Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1089/22.7T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: CONTRATO DE AGÊNCIA
INDEMNIZAÇÃO À FORFAIT
Data do Acordão: 01/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 28.º, 2 E 29.º, 1, C) E 2, DO DL 178/86, DE 3/7
ARTIGOS 562.º E SEG.S DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: i) A indemnização prevista no art. 29º, nº 2, do DL 178/86, de 3.7 (regime do Contrato de Agência) é uma indemnização à forfait, através da qual se evitam as dificuldades inerentes ao processo de indagação e prova dos prejuízos.
Decisão Texto Integral:

I – Relatório

 

1. AA, residente no ..., intentou acção declarativa contra A..., Lda. com sede em ..., pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 7.520,38, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal, desde 24 de Fevereiro de 2022, inclusive, até efectivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, que a autora foi contratada pela ré, em 2013. A ré tinha a representação de diversas marcas de confeção têxtil, que a autora divulgava e promovia, por conta desta, por toda a zona norte do país, angariando clientes que adquiriam esses artigos, pagando os preços fixados previamente pela ré. A autora auferia uma remuneração que se fixava entre a 5 e 12% sobre o valor faturado contra boa cobrança da mesma. Que, súbita e inopinadamente, a ré denunciou o contrato de agência que mantinha com a autora por email que lhe remeteu em Agosto de 2020, sem nenhuma razão justificativa para tal. A ré não deu o pré-aviso legal a que estava obrigada e, por isso a autora, em Julho de 2021, remeteu à ré a carta à qual a ré nada respondeu, pelo que a autora remeteu nova carta em Setembro de 2021, tendo-se a ré mantido em silêncio. Entre Agosto de 2019 e Julho de 2020, a autora recebeu da ré, a título de comissões, como remuneração pelos serviços prestados a média mensal de 2.446,79 € no último ano do contrato. Assim, está a ré obrigada a indemnizar a autora nos termos do nº 2 do artigo 29º do DL 178/86 numa quantia calculada com base na remuneração media mensal auferida no decurso do ano precedente, multiplicada pelo tempo em falta, 3 meses, que perfaz o valor total de 7.340,38 €, acrescida de juros de mora vencidos contados desde Julho de 2021, e vincendos até efetivo e integral pagamento.

A ré contestou, alegando nada dever. Que entre a autora e a ré vigorou não um contrato de agência, mas um contrato de prestação de serviços, através do qual a autora, subordinada às ordens e instruções da ré, se obrigou a promover as vendas dos artigos por esta comercializados, competindo à autora meramente a prospecção do mercado, a divulgação dos catálogos de produtos representados pela ré e a angariação de clientes, recebendo, em contrapartida, uma retribuição calculada em termos percentuais sobre as vendas efectivamente realizadas pela ré que tivessem a intervenção da autora. Actividade esta que a autora sempre desenvolveu agindo sob as ordens, direcção e fiscalização da gerência da ré. Tanto que a autora nunca se apresentou junto de qualquer cliente da ré como sendo “Agente” da ré, mas sim como vendedora. Que a ré centrava a sua actividade enquanto agente exclusivo para Portugal, dos produtos da marca B..., ao abrigo de um contrato de agência celebrado com a sociedade espanhola C... S.L. Sucede que em Julho de 2020, a referida C... resolveu contrato de agência que mantinha com a ré, com efeitos a partir de Agosto de 2020, esvaziando, por completo, a actividade desenvolvida pela autora. Face à cessação do contrato de agência, não restou à ré outra alternativa senão a de informar a autora que deixaram definitivamente de estar reunidas as condições para ré continuar a recorrer aos seus serviços, e que, por isso, se via forçada a prescindir dos mesmos. Que o acordo celebrado entre as partes não terminou por “denúncia” da ré, tendo-se antes extinguido por facto independente da vontade da ré, visto que a prestação a que a autora se tinha obrigado a realizar se tornou impossível em virtude da resolução do contrato de agência que a ré mantinha, por facto não imputável à ré. Que o contrato de representação da marca B... sempre foi configurado, quer pela autora, quer pela ré, como uma condição sine qua non para a vigência do contrato de prestação de serviços existente entre ambas. Que no caso o acordo celebrado entre autora e ré findou por caducidade. Mesmo que assim se não entendesse, sempre seria legítimo à ré proceder à livre revogação do contrato, por sua vontade unilateral, independentemente da apresentação de qualquer motivo justificativo. Conclui pela improcedência da acção.

