adequada nos intervalos das crises mais agudas, o que levou a descrever, em Junho/99, o quadro clínico do A., como sendo de Depressão Major /Depressão /Distimia.

- Em face de tal quadro clínico, a Segurança Social deferiu o requerimento de reforma por "invalidez" do autor, fixando-lhe uma pensão com início em 20 de Julho de 1999, após a Junta Médica ter atestado que o autor apresentava deficiências que, nos termos da TNI lhe conferiam uma incapacidade "multiuso" e global de 60%, tendo-lhe sido diagnosticada a enfermidade do foro psiquiátrico prevista no Cap. X, ll, n° 13 da referida Tabela, ou seja, psicose com perturbações importantes, com acentuada deterioração do comportamento, requerendo assistência durante períodos mais ou menos prolongados.

- Tendo sido solicitado à ré, por carta de 5/6/2000, o pagamento do capital em dívida, veio o Banco N... a informar os AA. que a ré decidira não efectuar o pagamento de qualquer indemnização.

Em face de tal factualidade e por força do mencionado contrato de seguro, pediram os AA que a Ré fosse condenada:

A) - No pagamento do capital máximo em dívida na anuidade de 1999, relativo ao contrato de mútuo celebrado com o Banco N…, por escritura pública de 17/9/96, nos seguintes termos:

a)Pagamento ao Banco N… da parte daquele capital que ainda estivesse em dívida na data da prolação da sentença;

b)Reembolso dos autores de todas as quantias relativas à amortização do capital mutuado, que por estes tivessem sido ou viessem a ser pagas a partir de 1/1/99, acrescidas de juros à taxa legal desde a primeira interpelação da ré para pagamento do capital em dívida;

B) - A reembolsar os autores de todas as importâncias que por estes tivessem sido ou viessem a ser pagas, a partir de 1/1/99, a título de juros do capital mutuado e de prémios de seguro, acrescidas de juros à taxa legal desde a data da primeira interpelação da ré para pagamento do capital em dívida.

2 - A Ré, na contestação que apresentou, além de se defender por impugnação, arguiu a ilegitimidade dos autores na acção, por estarem desacompanhados do beneficiário do seguro, no caso o Banco N…, sustentando, ainda, que o contrato de seguro em causa se encontrava ferido de nulidade, por falsas declarações do autor marido aquando do preenchimento da proposta de seguro, na medida em que a incapacidade que o afecta já existia à data da celebração do contrato e, pelo menos, desde 1994.

3 - Replicando, os Autores reiteraram o peticionado no seu articulado inicial, defendendo a improcedência do excepcionado pela Ré.

4 - Foi proferido despacho saneador, que julgou improcedente a excepção da ilegitimidade dos AA, seleccionou-se a matéria de facto considerada já assente e elaborou-se a base instrutória.

5 - Prosseguindo os autos os seus ulteriores termos, efectuado que foi o julgamento, com gravação da prova, veio a ser proferida sentença, em 27/11/2007, julgando a acção parcialmente procedente.

6 - Inconformada com tal sentença, dela apelou a Ré, tendo esta Relação no âmbito desse recurso, por Acórdão de 10/03/2009, não só alterado a decisão proferida sobre a matéria de facto, como, também, determinado aditamentos à base instrutória, anulando o julgamento, para que repetido fosse com vista à prova dessa factualidade e à prolação de nova sentença.

7 - Baixados os autos à 1ª Instância aí foi dado cumprimento ao julgado por esta Relação e, após julgamento para os efeitos determinados, veio a ser proferida nova sentença, em 22/02/2010, em cujo dispositivo, se consignou:

«…julga-se parcialmente procedente a presente acção e, consequentemente, condena-se a ré Companhia de Seguros A…, SA:

 - A pagar ao Banco N… o capital que ainda estiver em dívida na presente data relativo ao contrato de mútuo celebrado entre os autores e a mencionada instituição bancária, por escritura pública de 17/9/96;

 - A reembolsar os autores de todas as quantias relativas à amortização do capital mutuado e juros desse capital e que por estes tenham sido pagas desde Agosto de 1999 (inclusive).

 - Quanto ao demais peticionado absolve-se a ré do pedido.».

8 - A Ré, de novo inconformada com o decidido, interpôs recurso dessa sentença, que veio a ser recebido como apelação e com efeito devolutivo.

9 - Os AA interpuseram recurso subordinado, vindo, contudo, a dele desistir, pelo que a instância foi julgada extinta, relativamente a tal recurso.

B) - A Ré Apelante, nas alegações de recurso que ofereceu, apresentou as seguintes conclusões:

Terminou, pedindo que, na procedência da Apelação, se alterasse para provada a resposta à matéria dos quesitos 20º e 21º, e se absolvesse a Ré do pedido.

Contra-alegando, os AA pugnaram pela improcedência da apelação e pela manutenção da sentença recorrida.

C) - 1) - Esta Relação, por Acórdão de 15/03/2011, tendo julgado procedente a excepção da anulabilidade do contrato de seguro firmado entre AA e Ré, julgou a acção improcedente e, consequentemente, absolveu a Ré dos pedidos, assim revogando a decisão recorrida.

2) - Nesse Acórdão de 15/03/2011, decidiu esta Relação[1]:

a) - Que a decisão da 1ª instância, quanto à matéria de facto que os quesitos 20º e 21º encerravam, transmitia, no nosso entender, a valoração da prova que se entendia como correcta.

b) - Salientou-se que, na sentença, ao fazer-se a aplicação do direito aos factos, se havia afirmado:

«…conforme documento junto em audiência de discussão e julgamento, foi junto um relatório de exame médico, “ramo vida”, dos serviços clínicos da ré, datado de 9 de Dezembro de 1996, em que se destaca que o autor declarou que “teve síndrome depressivo há + de 2 anos, que tratou com sucesso. Nesta altura sem sintomatologia”.»;

- «…retira-se desse relatório de exame médico, junto pela Ré, que esta conhecia a situação clínica declarada pelo autor em data posterior à subscrição da proposta de seguro (ocorrida em 2 de Dezembro) e manteve interesse em contratar.».[2]

c) - Que essa afirmação feita na sentença de que “a ré conhecia a situação clínica declarada pelo autor em data posterior à subscrição da proposta de seguro (ocorrida em 2 de Dezembro) e manteve interesse em contratar”, mais não era do que matéria de facto que o Mmo. Juiz, embora sem assim o ter dito, retirou, por ilação, do teor do referido relatório e do respectivo conhecimento por parte da Ré, pelo que, entendendo-se que tal matéria fora dada como assente por força de uma inferência ilegítima, em violação do disposto nos art.ºs 349º do CC e 659º, nº 3 do CPC, concluiu-se nesse Acórdão que a mesma não poderia subsistir.

