Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
102/11.8TBTMR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: EXECUÇÃO
CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
TÍTULO EXECUTIVO COMPLEXO
Data do Acordão: 03/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TOMAR 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 45, 46, 50 CPC, 362 C COMERCIAL
Sumário: 1. O título executivo apresenta-se como requisito essencial da acção executiva e há-de constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda.

2. Sendo a exequibilidade do título o resultado da conjugação de elementos documentais dispersos (título executivo complexo), conclui-se pela existência, suficiência e eficácia do mesmo, conforme a previsão dos art.ºs 46º, alínea b) e 50º, do CPC de 1961 (na redacção conferida pelos DL n.ºs 38/2003, de 08.3 e 180/96, de 25.9, respectivamente) se a exequente comprovar a celebração de determinado “contrato de abertura de crédito em conta corrente” e, mediante documento(s) passado(s) em conformidade com as cláusulas dele constantes, que em cumprimento desse contrato foi entregue ao executado a quantia acordada, provando, dessa forma, que a obrigação futura, que se pretende executar, foi efectivamente constituída.

3. Verificados tais requisitos, por reconhecida se tem a exequibilidade, presumindo-se a existência do direito que o título (complexo) corporiza, só susceptível de ser afastada pela prova da inexigibilidade ou inexistência do direito, a alegar e provar pelo executado em oposição à execução.

4. Além da quantia do capital disponibilizado e não reembolsado, a exequente poderá reclamar o pagamento de outras quantias em razão de inexecução contratual (v. g., a título de mora, cláusula penal, imposto de selo e despesas), mencionando, no requerimento executivo, os factores do seu apuramento.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 

I. Em 24.01.2011, B(...), Plc, intentou, no Tribunal Judicial de Tomar, acção executiva para pagamento de quantia certa contra F (…) e M (…), reclamando o pagamento de € 276 802,05 [valor líquido/capital mutuado e ainda não amortizado de € 250.000; juros moratórios, à taxa convencionada de 5,25 %, acrescida da sobretaxa de 4 % pela mora (e 4 % a título de imposto de selo), desde 10.5.2010 até à data de entrada em juízo do requerimento executivo, sobre o referido capital, computados em € 16 802,05, e a importância de € 10 000 a título de despesas judiciais e extrajudiciais emergentes do contrato], bem como os juros vincendos [e respectivos acréscimos] alegando, em síntese, que por escritura pública de 08.5.2007, denominada “Abertura de Crédito Com Hipoteca, Aval e Mandato” concedeu aos executados um financiamento sob a modalidade de “contrato de abertura de crédito em conta corrente” até ao limite máximo de € 250 000 (financiamento que veio a ser utilizado na sua totalidade), tendo os referidos executados se declarado e confessado então devedores da totalidade das quantias que viessem a ser utilizadas, dos respectivos juros e demais encargos emergentes do mencionado crédito.[1]

Os executados opuseram-se à execução excepcionando, por um lado, a incompetência territorial do Tribunal e, por outro lado, a inexistência de título executivo, porquanto, analisado o requerimento executivo, a exequente não explicita os valores pagos pelos executados, nem junta a respectiva documentação comprovativa.

Notificada para contestar, a exequente pugnou pela competência do Tribunal e referiu, nomeadamente, que, nos termos do mencionado contrato, os executados confessaram-se devedores de todas as quantias que viessem a ser disponibilizadas; foi colocado ao dispor dos executados o montante global acordado, utilizado na íntegra; interpelados para o efeito, os executados não devolveram a referida quantia e são ainda devidos juros de mora desde então até efectivo pagamento. Juntaram diversos extractos bancários.

O Tribunal a quo julgou improcedente a excepção de incompetência territorial, e, tendo por reunidos os elementos fácticos necessários à prolação de decisão de mérito, julgou procedente a excepção de inexistência de título executivo, e, consequentemente, extinto o pedido executivo.

            Inconformada e visando a revogação da decisão, a exequente interpôs a presente apelação, formulando as seguintes conclusões:

1ª - Por intermédio da escritura pública junta com o requerimento executivo, o Banco exequente e os executados “ajustaram” e “assentaram” um contrato de abertura de crédito em conta corrente com o limite de duzentos e cinquenta mil euros, tendo nessa mesma escritura os executados declarado expressamente que se confessavam devedores perante o Banco exequente da totalidade das quantias que viessem a ser utilizadas, dos respectivos juros e demais encargos.

