Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
44/13.2GCCVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA PENA DE PRISÃO
COMETIMENTO DE NOVO CRIME
PRORROGAÇÃO DO PERÍODO DA SUSPENSÃO
Data do Acordão: 06/29/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (INSTÂNCIA LOCAL DA COVILHÖ SECÇÃO CRIMINAL – JUIZ 1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 55.º E 56.º DO CP
Sumário: I - Não efectuando a lei qualquer distinção, temos por certo, por um lado, que o novo crime pelo qual veio o condenado a ser punido não tem que ter a natureza do crime punido com a pena de substituição, e por outro, que não tem que ser um crime doloso, podendo ser um crime negligente, e por último, que, ao exigir a lei apenas a condenação por novo crime, é irrelevante o tipo de pena aplicada.

II - É imprescindível para a revogação da pena de suspensão a constatação de que o condenado, ao cometer o novo crime, invalidou definitivamente a prognose favorável que fundou a aplicação da pena de substituição ou seja, invalidou a expectativa de, através da suspensão, se manter afastado da delinquência.

III - Estando o arguido recuperado e não havendo registo do cometimento de novos factos típicos, cremos que o “esforço” por si desenvolvido, no sentido de se libertar da dependência do álcool [e, certamente, foram significativos, até por razões sociológicas, os ‘apelos’ diários ao seu consumo] permite manter de pé, não obstante o significativo abalo sofrido, a validade do juízo de prognose favorável que fundou a substituição da prisão.

IV - Se não deve haver lugar, como já se disse, à declaração de extinção da pena, cremos também que, atento o circunstancialismo descrito, não se justifica, pelo menos, para já, a revogação da pena de substituição e consequente cumprimento da pena de prisão.

Decisão Texto Integral:



Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


 I. RELATÓRIO

No processo especial sumário nº 44/13.2GCCVL que corre termos no Tribunal Judicial da comarca de Castelo Branco – Covilhã – Instância Local – Secção Criminal – J1, foi o arguido A... , com os demais sinais nos autos, condenado, por sentença de 10 de Abril de 2013, transitada a 10 de Maio de 2013, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), do C. Penal, na pena de sete meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período, condicionada à sujeição a tratamento de desabituação de consumo de álcool, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de doze meses.

            Por despacho de 30 de Novembro de 2015 foi decidido não existirem motivos justificadores da revogação da suspensão da execução da pena de prisão e declarada tal pena extinta pelo decurso do período de suspensão fixado.


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            Inconformada com o decidido, recorre a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            1. Por decisão proferida em 10.04.2013, o arguido A... foi condenado pela prática em 09.04.2013 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo arts. 292º, nº 1 CP, na pena de 7 (sete) meses de prisão, suspensa por um período de um ano, com as condições de submissão a tratamento de desabituação de consumo de álcool; e, nos termos do art. 69.º, n.º 1, al. a) do CP, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 12 (doze) meses.

2. Esta sentença condenatória transitou em julgado em 10.05.2013.

3. Mostrando-se já decorrido o período de suspensão da pena de prisão, o Tribunal a quo considerou que o arguido cumpriu a condição imposta julgando extinta, pelo cumprimento, a pena de prisão em que condenou o arguido nestes autos.

4. Para o efeito, considerou, não obstante o arguido ter sido condenado na pena única de prisão por dias livres de 66 períodos de prisão pela prática em 26.05.2013 e 02.06.2013 de dois crimes de violação de imposições, proibições e interdições, na data desses factos ainda se encontrava em tratamento de desintoxicação alcoólica, o tempo já decorrido sobre a prática do crime nestes autos e a extinção dessa pena única.

5. O Ministério Público entende que, tendo em conta os antecedentes criminais do arguido, a prática de dois crimes de natureza estradal durante a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado nestes autos durante o período da suspensão e o tratamento de desabituação de consumo de álcool, se impunha a revogação da suspensão da execução da pena de prisão de 7 meses em que o arguido foi condenado nestes autos.

