Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
648/22.2T8FND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO FERNANDO SILVA
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE
REVOGAÇÃO UNILATERAL
NEGÓCIO COM TERCEIRO
REMUNERAÇÃO
Data do Acordão: 01/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DO FUNDÃO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 19.°, N.º 2, DO RJAMI E 406.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – O contrato de mediação imobiliária a que foi aposta cláusula de exclusividade não pode ser livremente revogado pelo cliente.
II – Não celebrando o cliente o contrato visado com o interessado angariado pelo mediador, celebrando-o com terceiro, é obrigado a pagar ao mediador o valor contratualizado, por força do art.º 19.°, n.º 2, do RJAMI.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Relator:
António Fernando Silva
Adjuntos:
Falcão de Magalhães
Cristina Neves

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

L..., Lda., intentou a presente acção contra AA, pedindo que o R. fosse condenado no pagamento do valor da comissão contratualizada, de 9963 euros, acrescido de juros contados à taxa supletiva aplicável às obrigações comerciais, contados desde a data da citação até efetivo cumprimento.

No essencial, alegou que:

- celebrou com o R. um contrato de mediação imobiliária em regime de exclusividade, com prazo e valor da venda do imóvel acordados, valor este depois alterado;

- apesar de ser inglês, conhecia as condições negociadas;

- promoveu a venda do prédio em causa e encontrou interessados para o preço acordado;

- a 18 de Outubro de 2019 o R. informou a A. que deveria deixar de promover o imóvel porque já tinha encontrado comprador, tendo sido informado que isso não o dispensava do pagamento da comissão;

- o R revogou o contrato invocando não dominar a língua portuguesa, estar convencido que o contrato não se renovava automaticamente e por isso já tinha cessado, e que o preço era exagerado;

- posteriormente alienou o prédio por 125.000 euros.

O R. contestou:

- invocando a nulidade do contrato por não o saber ler nem compreender, face aos art. 373º n.º1 e 3, 220º e 286º do CC;

            - afirmando ignorar se o contrato correspondia ao modelo legalmente validado mas que de qualquer modo integrava cláusulas contratuais gerais de que não foi informado;

- e impugnando a versão da A..

            A A. respondeu às excepções, considerando inexistir a invocada nulidade, cuja invocação também violava o princípio da confiança, sendo proibida por força do art. 334º do CC; e afiançando a validade do contrato quer quanto à sua aprovação, quer quanto ao regime das cláusulas contratuais gerais. Invocou ainda a litigância de má fé do R., pedindo o pagamento de uma indemnização.

Foi efectuado o saneamento da causa e realizada a audiência de julgamento, tendo depois sido proferida sentença que condenou o R. a pagar à A. a quantia de €9.963, acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação (que ocorreu a 14.01.2023) e vincendos até efetivo e integral pagamento, calculados à taxa legal correspondente aos juros comerciais, e absolver o R. do demais peticionado.

Desta sentença interpôs o R. recurso, formulando as seguintes conclusões:

1- A douta sentença condenou o réu apelante “a pagar à autora L..., Lda. a quantia de €9.963,00 (nove mil novecentos e sessenta e três euros), acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação (que ocorreu a 14.01.2023) e vincendos até efetivo e integral pagamento, calculados à taxa legal correspondente aos juros comerciais.”

2- Ora, a este respeito, da matéria dada como provada apenas consta:

1. O réu é cidadão britânico e reside em Portugal desde 2013.

2. A autora dedica-se à actividade de mediação imobiliária de imóveis, sob a marca ... - ...", com licença AMI n.º ...28.

3. No dia 21.04.2018, no desenvolvimento da sua actividade, a autora celebrou com o réu o contrato designado por mediação imobiliária cujo objecto consistia na venda do prédio rústico, sito em ..., Freguesia ..., ....

4. De acordo com o teor do referido contrato, por um período de 12 meses, automaticamente renovável por igual período, a autora obrigou-se perante o réu a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra do referido imóvel, pelo preço de €145.000,00.

5. Para o efeito, a autora obrigou-se a desenvolver acções de promoção, tendo sido convencionada entre autora e réu uma remuneração correspondente a 6% do preço pelo qual o negócio viesse a ser concretizado, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, cujo pagamento deveria ocorrer na data da assinatura do contrato-promessa de compra e venda.

6. O referido contrato é composto por um extenso clausulado reunido no verso de um documento pré-escrito, em cujo rosto é aposta a assinatura do réu.

7. O réu ficou bem ciente das obrigações decorrentes do contrato, tendo todas as cláusulas sido explicadas em inglês por BB, trabalhador por conta da autora, tendo o réu dispensado a outorga de contrato em inglês.

8. No dia 23 de abril de 2019, o réu solicitou à autora que o preço fosse reduzido para €140.000,00 e, depois, verbalmente, solicitou que o dito preço fosse reduzido para €135.000,00.

9. A autora desenvolveu acções de promoção, através da divulgação e publicitação, tendentes à obtenção de interessados na referida compra para efetivação do negócio.

10. Durante o período da promoção do imóvel, a autora levou vários interessados ao terreno.

11. No dia 26 de Abril de 2019, a autora recebeu uma proposta de €135.000, por um casal de nacionalidade belga, aceite pelo réu no dia seguinte.

12. O referido negócio não se concretizou devido a um impedimento dos interessados.

13. Após, a autora continuou a promover o prédio rústico, sito em ..., Freguesia ..., ... e encontrou novos interessados (CC e DD) que aceitaram o valor de €135.000,00.

14. No dia 18 de Outubro de 2019, o réu informou BB que deveriam deixar de promover o dito imóvel porque tinha encontrado comprador.

