Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2878/07.8TBPBL-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
OPOSIÇÃO
Data do Acordão: 09/22/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - POMBAL - INST. CENTRAL - 2ª SECÇÃO DE EXECUÇÃO - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 868, 874, 875 CPC
Sumário: 1. Na execução para prestação de facto sem prazo certo, os artigos 874º e 875º do NCPC preveem duas fases: uma fase preliminar que se ultimará com a fixação de prazo, seguida de uma fase executiva propriamente dita, a iniciar depois de se verificar que o facto não foi prestado dentro do prazo fixado.

2. A oposição que aos executados é lícito deduzir, quando citados para os termos previstos no nº1 do artigo 874º, tem um âmbito coincidente com a prevista no nº2 do artigo 868º para a execução para prestação de facto com prazo certo – tratando-se de execução de sentença poderá invocar qualquer um dos fundamentos previstos no artigo 729º e ainda o cumprimento posterior da obrigação, provado por qualquer meio.

Decisão Texto Integral:                                                                                                

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

M (…) e L (…) vieram por apenso à execução que contra si é movida por Lucinda Ferreira Matias, deduzir embargos de executado,

alegando que ainda não cumpriram a respetiva prestação por culpa exclusiva da exequente, que deverá primeiramente cumprir a prestação em que também ela foi condenada,

pedindo que se declare extinta a execução por “falta de inexequibilidade do título”, bem como a condenação da exequente como litigante de má-fé.

O juiz a quo proferiu despacho a indeferir liminarmente a oposição à execução, com fundamento em que, “estamos perante uma prestação de facto positivo sem prazo previamente fixado, ao qual não é imediatamente aplicável, sem mais, quanto aos fundamentos da oposição à execução, o artigo 729º do Código de processo Civil (…), mas antes o estatuído no artigo 875º, nº2 do CPC (…), que, ao abrigo do disposto no artigo 785º do NCPC, o executado só pode deduzir oposição com fundamento na ilegalidade do pedido da prestação por outrem ou em qualquer facto ocorrido posteriormente à citação e que, nos termos dos arts. 729º e ss., seja motivo de legitimo de oposição, sendo que “os fundamentos aí apresentados pelos executados não contendem minimamente com a ilegalidade do pedido de prestação por outrem, muito menos com factos supervenientes à citação”.


*

Inconformados com tal decisão, os executados/embargantes dela interpuseram recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:

1. No ponto 2 do requerimento executivo, a exequente alega que os executados foram condenados a manterem a vala aberta que existia junto à extrema sul do prédio, abstendo-se da prática de atos os obras que estorvem o escoamento das águas das chuvas que, provenientes do prédio da exequente aí chegam vindas de local onde se prolonga no prédio desta aquela vala.

2. Da leitura deste ponto 2, deduzir-se-ia que, no prédio da exequente existia uma vala que, não tinha continuação no prédio dos ora recorrentes, motivo porque tinha de ser aberta.

3. Da leitura global da Douta Sentença, a realidade é muito diferente, do que foi alegado no ponto 2.

4. A leitura deste ponto, bem como dos pontos 3 e 6, distorce o teor e objecto da Douta Sentença, que serviu de título executivo.

5. A Douta sentença que serviu de título executivo comporta duas decisões. Uma que condenou a exequente a repor a situação que se verificava, antes de ter arrasado a vala existente a sul dos prédios, no local onde sobre aquela edificou o muro, por forma a que as águas das chuvas provenientes do seu prédio sejam conduzidas no mesmo local, e da mesma forma através dessa vala.

6. A ora exequente não repôs a situação que se verificava antes de ter arrasado a vala existente a sul dos prédios.

7. No local a sul dos prédios onde existiu a vala, a exequente edificou um muro.

8- No topo sul, o muro tem a altura de 2,20m, como prova a peritagem, relatório de folhas 157 a 161 da Ação principal.

9. O prédio do recorrente naquele local, está 1,70m abaixo do nível do prédio da exequente, conforme consta do referido relatório pericial.

10. A outra decisão, condenou os ora recorrentes, a manterem aberta a vala que antes existia junto à extrema sul do prédio, abstendo-se da prática de actos ou obras que estorvem o escoamento das águas das chuvas que, provenientes do prédio da Reconvinte, Lucinda Ferreira Matias, aí chegam, vindas do local onde se prolonga, no prédio desta, aquela vala.

11. Quanto à bondade da decisão”, os ora recorrentes não recorreram da mesma porque souberam interpretar o alcance, quer da condenação da exequente quer a sua própria condenação.

12. Dos elementos probatórios acarreados para o processo, o Meretissimo Juiz firmou a sua convicção que, na parte sul do prédio da exequente e na parte sul do prédio do recorrente existiu uma vala que conduzia a água das chuvas.

13. Essa vala, tinha sido arrasada pela exequente que, naquele local edificou um muro.

14. Pelo relatório pericial junto, o Meretissimo Juiz, conheceu as várias medidas da altura daquele muro.

15. Os recorrentes sempre entenderam que tinham de abrir uma vala, no prédio que pertence ao recorrente, bem como essa vala, tinha de se prolongar na vala existente no prédio da exequente.