2ª - Tal escritura pública implicou a constituição de obrigações futuras por parte dos executados mas, apesar disso, veio ela a constituir-se como título executivo bastante à luz do disposto na alínea b) do art.º 46º do Código de Processo Civil (CPC) por se verificar a previsão do art.º 50º do mesmo Código, pois o Banco exequente juntou vários documentos que comprovam que foram efectivamente entregues ou postas à disposição dos executados um conjunto de quantias no âmbito do convencionado entre as partes, ou seja, que o negócio foi executado através da prestação aos executados, pelo exequente, do que o negócio de abertura de crédito previa.

3ª - Os documentos/extractos bancários juntos pelo exequente demonstram, com clareza e segurança suficiente, que o Banco, conforme o que ficou antecipadamente convencionado entre as partes na referida escritura pública e seu documento complementar – maxime as suas respectivas Cláusulas Quarta e Quinta – creditou na conta de depósitos à ordem especificadamente prevista pelas partes nessa escritura várias quantias que, no seu conjunto, perfizeram o montante máximo de duzentos e cinquenta mil euros de crédito concedido, pelo que os executados constituíram-se na respectiva obrigação de restituição de tais quantias, “na sequência da previsão das partes”, conforme estatui o referido art.º 50º do CPC.

4ª - Todos os documentos juntos pelo exequente não foram impugnados, seja por que forma fosse, pelos executados, pelo que o seu conteúdo tem que se ter como verdadeiro e assente, até porque os executados, na sua oposição não negam dever ao exequente os valores reclamados limitando-se a excepcionar a inexistência de título executivo.

5ª - O título executivo na presente execução constitui-se no que alguma jurisprudência chama de “título executivo complexo”, o qual existe quando “corporizado num acervo documental em que a complementaridade entre dois ou mais documentos se articula e complementa numa relação lógica, evidenciada no facto de, regra geral, cada um deles só por si não ter força executiva e a sua ausência fazer indubitavelmente soçobrar a do outro, mas juntos asseguram a eficácia a todo o complexo documental como título executivo”.

6ª - A Mm.ª Juíza a quo errou quando considerou que dos documentos (extractos bancários) que o Banco exequente juntou “não resulta com a clareza exigível, a natureza e origem dos movimentos a crédito e a débito aí constantes, de forma a concluirmos que os mesmos foram passados em conformidade com as cláusulas da escritura”, e quando entendeu que os mesmos extractos/documentos continham “caracteres intrincados, com a referência a várias e diversas operações, de natureza distinta”, apesar de vir a concluir que os mesmos apenas atestam com segurança a disponibilização da quantia de € 250 000 a favor dos executados.

7ª - Se se fizer uma interpretação cuidadosa, exigente e concentrada dos documentos/extractos juntos pelo Banco exequente verifica-se que procedeu à entrega aos executados das quantias em causa pela forma de crédito na conta de depósitos à ordem especificada e antecipadamente prevista, nos termos das Cláusulas da escritura, registando dessa forma todos os movimentos respectivos – aliás não impugnados pelos executados – pelo que se está longe de considerar que dos respectivos movimentos não se pode retirar a sua origem e justificação em complementaridade com os elementos constantes da convenção das partes formalizada na dita escritura.

8ª - É nomeadamente bem claro da leitura de tais extractos que foi creditada na conta prevista e da titularidade dos executados várias quantias ao longo de meses, cuja relação com a abertura de crédito em conta corrente é inegável, tendo sido atingido o montante máximo de € 250 000 na data de 20.5.2008.

9ª - Da forma como, inclusive, tais extractos possuem uma parte específica e exclusivamente destinada ao registo e apresentação de saldos relativos à abertura de crédito, retira-se a conclusão oposta à que veio a ser adoptada na decisão recorrida, ou seja, de que os extractos em causa são susceptíveis de, mediante a devida leitura, destrinçar os movimentos relativos a essa abertura de crédito relativamente a outras operações igualmente contratualizadas ou convencionadas pelos executados, tais como investimentos, depósitos, cartões de crédito e outros mútuos.

10ª - Pelo que dúvidas não podem restar que a escritura que se juntou com o requerimento executivo, em complementaridade com tais documentos/extractos bancários, deve ser considerada título executivo bastante, nos termos do disposto na alínea b) do art.º 46º e art.º 50º, do CPC, normas estas que saíram violadas pelo sentido da decisão recorrida.