15. Nessa sequência, BB explicou ao réu que, nos termos do contrato datado de 21.04.2018, era obrigado ao pagamento da comissão acordada.

16. O réu, por carta datada de 31 de Outubro de 2019 e recebida pela autora a 18.11.2019, remetida pelo ilustre mandatário do réu na altura, veio invocar a revogação do aludido contrato, alegando, para o efeito, mormente, que o réu não domina a língua portuguesa, estava convencido que o contrato não se renovava automaticamente, tinha cessado em Abril de 2019 e que reputava o preço exagerado.

17. No mês de novembro de 2019, a autora comunicou ao réu a proposta de €135.000,00 para o dito imóvel por um casal de alemães, DD e CC.

18. No dia 27 de Dezembro de 2019, o réu vendeu o prédio rústico, sito em ..., Freguesia ..., ... pelo preço de €125.000,00, declarando que o preço foi pago através de duas transferências: uma de €12.500,00 a 18.10 e outra de €112.500,00 na data da transmissão.

19. Consta do referido contrato de compra e venda que:

a. “os contraentes declaram ter havido intervenção imobiliária no presente negócio, da sociedade por quotas com a firma “P..., Unipessoal, L.da” detentora da licença número ...”.

b. “mais declara o primeiro outorgante [o aqui réu] que percebe perfeitamente a língua portuguesa pelo que dispensa a tradução do mesmo”.

20. O réu no dia 27.12.2019, declarou junto do Exmo. Senhor Solicitador EE, no dito contrato que: “Mais declara o primeiro contraente que percebe perfeitamente a língua portuguesa, pelo que dispensa a tradução do mesmo”, o que igualmente se fez constar no termo de autenticação.

21. Em meados de 2013, o réu contacta pela primeira vez a autora com vista a ajudá-lo na aquisição de um prédio, tendo sido concretizado no dia 10.07.2013.

22. Após, o réu contactou novamente a autora, com vista a ajudá-lo na aquisição de um terreno com habitação, tendo sido concretizado no dia 20.09.2016.

23. Desde 2013, todos os documentos elaborados pela autora e outorgados pelo réu encontram-se redigidos em língua portuguesa, nunca tendo o réu exigido tradução oficial ou confirmação diante de notário.

24. A autora ofereceu ao réu em todos os acordos supra mencionados nos pontos 3, 21 e 22 comunicação e explicação em inglês.

3- Ora, o réu/apelante informou em 18 de outubro de 2019 para a autora deixar de promover o imóvel, ou seja, denunciou o contrato celebrado entre as partes, o que fez com efeitos imediatos.

4- O réu/apelante, em 31 de outubro de 2019, invocou a “revogação” do contrato de mediação em causa, o que fez também com efeitos imediatos (conforme resulta da leitura da referida missiva datada de 31 de outubro de 2019 junta aos autos em requerimento datado de 24.02.2023 com a referência 44818855).

5- A missiva remetida pelo réu à autora de 31 de outubro de 2019 foi rececionada por esta em 18 de novembro de 2019.

6- Após a receção desta missiva não mais a autora falou com o réu senão apenas para, em novembro de 2019, comunicar ao réu uma proposta de € 135.000,00 para o imóvel apresentada pelo casal DD e CC.

7- Nem mais a autora, após as denúncias, promoveu o imóvel, nem tão pouco se provaram atos necessários à conclusão do negócio visado, nomeadamente se provou que os interessados visitaram o imóvel ou sequer que a autora os tenha apresentado ao réu.

8- Não se provou também que os compradores eram genuínos, qual seria o prazo para essa aquisição, nem quaisquer outros elementos contratuais.

9- Nem, ainda, se provou que essa comunicação, realizada pela autora a dar conta da proposta do casal DD e CC ao réu, foi feita antes da revogação unilateral ou denúncia apresentada pelo réu à autora, sendo que o ónus dessa prova competia à autora.

10- O contrato celebrado entre as partes de mediação imobiliária cessou antes da autora ter informado o réu de que teria um potencial interessado na aquisição do imóvel.

11- Nunca o réu conheceu o alegado casal interessado na aquisição do imóvel, nem tão pouco lhe foi proposto pela autora a celebração de qualquer contrato de promessa de compra e venda ou mesmo escritura pública.

12- Isto é, a não conclusão do negócio não se verificou por culpa imputável ao réu.

13- A autora não provou os factos constitutivos do seu direito.

14- O pedido tem que improceder.

15- Foram violados os artigos 342º nº1 do código civil e artº 19º, nº2 da Lei 15/2013.

A A. respondeu, sustentando a decisão recorrida.

II. O objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente (art. 635º n.º4 e 639º n.º1 do CPC), «só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa».

Assim, as questões a tratar analisam-se no seguinte:

            - avaliar se o R. operou a denúncia eficaz do contrato e, na afirmativa, quais os seus efeitos sobre a pretensão deduzida.

            - avaliar se a actuação do R. corresponde à previsão do invocado art. 19º n.º2 do RJAMI.

            III. Estão dados como provado os seguintes factos:

1. O réu é cidadão britânico e reside em Portugal desde 2013.

2. A autora dedica-se à actividade de mediação imobiliária de imóveis, sob a marca ... - ...", com licença AMI n.º ...28.

3. No dia 21.04.2018, no desenvolvimento da sua actividade, a autora celebrou com o réu o contrato designado por mediação imobiliária cujo objecto consistia na venda do prédio rústico, sito em ..., Freguesia ..., ....

4. De acordo com o teor do referido contrato, por um período de 12 meses, automaticamente renovável por igual período, a autora obrigou-se perante o réu a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra do referido imóvel, pelo preço de €145.000,00.