*

A final foi proferida sentença que julgou improcedente a acção.

*

2. A A. recorreu, concluindo que:

A- Refere a Douta sentença que a autora não alegou sequer factos que, a provarem-se, mostrassem que a inobservância do pré-aviso lhe causou danos.

B- Mais refere que não se provou a existência de qualquer dano concreto derivado do incumprimento do prazo de pré-aviso em relação à cessação do contrato

C - Alega a Autora nos seus artigos 12ºe 13 da p.i.:

“12. Como resulta do teor da comunicação da denúncia a Ré não deu o pré-aviso legal a que estava obrigada por força do artigo 29º conjugado com o artigo 28º do D.L. 178/86 de 3 de Julho com as alterações introduzidas pelo D.L. 118/93 de13/04.

13. E, por isso, entre o mais, a Autora, com data de 06 de Julho de 2021, remeteu à Ré a carta que junta e cujo teor aqui da por integralmente reproduzido (cfr. Doc. 2)”

(Negrito nosso)

D - A matéria da carta que constitui o doc 2 foi transcrita no ponto 19 da matéria de facto assente onde se diz: “…. Neste contexto cumpre-me reclamar de V. Exas os direitos que decorrem de tal cessação contratual. Assim, e desde logo nos termos do disposto no artº 28º e 29º do DL 178/86 de 3 de Julho, reclamo de V. Exas. Uma indemnização por falta de pré-aviso correspondente a 3 meses, calculado o valor base na remuneração média mensal auferida no ano transato e multiplicada pelos 3 meses, o que perfaz um valor total de 7.491,00. De facto, a minha expectativa em relação ao meu trabalho com V. Exas. era de continuidade, e sempre na convicção do aumento progressivo de angariação de clientes na zona que me estava afecta, com aumento de facturação e respectiva cobrança da mesma, como sempre se verificou desde 2013. Esta cessação abrupta, para além dos graves problemas psicológicos que me trouxe, ainda me retirou os rendimentos mensais que auferia, bem como as expectativas de proveito que o meu desempenho garantia…”

E - A matéria constante no ponto 20 da matéria de facto assente refere que a Re nada respondeu à carta remetida.

F – Reclamou a Autora perante a Ré que uma indemnização por falta de pre aviso que liquidou e fundamentou com danos gerais e danos específicos.

G - Este documento é meio de prova para os factos nele referidos

H – Ao dar como reproduzido o seu teor, torna-se claro que os factos nele constantes foram alegados

I - Encontra-se pois, alegada e provada a matéria referente aos danos sofridos pela Autora com o termo abrupto do contrato de agência que mantinha com a Autora

J – Acresce que o pôr termo ao contrato de agência sem aviso prévio, face ao teor da Lei que o regulamenta entende-se que gera dano resultante dessa mesma falta de aviso prévio.

L – Violou a douta decisão em crise ao não assim julgar o disposto no nº 2 do artigo 29º do Dec Lei nº 178/86 de 03.07.

Sem prescindir:

Se ainda assim, se entender que o Autor teria que alegar e provar o dano sofrido por falta do pré-aviso na denuncia e que os factos alegados na carta que constitui a matéria de facto do ponto 19 não são suficientes:

M - O Tribunal ate à douta sentença proferida partilhou do entendimento de que a falta de aviso prévio gera dano dada a quebra de rendimento que motiva pelo que a indemnização pela violação desse aviso prévio é devida nos termos da lei.