3) - Conforme se assinalou nesse Acórdão de 15/3/2011, esta Relação, no anterior Acórdão, de 10/03/2009, já havia:

a) - Dado aos quesitos 17º e 18º as seguintes respostas: - «Quesito 17°: Provado apenas mas com esclarecimento que, à data da celebração do contrato de seguro, o autor marido padecia de Depressão Major Recorrente mais Distimia, doença em evolução prolongada;

- Quesito 18°: Provado apenas mas com esclarecimento que, a situação clínica do autor, referida na resposta positiva ao quesito anterior, é crónica e existe pelo menos desde 1995».

b) - Modificado para “não provada”, em coerência com tais respostas aos quesitos 17º e 18º e com a análise que então fez da prova, a resposta ao quesito 2º, que inquiria se o Autor - à data da celebração do contrato de seguro - não padecia de doença actual.

4) - Assim, a matéria de facto provada em que se alicerçou a assinalada decisão desta Relação, de 15/3/2011, foi, afinal, aquela que, enquanto tal, se discriminou na sentença recorrida (posto que não incluía a matéria que esta aditou na parte da respectiva fundamentação de direito e que esta Relação entendeu não subsistir, e já que as respostas aos quesitos 20º e 21º, não sofreram alteração) matéria essa que ora se elenca:

5) - Do Acórdão desta Relação, de 15/3/2011, os AA interpuseram recurso de Revista para o STJ, vindo a ser decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça:

a) - Aditar a seguinte matéria de facto (pontos 17 - aditamento -, 32, 33, 34 e 35)[3]:

Ponto 17 da matéria de facto provada (aditamento):

Ao preencher o "Boletim de Participante", Ramo Vida Seguro de Grupo, da A…, Companhia de Seguros, Clientes - Apólice n.°…, datado de 2 de Dezembro de 1996, na parte em que se questiona sobre o "Estado de Saúde Actual", o Autor respondeu:

À pergunta "Consultou ultimamente algum médico"? A resposta "sim".

À pergunta "Motivo", a resposta: "Rel. Exame Médico Data 18/11/96".

Ponto 32.

O Autor (Examinado) e o Médico Examinador subscreveram o Relatório de Exame Médico, de 18 de Novembro de 1996 (cópia junta a fls. 771, 772 e 773, Companhia de Seguros A…, Ramo Vida, Relatório de Exame Médico - documento não impugnado), do qual constam, designadamente, os seguintes elementos:

Á pergunta: "Conhece a pessoa que acaba de examinar"? A resposta "Sim".

"Se a tratou, de que doença"? Sem resposta.

"Especifique diagnósticos, terapêutica efectuada (com doses), estado actual e prognóstico":

"Teve síndrome depressivo há + de 2 anos que tratou com sucesso. Nesta altura sem sintomatologia".

Parecer do Médico Examinador:

De entre as respostas possíveis (Muito bom, Bom, de adiar e de recusar), foi aposta uma cruz no quadrado "Bom".

Exactamente antes da assinatura do Examinado, consta, em letra impressa:

"Declaro que todas as perguntas foram por mim respondidas com absoluta sinceridade e exactidão, autorizando a COMPANHIA DE SEGUROS A…, S.A. a inquirir junto de qualquer entidade que me tenha tratado ou examinado, pedindo todos os detalhes que julgar necessário acerca do meu estado de saúde para aceitação da proposta. Assim, e por virtude desta minha permissão, desobrigo para comigo do segredo profissional todas as pessoas que possam ser consultadas, mesmo depois da minha morte".

Ponto 33.

O Ex.m.° Director do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental, do Hospital de São Teotónio-Viseu subscreveu a "Informação Clínica", datada de 22 de Junho de 1999 (cópia junta a fls 6, para que remete o ponto n.° 8 dos factos provados), da qual consta, designadamente, que o quadro clínico do Sr. J… é o de "Depressão Major Recorrente + Depressão/Distimia".

A "Informação Clínica" é do seguinte teor:

"O Sr. J… é seguido regularmente neste Departamento, desde Maio de 1995, sendo contudo referidos antecedentes de tratamento psiquiátrico anterior a esta data.

Ao longo destes 4 anos foi observado cerca de 30 vezes em Consulta e tem 3 Internamentos Outubro/97, Maio/98, Maio/99.

O seu quadro clínico é o de Depressão Major Recorrente + Depressão/Distimia, situação clínica com crises graves de descompensação nomeadamente com necessidade de Internamento é uma situação crónica Depressiva com sintomatologia mesmo entre os períodos críticos com gravidade que o incapacitam e perturbam de modo grave o seu normal funcionamento social, familiar c laboral, tendo mesmo causado vários problemas a nível laboral com graves repercussões económicas.

A sua situação clínica crónica com uma evolução de mais de 5 anos, a manutenção da sintomatologia entre crises e a grave deterioração que provocaram e provocam na sua vida social, familiar e laboral, a necessidade de manutenção da terapêutica e os seus efeitos secundários, a deterioração da sua vida social e familiar, levam a considera-lo incapacitado de modo definitivo para o exercício regular da sua profissão".