5. Para o efeito, a autora obrigou-se a desenvolver acções de promoção, tendo sido convencionada entre autora e réu uma remuneração correspondente a 6% do preço pelo qual o negócio viesse a ser concretizado, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, cujo pagamento deveria ocorrer na data da assinatura do contrato-promessa de compra e venda.

6. O referido contrato é composto por um extenso clausulado reunido no verso de um documento pré-escrito, em cujo rosto é aposta a assinatura do réu.

7. O réu ficou bem ciente das obrigações decorrentes do contrato, tendo todas as cláusulas sido explicadas em inglês por BB, trabalhador por conta da autora, tendo o réu dispensado a outorga de contrato em inglês.

8. No dia 23 de abril de 2019, o réu solicitou à autora que o preço fosse reduzido para €140.000,00 e, depois, verbalmente, solicitou que o dito preço fosse reduzido para €135.000,00.

9. A autora desenvolveu acções de promoção, através da divulgação e publicitação, tendentes à obtenção de interessados na referida compra para efetivação do negócio.

10. Durante o período da promoção do imóvel, a autora levou vários interessados ao terreno.

11. No dia 26 de Abril de 2019, a autora recebeu uma proposta de €135.000, por um casal de nacionalidade belga, aceite pelo réu no dia seguinte.

12. O referido negócio não se concretizou devido a um impedimento dos interessados.

13. Após, a autora continuou a promover o prédio rústico, sito em ..., Freguesia ..., ... e encontrou novos interessados (CC e DD) que aceitaram o valor de €135.000,00.

14. No dia 18 de Outubro de 2019, o réu informou BB que deveriam deixar de promover o dito imóvel porque tinha encontrado comprador.

15. Nessa sequência, BB explicou ao réu que, nos termos do contrato datado de 21.04.2018, era obrigado ao pagamento da comissão acordada.

16. O réu, por carta datada de 31 de Outubro de 2019 e recebida pela autora a 18.11.2019, remetida pelo ilustre mandatário do réu na altura, veio invocar a revogação do aludido contrato, alegando, para o efeito, mormente, que o réu não domina a língua portuguesa, estava convencido que o contrato não se renovava automaticamente, tinha cessado em Abril de 2019 e que reputava o preço exagerado.

17. No mês de novembro de 2019, a autora comunicou ao réu a proposta de €135.000,00 para o dito imóvel por um casal de alemães, DD e CC.

18. No dia 27 de Dezembro de 2019, o réu vendeu o prédio rústico, sito em ..., Freguesia ..., ... pelo preço de €125.000,00, declarando que o preço foi pago através de duas transferências: uma de €12.500,00 a 18.10 e outra de €112.500,00 na data da transmissão.

19. Consta do referido contrato de compra e venda que:

a. “os contraentes declaram ter havido intervenção imobiliária no presente negócio, da sociedade por quotas com a firma “P..., Unipessoal, L.da” detentora da licença número ...”.

b. “mais declara o primeiro outorgante [o aqui réu] que percebe perfeitamente a língua portuguesa pelo que dispensa a tradução do mesmo”.

20. O réu no dia 27.12.2019, declarou junto do Exmo. Senhor Solicitador EE, no dito contrato que: “Mais declara o primeiro contraente que percebe perfeitamente a língua portuguesa, pelo que dispensa a tradução do mesmo”, o que igualmente se fez constar no termo de autenticação.

21. Em meados de 2013, o réu contacta pela primeira vez a autora com vista a ajudá-lo na aquisição de um prédio, tendo sido concretizado no dia 10.07.2013.

22. Após, o réu contactou novamente a autora, com vista a ajudá-lo na aquisição de um terreno com habitação, tendo sido concretizado no dia 20.09.2016.

23. Desde 2013, todos os documentos elaborados pela autora e outorgados pelo réu encontram-se redigidos em língua portuguesa, nunca tendo o réu exigido tradução oficial ou confirmação diante de notário.

24. A autora ofereceu ao réu em todos os acordos supra mencionados nos pontos 3, 21 e 22 comunicação e explicação em inglês.

Foram tidos por não provados os seguintes factos:

a. O réu pagou à autora a quantia de €9.963,00 (nove mil novecentos e sessenta e três euros).

b. O réu não compreende a língua portuguesa.

c. O réu desconhecia que o contrato tinha uma cláusula que impunha o regime de exclusividade.

IV. Nota-se que, pese embora não conste expressamente dos factos provados, do teor do contrato consta ainda cláusula com o seguinte teor:

1 - O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de Exclusividade.

2- Nos termos da legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação durante o respectivo período de vigência, ficando a Segunda Contratante obrigada a pagar a comissão acordada caso viole a obrigação de exclusividade.

Trata-se de facto documentalmente provado, e aliás em si não impugnado (v. art. 5º da PI e art. 20º e ss. da contestação), que as partes pressupõem quando discutem o regime do art. 19º n.º2 do RJAMI, e que é agora explicitado ao menos nos termos dos art. 607º n.º4 e 663º n.º2 do CPC.

V. 1. A qualificação do contrato em causa não vem discutida nem se justifica qualquer avaliação adicional. Trata-se, iniludivelmente, de um contrato de mediação imobiliária.

2. A primeira questão colocada pelo R. respeita à extinção do contrato por força da revogação ou denúncia (ambas as formulações são usadas) realizada.

3. A denúncia constitui um meio, assente na vontade de uma das partes, de desvinculação de relações contratuais: analisa-se na comunicação da vontade de uma das partes, feita à contraparte, manifestando a intenção de fazer cessar o vínculo obrigacional. Pode reconduzir-se essencialmente a três modalidades: forma de extinção de relações contatuais estabelecidas por tempo indeterminado (denúncia em sentido técnico ou estrito); declaração visando obstar à renovação automática do contrato[1]; e meio de desvinculação unilateral, desistindo a parte da execução do contrato[2]. Esta última modalidade confunde-se, nos contratos duradouros, com a revogação unilateral como forma de extinção ex nunc de uma relação contratual que entrou na fase executiva (J. Baptista Machado).