N - Como resulta da ata da audiência prévia realizada no dia 02.11.2022 ao identificar o objeto do litígio:

- Caraterização jurídica do contrato celebrado entre as partes

Se a Ré é civilmente responsável pelo pagamento da quantia peticionada pela autora

Conjugado com os TEMAS DA PROVA elencados:

1. Qual o âmbito /em que consistia, e como se desenvolvia a relação negocial estabelecida entre autora e ré;

2. Remuneração acordada/forma do seu cálculo.

3. Duração de tal acordo estabelecida entre as partes.

4.-Cessação da relação negocial estabelecida entre autora e Ré, sem invocação de qualquer fundamento e sem pré-aviso da Ré.

5- Principal negócio da Ré aquando da vigência da relação negocial estabelecida entre autora e ré, e repercussão do mesmo nesta relação negocial.

6 – Impossibilidade superveniente do objecto da relação negocial celebrada entre autora e´ por causa imputável á ré.

O - Com efeito, na enunciação dos temas da prova o Juiz “delimita os termos do litigio, supre as deficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate (artigo591 nº1al c) do C.P.C.)

P - Se outro entendimento tivesse o Tribunal e tendo em conta o que alegado vem nos artigos 12 e13º da p.i, conjugado com o doc 2 que esta reproduzido no ponto 19 da matéria de facto assente sempre nos termos do nº 2 do Artigo 590 do C.P.C tinha o poder -dever de convidar o Autor a aperfeiçoar a sua petição identificando melhor o que alegado vai no Doc nº 2 junto com a p.i..

Q - O tribunal nunca o fez pelas razões supra expostas e produziu a esse propósito uma decisão surpresa.

R - O autor foi surpreendido com tal entendimento unicamente com a notificação da douta sentença em crise

S - Nos termos do nº 3 doarigo3º do C.P.C. a decisão surpresa gera nulidade dessa mesma decisão

T - Neste entendimento sempre devera se declarar anulada toda a tramitação processual desde a audiência previa inclusive e ordenar-se a baixa do processo á 1ª instância par a que o Autor seja convidado a aperfeiçoar a sua p.i. e de seguida prosseguir a demais tramitação decidindo-se a final como se pede na p.i.

U - Violou a douta decisão em causa neste entendimento o disposto nos artigos 3º nº3, 590, nº 2, alínea b) e 591 nº 1 al c) todos do C.P.C.

TERMOS EM QUE DEVE A PRESENTE AÇÂO SER JULGADA PROVADA E PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, A RE CONDENADA COMO SE PEDE NA P.I. SEM PRESCINDIR E SE TAL NÂO SE ENTENDER, SEMPRE A DOUTA SENTENÇA EM CRISE DEVERA SER REVOGADA E ANULAR-SE TODO O PROCESSADO A PARTIR DA MARCAÇÂO DA AUDIÊNCIA PREVIA E CONVIDAR-SE O AUTOR A APERFEIÇOAR A PETIÇÂO COM VISTA A REPETIÇÂO DA AUDIENCIA DE JULGAMENTO NO QUE RESPEITA À MATERIA DE FACTO QUE SE ENTENDA EM FALTA, ASSIM SECUMPRNDO A LEI

3. A R. contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

III – Factos Provados

1. A sociedade ré, matriculada desde 07.12.1992, tem por objecto social a actividade de agenciação e trading, importação e exportação, e exerce a atividade económica principal de comércio a retalho de vestuário para adultos, e a secundária de comércio por grosso de têxteis.

2. À data da sua constituição eram seus sócios, BB e as suas filhas CC e DD.

3. Desde a data da sua constituição, até .../.../2020, data em que faleceu, foi seu gerente de direito e de facto, BB.

4. Após o decesso do seu sócio e gerente, BB, as quotas pertencentes a este representativas de 96,65% do capital social da ré, foram adjudicadas a favor de DD, a qual foi designada, em 22.07.2020, gerente da sociedade ré.