            Remata dizendo que deve revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que, reconhecendo a existência de título executivo bastante, declare improcedente a oposição à execução dos executados e ordene o normal prosseguimento do processo executivo.

Os executados não responderam à alegação da recorrente.

Obtida a cópia do requerimento executivo e respectivos documentos, proferido o despacho (do Relator) de fls. 269[2] e concluindo o Mm.º Juiz a quo que “o original do título executivo (…) não põe em crise os fundamentos da sentença proferida nos autos” (fls. 311), visto o supra referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir, apenas, atendendo aos documentos juntos pela exequente e ao aduzido no requerimento executivo, se podemos ou não concluir pela existência de título executivo válido e suficiente.

*

            II. 1. Releva para a decisão do recurso o atrás referido (ponto I/sobretudo o aduzido no requerimento executivo) e o teor dos documentos juntos aos autos[3], designadamente:

a) Na escritura pública dada à execução, denominada “Abertura de crédito com hipoteca, aval e mandato”, de 08.5.2007, em que os executados/oponentes figuram como primeiros outorgantes e a exequente como segunda outorgante, consta, nomeadamente:

Pelos outorgantes foi dito -

- Que entre os primeiros outorgantes e o Banco que a segunda outorgante representa, foi ajustado e fica assente um contrato de abertura de crédito em conta corrente com o limite de duzentos e cinquenta mil euros[4].

- Sobre o capital em dívida serão contados juros à taxa Euribor a seis meses acrescida de um por cento, que será arredondada (….) acrescida de uma taxa de quatro por cento em caso de mora e a título de cláusula penal.

- Os primeiros outorgantes confessam-se desde já devedores perante o banco da totalidade das quantias que vierem a ser utilizadas, dos respectivos juros e demais encargos emergentes deste crédito.

 Pelos primeiros outorgantes foi dito:

- Que para garantia do bom pagamento de todas as responsabilidades decorrentes da abertura de crédito de conta corrente atrás concedida, até ao referido montante de duzentos e cinquenta mil euros, dos juros e/ou comissões que forem devidos, e ainda das despesas judiciais e extrajudiciais fixadas, para efeitos de registo em dez mil euros, constituem a favor do Banco Hipoteca sobre o prédio misto, denominado “Olalhas” (…).

- Que em reforço da garantia real prestada sob a forma de hipoteca sobre os imóveis acima identificados, prestam aval aposto em livrança em branco, subscrita pelos primeiros outorgantes e por si avalizada livrança que, desde já, autorizam o B(...), a, em caso de falta de cumprimento do presente empréstimo preencher pelo valor que lhe for devido, conforme preceituado neste contrato (…).

            Pela segunda outorgante (…) foi dito:

- Que, para o Banco seu representado, aceita a confissão de dívida, hipoteca e aval nos termos exarados.”

b) Executados e exequente subscreveram o denominado “Documento complementar elaborado nos termos do n.º 2 do artigo 64.º do Código do Notariado, que faz parte integrante da escritura lavrada a folhas 9 do Livro 2 do Cartório do Notário Gonçalo Soares Cruz”, no qual, entre o mais, consta:

- Cláusula Segunda (Montante e Finalidade): “Pelo presente Contrato e nos termos e condições do mesmo, o B(...) concede aos creditados, a seu pedido e no seu legítimo interesse, um empréstimo, na modalidade de abertura de crédito em conta corrente, até ao montante máximo de € 250 000 (duzentos e cinquenta mil euros), tendo por finalidade o apoio à tesouraria.”

- Cláusula Quarta (Contas Bancárias): “A celebração e execução do presente Contrato pressupõem a abertura e manutenção pelo creditado junto do B(...) de uma conta de depósito à ordem, para o que foi antecipadamente aberta conta número um, seis, nove, dois, zero, três, sete, cinco, dois, quatro, cinco, sete (adiante designada abreviadamente por “Conta de Depósito à Ordem”), à qual está agregada uma Conta Corrente Associada (adiante designada abreviadamente por “Conta Corrente”).

Por Conta Corrente Associada entende-se a conta bancária movimentada, a débito e a crédito, exclusivamente pelo B(...), para efeitos do presente contrato, ficando o B(...) desde já autorizado a proceder à sua abertura e ao seu encerramento.