Não está em causa a primeira modalidade (o contrato está sujeito a termo). A denúncia realizada também não corresponde à vontade de oposição à renovação do contrato (segunda modalidade), quer pelos seus termos (sem qualquer menção a tal vontade), quer pela sua finalidade (cessação imediata e não cessação para o termo do prazo – aliás ainda longínquo, à data). 

Resta a terceira modalidade. Como a vinculação negocial se torna obrigatória para a parte, esta não tem, em princípio, liberdade para se desvincular livremente, independentemente da vontade da contraparte (estabilidade contratual: art. 406º do CC). A invocação da liberdade negocial para sustentar a liberdade de revogação não parece procedente pois aquela liberdade permite definir as condições da vinculação mas, fixadas estas, fica subordinada a tais condições, mormente ao dever de não alterar unilateralmente o contrato (decorrente daquele art. 406º do CC)[3]. Vinculação que, justamente, é ainda manifestação da liberdade contratual (do poder de autodeterminação).

Assim, esta faculdade de desistência só existirá quando decorra do contrato (por expressamente convencionada, ou por interpretação ou integração do contrato, apelando à vontade presumida das partes, ou, o que no fundo é o mesmo, à natureza do contrato) ou quando resulte da lei[4].

4. No contrato de mediação é particularmente discutida a admissibilidade da revogação unilateral, discussão que apresenta contornos particulares quando, como no caso, foi convencionada uma cláusula de exclusividade.

Esta questão não é objecto de previsão expressa no regime editado pela Lei 15/2013, de 08.02 (RJAMI), pelo que a regulação do tema caberia em primeiro lugar à vontade das partes. No caso inexiste regulação convencional expressa. Sem embargo, ainda se defende[5], a partir da posição de V. Serra, que «salvo estipulação em contrário, o contrato de mediação deve considerar-se revogável. Não se trata de uma aplicação analógica das regras do mandato e da comissão, mas de uma consequência da própria natureza do contrato, tal como ela é de presumir ser querida pelos contraentes, pois parece de presumir que o autor do encargo, ao celebrar o contrato de mediação, não quer privar-se da faculdade de prescindir dos serviços do mediador, já que pode oferecer-se-lhe oportunidade de realizar o negócio sem intermediário, ou aparecer-lhe outro intermediário mais conveniente, ou perder a confiança que depositara no primeiro, ou desistir do propósito de concluir o negócio; por outro lado, desde que o mediador só adquire direito à remuneração quando o negócio é concluído por efeito da sua intervenção...e a conclusão depende do autor do encargo, tem este o direito de revogação» [RLJ 100 pág. 345/6]. Esta posição foi assumida por aquele Autor em momento em que inexistia qualquer regra específica aplicável, e escora-se na vontade presumida das partes (integração)[6] a partir da natureza do contrato (na articulação dos interesses e direitos que nele se encadeiam).

5. A completa liberdade de actuação que cabe, em regra, ao cliente (inexistência de vinculação do cliente ao mediador contratado, com possibilidade de acesso a outras formas de angariação concorrentes, e, em especial, liberdade incondicionada de aceitar ou não o resultado da actividade do mediador contratado, sem qualquer sanção), associada ao facto de o mediador só adquirir o direito à remuneração quando o negócio mediado (ou a sua promessa, se assim convencionado, como ocorre no caso) é efectivamente concluído, constituem o fundamento essencial da livre revogabilidade. Tal resultado não é seguro pois, como nota Higina Castelo, revogação do contrato de mediação e desistência do contrato visado (ou rejeição de proposta negocial) não se equivalem nem se implicam; além disso a livre revogabilidade parece articular-se mal com a existência legalmente assumida de um prazo (art. 16º n.º3 do RJAMI).

Como quer que seja, tem-se por certo que aquele resultado falha quando, como no caso, foi convencionada uma cláusula de exclusividade. Não tanto por não existir uma liberdade de angariação concorrente (ou ao menos uma completa liberdade de angariação concorrente[7]) como sobretudo por o mediador poder desenvolver a sua actividade e consolidar o direito à remuneração sem ou mesmo contra a vontade do cliente, que não pode assim dispor livremente da actividade daquele. Isso deriva do art. 19° n.2 do RJAMI, norma da qual resulta que é devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel. Ora, na medida em que está em causa obrigação a cargo do cliente, vinculado a pagar a remuneração pela mera angariação de proposta quando não a aceite por facto a si imputável, e obrigação esta assumida por via negocial, fica este impedido de se livrar de tal obrigação por acto unilateral (de novo, é o programa inerente ao art. 406º do CC que o impõe). O direito à remuneração como mero efeito da angariação exclui a desistência (livre) e a revogação do contrato pelo cliente. Assim aquela cláusula de exclusividade opõe-se à livre revogabilidade sob pena de se contrariar o seu programa e defraudar a sua finalidade: a livre revogabilidade inutilizava a norma. Nesse sentido, ela constitui também uma cláusula de irrevogabilidade (por excluir indirectamente qualquer livre revogação).

 Cabe, aliás, notar que mesmo V. Serra admitiu que a previsão de que a remuneração fosse devida quando o negócio tido em vista fosse iniciado ou concluído pelo autor do encargo (sem o mediador) se opunha à livre revogabilidade, excluindo-a, pois essa revogabilidade, em tal situação, equivalia a uma exclusão da obrigação de o autor do encargo pagar a remuneração quando concluísse o negócio por si mesmo ou com a intervenção de outro mediador (pág. 348) - referindo-se ao que correspondia a uma verdadeira cláusula de exclusividade.