5. A ré tinha a representação de várias marcas.

6. Centrando a sua actividade na promoção, enquanto agente exclusivo para Portugal, dos produtos da marca B..., ao abrigo de um contrato de agência celebrado com a sociedade espanhola C..., S.L.

7. Consistindo o seu principal negócio na comercialização dos produtos da marca B....

8. Em 2013 a autora e a ré, na pessoa do seu gerente, celebraram verbalmente um acordo, sem estipulação de prazo para a sua vigência, mediante o qual a autora se obrigou, agindo automomamente, a promover a venda, por conta da ré, na zona norte do país, de artigos das marcas de confecção têxtil e vestuário de que a ré tinha a representação, divulgando-os e promovendo-os, angariando clientes que os comprassem à ré, negociando tais vendas, emitindo a autora as notas de encomenda, que rubricadas a autora fazia chegar à ré para posterior entrega dos artigos ao cliente, e pagamento por estes à ré dos preços previamente fixados por esta, obrigando-se a ré, como contrapartida, a pagar à autora uma retribuição entre 5% e 12% sobre o valor assim facturado contra boa cobrança.

9. Tal actividade da autora incidia na sua grande maioria, sobre os artigos da marca B... comercializados pela ré.

10. Em Julho de 2020, o contrato de agência celebrado entre a ré e C..., S.L., cessou, deixando a ré de representar a marca B..., a partir de Agosto de 2020.

11. Em finais de Julho de 2020, a ré na pessoa da sua gerente, informou telefonicamente a autora, de que ré a partir de 01 de Agosto iria deixar de ser distribuidora da marca B....

12. Em 30 de Julho de 2020 a autora indagou junto de C..., SL, sobre a informação que lhe foi transmitida pela gerente da ré, de que esta a partir de Agosto de 2020 deixaria de ser distribuidor em Portugal da marca B....

13. Tendo em 03 de Agosto de 2020, a referida empresa, enviado à autora o email junto a fls. 35, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido, confirmando tal, mais a informado que havia acertado um acordo de representação da marca B... em Portugal, com a empresa D..., Lda., e que pediu os contactos de todos os agentes da ré porque a D... precisava deles para avaliar a rede de agentes em Portugal.

14. Em 13 de Agosto de 2020, a autora enviou à ré o email junto com a p.i. sob o doc. nº 1, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido, no qual exarou:

“Boa tarde D. DD

Faz amanhã quinze dias que me informou por telefone que a C... não tinha, em consequência da sua vontade de não dar continuidade ao negócio, renovado o contrato de representação com a A..., tendo solicitado para, a partir de um do corrente, deixar de vender artigos B....

Poucos dias depois, a 5 de Agosto, e novamente por telefone, informou que afinal havia a possibilidade da A... se manter como armazenista e que, para estudar tal hipótese, pretendia saber se, nessa perspectiva, estaria interessada em continuar a trabalhar B..., tendo tido resposta afirmativa.

Ora, estando esse prazo particamente esgotado sem que tenha enviado qualquer informação, (…) agradeço que informe e clarifique a situação.

Como bem sabe, a suspensão da actividade B..., na prática implica reduzir as vendas a praticamente zero (…)”.

15. Em 14 de Agosto de 2020, a ré remeteu à autora o email junto com a p.i. sob o doc. nº 1, do seguinte teor:

“Exma. Senhora D. AA

Na sequência do contato telefónico de hoje de manhã, serve a presente para informar que deixaram definitivamente de estar reunidas as condições para a A... continuar a recorrer aos seus serviços, pelo que vemo-nos forçados a prescindir dos mesmos a partir da presente data.

As encomendas que efetuou até ao dia de ontem serão alvo de procedimento habitual

O material/equipamento de A..., que esteja na sua posse, devera ser entregue na sede da Empresa no decorrer da próxima semana.