6. Com efeito, em pleno período de suspensão da pena de prisão em que foi condenado nestes autos, mais concretamente em 26.05 e 02.06 de 2013, o arguido cometeu dois novos crimes de violação de proibições por conduzir veículo a motor quando estava proibido de o fazer por pena acessória aplicada nestes autos pelos quais foi condenado em pena única de 66 dias de prisão por dias livres de 66 períodos.

7. Ou seja, nesses dias o arguido conduziu apesar de estar proibido de o fazer conforme pena acessória em que foi condenado nestes autos e o próprio entregou a sua carta de condução em 08 de Maio de 2013 para cumprimento dessa pena acessória de proibição de condução de veículos a motor pelo período de 12 meses.

8. Aquando da prática destes novos crimes, em 26 de Maio e 02 de Junho de 2013, o arguido encontrava-se a frequentar tratamento de desabituação de consumo de álcool e a sentença nestes autos tinha transitado em julgado há menos de um mês.

9. Contudo, tal não produziu quaisquer efeitos no arguido: afastá-lo de novos ilícitos criminais no exercício da condução.

10. Importa considerar o percurso criminal do arguido o qual, anteriormente à reprovação sofrida nestes autos, já tinha sido condenado:

a. no extinto Tribunal Judicial do Fundão (processo sumário n.º 213/96), sentença de 08.07.1996 pela prática, em 07.07.1996, de 1 crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 800$00 ou em alternativa 60 dias de prisão;

b. no extinto 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã (processo comum singular n.º 201/98), sentença de 07.07.1999 pela prática, em 21.12.1997, de 1 crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 66.000$00 e na pena acessória de proibição de condução de veículos a motor pelo período de 3 meses, cuja pena principal foi extinta por cumprimento em 28.04.2000;

c. no extinto 2.º Juízo do Tribunal Judicial do Fundão (processo sumário n.º 119/02.3GTCTB), sentença de 12.08.2002 pela prática, em 13.07.2002, de 1 crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, e na pena acessória de proibição de condução de veículos a motor pelo período de 8 meses, cujas penas foram extintas por cumprimento em 28.10.2003;

d. no extinto 1.º Juízo do Tribunal Judicial do Fundão (processo sumário n.º 11/03.4GTCTB), sentença de 12.02.2003 pela prática, em 12.01.2003, de 1 crime de condução de veículo em estado de embriaguez e um crime de violação de proibições ou interdições na pena de prisão suspensa de 7 meses suspensa por dois anos e na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 4,00, e na pena acessória de proibição de condução de veículos a motor pelo período de 7 meses, cuja pena de multa foi extinta em 05.12.2003 e pena de prisão extinta em 02.11.2005;

e. no extinto 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã (processo comum singular n.º 76/05.4GCCVL), sentença de 13.10.2006 pela prática, em 01.05.2005, de 1 crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de prisão de 8 meses suspensa com regime de prova de sujeição a tratamento de desintoxicação alcoólica e na pena acessória de proibição de condução de veículos a motor pelo período de 9 meses, cujas penas foram extintas por cumprimento em 05.09.2008; e,

f. no extinto 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã (processo comum colectivo n.º 26/10.6GBCVL), acórdão de 23.05.2012, pela prática, em 03.2010, de 1 crime de receptação na pena de prisão de 2 anos e 6 meses suspensa com condição de entrega de quantia a instituição, cuja pena foi extinta em 04.04.2015.

11. A prática de dois crimes no período de suspensão da execução da pena de prisão muito embora não tenha, desde logo, um efeito imediatamente revogatório dessa suspensão, uma nova reacção penal privativa da liberdade na pendência desse período a um crime da mesma natureza deve ter, no nosso entender, um efeito de revogação dessa suspensão.

12. Tanto essas novas condutas criminosas pelas quais o arguido foi condenado em pena privativa da liberdade, associadas ainda aos antecedentes criminais pela prática de crimes da mesma natureza por praticados no exercício da condução, devem ser perspectivadas como factores de ponderação do juízo revogatório da suspensão da execução da pena de prisão.

13. À suspensão da execução da pena de prisão preside uma ideia de que a ameaça de execução da pena de prisão no futuro é adequada à responsabilização do condenado de forma a reintegrá-lo na sociedade afastando-o da prática de novos crimes.