- Ponto 34.
A primeira consulta médica do Autor, no Hospital de São Teotónio - Viseu teve lugar no dia 18/05/1995.
As consultas subsequentes ocorreram nos dias 31/05/95, 27/06/95, 21/07/95, 02/11/95 e 27/12/95.

No ano de 1996, não teve qualquer consulta.
A primeira consulta a seguir à subscrição do Boletim de Participante (de 2 de Dezembro de 1996) ocorreu, apenas, em 03/10/97 (como tudo resulta das cópias dos registos de consultas externas, a que foi sujeito o Autor, no Hospital de S. Teotónio -Viseu, de fls. 333 e segs. dos autos - documentos que não foram impugnados).

- Ponto 35.

De acordo com a "Informação Clínica" (documento não impugnado), datada de 13 de Junho de 2003, junta a fls. 158, do Director do Hospital de São Teotónio-Viseu, o quadro clínico do Sr. J… foi o de Depressão Major Recorrente, situação que evoluiu posteriormente para a cronicidade - Neurose Depressiva/Distimia (Depressão Crónica)".

b) - Que se afigurava existir contradição entre os factos provados, resultante, de um lado, dos pontos 28 e 29 (é a matéria aditada pelo 1ª acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra, de fls. 743 e seguintes) e, de outro lado, do conjunto dos pontos 18, 19, 20, 21, 22, 32, 33 e 34 (é a matéria que já vinha da 1ª Instância - 18, 19, 20, 21, 22 - e a matéria aditada pelo STJ), acerca da situação clínica do Autor, no que se refere à sua saúde mental, à data da subscrição da proposta de seguro.

c) - Que tal contradição que se afigurava existir entre os referidos pontos da matéria de facto, acerca da situação clínica do Autor, no que se refere à sua saúde mental, à data da subscrição da proposta de seguro, era de molde a inviabilizar a decisão jurídica do pleito.

d) - Em face dessa contradição que se afigurava existir, não se mostrando possível ao Supremo fixar com precisão o regime jurídico a aplicar, anulou o Acórdão recorrido “…no que concerne aos mencionados factos, dos pontos 28, 29, 18, 19, 20, 21, 22, 32, 33 e 34” e determinou a baixa à 2ª Instância, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 729, n.° 3 e 730, n.° 1 e 2, ambos do CPC, «…a fim de a decisão da matéria de facto ser desobstruída da contradição que se afigura existir entre, de um lado, os elementos de facto dos pontos 28 e 29 e, de outro lado, os elementos de facto dos pontos 18, 19, 20, 21, 22, 32, 33 e 34.».

6) - No Acórdão do STJ destaca-se, do seguinte modo, a matéria entre a qual se afigurou existir contradição dizendo:

«…a nosso ver, ocorre contradição na decisão da matéria de facto, entre, por um lado, o que se dá como provado nos pontos 28 e 29:

28. À data da celebração do contrato de seguro, o autor marido padecia de Depressão Major Recorrente, doença em evolução prolongada.

29. A situação clínica do autor referida no ponto de facto anterior, é crónica e existe desde 1995.

Por outro lado, o que resulta como provado, designadamente, dos seguintes pontos:

18. À data da celebração do contrato de seguro, o autor participava activamente nas tarefas domésticas.

19. E na administração dos bens do casal;

20. E na educação dos filhos;

21. O autor marido era sócio da firma "…”, do ramo "ferragens";

22. Estava integrado no meio social em que vivia, convivendo com os vizinhos e com os amigos".

32. O Autor "teve síndrome depressivo há + de 2 anos, que tratou com sucesso. Nesta altura sem sintomatologia" (Relatório de Exame Médico, de 18 de Novembro de 1996, para que remete o ponto 17 dos factos provados).

33. O primeiro internamento do autor no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital de São Teotónio, Viseu, ocorreu em Outubro de 1997.

34. A primeira consulta médica do Autor, no Hospital de São Teotónio - Viseu teve lugar no dia 18/05/1995.

As consultas subsequentes ocorreram nos dias 31/05/95, 27/06/95, 21/07/95, 02/11/95 e 27/12/95.

No ano de 1996, não teve qualquer consulta.

A primeira consulta a seguir à subscrição do Boletim de Participante (de 2 de Dezembro de 1996) ocorreu, apenas, em 03/10/97.

(Ou seja: o Autor não teve qualquer consulta médica entre 27/12/95 e 03/10/97; o seu primeiro internamento ocorreu, apenas, em Outubro de 1997).

II - Verificando-se “obscuridade” quando há respostas ambíguas ou pouco claras, susceptíveis de várias interpretações, existe "contradição” sempre que colidam entre si as respostas dadas a certos pontos de facto ou colidam as respostas com factos dados como assentes, sendo entre si inconciliáveis.

Vejamos.

Aquando da prolação do Acórdão de 15/3/2011, este Tribunal tinha como adquirido que do Relatório de Exame Médico, de 18 de Novembro de 1996 constava, relativamente ao autor: "teve síndrome depressivo há + de 2 anos, que tratou com sucesso. Nesta altura sem sintomatologia"»,

Mas, do facto de se ter esse documento como aceite pelas partes “maxime” pela Ré, não resultava para nós, que os factos nele contidos se tivessem por verdadeiros e, menos ainda, que os considerássemos como conflituantes com aquilo que estava provado nos pontos nºs 28º e 29º.

Como se diz no Acórdão do STJ, de 23/11/2005 (Revista nº 05B3318): «…um documento particular goze de força probatória plena, tal valor reporta-se tão só às declarações documentadas, ficando por demonstrar que tais declarações correspondiam à realidade dos respectivos factos materiais e, sobretudo, não se excluindo a possibilidade de o seu autor demonstrar a inveracidade daqueles factos por qualquer meio de prova.».

Aquando da prolação do Acórdão de 15/3/2011, não nos deparamos com contradição alguma entre a matéria de facto, mas, é certo, nessa ocasião não entrava em linha de conta, enquanto factualidade provada, a matéria que o STJ aditou e que se julga ser a que mais releva para a conclusão que aí extraiu quanto a esse aspecto (sem embargo do que acima se disse ter-se então já por assente quanto ao Relatório de Exame Médico, de 18 de Novembro de 1996).