Com os melhores cumprimentos DD”

16. A partir desse dia 14 de Agosto de 2020 a autora deixou de prestar serviços para ré.

17. A ré pagou à autora todas as remunerações devidas pelos serviços prestados até 14 de Agosto de 2020.

18. Tendo a autora restituído à ré todo o equipamento/material que consigo tinha.

19. Em 06 de Julho de 2021, a autora enviou à ré a carta registada junta com a p.i. sob o doc. nº 2, datada de 06 de Julho de 2021, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido, recebida pela ré, do seguinte teor:

“Na sequência do email que me remeteram em 14 de Agosto de 2020, o contrato de agência por tempo indeterminado que mantinha com V. Exas desde 2013 cessou por decisão unilateral de V. Exas.

Neste contexto cumpre-me reclamar de V. Exas os direitos que decorrem de tal cessação contratual.

Assim, e desde logo nos termos do disposto no artº 28º e 29º do DL 178/86 de 3 de Julho, reclamo de V. Exas. Uma indemnização por falta de pré-aviso correspondente a 3 meses, calculado o valor base na remuneração média mensal auferida no ano transato e multiplicada pelos 3 meses, o que perfaz um valor total de 7.491,00.

De facto, a minha expectativa em relação ao meu trabalho com V. Exas. era de continuidade, e sempre na convicção do aumento progressivo de angariação de clientes na zona que me estava afecta, com aumento de facturação e respectiva cobrança da mesma, como sempre se verificou desde 2013.

Esta cessação abrupta, para além dos graves problemas psicológicos que me trouxe, ainda me retirou os rendimentos mensais que auferia, bem como as expectativas de proveito que o meu desempenho garantia.

Acresce que nos termos do art. 33º da mesma lei tenho ainda direito a uma indemnização de clientela que diz respeito aos inúmeros clientes que com a minha actividade e os meus desempenhos profissionais angariei e que vos permitiram aumentar substancialmente o volume de negócios.

É minha convicção que V. Exas beneficiarão consideravelmente com a minha actividade, até porque prosseguiram a vossa actividade comercial obtendo proventos dos clientes por mim angariados.

(…)

Entendo, pois, que me cabe uma indemnização de um valor total de 32.498,98€ (…)”.

20. A ré nada respondeu à carta remetida.

21. Em 16 de Setembro de 2021, a autora através do seu advogado remeteu à ré a carta registada junta com a p.i. sob o doc. nº 3, cujo teor aqui por integralmente reproduzido, datada de 16.09.2021, reiterando o teor da carta enviada pela autora em 06 de Julho de 2021, e convidando a ré a, em 10 dias, se pronunciar sobre o teor da mesma, apresentando proposta para a resolução da questão.

22. A ré nada respondeu à carta remetida

23. Entre Agosto de 2019 e Julho de 2020, a autora recebeu da ré, a título de remunerações acordadas pelos serviços prestados nesse período, a quantia média mensal de € 2.446,79.

24. No modelo de negócio da ré, as vendas eram realizadas por catálogo.

 

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes (pela ordem que é lógica - substantiva e adjectivamente -, invocada pela recorrente).

- Atribuição imediata da indemnização peticionada na p.i.

- Em caso negativo, saber se a A. alegou (e provou) danos pela denúncia sem pré-aviso da R.

- Em caso negativo, aperfeiçoamento da p.i. e, por falta do mesmo, decisão surpresa e consequente nulidade.

 

2. Na decisão recorrida escreveu.se que:

“Ora, face à factualidade provada (facto provado 8.), conclui-se que entre autora e ré foi celebrado um contrato de agência, verificando-se, in casu, todos os elementos constitutivos deste contrato.

*

Relativamente ao contrato de agência dispõe o nº 1 do art. 27º do DL. n.º 178/86, de 03 de Julho, que: “Se as partes não tiverem convencionado prazo, o contrato presume-se celebrado por tempo indeterminado”.

No caso, ante a factualidade provada, o contrato de agência celebrado entre as partes, foi por tempo indeterminado.

(…)

O art. 24º do do DL. n.º 178/86, de 03 de Julho, dispõe que o contrato de agência pode cessar por: a) Acordo das partes; b) Caducidade; c) Denúncia; d) Resolução.