14. Naturalmente que a condenação por dois novos crimes praticados no período de suspensão em pena privativa da liberdade colocará de uma forma mais intensa a necessidade de revogar a suspensão da pena de prisão atendendo a que a confiança depositada pelo Tribunal no arguido de não cometer novos crimes na pendência do período da suspensão foi traída.

15. Ora, esta quebra da relação de confiança não pode ser ignorada pelo Tribunal a quo e extinguir, sem mais, a pena de prisão em que foi condenado o arguido nestes autos conforme fez na decisão de que agora se recorre.

16. Esta tomada de posição por parte do Tribunal a quo transmite ao arguido, e à sociedade em geral, que a prática de um crime da mesma natureza no período de suspensão de uma pena de prisão é indiferente para o sistema judicial mesmo quando esse arguido já cometeu esse crime cinco vezes no passado recente: 1996, 1997, 2002, 2003 e 2005 (uma sexta em 2013 nestes autos).

17. Entendemos que o Tribunal a quo deveria ter revogado a suspensão da pena de prisão e determinado que o arguido cumprisse a pena de prisão de 7 meses atento o cometimento de dois crimes de mesma natureza no período da suspensão da pena de prisão em que foi condenado nestes autos cuja prática, face ao longo registo criminal do arguido por crimes da mesma natureza, violou a relação de confiança que o Tribunal depositou ao suspender a exercício dessa pena de prisão.

18. Desde 1996 até 2013 o arguido não revelou sérios esforços para adequar a sua conduta ao direito no exercício da condução por conduzir alcoolizado e conduzir com a sua carta apreendida exercendo esta actividade quando estava proibido de o fazer por pena acessória aplicada nestes autos.

19. Portanto as duas condutas ilícitas praticadas duas vezes em pleno período de suspensão são manifestamente reveladoras de que os índices de confiança depositados no arguido pelo Tribunal da condenação numa pena de prisão suspensa na sua execução ficaram irremediavelmente quebrados com a prática de dois crimes da mesma natureza na sequência da pena acessória aplicada nestes autos.

20. E isto porque as finalidades de reintegração social e de não cometimento de idênticos ilícitos foram "letra morta" para o arguido, o qual denota um total alheamento pelas mais elementares regras de convivência social.

21. Aliás, essa sua conduta é, de resto, reveladora de uma personalidade inflexivelmente delinquente em relação a crimes de natureza rodoviária.

22. Daí que a protecção dos bens jurídicos violados e a tutela eficaz do ordenamento jurídico imponham, no nosso entender, em primeiro lugar, a revogação da suspensão da pena de prisão em que o arguido foi condenado nestes autos.

23. Isto porque, no caso em apreço as finalidades que se pretenderam atingir com a suspensão da execução da pena de prisão não foram atingidas, pois o arguido tem vindo a ser repetida e gradualmente avisado pelo sistema judicial da ilicitude da sua conduta e carreira criminosa, tendo sofrido no total 9 condenações: 6 pela prática do mesmo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, 3 pela prática do crime de violação de imposições, proibições e interdições e 1 por receptação.

24. Mais se diga que o tempo decorrido da prática dos factos nestes autos e a submissão ao tratamento de desabituação alcoólica de que parte a decisão recorrida não inverte a situação, pois fundou o juízo de prognose favorável sem que tenha evitado o cometimento de novos crimes, mostrando a falência da pena de substituição, tudo isto sob pena de violação do art. 56.º, n.º 1, al. b) do Código Penal.

25. Assim sendo, a decisão judicial do Tribunal a quo, ao extinguir a pena de prisão suspensa em que o arguido foi condenado nestes autos quando o mesmo cometeu dois crimes os quais revelaram que as finalidades subjacentes à sua aplicação não foram alcançadas, violou o disposto no artigo 56.º, n.º 1 al. b) do CP.

26. Termos em que, na procedência do recurso, deverá ser revogada a decisão recorrida, determinando-se a revogação da suspensão da pena de prisão de 7 meses em que o arguido A... foi condenado nestes autos.