Por outro lado, ao elaborarmos o Acórdão de 15/3/2011 não questionámos, já que a mesma havia sido fixada no anterior Acórdão de 10/03/2009 (fls. 743) e ninguém a pusera em causa relevantemente, a matéria das respostas aos quesitos 17º e 18º (pontos nºs 28º e 29º da sentença).

Por isso - porque ela não jogava coerentemente com os factos apurados “maxime”, com os desses pontos nº 28º e 29º (respostas aos quesitos 17º e 18º) - negámos a tese defendida pelos AA, de que as declarações do Autor teriam sido prestadas num hiato temporal em que a doença não se manifestava.

Defenderam, de facto, os AA., que a matéria dada como provada nos pontos nºs 28 e 29 quanto à doença crónica do Autor, não significava que, no decurso dessa doença, não tivesse existido «…um período de tempo em que a mesma foi assintomática, e, por isso, não percepcionada pelo próprio paciente, período situado entre Dezembro de 1995 e Outubro de 1997, em que se compreende o dia 17.12.1996, data da celebração daquele contrato de seguro.».

Lembre-se, pois, o que então se disse:

«…nada havendo na matéria de facto provada que nos faça concluir pela existência desse hiato assintomático na doença do Autor, sempre se dirá que, mesmo a entender-se que ele se verificou, isso não justificava que o autor tivesse omitido, ao responder ao dito questionário, o que ora diz ter sempre reconhecido quanto ao que lhe foi diagnosticado em Maio de 1995.

Não se concebe que alguém, em 1996, que se encontrasse a preparar para firmar um contrato de seguro que cobria a invalidez por doença, agindo com a diligência do “homem médio”, achasse irrelevante, a ponto de a omitir no questionário clínico, ou não a recordasse - ainda que nessa ocasião não se apercebesse dos respectivos sintomas -, a doença que lhe fora diagnosticada e que o levara a fazer tratamento e a ser observado/medicado em consultas externas do DPSM, em Maio, Junho, Julho, Novembro e Dezembro de 1995.

Lembremos que se provou:

- À data da celebração do contrato de seguro, o autor marido padecia de Depressão Major Recorrente, doença em evolução prolongada (ponto nº 28);

- A situação clínica do autor referida no ponto de facto anterior, é crónica e existe desde 1995 (ponto nº 29);

- O autor marido preencheu e assinou o documento cuja cópia se encontra junto aos autos a fls.28, “questionário clínico de resposta obrigatória” fornecido pela ré seguradora, no qual o autor:

- No capítulo “antecedentes pessoais”, assinalou:

 - “não” em todas as quadrículas referentes a doenças aí especificadas;

 - “não” na quadrícula de “outras (perturbações ou doenças) não especificadas” e apôs um traço onde se perguntava “caso sim, qual a doença - se estiver curado, indique a data da cura”;

- No capítulo “estado de saúde actual”, assinalou:

- “sim” à pergunta “o seu estado de saúde é perfeito?”;

- “não” à pergunta “tem tido baixas por doença?”,

- “não” à pergunta “toma algum medicamento regularmente?” (ponto nº 17, correspondente à alínea R) da factualidade assente).

Ora, a conclusão a extrair deste quadro fáctico não poderá ser outra senão a de que o Autor pelo menos não podia ignorar, usando a diligência exigível ao “homem médio”, ao “bonus pater familiae”, que nessas circunstâncias se encontrasse, que, ao responder do modo referido ao perguntado no aludido questionário, omitia e dava informações diferentes daquelas que conhecia sobre o seu estado de saúde, e que tais informações tinham relevância para a ora Ré efectuar o contrato de seguro em causa.

Mesmo que não estivesse plenamente informado sobre a gravidade do seu estado de saúde na ocasião em que preencheu o dito questionário, ainda que não se apercebesse, nessa ocasião, de sintomas de doença, caberia ao Autor, pelo menos, referir a doença que lhe fora diagnosticada em Maio de 1995 e que o levara a ser observado em consultas que terminaram em Dezembro desse ano, tanto mais que, mesmo para o caso de cura, se pedia para referir a doença e a data daquela.[4]

A conclusão que se acaba de extrair, é a única, salvo o devido respeito por outro entendimento, que se apresenta consentânea com a apreciação dos factos apurados, à luz das regras da experiência da vida, tendo guarida na factualidade alegada pela Ré, designadamente, nos art.ºs 18º, 19º, 20º, 21º e 23º da contestação.».[5]

É claro que toda esta argumentação, expendida no acórdão de 15/3/2011, perde validade quando deixa de ser inquestionável - já que a resolução da contradição se faz eliminando um dos termos antagónicos - a matéria que se encontra vertida nos pontos nºs 28º e 29º da sentença.

O STJ, referindo, expressamente, quais os factos que se lhe afigurava estarem em contradição entre si, não disse, porém, em que é se traduzia, concretamente, essa contradição.

Contudo, tendo-se como dado adquirido, fornecido pelo Acórdão do STJ, que há contradição, este Tribunal, interpretando aquele Acórdão, só pode vê-la - não se vislumbra que outra interpretação possa ter cabimento - no âmbito dos factos apontados pelo STJ nesse sentido, na afirmação, por um lado, de que a doença em causa - Depressão Major Recorrente, doença crónica e em evolução prolongada - se verificava aquando da subscrição do seguro e existia desde 1995 (pontos nºs 28 e 29), por outro, da circunstância de - em conjugação com a factualidade dos pontos nºs 17 (e respectivo aditamento), 33, 34, 18 a 20 - se afirmar, em de 18 de Novembro de 1996, relativamente ao A., que este «teve síndrome depressivo há + de 2 anos, que tratou com sucesso. Nesta altura sem sintomatologia" (nº 32).