Nas referidas contas bancárias serão processados todos os movimentos a débito e a crédito resultantes do presente Contrato. (…)”

- Cláusula Quinta (Abertura do Crédito e Processamento dos Desembolsos): “Os desembolsos serão efectuados por débito da Conta Corrente associada à Conta de Depósito à Ordem e a crédito da Conta de Depósito à Ordem, pelos valores mínimos e múltiplos definidos na cláusula seguinte, mediante instruções dadas pelo Creditado ao B(...).

A Conta Corrente será ainda movimentada a crédito, por débito da Conta de Depósito à Ordem, ficando o B(...), desde já, autorizado a transferir dessa conta, mantida devida e atempadamente provisionada para o efeito, as importâncias necessárias à satisfação total ou parcial do capital devedor (saldo em dívida).

A movimentação da Conta Corrente poderá até ao limite do crédito aberto, ser efectuada por mais de uma vez, quer para desembolsos, quer para reembolsos, e desde que respeitado o limite máximo aberto a favor dos Creditados, sendo a movimentação assegurada, exclusivamente pelo B(...), nos termos do disposto na cláusula antecedente.

Os reembolsos parciais efectuados garantem aos creditados a reconstituição do direito de saque, repristinando a disponibilidade dentro do montante acordado como limite.”

- Cláusula Vigésima Sexta (Força Probatória): “Para todos os efeitos legais incluindo a execução, os documentos que representem os créditos do B(...), incluindo nomeadamente, juros, prémios de seguro, encargos legais e fiscais que o B(...) tenha suportado em relação aos imóveis dados em garantia, constituirão títulos referidos a esta escritura e dela fazem parte integrante e serão passados em conformidade com as cláusulas desta escritura e desde logo, justificativos que as correspectivas prestações foram realizadas em cumprimento do Contrato, sem necessidade dos aludidos documentos estarem revestidos de força executiva e os extractos de conta corrente bancária dos garantidos serão considerados documentos suficientes para a prova do respectivo saldo devedor.”

c) Nos meses de Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2007 e de Janeiro e Maio de 2008, a exequente efectuou “desembolsos”, nos termos das citadas “cláusulas 4ª e 5ª”, no montante global de € 250 000 (duzentos e cinquenta mil euros).

            d) Por cartas datadas de 06.12.2010, a exequente comunicou aos executados a resolução, entre outros, do mencionado contrato e informou o valor do correspondente “saldo devedor” [capital no montante de € 250 000 e juros moratórios vencidos].

            e) Dos “extractos bancários” remetidos pela exequente aos executados constam as movimentações relativas aos mencionados “desembolsos” e a evolução da situação devedora dos executados.

2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

Toda a execução tem por base um título, que além de determinar o seu fim e, consequentemente, o seu tipo, estabelece os seus limites objectivos e subjectivos (art.º 45º, n.º 1, do Código de Processo Civil de 1961[5]).

Nos termos do art.º 46º [sob a epígrafe “Espécies de títulos executivos”], na redacção conferida pelo DL n.º 38/2003, de 08.3, aplicável ao caso vertente, à execução apenas podem servir de base: a) as sentenças condenatórias; b) os documentos exarados ou autenticados por notário ou serviço com competência para a prática de actos de registo que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação; c) os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto; d) os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.

E estabelece o art.º 50º (na redacção introduzida pelo DL n.º 180/96, de 25.9, aqui aplicável) que os documentos exarados ou autenticados por notário em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes.

3. O título executivo apresenta-se como requisito essencial da acção executiva e há-de constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda, i. é, documento susceptível de, por si só, revelar, com um mínimo aceitável de segurança, a existência do crédito em que assenta o pedido exequendo; dito doutra forma, tal documento constituirá prova do acto constitutivo da dívida na medida em que nos dá a relativa certeza ou probabilidade julgada suficiente da existência da dívida (a existência da obrigação por ele constituída ou nele certificada), sem prejuízo de o processo executivo comportar certa possibilidade de o executado provar que apesar do título a dívida não existe (a obrigação nunca se constituiu ou foi extinta ou modificada posteriormente).

Meio probatório da relação obrigacional creditícia existente entre as partes, o título executivo avulta como condição necessária [sem título não pode ser instaurada acção executiva; se for instaurada, deve ser indeferida liminarmente; se o não for, pode ser objecto de oposição à execução], mas também suficiente da acção executiva, posto que apresente os requisitos externos de exequibilidade que a lei prevê - verificados esses requisitos, por reconhecida se tem a exequibilidade, presumindo-se a existência do direito que o título corporiza, só susceptível de ser afastada pela prova da inexigibilidade ou inexistência do direito, a alegar e provar pelo executado em oposição à execução.