27. Ainda que assim não se entenda, sempre deverá ser revogada essa decisão ora em crise e impostos novos deveres como entrega de uma quantia a uma instituição ligada à sinistralidade rodoviária ou prorrogar o período de suspensão da pena de prisão em que foi condenando nestes autos por mais um ano nos termos artigos 50.º, n.º 5 e 55.º, al. d) ambos do CP.

Porém, Vossas Excelências, como sempre, doutamente decidirão, fazendo a habitual JUSTIÇA!


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            O arguido respondeu ao recurso, defendendo, sinteticamente, a bondade do decidido no despacho em crise e consequente manutenção do mesmo e concluiu pela improcedência do recurso.

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            Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a motivação do Ministério Público, afirmando não estar devidamente fundamentado o despacho recorrido que, ao decidir como decidiu, esvaziou o instituto da suspensão da execução da pena, devendo, no mínimo, que ser feito sentir ao arguido que desrespeitou as determinações do tribunal, quanto mais não seja, pela prorrogação do período de suspensão, e concluiu pela procedência do recurso.

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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

 

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


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            II. FUNDAMENTAÇÃO

Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pela Digna Magistrada do Ministério Público recorrente, a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se deve manter-se a declaração de extinção da pena, se deve ser revogada a suspensão da execução da pena de prisão ou se deve ser prorrogado a prazo da suspensão. 


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            Para a resolução destas questões importa ter presente o teor do despacho recorrido, que é o seguinte:

            “(…).

            O arguido foi condenado, na pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano com a condição de se submeter ao tratamento de desabituação do consumo de álcool.

O M. Público promoveu a revogação da suspensão da pena de prisão.

Foram tomadas declarações ao arguido ( fls. 182)


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Apreciando e decidindo:

O arguido foi condenado nestes autos em 10/04/2013 por factos de 9/04/2013.

A fls. 156 a 170, encontra-se junto aos autos certificado de registo criminal do arguido do qual resulta que este praticou os seguintes crimes após o trânsito em julgado da sentença condenatória proferida nestes autos:

- no processo n.º 68/13.0GCCVL, transitada em julgado no dia 31.05.2013, um crime de violação de imposições, proibições e interdições praticado no dia 26.05.2013, tendo-lhe sido aplicada uma pena de prisão efectiva de 6 meses substituída pelo regime de permanência na habitação por igual período com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância;

- no processo n.º 71/13.0GCCVL, transitada em julgado no dia 02.10.2013, um crime de violação de imposições, proibições e interdições praticado no dia 02.06.2013, tendo-lhe sido aplicada uma pena de prisão de 8 meses a cumprir por dias livres em 48 períodos,

Posteriormente foi realizado um cúmulo jurídico que englobou as duas penas nestes processos condenando o arguido na pena única de prisão por dias livres de 66 períodos a qual foi extinta em 21.09.2014.

Verifica-se, então, que o arguido cometeu, no período de suspensão, dois crimes pelos quais veio a ser condenado.

Dispõe o artigo 56.º, n.º 1 al. b) do CP que a verificação objectiva da prática de crimes não é suficiente para conduzir à revogação da suspensão da execução da pena de prisão. Pois exige-se que o cometimento do novo crime revele que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam por esse meio ser alcançadas.

É certo que o arguido foi condenado por um crime praticado no exercício da condução por conduzir alcoolizado tendo-lhe sido aplicada pena acessória de inibição de condução pelo período de 12 meses e foi condenado nos processos supra identificados por factos praticados no período de suspensão desta pena precisamente por conduzir veículo quando estava inibido por condenação sofrida nestes autos estando os dois ligados entre si atendendo à sua natureza estradal.

Todavia, colhe-se do relatório de fls. 200 que o arguido ..“ parece revelar motivação para a mudança e vontade na continuidade de um projecto de vida afastado dos hábitos alcoólicos … atento as condições pessoais actuais do arguido, não tendo voltado a existir condenações no período pós tratamento, consideramos que existem condições para uma prorrogação da actual medida na comunidade, com acompanhamento da DGRS …”

Mais se escreveu que nos processos “ … em que o arguido foi condenado os factos ocorreram anteriormente ao seu período de desintoxicação alcoólica”.