Observe-se, antes do mais, que nos pontos nºs 10 e 11 se deu como assente que a doença, do foro psiquiátrico, constante da Tabela Nacional de Incapacidades que conferiu ao Autor uma incapacidade “multiuso” e global de 60%, susceptível de variações futuras, foi a Psicose com perturbações importantes, pelo que a resposta ao quesito 17º, carece de ser entendida como explicativa, pois refere a Depressão Major Recorrente, que, também sendo uma doença do foro psiquiátrico, não é, em rigor, uma depressão psicótica.

Dito isto, importa salientar que, datando, o "Boletim de Participante", de 2 de Dezembro de 1996, na informação clínica datada de 22/6/1999, muito posterior, portanto, é que se refere o quadro clínico de Depressão Major Recorrente+Depressão/Distimia, caracterizando-o com sintomatologia que, mesmo entre os períodos críticos, incapacitava e perturbava, de modo grave, o normal funcionamento social, familiar e laboral do Autor (ponto 33).

Já do ponto 28º (resposta ao quesito 17º) consta apenas que o Autor, à data da celebração do contrato de seguro, padecia de Depressão Major Recorrente (sem Distimia, pois), doença em evolução prolongada, afirmando-se, no ponto seguinte (29º - resposta ao quesito 18º) que a referida situação clínica do Autor, além de ser crónica, existia desde 1995.

Por outro lado, conforme se notou já, do ponto 32 também consta, como observado no Relatório de Exame Médico de 18 de Novembro de 1996, que o Autor «teve síndrome depressivo há + de 2 anos, que tratou com sucesso. Nesta altura sem sintomatologia".

Importa, além do mais, saber, se se pode, com segurança - com precisão, sem ambiguidades ou contradições, pois -, dizer que o autor, aquando do preenchimento do “questionário clínico” se podia afirmar como portador Depressão Major Recorrente ou se apenas se pode dar como assente que o mesmo havia sofrido o aludido síndrome, que se refere, no relatório de 18 de Novembro de 1996, tratado “com sucesso e sem sintomatologia ".

Elisabeth Sene-Costa adverte que o termo “depressão” «…pode ser utilizado tanto para sintomas isolados (situações normais de vida) ou associados a manifestações clínicas, como em síndromes clínicas com vários sinais e sintomas depressivos ou, ainda, como uma perturbação primária do humor (Moreno e Moreno, 2001).»[6].

A depressão major (depressão maior, ou transtorno depressivo maior), é um tipo de depressão incapacitante que altera a vida do doente, manifestando-se através de uma combinação de sintomas que interferem com a sua capacidade para trabalhar, estudar, dormir, comer, etc..[7].

No dizer de Carlos Cimadevila Álvarez[8], a depressão Maior pode revelar-se através de um único episódio (que persista por mais dois meses), mas também pode suceder que, debelado este, se venham a suceder, mais tarde outro ou outros episódios depressivos graves, estando-se, então, em presença da chamada Depressão Maior Recorrente.

Elisabeth Sene-Costa salienta que o transtorno depressivo maior (TDM) pode surgir de forma mais leve, ser moderado ou muito grave.

Refere, ainda, esta autora: «A duração média de um episódio depressiva é de vinte semanas. Segundo Dubovsky e Dubovsky (2004), o risco de um segundo episódio é de 50% e, após o terceiro episódio, este risco amplia para 90%.»[9].

A distimia, nas palavras de Maurício Silva de Lima, «é um transtorno depressivo de natureza crónica, mas de menor gravidade que a depressão maior, cujos sintomas persistem por mais ou menos dois anos.»[10].

Também conhecida como depressão crónica, a distimia (Transtorno Distímico), caracteriza-se por apresentar a maioria dos sintomas próprios da Depressão Maior, embora que os mesmos tendam a ser menos intensos e se prolonguem mais no tempo. Os indivíduos afectados com distimia, embora se sintam permanentemente deprimidos, com dificuldade para desfrutar a vida, não mostram, em geral, mudanças aparentes na sua conduta ou no seu comportamento diário.[11]

Nas pessoas com distimia pode ocorrer um agravamento com sintomatologia que corresponda àquela que é específica da depressão maior, a acumular com o seu crónico estado depressivo. Esta associação da distimia com depressão maior é apelidada de “depressão dupla”.[12]

Depois desta incursão nas noções de cariz médico imposta pela necessidade de dar resposta cabal às questões - de facto e de direito - que se nos colocam no caso “sub judice”, importa reconhecer que a circunstância de se ter afirmado, relativamente ao Autor, um quadro clínico de Depressão Major Recorrente + Distimia - “depressão dupla”, portanto - (informação clínica de 14-3-2000), ou, “tão-só”, de “Depressão Major Recorrente” (esclarecimentos prestados em audiência pelo Dr. …), não tem a corroborá-la elementos de prova que assegurem ser esse o estado clínico do Autor aquando da ocasião em que firmou o contrato de seguro em causa, ou, mais precisamente, aquando do preenchimento do mencionado “questionário clínico”.

Designadamente, não permitem corroborar essa conclusão - do padecimento, pelo autor, nas aludidas ocasiões, de Depressão Major Recorrente - a informação clínica de 28-4-1999, assinada pelo Dr. …, nem a "informação médica" de 20-7-99, prestada pelo Dr. ...

Em nosso entender, na ocasião do preenchimento do mencionado questionário clínico, os elementos que existem nos autos permitem apenas, com segurança, afirmar, que o autor, anteriormente, havia sofrido o síndrome depressivo que no relatório médico de Relatório de Exame Médico de 18 de Novembro de 1996, se refere ter ocorrido há + de 2 anos e que aí se diz ter sido tratado com sucesso e sem sintomatologia.

Não há qualquer informação clínica, contemporânea ao preenchimento desse questionário ou anterior ao mesmo, que permita, com segurança, concluir que, afinal, esse “síndroma” depressivo foi um “episódio depressivo maior”, ou, (por maioria de razão) uma “Depressão Maior Recorrente”.