Assim, a análise do título deve demonstrar, sem necessidade de outras indagações, tanto o fim como os limites da acção executiva.[6]

Porém, sendo o título executivo condição necessária da respectiva acção, ele não constitui a sua causa de pedir, que continua a ser a relação substantiva que está na base da sua emissão.[7]

4. Na previsão do art.º 50º cabe o contrato de abertura de crédito, tipificado, entre outras operações bancárias, no art.º 362º, do Código Comercial, negócio jurídico mediante o qual a instituição bancária se obriga a disponibilizar ao cliente a utilização de determinada quantia em dinheiro durante certo período de tempo, obrigando-se este a, para além de outros valores convencionados, reembolsar o banco na medido dos montantes de crédito efectivamente colocados à sua disposição – a obrigação de reembolso a cargo do creditado está directamente ligada ao montante efectivamente disponibilizado, pelo que o banco, dando à execução essa obrigação, terá de demonstrar a celebração daquele contrato e a prestação pela qual pôs o crédito à disposição do cliente.

Porque a escritura de abertura de crédito não contém senão uma promessa de empréstimo, é que não constitui, só por si, título executivo contra o creditado. A obrigação deste só surge depois, no momento em que, por conta do crédito aberto, faz algum levantamento ou movimenta determinada quantia; é então que surge o empréstimo definitivo e consequentemente nasce a dívida.

Por conseguinte, a prova complementar do título faz-se através de documento passado em conformidade com as cláusulas constantes do negócio jurídico consubstanciado no documento em causa, provando-se, dessa forma, que a obrigação futura, que se pretende executar, foi efectivamente constituída - alguma prestação foi efectivamente realizada no desenvolvimento da relação contratual; que, em cumprimento do contrato constante da escritura, foi efectivamente emprestada alguma quantia.

Daí a necessidade de completar/complementar a escritura de abertura de crédito com a prova de que foi efectivamente emprestada alguma quantia.[8]

5. Perante a descrita factualidade e o apontado enquadramento jurídico, afigura-se, salvo o devido respeito por opinião em contrário, que se deverá concluir pela suficiência dos elementos trazidos aos autos para configurar determinada dívida imediatamente exigível através de uma acção executiva – conjugados tais elementos e atenta a alegação contida no requerimento inicial, dúvidas não restam quanto à constituição e ao conteúdo do título (complexo) em que se funda a execução, determinável (no que excede o capital) por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas do contrato, sendo que os executados nada concretizam no sentido de invalidar, ainda que parcialmente, a eficácia do título – a exequente, por um lado, demonstra a disponibilização e utilização de determinado montante (capital) nos termos convencionados, e, por outro lado, indica as demais parcelas e os factores de apuramento das (restantes) importâncias reclamadas, sendo evidente que não se mencionam/admitem quaisquer pagamentos dos executados a título de amortização de capital e está devidamente concretizado o período (e factores) do cálculo dos juros e o valor imputado a título de despesas.

Nesta conformidade, sem quebra do respeito sempre devido, e ao invés do sufragado na decisão sob censura e do arrazoado levado à petição da oposição à execução, podemos considerar estarem reunidos todos os requisitos do título compósito dado à execução, tanto mais que, aparentemente, o que está em causa, não é sequer o ajustado dos valores em dívida, estando na livre disponibilidade das partes querer ou não discutir, no contexto declaratório da oposição, a infirmação ou a confirmação do (próprio) direito indiciado.

6. Na situação em análise debate-se apenas a existência de um pressuposto processual específico da acção executiva, que viabiliza a sua instauração e o seu prosseguimento, e não propriamente a discussão dos contornos exactos do crédito, que se poderia reflectir numa consistente alegação dos oponentes de que, por exemplo, as quantias reclamadas, atestadas na prova complementar, ou não foram disponibilizadas ou, tendo-o sido, haviam sido pagas (total ou parcialmente).

Porém, os executados não o fizeram, devendo saber que na oposição à execução as regras do jogo fazem carregar primordialmente sobre eles os ónus de alegação e de prova dos factos com a virtualidade de obstaculizar o direito exequendo, sendo a eles que desaproveita a dúvida.[9]

            7. A exequente logrou trazer aos autos os elementos necessários à composição do título exequendo (sendo a exequibilidade do título o resultado da conjugação de elementos documentais dispersos[10]), e, assim, fazendo uso das palavras de Manuel de Andrade, se pudesse ter a relativa certeza ou probabilidade julgada suficiente da existência da dívida[11].