Face ao exposto, tempo decorrido, período da prática dos factos e extinção das penas posteriores) entende-se que não existem motivos que justifiquem a revogação da pena, pelo que se declara extinta nos termos do artigo 57.º, n.º 1 do CP e 475º do CPC, remetendo-se os respectivos boletins ao Registo Criminal nos termos do artigo 5.º, n.º 2 a) da Lei 57/98 de 18.

(…)”.


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Com relevo para as questões a decidir, colhem-se dos autos, ainda, os seguintes elementos:

i) Relativamente à sentença condenatória proferida nos autos, o arguido tem os seguintes antecedentes criminais:

- ps nº 213/96 do Tribunal Judicial da comarca do Fundão; factos de 7 de Julho de 1996; sentença de 8 de Julho de 1996; crime de condução de veículo sob efeito do álcool; pena de 90 dias de multa;

- pcs nº 201/98 do 2º juízo do Tribunal Judicial da comarca da Covilhã; factos de 21 de Dezembro de 1997; sentença de 7 de Julho de 1999; crime de condução de veículo em estado de embriaguez; pena de multa;

- ps nº 119/02.3GTCTB do Tribunal Judicial da comarca do Fundão; factos de 13 de Julho de 2002; sentença de 12 de Agosto de 2002; crime de condução de veículo em estado de embriaguez; pena de 110 dias de multa;

- ps nº 11/03.4GTCTB do Tribunal Judicial da comarca do Fundão; factos de 12 de Janeiro de 2003; sentença de 12 de Fevereiro de 2003; crime de condução de veículo em estado de embriaguez e crime de violação de proibições ou interdições; pena de 7 meses de prisão suspensa na respectiva execução e 120 dias de multa;

- pcs nº 76/05.4GCCVL do Tribunal Judicial da comarca da Covilhã; factos de 21 de Maio de 2005; sentença de 13 de Outubro de 2006; crime de condução de veículo sem habilitação legal; pena de 8 meses de prisão suspensa na respectiva execução;

- pcc nº 26/10.6GBCVL do Tribunal Judicial da comarca da Covilhã; factos de Março de 2010; acórdão de 23 de Maio de 2012; crime de receptação; pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na respectiva execução.

ii) Posteriormente ao trânsito [10 de Maio de 2013] da sentença condenatória proferida nos autos, o arguido sofreu as seguintes condenações:

- ps nº 68/13.0GCCVL do Tribunal Judicial da comarca da Covilhã; factos de 26 de Maio de 2013; sentença de 31 de Maio de 2013; crime de violação de imposições, proibições ou interdições; pena de 6 meses de prisão substituída pelo regime de permanência na habitação;

- pa nº 71/13.0GCCVL do Tribunal Judicial da comarca de Castelo Branco; factos de 2 de Junho de 2013; sentença de 2 de Outubro de 2013; crime de violação de imposições, proibições ou interdições; pena de 8 meses de prisão substituída por 48 períodos de prisão por dias livres.

iii) As duas condenações mencionadas em ii) foram causadas pela condução de veículo com motor por parte do arguido, no período de cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, que lhe foi imposta na sentença de 10 de Abril de 2013, proferida nestes autos [certidões de fls. 73 a 88 e 92 a 96]. 

iv) O arguido cumpriu a condição imposta na sentença condenatória, tendo-se sujeitado a tratamento à sua dependência do álcool, no Centro de Saúde Mental do Centro Hospitalar (...) , EPE, tendo sido considerado alcoólico recuperado [relatório médico de fls. 153].