Mas, ainda que se admitisse que tal síndrome se tratara, afinal, de um episódio depressivo maior, não haveria qualquer prova segura de que essa condição clínica subsistia à data em que o Autor preencheu o referido questionário.

Note-se que o autor, tendo registada, como última consulta do ano de 1995, a que teve lugar em 27/12, não teve qualquer consulta no ano de 1996 e a primeira consulta a seguir à data de subscrição do Boletim de Participante (de 2 de Dezembro de 1996) ocorreu, apenas, em 03/10/97 (ponto 34).

Sabemos, é certo, que o autor veio, posteriormente à data da outorga do contrato em causa, a apresentar sintomatologia classificada pelos médicos como “depressão maior”, depressão maior recorrente” e “Depressão Major Recorrente + Distimia” e, é claro, que o episódio do foro psicológico que o autor sofrera em 1995, não poderia, então, deixar de ser perspectivado com relevância no historial clínico e no diagnóstico relativo ao autor. Isso não significa, contudo, repete-se, que haja qualquer prova que assegure que o autor, aquando do preenchimento do “questionário clínico”, padecesse ou tivesse padecido de “Depressão Maior”.

Saliente-se, ainda, que a evolução, para a cronicidade, da doença que ao autor veio a ser diagnosticada - “Depressão Maior” - tem a ver com a associação da Distimia e, não, propriamente, com o episódio ou síndrome de 1995 (ponto 35).

Por outro lado, o que se encontra provado nos pontos nºs 18º, 19º, 20º e 22º, traduz um comportamento normal do autor no que respeita a aspectos da vida familiar e das relações sociais e de amizade, o que, afastando a existência de uma “Depressão Maior”, digamos, em termos leigos, “activa”, reforça a ideia de que, anteriormente à ocasião da outorga do contrato “sub judice” apenas ocorreu o aludido episódio depressivo notado no relatório de exame médico de 18/11/1996.

Do exposto resulta, pois, que a matéria os pontos nºs 28º e 29º, não pode, coerentemente, manter-se como matéria fáctica provada, devendo, assim, ser eliminada.

Em resultado desta eliminação, coerentemente, a exemplo da solução ditada pelo artº 712º, nº 4 (“in fine”) do CPC, também tem de ser suprimida a matéria do ponto 31, que corresponde à resposta ao quesito 23º, já que este ponto - e a respectiva resposta - pressupunha, como dado adquirido, que o autor padecia da doença a que se reportavam os pontos nº 28º e 29º.

Ultrapassada que está, em face do decidido, a questão da contradição invocada pela Apelante e sobre a qual se prenunciou o Acórdão por nós proferido em 15/3/2011, dir-se-á que se mantêm o aí decidido quanto à alteração, também pedida pela Recorrente, das respostas aos pontos 20º e 21º.

Escreveu-se, então, a propósito, o que ora se reproduz, na parte que mais releva:

«…a Recorrente discorda da decisão proferida na 1.ª Instância sobre a matéria de facto, sustentando, para esse efeito, ter havido errada valoração da prova, já que, aquela que se produziu - a resultante dos depoimentos que indica (v.g., os das testemunhas …), bem assim como a decorrente dos documentos que refere (v.g., da “nota informativa” de fls. 368 a 384) -, impunha que o Mmo. Juiz do Tribunal “a quo” desse como provada a matéria dos pontos 20º e 21º da base instrutória.

Vejamos.

Os quesitos 20º e 21º (ambos dados como não provados) tinham o seguinte teor:

20) Os autores tiveram conhecimento das "condições gerais e especiais" do contrato de seguro dos autos quando foi assinada a proposta de contrato?

21) Aquando do referido em 20), a ré comunicou aos autores as "condições gerais e especiais" do contrato de seguro dos autos, tendo-os informado do seu teor e alcance e tendo-lhes prestado todas as explicações por eles solicitadas acerca das mesmas?

Lembremos a fundamentação apresentada pelo Mmo. Juiz do Tribunal “a quo” quanto às respostas dadas à base instrutória, na parte que mais respeita à matéria ora em causa: «A resposta à matéria de facto controvertida resulta da análise e conjugação dos factos assentes, dos documentos juntos aos autos, das regras da experiência e do senso comum, conjugadas com os depoimentos credíveis e isentos das seguintes testemunhas:

 (…)

* Quanto aos factos não provados, não foram carreados aos autos elementos de prova suficientes para concluir de modo diverso.».

Lembra-se - face à matéria específica cuja prova se visa com a factualidade perguntada em tais pontos 20º e 21º da BI -, que correspondendo a dever que o utilizador de uma cláusula contratual geral deve cumprir na fase de negociação, ou pré-contratual, a este compete a prova da comunicação integral, efectiva, esclarecedora, adequada a permitir ao contraente aderente o significado e implicações do conteúdo dessa cláusula.[13]

Vejamos.

A circunstância de uma testemunha afirmar determinados factos não implica, necessariamente - ao invés do que se tem visto defendido, com alguma frequência, em sede de recurso da decisão sobre a matéria de facto[14] - que o julgador tenha de considerar esses factos como assentes, pois que razões pode haver, fornecidas nesse próprio depoimento, pela forma como foi prestado (coerência, verosimilhança do que é narrado pelo depoente, etc.), ou por outros elementos de prova existentes, que levem o tribunal a não adquirir a convicção de que tais afirmações correspondam, efectivamente, àquilo que, com segurança, se pode ter como correspondendo à realidade.

No caso “sub judice, a testemunha … não tinha qualquer lembrança do contrato de seguro a que se reportam os autos, não se recordando dos autores, só concluindo que com estes tinha tratado depois de ter verificado isso no processo da instituição, pelo que, aquilo que pormenoriza relativamente ao seguro que diz ter tratado com os Autores, não estando registado nesse processo - esse registo não foi afirmado pela testemunha - não é de concluir ter resultado da sua recordação, mas antes, da extrapolação que fez, para o caso concreto, daquilo que era o seu procedimento corrente em circunstâncias idênticas. É este, salvaguardando o respeito por um outro diverso, o nosso entendimento.