Em face da mencionada prova documental que define o direito de crédito da exequente e a correspondente obrigação dos executados, conclui-se pela suficiência de título executivo, o qual, por eficaz, poderá dar vida à acção executiva[12].

Procedem, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.

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III. Pelo exposto, acorda-se em dar provimento ao recurso e revogar a decisão impugnada, declarando-se improcedente a oposição e ordenando-se o prosseguimento da acção executiva.

Custas pelos executados/apelados.

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25.3.2014

            Fonte Ramos ( Relator )

Inês Moura

            Fernando Monteiro


[1] Como se referiu no despacho do Relator de fls. 269, o documento relativo ao requerimento executivo encontra-se esparsamente reproduzido a fls. 212, 213, 214 e 223.

   [2] O texto que havia sido junto aos autos, em 1ª instância, relativo à mencionada escritura pública, ficara “restringido” a praticamente metade… (fls. 216 a 218), razão pela qual se ordenou a devolução dos autos de oposição (à 1ª instância) para que se providenciasse pela junção de cópia integral do aludido documento, extraindo-se, depois, observado o contraditório, todas as consequências decorrentes dessa omissão e do seu suprimento, consideradas as pertinentes normas adjectivas e substantivas.
[3] Principalmente os documentos de fls. 29 e seguintes, 249, 250 e 277 e seguintes.
[4] Sublinhado nosso, como os demais a incluir no texto.
[5] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[6] Cf., entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 60 e seg.; Alberto dos Reis, Processo de Execução, Vol. 1º, 3ª edição (reimpressão), Coimbra Editora, 1985, pág. 174; Antunes Varela, e Outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, págs. 87 e segs. e J. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 4ª edição, Coimbra Editora, 2004, págs. 37, 57 e segs. e 71 e seguintes, e, designadamente, os acórdãos do STJ de 10.11.2011-processo 4719/10.0TBMTS-A.S1 e da RL de 27.6.2007-processo 5194/2007-7, publicados no “site” da dgsi.
[7] Cf. o acórdão da RC de 12.7.2011-processo 5282/09.0T2AGD-A.C1, publicado no “site” da dgsi, e o cit. acórdão do STJ de 10.11.2011.
[8] Vide, entre outros, J. Lebre de Freitas, e Outros, CPC Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, págs. 102 e 104; E. Lopes Cardoso, Manual da acção executiva, edição da INCM, 1987, págs. 76 e seguintes e Alberto dos Reis, Processo de Execução, Vol. 1º, cit., págs. 161 e seguinte.
[9] Cf. o acórdão da RP de 10.12.2012-processo 6586/11.7TBMTS-B.P1, publicado no “site” da dgsi.

[10] Cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 05.5.2011- Processo 5652/9.3TBBRG.P1.S1 [assim sumariado: Da mesma forma que a causa de pedir pode ser simples ou complexa, também o título executivo o poderá ser (I); O título executivo é complexo quando corporizado num acervo documental em que a complementaridade entre dois ou mais documentos se articula e complementa numa relação lógica, evidenciada no facto de, regra geral, cada um deles só por si não ter força executiva e a sua ausência fazer indubitavelmente soçobrar a do outro, mas juntos asseguraram eficácia a todo o complexo documental como título executivo (II)], da RL de 27.6.2007-processo 5194/2007-7, da RC de 12.7.2011-processo 5282/09.0T2AGD-A.C1 e da RP de 10.12.2012-processo 6586/11.7TBMTS-B.P1 [conclui-se, neste aresto, em que o ora relator interveio como adjunto: “O instrumento particular constitutivo de um contrato de abertura de crédito bancário, desde que contenha as assinaturas dos devedores e seja apoiado por prova complementar, emitida em conformidade com as cláusulas nele firmadas e ateste as quantias efectivamente disponibilizadas, constitui título executivo de natureza compósita ou complexa; e viabiliza ao creditante, no caso do seu incumprimento, a instauração imediata da acção executiva (artigo 46º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil)”], publicados no “site” da dgsi
[11] Ob. cit., pág. 60.
[12] Vide, a propósito, Alberto dos Reis, ob. e vol. cits., pág. 112.