6. Esta irrevogabilidade é ainda acentuada pelo já referido facto de se associar ao contrato, e assim à cláusula de exclusividade, um prazo certo. Tende a dizer-se que o contrato de mediação está sujeito a prazo legal pois a fixação da sua duração é inerente ao contrato, como seu elemento necessário, o que derivaria do art. 16º n.º3 do RJCM - supondo esta norma uma duração supletiva do prazo, ficaria a existência do prazo implicitamente imposta (por isso se fala em norma imperativa quanto à existência do prazo, supletiva quanto à sua duração). Ainda que se possa ter a asserção por não segura (faltando demonstrar que a fixação de prazo diverso não contempla a exclusão de qualquer prazo), o que releva no caso é que foi convencionado um prazo e dessa forma um espaço temporal durante o qual as partes se vincularam à manutenção do contrato (art. 406º n.º1 do CC). Além disso, tal prazo associa-se ainda à cláusula de exclusividade, reforçando-a no sentido de que fica dependente, na sua duração, de um prazo e não da vontade do cliente. Prazo de que o cliente não pode livremente dispor e assim também não pode unilateralmente eliminar, dado o regime de exclusividade associado. Acresce que no contrato de mediação ainda existe uma relação de correspectividade e assim um sinalagma entre prestações[8], sinalagma este ainda mais acentuado quando convencionada a exclusividade (pois, como se disse, neste caso o direito à remuneração não está entregue ao arbítrio do cliente e é assim possível estabelecer uma relação mais directa entre prestação e contraprestação). Ora, como nota P. Romano Martinez[9], da regra do art. 779º do CC[10] conclui-se que, nos contratos sinalagmáticos, o prazo é, na falta de estipulação diversa, fixado em benefício de ambas as partes, e assim não pode uma delas dele dispor sem o acordo da parte contrária. O que também contraria a livre revogabilidade.

Não há, assim, razão para admitir que existia um direito de revogação do R. com base na natureza do contrato, ao menos nos casos de fixação de exclusividade (mesmo que fraca) como ocorre na situação vertente [11] (e, excluída tal revogabilidade, ficam também excluídas soluções que a admitem mas com sanções variadas acopladas).

7. Resta avaliar a situação do ponto de vista da lei, quanto à existência de regime legal que sustente aquela revogabilidade.

O contrato de mediação, constituindo um tipo social geral, não está sujeito a um regime legal geral, existindo apenas regimes sectoriais para certos tipos de actividade, como a mediação imobiliária (a que corresponde, por isso, um contrato típico). Mas estes regimes sectoriais também se mostram incompletos ou parcelares, regulando apenas certos aspectos do contrato e da actividade desenvolvida. Em particular, e para a mediação imobiliária, a regulação legal tem um carácter muito lacunoso e, quanto ao ponto agora em discussão, não conhece regulação própria.

8. Quanto ao regime aplicável nas situações omissas, verifica-se alguma oscilação entre, de um lado, a valorização da natureza do contrato de mediação enquanto forma ou modalidade de prestação de serviços (o mediador obriga-se a desenvolver certa actividade: a conseguir interessado para certo negócio e a aproximar esse interessado da outra parte), cujo regime regra lhe seria aplicável, e, de outro lado, a valorização antes do carácter tendencialmente omissivo do regime do contrato de mediação, apelando-se, para suprir lacunas, ao regime de contratos análogos. A primeira solução, tendo por si o disposto no art. 1156º do CC, conduziria à aplicação preferencial do regime do mandato civil. A segunda, tendo por si um melhor ajustamento aos interesses em causa (e o afastamento da regra do art. 1156º do CC por existir regulação legal), levaria ao regime do mandato (civil[12]) e do contrato de agência. Sem embargo, os resultados finais alcançados no caso não são muito diferentes.

9. Admitindo que o programa normativo do art. 1156º do CC ainda sustenta a aplicação (extensão) do regime do mandato, dado o carácter lacunoso do regime legal do contrato de mediação, poderia então apelar-se ao disposto no art. 1170º do CC, do qual resulta que o mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação (n.º1), mas se, porém, o mandato tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, não pode ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa (n.º2). Aquela revogabilidade aproxima-se da denúncia por constituir uma forma unilateral, e sem necessidade de justificação, de fazer cessar o contrato. Diferencia-se daquela por também valer para contratos com termo fixo (sem duração indeterminada ou prazo renovável) e constituir uma faculdade imperativa[13]). Neste sentido, a denúncia, ou revogação segundo o nomen que consta da comunicação escrita, efectuada pelo R. poderia enquadrar-se neste regime.

 Aplicando-se então a primeira regra desta norma, seguia-se que o contrato de mediação seria aparentemente livremente revogável, independentemente da estipulação de prazo ou exclusividade (porque a revogação, segundo a norma citada, prevalece sobre qualquer convenção contrária – embora esta possa ter outros efeitos).

No entanto, a extensão deste regime ao contrato de mediação deve fazer-se com as necessárias adaptações (citado art. 1156º do CC), o que significa que o regime do mandato não é sem mais transplantável para os demais casos de prestação de serviços, não transformando o regime geral do mandato em regime geral do contrato de prestação de serviços[14]. E significa ainda que, também por não ser um regime geral a aplicar, haverá ainda que avaliar se tais disposições são compatíveis ou ajustadas a tais casos, ou necessitam de adaptações (que podem levar, naturalmente, à recusa de aplicação de certas regras). Também porque a aplicação do regime do mandato envolve sempre uma forma de analogia (envolve uma comparação valorativa), por lhe estar subjacente uma ideia de proximidade de situações e valores, justificativa da extensão da regulamentação legal a situações não previstas[15].