(…)

O art. 28º, nº 1 do mesmo diploma, sob a epígrafe “Denúncia”, estatuiu que:

“1 - A denúncia só é permitida nos contratos celebrados por tempo indeterminado e desde que comunicada ao outro contraente, por escrito, com a antecedência mínima seguinte:

a) Um mês, se o contrato durar há menos de um ano;

b) Dois meses, se o contrato já tiver iniciado o 2.º ano de vigência;

c) Três meses, nos restantes casos”.

(…)

Nos termos do disposto no art. 29º do citado diploma, sob a epígrafe “Falta de pré-aviso”:

“1 - Quem denunciar o contrato sem respeitar os prazos referidos no artigo anterior é obrigado a indemnizar o outro contraente pelos danos causados pela falta de pré-aviso.

2 - O agente poderá exigir, em vez desta indemnização, uma quantia calculada com base na remuneração média mensal auferida no decurso do ano precedente, multiplicada pelo tempo em falta; se o contrato durar há menos de um ano, atender-se-á à remuneração média mensal auferida na vigência do contrato”.

(…)

Conclui-se, pois, que a declaração da ré manifestada através do email de 14.08.2020 se reconduz a uma declaração de denúncia do contrato.

Tratando-se de contrato celebrado sem prazo e com duração já superior a cinco anos, a denúncia levada a cabo pela ré, através da carta de 14.08.2020, não respeitou, relativamente ao contrato em curso o prazo de três meses legalmente estipulado.

(…)

Sucede que, no domínio do contrato de agência, face à norma imperativa do n.º 1 do artigo 28.º do DL n.º 178/86, de 3.07, só é permitida a denúncia nos contratos de duração indeterminada com observância dos prazos de pré-aviso ali estabelecidos ou porventura alongados pelas partes, como decorre do n.º 3 do normativo citado, sendo que a inobservância desses prazos, por parte do denunciante, implica indemnização à contraparte nos termos do artigo 29.º daquele diploma.

Dispõe o art. 29.º do DL n.º 178/86, de 3 de Julho, que:

1 - Quem denunciar o contrato sem respeitar os prazos referidos no artigo anterior é obrigado a indemnizar o outro contraente pelos danos causados pela falta de pré-aviso.

2 - O agente poderá exigir, em vez desta indemnização uma quantia calculada com base na remuneração média mensal auferida no decurso do ano precedente, multiplicada pelo tempo em falta; se o contrato durar há menos de um ano, atender-se-á á remuneração média mensal auferida na vigência do contrato”.

Havendo falta ou insuficiência do prazo de aviso prévio, a parte responderá pelos danos que sejam causados por essa falta ou insuficiência (e não pelos danos decorrentes da própria cessação do contrato em si), indemnizando a parte contrária em conformidade.

Justifica-se este direito à indemnização pelo facto do desrespeito do prazo de pré-aviso poder causar danos, na medida em que a extinção repentina da relação contratual tira à contraparte a possibilidade de preparar a sua vida e ajustar a sua actividade económica à nova situação.

Assim, não sendo respeitado o pré-aviso, a denúncia é ilícita, incorrendo o denunciante em responsabilidade contratual, ficando obrigado a indemnizar a outra parte pelos danos que resultarem da falta ou insuficiência de pré-aviso, cabendo ao contraente lesado a demonstração da efectiva existência de danos sofridos.

No citado art. 29º “confere-se ao agente a possibilidade de optar por um montante indemnizatório correspondente ao valor dos danos que efetivamente suportou, devido a não lhe ter sido concedido um prazo razoável para tomar as medidas necessárias para anular as consequências negativas da cessação do contrato (n.º 1), ou por um valor fixado a forfait, calculado com base na remuneração média mensal auferida no decurso do ano precedente, multiplicada pelo tempo do pré-aviso em falta (n.º 2) – cfr. acórdão do STJ de 08.09.2021, in www.dgsi.pt.