v) O arguido vive em comunhão de vida desde há doze anos com B... , com quem casou em Agosto de 2015, que se encontra reformada por invalidez, apresenta alterações motoras causadas por meningite infantil, e carece de algum apoio. O arguido apresenta actualmente sentido crítico e capacidade de descentração, avaliando e antecipando as consequências das suas condutas, frequenta o tratamento no Centro Hospitalar da (...) e tem-se mantido abstémio. O agregado composto pelo arguido e seu cônjuge subsiste com a pensão de invalidez deste, e alguns trabalhos artesanais e agricultura de subsistência praticada por aquele. Para além do constrangimento resultante do comportamento aditivo, o arguido manifesta uma tendência simplista na percepção de algumas normas sociais, riscos que a adesão ao acompanhamento e tratamento especializados reduziu, mostrando-se motivado para se manter afastado dos hábitos alcoólicos [declaração médica de fls. 189 e relatório social da DGRS de fls. 199 a 202].    

vi) Ouvido em declarações em 20 de Maio de 2015, o arguido reconheceu ter errado ao voltar a conduzir depois de estar sujeito à pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, admitiu que então passava uma fase má devido à sua dependência do álcool, mas que o tratamento, que só pecou por tardio, a que se submeteu por determinação do tribunal teve êxito pois não teve mais problemas, e afirmou que trabalha todos os dias na agricultura, que a mulher, aposentada por invalidez com pensão de cerca de € 200, depende de si e que o casal paga de renda de casa € 95.

vii) Em 4 de Abril de 2015 não existiam processos pendentes contra o arguido [informação de fls. 172].


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Da manutenção da declaração de extinção da pena, da revogação da suspensão da execução da pena de prisão ou da prorrogação do prazo da suspensão 

1. Como sucede com todas as penas de substituição, também a suspensão da execução da pena de prisão – pena de substituição em sentido próprio – tem a sua génese na necessidade de obviar aos efeitos das penas curtas de prisão. Para obstar a que este propósito político-criminal fosse facilmente frustrado, a lei fixou balizas muito apertadas para a revogação desta pena de substituição. Assim, dispõe o art. 56º do C. Penal:

1 – A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades de que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

2 – A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.  

São dois os fundamentos da revogação: o incumprimento grosseiro ou repetido dos deveres ou regras impostos ou do plano de reinserção social; o cometimento de crime e respectiva condenação. 

Atentemos em cada um deles.

2. Como vimos, o arguido foi condenado nos autos, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de sete meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período, condicionada à sujeição a tratamento de desabituação de consumo de álcool, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de doze meses.

A sentença condenatória, proferida em 10 de Abril de 2013, transitou a 10 de Maio do mesmo ano. O arguido cumpriu a condição imposta, tendo-se sujeitado a tratamento à sua dependência do álcool, no Centro de Saúde Mental do Centro Hospitalar (...) , EPE., findo o qual, foi considerado alcoólico recuperado.

Não existe, pois, infracção grosseira ou repetida, da regra de conduta fixada, condicionante da suspensão da execução da pena de prisão.

3. A suspensão da execução da pena de prisão tem como fim de política criminal, o afastamento do delinquente da prática de novos crimes ou seja, a prevenção da sua ‘reincidência’. Por isso, há lugar à sua revogação, nos termos do disposto no art. 56º, nº 1, b) do C. Penal, sempre que, no decurso do período de suspensão, o condenado cometa crime pelo qual venha a ser condenado, e revele que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Não efectuando a lei qualquer distinção, temos por certo, por um lado, que o novo crime pelo qual veio o condenado a ser punido não tem que ter a natureza do crime punido com a pena de substituição, e por outro, que não tem que ser um crime doloso, podendo ser um crime negligente, e por último, que, ao exigir a lei apenas a condenação por novo crime, é irrelevante o tipo de pena aplicada.

Como nota Figueiredo Dias, o cometimento de um crime durante o período de suspensão é a circunstância que mais claramente pode pôr em causa o prognóstico favorável que a aplicação da pena de suspensão sempre supõe (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, pág. 355). Mas é imprescindível para a revogação da pena de suspensão a constatação de que o condenado, ao cometer o novo crime, invalidou definitivamente a prognose favorável que fundou a aplicação da pena de substituição ou seja, invalidou a expectativa de, através da suspensão, se manter afastado da delinquência. 