Ponto onde começa por se notar que o regime de livre revogação, no mandato, assenta, em geral, no «carácter eminentemente pessoal do negócio donde emerge a relação, feito intuitu personae e cuja execução pressupõe a subsistência da originária relação de confiança interpessoal» [J. Baptista Machado, RLJ 118 pág. 279 da nota 9, iniciada na página anterior]. Com efeito, essa relação pessoal de confiança é inerente ao mandato, que surge como um contrato de cooperação jurídica e externa (face a terceiros), já que o mandante confia ao mandatário a prática de actos jurídicos por sua conta (para os seus efeitos integrarem, a dado momento, a esfera jurídica do mandante) e no seu interesse (para prosseguir finalidades do mandante, no âmbito de uma actividade de gestão, e gestão esta entregue pelo mandante a outrem), e actos (negócios ou meros actos jurídicos) que podem ter relevo essencial. É isso que justifica que o mandante possa, sempre que julgue perdida aquela confiança e entenda que a gestão não corresponde ao seu interesse, revogar unilateralmente o contrato, salvaguardando a sua posição (não pode ficar obrigado a suportar uma gestão contrária ao programa que fixou, uma actividade por conta de outrem não deve ser mantida contra a vontade do dono do encargo)[16]. Isso já não ocorre na relação de mediação imobiliária, onde inexiste esse estreito depósito de confiança nem se estabelece qualquer relação de dependência ou de gestão ou de querida projecção de efeitos da actividade do mediador na esfera do cliente. Na mediação, tende a dizer-se que o mediador não age por conta do mediador (na gestão dos seus interesses) nem no interesse dele. Embora a asserção não seja pacífica, o que releva particularmente é que a actuação do mediador se situa fora do paradigma inerente ao mandato, pois os actos do mediador não condicionam a posição do dono do bem, não existindo qualquer actuação gestória, e a angariação não contende com a posição daquele: o mediador pode cumprir mal, mas não em termos que se repercutam de forma directa na esfera do dono do bem; e este pode livremente praticar ou não o acto visado (e quando está condicionado nessa liberdade, por força de cláusula de exclusividade, é quando menos se justifica a livre cessação). O mediador procura interessados no negócio, o que implica troca de informações ou de dados (apenas como mero núncio, como já notava Higina Castelo), mas já não poderes autónomos de negociação (caso em que já haveria mandato, ou negócio misto de mandato e mediação). Deste ponto de vista faltaria a devida similitude entre as situações que justificasse a aplicação do regime em causa (falhavam no caso omisso «as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei»: art. 10º n.º2 do CC). E isto quer com base no referido art. 1156º do CC, quer por analogia, quando se tenha aquela norma por inaplicável.

10. Mas mesmo que fosse de sustentar a aplicação daquele regime, haveria ainda que considerar o disposto no n.º2 do referido art. 1170º do CC, quando exclui a livre revogação nos casos em que o mandato tiver sido conferido também no interesse do mandatário (ou terceiro).

Na linha da posição de Januário Gomes, tende a definir-se este interesse concorrente do mandatário (ou de terceiro) como um direito subjectivo externo ao mandato e que confere ao mandatário um direito a intervir na execução do mandato[17].

Tendo em conta, porém, a referida diferente natureza do mandato e da mediação, a aplicação deste critério para o mandato não é satisfatória. Como na mediação se não visa a prática de actos jurídicos, esgotando-se a actividade do mediador na mera descoberta de interessados (e sua aproximação ao dono), não é fácil encontrar aqui um direito subjectivo do mediador, externo ao contrato de mediação, que neste contrato também encontre satisfação. Donde que, garantindo efeito útil à norma na aplicação ao contrato de mediação, não se vê razão para não admitir, no âmbito do contrato de mediação e dada a sua específica configuração, que este interesse próprio possa derivar da circunstância de o próprio contrato envolver também vantagens jurídicas para o mediador[18]. O que decorreria justamente da cláusula de exclusividade e na medida em que esta atribui uma posição singular ao mediador, quer pelo tendencial monopólio de angariação de interessados e, assim, maior probabilidade de receber a remuneração[19], quer pela tutela legal acrescida que deriva do art. 19º n.º2 do RJCIM, que atribui um direito à remuneração mesmo sem celebração do negócio visado (ou do correspondente contrato-promessa), quer pelos próprios efeitos de eventual incumprimento da cláusula de exclusividade (em que, na falta de regime próprio, se admite valer o regime da impossibilidade de cumprimento imputável ao cliente). Note-se que aquela art. 19º n.º2 do RJAMI também cria indirectamente um dever (ou ao menos um ónus) de contratar a cargo do dono do prédio pois este deixa de dispor da integral liberdade de contratar ou não que o regime geral da mediação lhe ressalvava, apenas podendo evitar a contratação, sem se arriscar a ter que pagar a retribuição, quando circunstâncias exógenas, não imputáveis a si, se interponham. Assim, a configuração jurídica da posição do mediador atribui-lhe um direito à remuneração modificado, porque já não depende só da celebração do negócio visado ou da sua promessa; e um direito mais consistente, porque o dono do bem já não pode desistir livremente do negócio visado. O que permite configurar um interesse próprio no resultado da angariação (e não apenas na celebração do negócio visado), e assim no próprio contrato de mediação (e não apenas um interesse em conexão com ele).

11. Quanto à possível aplicação do regime do contrato de agência, não teria êxito quanto ao efeito discutido pois não contém norma que sustente o efeito pretendido: prevendo a denúncia como causa de cessação do contrato, fica esta porém reservada para os contratos sem duração determinada (art. 24º e 28º n.º1 do DL 178/86, de 03.07).