Ponderados, pois, os depoimentos das testemunhas que sobre a matéria depuseram, a conclusão que se extrai é a de que, tais elementos, “per se”, conjugados entre si, ou mesmo que conjugados com a prova documental junta, não se apresentam como aptos a permitir ao Tribunal dar como assente a matéria dos quesitos 20º e 21º, ou seja, não se revelam susceptíveis de gerar, quanto à verificação da factualidade indagada nestes quesitos, convicção diversa daquela que levou o Tribunal “a quo” a responder da forma que acima se indicou.

A decisão proferida pela 1.ª Instância sobre a matéria de facto que os quesitos 20º e 21º encerravam, transmite, assim, no nosso entender e salvaguardando o respeito por entendimento diverso, a valoração da prova que se entende correcta.».

III - A matéria que agora se tem por provada é, portanto, a seguinte[15]:

IV - Na sentença recorrida entendeu-se estar-se perante “um contrato de seguro de vida com a vertente complementar de invalidez total e permanente associado ao pagamento das prestações concernentes a um contrato de mútuo celebrado entre aqueles e o Banco N..., contrato esse que, “na medida em que a seguradora - promitente - assumiu perante os autores - promissários - a obrigação de prestar à entidade bancária determinada quantia - beneficiária -“ configurava, nessa parte, contrato a favor de terceiro (art.443º, nº1 do Código Civil).

Referindo que, para os AA, resultava desse contrato a obrigação de pagamento do respectivo prémio, resultando, para a seguradora, a obrigação de indemnizar os autores pelo montante convencionado, parcialmente por via do oferecimento de determinada prestação ao Banco N..., no caso de se verificar o dano, acabou por se concluir na sentença - conclusão essa que, como veremos, se revelará acertada -, que, embora não assistisse aos autores o direito ao reembolso das quantias pagas a título de prémios de seguro, nem o direito ao pagamento de juros de mora sobre as quantias pagas a titulo do capital mutuado, cumpriria condenar a Ré “… no pagamento ao Banco N... da parte do capital que ainda estiver em dívida na data da prolação da presente sentença e relativo ao contrato de mútuo celebrado com o Banco N..., por escritura pública de 17/9/96, e, bem assim, no reembolso aos autores de todas as quantias relativas à amortização do capital mutuado e juros desse capital e que por estes tenham sido pagas a partir da data em que se verificou a situação determinante do accionamento do seguro, ou seja, a partir de Julho de 1999, altura em que o autor deixou de exercer a sua actividade profissional e foi considerado incapaz para o exercício de qualquer actividade profissional.”.

Invocando a ré o direito à anulação do contrato de seguro em que os AA fundaram o que peticionaram, importa verificar da procedência dessa arguição.

De harmonia com o disposto no Artº 429º do Código Comercial, toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo.[16]

Não obstante o preceito refira a nulidade, a sanção para o comportamento nele previsto, é, a bem dizer, a anulabilidade do negócio, como acentuou o Mmo. Juiz do Tribunal “a quo”, dizendo: «Não obstante o preceito legal em apreço referir que a sanção é a nulidade, a maioria da doutrina e jurisprudência tem entendido que se trata aqui de uma verdadeira anulabilidade do seguro e não de uma pura nulidade.

É o que defende Moitinho de Almeida, in O contrato de Seguro, pág. 61, nota 29”, segundo o qual aquele preceito deve ser interpretado no sentido de estabelecer a anulabilidade.

Com efeito “não existem quaisquer razões que imponham um regime tão drástico como o da nulidade, numa hipótese semelhante ao dolo no negócio jurídico. Trata-se de imperfeição terminológica, que, aliás, também viciava o Código Civil de 1867” (no mesmo sentido, Acs.do S.T.J., de 19/10/93 e de 3/3/98, C.J.I, 3, 72 e VI, 1, 103, respectivamente, e de 15/6/99,in BMJ 488/38) .

Como se escreveu no Ac. do S.T.J. de 3/3/98, in C.J. S.T.J., Ano 6º,1º, pág.103, a expressão “seguro nulo” utilizada no citado art.429º deve ser entendida como “seguro anulável” como tem sido sustentado na doutrina e na jurisprudência, praticamente sem discrepâncias.».

Quer a declaração inexacta, que é a afirmação errónea - que pode ser dolosa ou meramente negligente - quer a declaração reticente, que se traduz na omissão de factos ou circunstâncias do conhecimento do declarante, permitem a anulação do contrato de seguro, se susceptíveis de relevarem na decisão da seguradora em o outorgar ou nas condições contratuais a estabelecer.

Conforme se diz no Acórdão do STJ 30/10/2007 (Revista nº 07A2961)”…incidindo sobre a própria formação do contrato, as declarações falsas ou as omissões relevantes impedem a formação da vontade real da contraparte (seguradora), pois que essa formação assenta em factos ou circunstâncias ignoradas, por não reveladas ou deficientemente reveladas.

Daí que, como resulta do preceito legal e é entendimento corrente, não é necessário que as declarações ou omissões influam efectivamente sobre a celebração ou condições contratuais fixadas, bastando que pudessem ter influído ou fossem susceptíveis de influir nas condições de aceitação do contrato.”.

Ora, da matéria de facto que se encontra assente não resulta como provado que o Autor, aquando do preenchimento do questionário clínico, padecesse de doença do foro psiquiátrico, designadamente, de “Depressão Major” (ou, por maioria de razão, de Depressão Major Recorrente), pelo que fica sem substrato fáctico a arguição da anulabilidade do contrato de seguro, já que esta invalidade encontrava-se alicerçada nessa factualidade e não, note-se, na falta de menção expressa do síndrome depressivo que o próprio Autor refere na réplica ter sofrido em 1995.

