Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
43/12.1TBMIR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: INVENTÁRIO
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DA PARTILHA
CASO JULGADO
TÍTULO EXECUTIVO
CUSTAS DO INVENTÁRIO
Data do Acordão: 11/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - CANTANHEDE - JL CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 498, 1326, 1383 CPC, LEI Nº 29/2009 DE 29/6, LEI Nº 23/2013 DE 5/3
Sumário: 1.- Quer na vigência do regime do Código de Processo Civil (artigos 1326.° e seguintes) quer no Regime Jurídico do Processo de Inventário (Lei n.º 29/2009, de 29 de Junho) a sentença homologatória da partilha só constitui caso julgado material quanto às questões que expressa, e, explicitamente, decidiu e não quando se limita a "chancelar" ou "autenticar" uma partilha acordada.

2.- E mesmo esse caso julgado pode ser afastado pelo procedimento incidental, célere e expedito, da anulação, e sem necessidade de recurso extraordinário, quando se verifique a preterição de qualquer co-herdeiro.

3.- No processo de inventário a identidade de sujeitos - como elemento de tríplice identidade do n.º 1 do artigo 498.° do Código de Processo Civil -, não se reporta ao conceito de parte em termos clássicos mas ao de interessados (aqui se incluindo os credores da herança).

4.- A sentença homologatória da partilha, após trânsito, constitui título executivo.

5.- À semelhança do regime que constava estatuído no artigo 1383.° do CPC estabelece-se no n.º 1 do art. 67º da Lei nº23/2013, de 5 de Março ( Regime Jurídico do Processo de Inventário), igualmente, a consagração do princípio do proveito, pelo que caberá aos herdeiros, ao meeiro e ao usufrutuário, na proporção do que recebam na partilha efectuada, a responsabilidade pelo pagamento das custas devidas pelo processo de inventário.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

A (…), Interveniente Acidental nos autos à margem referenciados, notificado da Sentença proferida nos mesmos em notificação de Referência 82186038 com Certificação Citius: elaborado em 27.02.2020 e não se conformando com ela, veio interpor recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, alegando e concluindo que:

«A- As questões a decidir no presente recurso são as seguintes:

1. Da nulidade da Sentença proferida na parte que indeferiu a penhora da quota-parte das tornas que cabe à interessada O (…), qualificando a penhora das referidas tornas como incidente anómalo;

2. Da nulidade da Sentença proferida na parte em que condenou o recorrente, na qualidade de interveniente acidental em custas pelo incidente decidido como anómalo em duas Unidades de Conta de taxa de justiça nos termos do art. 7º, n.º 4 e Tabela II do R.C.P., com consequente emissão da conta n.º (…)no valor de 204,00€ e guia de conta de processo 703380076201368 no mesmo valor de 204,00€.

B – Salvo o devido respeito por melhor opinião, o recorrente entende que o Tribunal a quo, não podia ter indeferido a penhora da quota-parte das tornas que cabe à interessada O (…) e por conseguinte, não podia ter qualificado como incidente anómalo o requerimento de penhora das referidas tornas e não podia, em consequência desse incidente condenar o recorrente em duas Unidades de Conta de taxa de justiça, com emissão da conta n.º (…)no valor de 204,00€ e guia de conta de processo 703380076201368 no mesmo valor de 204,00€.

C- É verdade que a penhora da quota-parte nas tornas que cabe à interessada O (...) foi requerida nos autos por solicitador de execução relativamente a processo executivo em que é exequente o recorrente e executada a referida O (...) - processo executivo 8437/15.4T8CBR do Juízo de Execução de Coimbra – juiz 2.

D- É igualmente verdadeiro que os presentes autos não se tratam de processo executivo, mas sim de Inventário e que o requerido pelo recorrente é dívida própria da interessada O (…)

E - Mas nada impede legalmente a penhora nos presentes autos da quota-parte das tornas que a interessada O(…)tem direito nos autos de Inventário.

F - A quota-parte das tornas que cabem à interessada O (…)é bem passível de penhora, penhora de direitos, concretamente, penhora de crédito previsto no art. 773º e seguintes do Código de Processo Civil.

G - Para a referida penhora de quota-parte das referidas tornas e nos termos do n.º 1 do art. 773º do CPC. a mesma consiste na notificação do devedor, feita com a formalidade de citação pessoal e sujeita ao regime desta, de que o crédito fica à ordem do agente de execução.

H - Foi o que o agente de execução Dr. (…) requereu nos presentes autos.

I - Por notificação datada de 31.05.2016, verificando-se a assinatura do respetivo aviso de receção em 06.06.2016, o Agente de Execução Dr. (…) notificou os presentes autos de - notificação para penhora de créditos segundo as regras da citação: “que se consideravam PENHORADAS AS TORNAS que venham a ser depositadas à ordem do processo n.º 43/12.1TBMIR a correr termos na Comarca de Coimbra - Figueira da Foz - Inst. Central - 2.a Sec. F. Men. - J2 até ao valor de 63 474,00 euros (Sessenta e três mil quatrocentos e setenta e quatro Euros) e que sejam devidas à executada O (…), ficando este à ordem do signatário até ao montante limite indicado”.