12. Donde, assim, não ser viável a denúncia ou revogação livre do contrato de mediação celebrado. Deste modo, a revogação realizada é em si ilícita (não admitida pela lei ou pelo contrato), e, quanto a efeitos imediatos, por isso ineficaz (não pode produzir os efeitos visados). A valer como oposição à renovação, só operaria para o fim do contrato (que, estando em curso a segunda renovação, só ocorreria em 21.04.2020).

            13. Sendo assim, mantendo-se o contrato de mediação em vigor, cabe avaliar o decidido à luz do citado art. 19º n.º2 do RJCMI, cuja previsão o R considera não estar verificada.

Segundo o teor desta norma, já referido, é igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel. Superando os lapsos de redacção da norma, verifica-se que esta supõe:

i. a existência de cláusula de exclusividade,

ii. a falta de celebração do negócio visado, e

iii. que tal ocorra por causa imputável ao cliente.

A primeira condição legal está demonstrada.

Quanto à segunda, a falta de celebração do negócio visado supõe a existência de proposta angariada pelo mediador e comunicada ao cliente. A este propósito, diz-se que o mediador tem que praticar actos adequados e suficientes à conclusão do negócio, que se exige que «o contrato visado esteja em vias de se concretizar». Tal afirmação tem que ser entendida à luz dos termos do contrato de mediação celebrado e das condições verificadas em cada caso. Assim, a conduta do mediador tem, em primeira linha, que corresponder à prestação por si devida (verdadeira obrigação no contrato com cláusula de exclusividade), encontrando interessado nas condições contratadas. O que a A. alcançou, no sentido de que angariou pessoa determinada que ofereceu o valor contratado. Além disso, e como dever secundário de concludência (condição de eficácia), indicou-o ao cliente (apresentou o interessado). Não se vê que, no caso, logo mais fosse exigível. De um lado, inexistem dados que contrariem a seriedade da posição do interessado identificado. Mesmo o por vezes invocado indício do momento do aparecimento do interessado (para além do seu relevo em geral, nem sempre claro) não se mostra no caso operante tendo em conta a forma como os factos se articulam, dando conta de alguma simultaneidade dos eventos (factos 13 e ss., que até sugerem que a proposta surge antes ainda da afirmação verbal do R., e que de qualquer modo não revelam que a comunicação da existência de interessado concreto é posterior ao recebimento da carta contendo a vontade de revogação). Sendo que, de todo o modo, a comunicação da revogação, ao contrário do por vezes defendido, não impede o mediador de continuar a realizar diligências e encontrar interessado pois, caso contrário, estar-se-ia a atribuir à revogação os efeitos que a sua ilicitude (e consequente ineficácia) lhe negam[20]. De outro lado, face aos termos do contrato celebrado, que nenhuma condição adicional ou específica colocava, e à economia geral do contrato de mediação, não cabia à A. realizar actividade adicional. A eventual negociação subsequente, mormente quanto a outras condições (v.g. contrato-promessa, condições de pagamento, prazos), já cabia ao cliente conduzir e definir, e já que, sublinhe-se, não consta que tais elementos fossem condições (convencionadas) da obtenção de interessado pelo mediador. A inexistência de qualquer facto relativo a tal circunstancialismo já não corre por conta da A.. Assim, a afirmação de que o direito à remuneração só surge quando o interessado aceite as condições do vendedor tem também que ser entendida no contexto do concreto contrato de mediação em causa: de uma banda, envolve apenas as condições que esse contrato (em si ou em estipulações adicionais) abranja porque, no mais, tudo se passa na esfera de acção do cliente e não do mediador, e eventual fracasso das negociações já surge como possível facto que exclui a imputação, e não como elemento constitutivo dessa imputação; de outra banda, se nenhuma negociação se desenvolve, ou se disso não há notícia, trata-se de facto ainda imputável ao cliente (que, no caso, nunca alegou ter tido qualquer contacto com os interessados). Neste sentido, a A. praticou os actos necessários e também os actos que lhe cabia e estava em condições de praticar.

Quanto à terceira condição, começa por sublinhar-se que, não sendo a questão também pacífica, se entende que a demonstração daquela imputabilidade, enquanto elemento da hipótese da norma (da previsão que sustenta a atribuição do direito em causa), caberia em princípio ao mediador (art. 342º n.º1 do CC, à luz da teoria das normas).

A imputabilidade aqui em causa envolve duas vertentes. Numa primeira, de feição objectiva, significa causalidade, importando que a falta da conclusão do negócio se deva a actuação (positiva ou omissiva) do cliente, e assim que se trate de frustração causalmente derivada da acção (adequada a frustrar a realização do negocio visado) ou omissão (de acto adequado a realizar tal negócio). No fundo, que derive da esfera de acção ou disponibilidade do cliente. Considerando que, face aos factos provados, não consta que o R., depois de recebida a comunicação da proposta, algo tenha feito em relação à proposta apresentada, e que, diversamente, consta que pouco tempo depois da comunicação da proposta celebrou negócio diverso sobre o bem, e por valor inferior ao proposto, parece incontroverso que se pode afirmar que a frustração do negócio se deveu a omissão e opção próprias do R., filiando-se causalmente na sua esfera de acção (aliás, esta alienação subsequente ainda poderia importar uma impossibilidade superveniente de cumprimento, a si imputável, com efeitos possivelmente análogos aos da cláusula convencional em causa; tal questão não vem colocada, nem será em si conhecida, mas reforça o sentido da exposta imputação objectiva da falta de celebração ao R.). A partir daqui caberia já ao cliente revelar que condições especiais afastariam esta relação causal, não cabendo, simetricamente, ao mediador demonstrar condições que excedem a sua prestação e que não está sequer em condições de revelar (por dependerem de situação em que não intervém). Donde ter que concluir-se que a falta de celebração se deve a facto do R.. Numa vertente subjectiva, a imputação importa que se trate de conduta censurável, embora, dada a matriz contratual da situação, acabe por valer a presunção derivada do art. 799º n.º1 do CC.