Temos, assim, que o legislador permite a determinação do quantum indemnizatório por recurso a dois meios: apuramento dos danos causados pela falta de pré-aviso (nº 1 do art. 29º), ou se a indemnização for devida ao agente, por recurso ao factor de cálculo previsto no nº 2 do art. 29º.

Dadas as dificuldades de prova com que o agente se poderá deparar, ou porque a indemnização apurada nos termos do nº1 do art. 29º poderá não ser significativa, o nº 2 oferece-lhe, em alternativa, a possibilidade de exigir uma quantia determinada, segundo outro critério.

A obrigação de indemnizar quando o prazo de pré-aviso não é respeitado, abrange tanto os danos emergentes como os lucros cessantes, e a apreciar dentro do instituto da responsabilidade civil contratual por facto ilícito e culposo.

Nos termos do disposto no art. 798º, 1, do CCiv.: «O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao devedor.».

Os pressupostos da responsabilidade civil, são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, a existência de danos, e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

A autora optou pelo critério plasmado no nº 2 do art. 29º, pedindo uma indemnização calculada na remuneração média mensal auferida em 2019, multiplicada por três, dado serem os meses em falta no período de pré-aviso.

Ora, no caso, a autora não alegou sequer factos que, a provarem-se, mostrassem que a inobservância do pré-aviso lhe causou danos.

Com efeito, na p.i., limita-se a alegar que remeteu à ré as cartas que referencia nos seus artigos 13º e 15º (cujos teores se reproduziram na factualidade provada – pontos 19. e 21), sendo certo que não alegou qualquer factualidade que mostrasse que a falta de pré-aviso lhe causou danos.

Não se provou a existência de qualquer dano concreto derivado do incumprimento do prazo de pré-aviso em relação à cessação do contrato, o que teria de ter feito nos termos das normas citadas e do artigo 798.º do Código Civil, para que a autora alcançasse a procedência da sua pretensão.

A autora parece peticionar a indemnização pela falta de aviso prévio, como sendo a mesma automática, com base no art. 29.º n.º 2 do DL nº 178/86, de 03 de Julho.

Como refere António Pinto Monteiro, in Contrato de Agência, Anotação, 4ª Edição Actualizada, em anotação ao referido artigo (e supra já se referenciou), o legislador previu a possibilidade de o agente peticionar uma indemnização apurada com base em determinados termos e não de acordo com as regras gerais. Isto sucede por dificuldades de prova ou por a indemnização apurada, nos termos do n.º 1 não ser significativa, e assim o agente pode então optar por esta alternativa do n.º 2. Todavia, como refere o Autor «Note-se que esta faculdade é restrita ao agente», sendo certo que, como é bom de ver, tal não o dispensa de provar a existência de danos derivados da falta de pré-aviso (como parece entender a autora nos termos em que peticiona tal indemnização na sua petição inicial).

Assim, não tendo a autora provado que a falta de pré-aviso lhe causou danos, não pode obter merecimento a sua pretensão, impondo-se a improcedência da acção.”.

A recorrente discorda (cfr. suas conclusões de recurso J – e L -).

A fundamentação jurídica da sentença apelada merece a nossa concordância até ao penúltimo parágrafo, 7 ª linha, e palavra “agente”, mas não a partir daí, da expressão “sendo certo” e texto seguinte, que é da lavra da Juiz a quo e não, como se aparenta, do autor citado. Vejamos, então.

Não sendo respeitados os prazos estabelecidos no referido art. 28º, o contraente que assim proceder deve indemnizar o outro contraente pelos danos causados pela falta ou insuficiência de pré-aviso, tanto danos emergentes como lucros cessantes, nos termos do mencionado art. 29º, nº 1.

Mas no nº 2, previu-se que dadas as dificuldades de prova com que o agente poderá deparar, ou porque a indemnização, apurada nos termos do nº 1, pode não ser significativa, o nº 2, oferece-lhe, em alternativa, a possibilidade de exigir uma quantia determinada segundo outro critério (vide A. Pinto Monteiro, Contrato de Agência, 6ª Ed., nota 2. ao indicado art. 29º, pág. 129).  