J - Conforme Mapa Informativo de 25.03.2019, a Cabeça de Casal Sra. M (…), daria tornas aos interessados O (…), A (…) e J (…) no valor de 49.468,19€, tendo a mesma sido notificada para em 10 dias depositar na C (…) à ordem dos autos as tornas por ela devidas (notificação de Ref.ª: 80053019 de 10.05.2019) para depois serem entregues aos referidos interessados.

K - O Agente de Execução Dr. (…) tendo tomado conhecimento que as tornas seriam depositadas na Caixa Geral de Depósitos à ordem dos presentes autos, requereu através de requerimento que apresentou aos autos em 04.06.2019 (Documento: qgGYzV0ULrO) que fosse dado cumprimento à penhora de créditos das tornas que a O (…) tivesse que receber.

L - E o recorrente A (...) em requerimento de Ref.ª: 32634012 de 04 de Junho de 2019, igualmente requereu aos autos que, verificando-se que se consideravam penhoradas as tornas que viessem a ser depositadas à ordem do processo n.º 43/12.1TBMIR a correr termos na Comarca de Coimbra - Figueira da Foz - Inst. Central - 2.ª Sec. F. Men. - J2 até ao valor de 63 474,00 euros (Sessenta e três mil quatrocentos e setenta e quatro Euros) que fossem devidas à interessada O (…), ficariam essas tornas à ordem do processo executivo 8437/15.4T8CBR do Juízo de Execução de Coimbra – juiz 2 até ao montante limite indicado, sendo que o valor das tornas, na parte que respeita à interessada O (…) devia ser transferido diretamente à ordem do referido processo executivo, conforme notificação do Sr. Agente de Execução E (...) de 31.05.2016 e não para o Iban indicado pelo Ilustre Mandatário da interessada O (…) nos presentes autos.

M - O Tribunal a quo assim não entendeu e indeferiu, indevidamente, a penhora da quota-parte das tornas que cabem à interessada O (…) considerando, também indevidamente, o requerimento do recorrente para que a quota-parte das tornas que fossem depositadas à ordem dos autos e que caberiam à interessada O (...) , fossem  transferidas diretamente à ordem do processo executivo n.º 8437/15.4T8CBR do Juízo de Execução de Coimbra – juiz 2.

N. A douta Sentença violou o art. 773º do CPC, referente à penhora de créditos, ao indeferir a penhora à ordem do processo executivo n.º 8437/15.4T8CBR do Juízo de Execução de Coimbra – Juiz 2, da quota-parte das tornas que cabem à interessada O (...) .

O - A penhora da quota-parte das tornas que cabem à interessada O (...) segue os termos da penhora de créditos do art. 773º e seguintes do CPC, não carecendo como decidiu o Tribunal a quo na douta Sentença proferida, de ser reclamada pelos meios próprios do Inventário, nem carecendo de reconhecimento na conferência de interessados.

P - Por outro lado, a penhora das tornas que cabem à interessada O (…)não tem, como igualmente decidiu a douta Sentença a quo, de ser aprovada pelos interessados (aqui incluindo-se a própria O (…)), não carecendo de ser reconhecida pelo Mmº. Juiz.

Q - Considerar que a requerida penhora das tornas que cabem à interessada O (…) carece de reclamação nos autos de Inventário e carece do reconhecimento dos interessados, incluindo-se a própria interessada O (…) que é a afetada diretamente pela requerida penhora, carecendo ainda também de reconhecimento do Mmº. Juiz dos presentes autos, é subverter todo o mecanismo processual da penhora de direitos previsto no art. 773º do CPC.

R - O n.º 1 art. 773º do CPC não estipula a necessidade de qualquer reconhecimento da parte notificada da penhora, mas estipula que a penhora consiste na notificação do devedor com as formalidades de citação pessoal, no caso em apreço, os autos de Inventário onde se encontram depositadas as tornas que cabem à interessada O (...) , que o crédito fica à ordem do agente de execução.

S - As tornas depositadas à ordem dos autos de Inventário são créditos que com a notificação de penhora do agente de execução, com as formalidades de citação pessoal, ficam à ordem do agente de execução.

T - Como assim não foi cumprido, antes foi decidiu nos presentes autos de Inventário indeferir a referida penhora das tornas que cabem à interessada O (…) o Tribunal a quo violou o art. 773º do CPC, devendo ser a douta Sentença anulada nessa parte, com as devidas consequências, substituindo-se por decisão que, em cumprimento do art. 773º do CPC, ordene a transferência imediata à ordem do agente de execução e à ordem do processo executivo n.º 8437/15.4T8CBR do Juízo de Execução de Coimbra – juiz 2., das tornas depositadas à ordem dos presentes autos de Inventário, que cabem à interessada O (…).