16. Para poderem prolongar a vala na vala existente no prédio da exequente, necessário se torna que seja esta, primeiro a abrir a vala no prédio que lhe pertence.

17. Entenderam também que, a vala que tinham de abrir no seu prédio, tinha de se manter desobstruída para a livre condução das águas das chuvas, que provinham do prédio da exequente e também eram conduzidas na vala.

18. Porém, para manterem aberta a vala, cumprindo o escoamento das águas das chuvas, da forma que a Douta Sentença dita, os recorrentes têm de abrir a vala e prolongá-la na vala, que vem do prédio da exequente.

19. No prédio da exequente não existe qualquer vala, para nela ser prolongada a vala que tem de ser aberta no prédio do recorrente.

20. Tal como consta da sentença, a vala foi arrasada e sobre a mesma foi edificado o muro.

21. A douta sentença que serve de título, não reconhece aos ora recorrentes o direito de destruir o muro mencionado em 4, para que a vala a abrirem, possa continuar na vala do prédio da exequente.

22. Os ora recorrentes não foram condenados a abrir a vala no prédio da exequente para que a vala a construir por estes, possa continuar na vala vinda do prédio da exequente.

23. Tal sentença, não reconheceu aos recorrentes o direito de violarem o direito de propriedade da exequente, para cumprirem a sentença em que foram condenados.

24. Entendem os recorrentes que, para cumprimento da sentença em que foram condenados, necessário se torna que, seja a exequente a abrir a vala no prédio que lhe pertence, até ao muro, naquele local, destruir o muro, para que a vala provinda do prédio dos recorrentes se possa prolongar na vala que provem do prédio da exequente.

25. Não tendo a decisão permitido aos recorrentes violar do direito de propriedade da exequente, entendem os recorrentes que tem de ser esta , a primeira a cumprir a sentença para que os ora recorrentes possam cumprir a sentença em que foram condenados.

27. Sem que a exequente cumpra a sentença em que foi condenada, a decisão relativamente aos recorrentes tornar-se-á inexequível, na medida em que legalmente não lhes é permitido danificar o muro da exequente.

28. Face ao pedido da exequente na prestação de facto por terceiros para o cumprimento da sentença por parte dos recorrentes, seriam estes a suportar o custo da demolição do muro, no local onde existiu a vala que a exequente arrasou, bem como a abrir a vala no prédio da exequente para poder ser feito o prolongamento da vala.

29. Os recorrentes não litigam de má-fé.

30. Os recorrentes com a oposição, pretenderam impedir a abertura de uma vala no seu prédio que, com a sua execução não cumpre a sentença, isto é, não continua da vala existente no prédio da exequente, porque neste prédio não existe qualquer vala e consequentemente não escoa as águas das chuvas.

Deve pois a sentença recorrida ser substituída por outra que admita a  oposição e admitida siga a sua normal tramitação. .

Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados os vistos legais ao abrigo do disposto no nº4, do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., arts. 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, a questão a decidir é uma só:
1. Se os fundamentos invocados pelos embargantes para obstaculizar ao prosseguimento da execução se adequam aos legalmente previstos para o efeito.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

1. Se as circunstancias invocadas pelos embargantes se integram dentro dos fundamentos legais de oposição à execução.

Embora os embargantes dediquem a totalidade das suas alegações de recurso a reiterar o já por si alegado no requerimento de embargos de executado – no sentido de a execução dever ser considerada extinta por não poderem cumprir a prestação a que foram condenados sem que a exequente cumpra a dela –, a decisão sobre recurso não chegou a apreciar tal questão, pelo que não será essa a questão a decidir nos presentes autos.

Com efeito, o juiz a quo não chegou a apreciar a questão substantiva colocada pelos embargantes como fundamento para a extinção da execução, porquanto indeferiu liminarmente o requerimento inicial com base na consideração de que o fundamento invocado pelos embargantes não se enquadrava nos legalmente previstos para o efeito.

É esta a principal decisão tomada no despacho de que se recorre e que passamos a analisar.

Na execução para prestação de facto sem prazo certo, os artigos 874º e 875º, do NCPC, preveem duas fases: uma fase preliminar que se ultimará com a fixação de prazo, seguida de uma fase executiva propriamente dita, a iniciar depois de se verificar que o facto não foi prestado dentro do prazo fixado.

Ou seja, se o prazo para a conclusão da prestação ainda não estiver fixado, deve iniciar-se a execução pelo incidente de fixação judicial de praxo na própria execução, ao abrigo do nº1 do art. 874º do NCPC.

Nesta primeira fase, prevista no artigo 874º, o exequente indica o prazo que reputa suficiente e o executado é citado para, no prazo de 20, não só dizer o que se lhe oferecer sobre o prazo sob pena de ser fixado judicialmente, mas igualmente para desde logo, deduzir oposição à execução, se tiver motivos para tal (ns. 1 e 2 da citada norma).

Ou seja, o que resulta expressamente do artigo 874º é que se o executado tiver fundamento para se opor à execução deve logo deduzi-la, quer pretenda, ou não pronunciar-se sobre o prazo.