Esta explicação para a razão de ser do nº 2, alerta-nos, logo, para uma indemnização fixada previamente, uma indemnização à forfait. Ou seja, através desta forma, evitam-se as dificuldades inerentes ao processo de indagação e prova dos prejuízos.  

Mais desenvolvidamente, explica-nos F. Ferreira Pinto, em Contratos de Distribuição (Univ. Católica, 2013, págs. 531/533) que em vez da indemnização à medida do dano efectivamente sofrido, o agente pode reclamar do principal o pagamento de uma indemnização forfetária ou parametrizada, cujo montante é determinado multiplicando o tempo de pré-aviso em falta pela remuneração média mensal auferida no decurso do ano precedente. Esta regra, que revela o pendor nitidamente favorável ao agente do regime da cessação do contrato, tem como fonte imediata o art. 28º, nº 2, das propostas de Directiva de 1976 e 1979.

Em bom rigor, pretendeu-se facilitar a vida ao agente, dispensando-o da comprovação dos prejuízos que a falta ou insuficiência do pré-aviso lhes possa causar (no mesmo sentido J. Baptista Machado, em Denúncia-Modificação de um Contrato de Agência, Anotação ao Ac. do STJ, de 17.4.1986, Rev. Leg. Jurispru., pág. 192, e nota 34, e Ac. Rel. Porto, de 30.6.2009, Proc. 3334/2004, em www.dgsi.pt).

Faculta-se, assim, o arbitramento de uma quantia única, calculada segundo critérios diversos dos que geralmente presidem à fixação de indemnização em caso de responsabilidade civil (arts. 562º e segs. do CC). A dificuldade a que se pretende obtemperar é, pois, a inerente à prova de prejuízos futuros e do seu concreto montante, prejuízos esses que equivalem normalmente aos benefícios que o lesado deixou de receber, aos proventos que, segundo critérios de normalidade, teria auferido se a denúncia não fosse inopinada.

Mas é evidente que nessas circunstâncias, a exigibilidade da indemnização à forfait poderá revelar-se vantajosa para o agente, na medida em que pode ser reclamada mesmo que a cessação ílicita do vínculo lhe não cause qualquer dano – visto estar dispensado da respectiva prova -, assim como o seu montante poderá exceder o da indemnização calculada nos termos gerais (apontado art. 29º, nº 1). Sendo, também, bem certo que a referida compensação poderá igualmente ficar aquém da indemnização calculada nos termos gerais.

O mais que se pode dizer é que o quantitativo calculado por aplicação do critério estabelecido no referido art. 29º, nº 2, constitui um valor mínimo que o agente poderá reclamar pela cessação irregular do vínculo, mas se optar por essa via, ele corresponderá também ao montante máximo que poderá exigir a esse título

Ora, a A. optou expressamente por esta via, como decorre do art. 23º da p.i.

Aplicando os referidos preceitos, arts. 28º, nº 1, c) e 29º, nº 2, temos que face ao facto provado 23., a A. tem direito ao montante de 7.340,37 € (2.446,79 x 3), como peticionou. 

Como tal, tem direito a ela, nos termos dos aludidos normativos legais, pelo que não se equaciona como possível algum abuso de direito, como a R. contrapôs nas suas contra-alegações (na parte III).  

À mesma acrescem juros de mora, à taxa legal, desde 8.7.2021 (cfr. facto 19. e A/R de fls. 6), tudo como igualmente peticionado pela A. 

3. Face ao exposto e ao que se vai decidir, queda prejudicado o conhecimento das duas remanescentes duas questões acima elencadas.

(…)

IV – Decisão

 

Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, assim se revogando a sentença recorrida, e em consequência condena-se a R. a pagar à A. a quantia de 7.340,37 €, a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde 8.7.2021, e juros vincendos até integral pagamento. 


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Custas pela R.

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Coimbra, 9.1.2024

Moreira do Carmo

Rui Moura

Alberto Ruço