Contudo, não se deixará de lembrar, uma vez mais, que esse síndrome foi assinalado nos termos já descritos, no texto do relatório de exame médico de 18/11/96.

 A existência desse síndrome foi, assim, levada ao conhecimento da Ré, conforme, aliás, é comprovado pelo documento junto em audiência, dos serviços clínicos da ré, datado de 9 de Dezembro de 1996, em que se destaca o declarado quanto ao síndrome depressivo ocorrido “há + de 2 anos”.

Improcede, pois, por falta de verificação dos respectivos pressupostos, cujo ónus da prova competia à Ré (artº 342, nº 2, do CC), a invocada invalidade do contrato de seguro.

A doença do Autor que foi participada à Ré para reclamação do capital, foi a Psicose com perturbações importantes, que lhe conferiam uma incapacidade “multiuso” e global de 60%, susceptível de variações futuras (nºs 10 e 11 da matéria de facto).

A Ré, tendo esse ónus, não logrou provar - pontos nºs 20º e 21º da base instrutória - que havia sido cumprido o dever comunicar aos AA, aderentes, as cláusulas contratuais que se referem nos pontos nºs 15 e 16 da matéria de facto, não se tendo provado, consequentemente, que estes tivessem sido esclarecidos do significado e alcance das mesmas, o que acarreta que tais cláusulas se tenham como excluídas do contrato de seguro, não relevando, assim, que os A.A. não tenham provado que o Autor necessite de ser assistido, de forma contínua, por uma terceira pessoa, nem sendo oponível aos A.A. também - o que, diga-se, assume pouco relevo, atenta a factualidade provada - o clausulado no art. 4º, nº 2, das Condições Gerais, segundo o qual a invalidez resultante de qualquer incapacidade ou doença de que a pessoa segura seja portadora à data da inclusão no seguro não se encontra coberta, a não ser que o contrário seja estabelecido em documento fazendo parte do contrato.

É o que resulta da aplicabilidade ao caso “sub judice” do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais (art.ºs 4º, 5º, 6º e 8º, do DL n.º 446/85, de 25/10).[17]

Não podendo a Ré, pois, invocar tal clausulado para se eximir à sua responsabilidade contratual, nem tendo o direito de ver reconhecida a anulação do contrato de seguro em causa, por força da norma do art.º 429º do Código Comercial, cumpre-lhe, por força do estipulado nesse contrato, pagar o estabelecido na sentença da 1ª Instância, assim se confirmando o aí decidido.


V - Decisão:
Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a Apelação improcedente, mantendo a condenação da Ré decidida na sentença recorrida.
Custas pela Apelante.


Relator: Falcão de Magalhães
1.º Adjunto: Des. Regina Rosa
2.º Adjunto: Des. Artur Dias


[1] Adverte-se que, por razões evidentes, as notas que respeitem a trechos desse acórdão que se venham a transcrever, não manterão a numeração original.
[2] Sublinhado no Acórdão de 15/3/2011.
[3] O aditamento foi alicerçado na consideração da sua relevância para a decisão da causa e no entendimento expresso por Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em processo Civil, 7.a ed.; p. 281.
[4] Cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 30-10-2007 (Revista n.º 2961/07 - 1.ª Secção), de 06-10-2005, (Revista n.º 2170/05 - 2.ª Secção), de 08-06-2010 (Revista n.º 90/2002.G1.S1 - 7.ª Secção) e de 20-05-2008 (Revista n.º 1174/08 - 6.ª Secção), cujos sumários podem ser consultados na página da Internet desse Tribunal, no endereço “http://www.stj.pt/?idm=46”.
[5] O negrito é de agora.
[6] Universo da depressão - Elisabeth Sene-Costa, Editora ÁGORA, 2006, pág. 47.
[7] Ana de la Puebla Pinilla, Jesús R. Mercader Uguina  - Valoración Médica y Jurídica de la Incapacidad Laboral  - LA LEY, 2006 – pág. 462.
[8] Estudio de la relación entre deterioro cognitivo y sintomatología depresiva en la población gallega mayor de 65 años. – USC - Santiago de Compostela, 2008 – págs.  34 e 35.
[9] Obra citada, pág. 48.
[10] Tratamento farmacológico da distimia: avaliação crítica da evidência científica. “in” Revista Brasileira de Psiquiatria., Jun 1999, vol. 21, nº.2, pág. 128-130.
[11] David T. Liebert – “College Psychology in a Nutshell”, Virtualbookworm Publishing, 2006 – pág. 208.
[12] Alfredo Cataldo Neto, Gabriel José Chittó Gauer e Nina Rosa Furtado - Psiquiatria para estudantes de medicina  - EDIPUCRS, 2003, pág. 389.
[13] Neste sentido, entre muitos outros, os seguintes Acórdãos do STJ: de 30-06-2009 (Revista n.º 129/09.0YFLSB.S1 - 1.ª Secção), de 30-06-2009 (Revista n.º 288/04.8TCGMR 1.ªSecção), de 11-04-2000 (Revista n.º 240/00 - 1.ª Secção), de 18-04-2006 (Revista n.º 818/06 - 1.ª Secção), e de 11/03/2001, (Revista n.º 1860/07.0TVLSB.S), cujos sumários podem ser consultados na página da Internet desse Tribunal, através do endereço “http://www.stj.pt/?idm=46”, podendo o último desses arestos ser consultado na íntegra, em “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/”.
[14] Não é, contudo, nesta singela argumentação, sublinhe-se, como flui do acima exposto, que se baseia a impugnação da Apelante.
[15] Não obstante a eliminação dos pontos nºs 28º, 29º e 31º, mantêm-se, por uma questão de comodidade de referência, a restante numeração original.
[16] Não é aplicável ao presente caso o Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, que aprovou o novo regime jurídico do contrato de seguro e entrou em vigor em 1.1.2009.
[17] “As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, cabendo ao contratante determinado que as submeta a outrem o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva.” (Ac. do STJ de 11-03-2010 - Revista n.º 1860/07.0TVLSB.S1 - 2.ª Secção).