Donde estarem verificas as condições de atribuição do direito reclamado.

14. E como nenhuma outra questão específica vem colocada no recurso, este tem que improceder.

15. As custas correm por conta do R. (art. 527º n.º1 e 2 do CPC).

V. Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.

Custas pelo R..

Notifique-se.

Sumário (da responsabilidade do relator - art. 663º n.º7 do CPC):

(…).

Datado e assinado electronicamente

Redigido sem apelo ao Acordo Ortográfico.


[1] A inclusão desta oposição na figura da denúncia não é pacífica; a economia da decisão não justifica desenvolvimentos adicionais.
[2] V. P. Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, Almedina 2005, pág. 57 e ss..
[3] V. Ac. do TRC, proc. 46310/18.1YIPR.C1 de 2019 (in 3w.dgsi.pt).
[4] P. Romano Martinez, cit., pág. 67.
[5] V. Ac. do TRL proc. 71848/18.7YPRT.L1-6 ou Ac. do TRP proc. 137/11.0TBPVZ.P1, ambos in 3w.dgsi.pt (na sequência de outras decisões), ou Maria de Fátima Ribeiro, O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração, pág. 246 (escorando a sua posição justamente em V. Serra), mesmo para os casos em que exista cláusula de exclusividade (pág. 251) [in www.revistadedireitocomercial.com]. Tende a dizer-se que a esta posição se contrapõe uma outra, que recusa a livre revogabilidade (ao menos nos casos de convenção de exclusividade). A distinção parece, porém, envolver mais nuances, também se admitindo, nomeadamente, a livre revogabilidade mas com o encargo de pagamento da remuneração em certas condições, e outras.
[6] Esta é a última das formas de preenchimento da omissão legal quanto a tal direito de revogação que o Autor elenca, por ordem de aplicação (estipulações das partes, aplicação analógica das disposições relativas a contratos afins, regras gerais das obrigações e decisão judicial integrativa do contrato), e que foi adoptada pelo Autor depois de afastar as demais (pág. 345).
[7] A cláusula em causa deveria qualificar-se como uma convenção de exclusividade fraca, que não impediria o cliente de angariar ele mesmo propostas, ou de as receber, e já que a cláusula não fixa a exclusão desta actividade de forma clara; esta qualificação não é, porém, determinante no caso, pois não vem discutida a eventual violação de tal convenção de exclusividade.
[8] Sobre isto, ver Higina Castelo, Contrato de Mediação, Estudo das Prestações Principais, online (in https://run.unl.pt/bitstream/10362/13121/1/Castelo_2013.pdf), pág. 244 e ss.).
[9] Obra cit., pág. 60.
[10] Norma cuja aplicação ao contrato de mediação não é contrariada pelas especificidades do sinalagma apontadas por Higina Castelo, no local citado.

[11] Neste sentido, Higina Castelo, Contrato de Mediação (…) cit., pág. 388, Olga da Conceição Félix Alonso Marçalou, O Contrato de Mediação Imobiliária – Da (In) Admissibilidade da Revogação Unilateral Pelo Cliente, pág. 86 (disponível online), ou, entre outros, Ac. do TRL proc. 25324/19.0T8LSB.L1-7 ou do TRP proc. 211/20.2T8MLD.P1 (em 3w.dgsi.pt).
[12] O regime do mandato comercial não oferece contributos relevantes (art. 231º e ss. do Cód. Comercial), dada a especificidade do seu âmbito.
[13] P. Romano Martinez, cit., pág. 537, ou Januário Gomes, Direito das Obrigações, Mandato, AAFDL 1991, pág. 96 ss. (aquela imperatividade é porém negada por alguns AA.).
[14] J. Gomes/A. Guedes, Comentário ao CC, Direito das Obrigações, Contratos em especial, UCP Editora, 2023, pág. 660.
[15] Por isso que se admita que a extensão legal em causa no art. 1156º do CC possa valer para regras do regime de empreitada ou de depósito (por se entender estarem legalmente equiparados ao mandato no art. 1155º do CC) onde a analogia o justifique (J. Gomes/A. Guedes, cit., pág. 659 e pág. 660).
[16] Assim, Januário Gomes, Em tema de revogação do mandato civil, Almedina 1989, pág. 96 ss., ou Irene de Seiça Girão, Mandato de Interesse Comum, comemorações dos 35 anos do CC, Coimbra Editora 2007, pág. 381. Só se atende aqui à posição do mandante porque é a posição equiparável à posição do dono do bem (o R., no caso) no contrato de mediação.
[17] Para uma avaliação crítica, v. P. Videira Henriques, A desvinculação unilateral ad nutum nos contratos civis de sociedade e de mandato, Coimbra Editora 2001, pág. 160 e ss..
[18] A mera previsão de retribuição tem sido pacificamente considerada insuficiente para preencher esta exigência, por se tratar de elemento co-natural ao contrato (retribuição) e que não afecta a prevalência do interesse pessoal do mandante.
[19] Tendencial dada a distinção entre exclusividade absoluta ou forte e relativa ou fraca.
[20] Nem se pode invocar a boa fé como impeditiva da actividade do mediador, após a revogação (ilícita), pois esta actividade corresponde aos termos do contrato, ainda em vigor, e a actuação ilícita do cliente não pode criar vinculações derivadas da boa fé para o mediador.