Fixado o prazo pelo juiz, e se o executado não prestar a facto dentro do prazo fixado, iniciar-se-á então uma segunda fase – execução para prestação de facto com prazo certo – substituindo-se agora a citação por notificação, admitindo-se que o executado venha novamente deduzir embargos de executado, mas agora, porque superveniente, com um âmbito objetivo mais restrito[1]: apenas com fundamento na ilegalidade do pedido de prestação por outrem ou em facto posterior à citação inicial, nos termos do nº2 do artigo 875º.

Como salienta Fernando Amâncio Ferreira[2], compreendem-se as limitações a esta oposição, porquanto o momento normal para a sua apresentação é o que ocorre a seguir à citação, face ao disposto no nº2 do artigo 874º, pelo que esta segunda oposição só pode, assim, fundar-se em circunstâncias supervenientes à citação, como seja o pedido de prestação de facto por outrem, sendo o facto infungível, por natureza ou por convenção, ou a extinção da obrigação por o facto ter sido devidamente prestado dentro do prazo fixado judicialmente.

No caso em apreço, e não resultando dos autos que tenha sido ultrapassada a primeira fase, os embargantes podiam deduzir oposição com toda a latitude que lhes é permitida pelo nº1 do artigo 874º, ou seja, tratando-se de execução fundada em sentença podiam invocar qualquer um dos fundamentos previstos nas várias alíneas do artigo 729º e ainda no cumprimento posterior da obrigação, provado por qualquer meio. Ou seja, nesta fase, os fundamentos de oposição à execução coincidirão com os previstos no nº2 do artigo 686º para a execução para prestação de facto com prazo certo, com a única diferença de que, tratando-se de execução para prestação de facto sem prazo certo, o executado, na oposição que deduzir à execução, deverá igualmente dizer o que se lhe oferecer sobre o prazo proposto pelo exequente.

Ora, a situação invocada pelos executados embargantes – de que não podem cumprir a obrigação a que foram condenados (a manterem a vala aberta para o escoamento das águas das chuvas provenientes do prédio da exequente e que aí chegam vindas do local onde se prolonga, no prédio desta, aquela vala), sem que a exequente cumpra a obrigação a que nessa, mesma sentença, foi igualmente condenada (a repor a situação que se verificava antes de ter arrasada a vala existente a Sul dos prédios, no local onde sobre aquela edificou o muro, por forma a que as águas das chuvas provenientes do seu prédio sejam conduzidas no mesmo local e da mesma fora através dessa vala, tapando o buraco existente nesse muro que se situa acima do nível daquela vala), integra, efetivamente, um caso de inexigibilidade da prestação[3], previsto na al. e), do artigo 729º, do CPC.

Agora, determinar se, face ao teor da sentença e ao tipo de obrigações impostas sobre a ré e os autores/reconvindos na sequência da condenação aí proferida contra ambos, os executados embargantes só podem cumprir a obrigação a que foram condenados depois de a Ré, aqui exequente, cumprir a obrigação que aí lhe foi imposta, contende com o mérito dos embargos, sendo questão que não chegou a ser apreciada na primeira instância e que, como tal não poderá ser objeto de conhecimento por este tribunal de recurso.

A apelação será de proceder, com prosseguimento dos presentes embargos para conhecimento de mérito dos mesmos.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida, e determinando-se o prosseguimento dos autos para apreciação da questão de mérito suscitada pelos embargantes.

Sem custas.                    

                                              Coimbra, 22 de setembro de 2015

Maria João Areias ( Relatora )

Fernanda Ventura

Fernando Monteiro


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
1. Na execução para prestação de facto sem prazo certo, os artigos 874º e 875º do NCPC preveem duas fases: uma fase preliminar que se ultimará com a fixação de prazo, seguida de uma fase executiva propriamente dita, a iniciar depois de se verificar que o facto não foi prestado dentro do prazo fixado.
2. A oposição que aos executados é lícito deduzir, quando citados para os termos previstos no nº1 do artigo 874º, tem um âmbito coincidente com a prevista no nº2 do artigo 868º para a execução para prestação de facto com prazo certo – tratando-se de execução de sentença poderá invocar qualquer um dos fundamentos previstos no artigo 729º e ainda o cumprimento posterior da obrigação, provado por qualquer meio.
 


[1] Nesse sentido, Rui Pinto, “Manual da Execução e Despejo”, Coimbra Editora, pág. 1221.
[2] “Curso de Processo de Execução”, 11ª ed., Almedina, pág. 455.
[3] Como referem Fernando Amâncio Ferreira (“Curso de processo de Execução, págs. 121 e 122) e Lebre de Freitas (A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª ed., Coimbra Editora, pág. 99), é fator de exigibilidade da prestação a satisfação de uma prestação por parte do credor ou de terceiro. Ou como refere Rui Pinto, exigibilidade é a qualidade substantiva da obrigação que deve ser cumprida de modo imediato e incondicional após a interpelação do devedor – “Manual da Execução e do Despejo”, pág. 227.