Revertendo para o caso em análise, não se suscitam dúvidas quanto a ter o arguido, em plena vigência do período de suspensão da execução de uma pena de sete meses de prisão, por crime de condução de veículo influenciada pelo álcool, cometido, sucessivamente, dois crimes de violação de proibições, ao ter sido detectado a conduzir veículo automóvel no período de vigência da pena acessória de proibição de conduzir tais veículos. Aliás, estes novos crimes foram praticados, decorridos escassos dezasseis dias e vinte e quatro dias sobre o trânsito da sentença proferida nos autos, impositora daquelas penas, de prisão e acessória.

Ainda que sejam distintos os bens jurídicos tutelados pelos tipos de ilícito, previstos nos arts. 292º e 353º do C. Penal, não deixam os crimes de violação de proibições de estar relacionados com o exercício da condução automóvel.

Dir-se-ia, portanto, numa primeira abordagem, que o cometimento destes novos crimes revelaria, de forma irrefutável, que o arguido desbaratou o voto de confiança que nele foi depositado pelo tribunal ao suspender a execução da pena de prisão.

Mas o agente de qualquer crime, o homem que o comete, não é apenas ele. É ele e a sua circunstância. E é a circunstância que acompanha o arguido que merece ser vista e analisada mais de perto.

Trata-se de alguém que há já vários anos denotava problemas de consumo excessivo de álcool, que tinha reflexo directo em comportamentos anti-sociais e, particularmente, na prática de crimes rodoviários. Ciente desta situação, o Mmo. Juiz que proferiu a sentença nestes autos, substituiu a pena de prisão que decretou mas condicionou-a, e bem, à obrigação de o arguido se submeter a tratamento.

O arguido aceitou a condição imposta que cumpriu, com sucesso, sendo hoje medicamente qualificado como alcoólico recuperado.

Lamentavelmente, antes de iniciado tal tratamento – a primeira consulta no Centro de Saúde Mental do Centro Hospitalar (...) , EPE foi marcada e teve lugar no dia 26 de Junho de 2013, cfr. fls. 63 e 109 – praticou os dois referidos crimes de violação de proibições. Sendo altamente censuráveis estas condutas, a elas não foi, certamente, alheia a adição do arguido e a decorrente menor capacidade de compreensão do desvalor das acções praticadas.

Disto e da necessidade de alterar radicalmente os seus comportamentos, só se terá, muito provavelmente, o arguido apercebido no decurso do tratamento, na sequência das alterações que o mesmo provocou nos seus processos de raciocínio [que não é, propriamente, elaborado, como decorre do registo gravado das suas declarações prestadas sem juízo em 20 de Maio de 2015, cfr. acta de fls. 182].

Pois bem. A censurável conduta do arguido não pode nem deve passar em claro, até porque abalou a expectativa que nele colocou o tribunal de não ‘reincidir’ quando suspendeu a execução da pena de prisão e por isso, a pena não pode, sem mais, ser declarada extinta.

4. Estando o arguido recuperado e não havendo registo do cometimento de novos factos típicos, cremos que o ‘esforço’ por si desenvolvido, no sentido de se libertar da dependência do álcool [e, certamente, foram significativos, até por razões sociológicas, os ‘apelos’ diários ao seu consumo] permite manter de pé, não obstante o significativo abalo sofrido, a validade do juízo de prognose favorável que fundou a substituição da prisão.

Em suma, se não deve haver lugar, como já se disse, à declaração de extinção da pena, cremos também que, atento o circunstancialismo descrito, não se justifica, pelo menos, para já, a revogação da pena de substituição e consequente cumprimento da pena de prisão.

Assim, por aplicação do princípio decorrente do art. 55º, d) do C. Penal, deve o período de suspensão da execução da pena de prisão decretada nos autos ser prorrogado por mais um ano.

Visando assegurar o acompanhamento do arguido durante o período de prorrogação, a 1ª solicitará, de quatro em quatro meses, a realização de relatório social à DGRS.


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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso.

Em consequência, revogam o despacho recorrido e prorrogam por um ano o período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido nestes autos.

A 1ª instância solicitará os relatórios sociais nos termos que supra se deixaram referidos.


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Recurso sem tributação.

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Coimbra, 29 de Junho de 2016


(Heitor Vasques Osório – relator)


(Fernando Chaves – adjunto)