U – Se o Tribunal a quo não podia ter indeferido, em cumprimento do art. 773º do CPC, a penhora da quota-parte das tornas que cabem à interessada O (…)

V - também não podia ter o mesmo Tribunal condenado o recorrente em custas com duas Unidades de Conta pelo incidente decidido como anómalo.

W- O recorrente A (...) não deu causa a nenhum incidente anómalo pelo que não podia ter sido condenado em custas com duas Unidades de Conta.

X - O recorrente apenas cumpriu o mecanismo processual previsto no CPC para a penhora de créditos, o art. 773º do CPC, sendo que o Tribunal a quo proferiu d. Sentença que, na parte que indeferiu a penhora das tornas que cabem à interessada O (...) , violou o referido normativo legal, ferindo assim de nulidade a referida Sentença nessa parte.

Y – Para além disso, o Tribunal a quo também não podia proceder à emissão da conta n.º (…) no valor de 204,00€ e da guia de conta de processo (…) no mesmo valor de 204,00€, uma vez que não podia ter indeferido a penhora das tornas que cabem à interessada O (…)

(…) no valor de 204,00€ e da guia de conta de processo (…), no mesmo valor de 204,00€, uma vez que, em relação ao recorrente A (…) ainda não transitou em julgado.

AA – Deve assim a douta Sentença ser anulada também na parte em que condenou o recorrente, na qualidade de interveniente acidental em custas pelo incidente decidido como anómalo em duas U.C. de taxa de justiça nos termos do art. 7º, n.º 4 e Tabela II do R.C.P., com consequente anulação da emissão da conta n.º (…) no valor de 204,00€ e ainda da guia de conta de processo (…) no mesmo valor de 204,00€, com as devidas consequências,

Só assim farão V. Excelências a habitual sã, serena e objectiva Justiça».

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O (…), Apelada, nos autos à margem referenciados e neles já melhor identificada, notificada das alegações do Recurso interposto, veio apresentar as suas Contra-Alegações, por sua vez alegando e concluindo que:

A) Ao contrário do que o Apelante afirma nas suas alegações de recurso e nas suas conclusões, a douta sentença recorrida não padece de nenhum dos vícios por aquele apontados, muito menos existe qualquer nulidade ou sequer violação das normas que o Apelante invoca, tendo o Tribunal a quo feito uma correcta análise, interpretação e aplicação do direito.

B) Para além dos fundamentos constantes da douta decisão recorrida, que não devem ser alterados, acresce também que, a aqui Apelada, como indicou nos autos, o Ex.mo Sr. Agente de Execução nomeado no processo de execução n.º 8437/15.4T8CBR, que corre termos pelo Juízo de Execução de Soure, Juiz 2, desta Comarca, veio requerer que face à penhora de créditos que foi feita, o montante que a aqui Apelada tenha direito seja depositado à ordem daquele processo.

C) Com efeito, a Apelada apresentou embargos de execução no processo de execução acima identificado, tendo esta e o Apelante logrado obter um acordo judicial quanto à fixação do montante em dívida e quanto ao modo de pagamento e condição de exigibilidade desse valor. Assim

D) Apelada e Apelante, acordaram a forma de pagamento da quantia exequenda, sendo que o vencimento desse valor ocorria quando fosse verificada uma das situações que as partes previram na cláusula 2ª, ou seja: “O pagamento desta quantia será efectuado logo que se verifique a primeira das duas situações infra exaradas: a) logo que o despacho do Fundo de Apoio à Vitima, referente ao processo n.º 287/2015, seja notificado à Embargante e ao Agente de Execução, Dr. E (...) , referente à entrega da indemnização peticionada em tal processo ou; b) do trânsito em julgado da sentença proferida no processo 43/12.1TBMIR, processo de inventário, que corre seus termos no Tribunal de Família e Menores da Figueira da Foz.” Ora

E) Como o Apelante bem sabe, até à data em que apresentou o seu requerimento sobre o qual o Tribunal a quo proferiu a douta decisão recorrida, ainda não se verificou nenhuma das situações previstas na cláusula 2ª da transação, pelo que ainda não se mostra vencida a quantia nem é ela exigível, pelo que só com a douta sentença, de que ora o Apelante recorre na parte que o afecta, é que o processo referido naquela condição indicada na alínea b) é que se verifica, daí que à data da dedução da pretensão do Apelante e que ora foi decidida, a execução referida ainda continua suspensa, bem como os actos nela praticados.

F) Donde, da análise crítica da cláusula que acima se transcreveu e que as partes acordaram no processo de execução, infere-se que verificando-se o trânsito em julgado dos presentes autos, já se pressupõe que a Apelada tinha recebido a parte das tornas que lhe seriam devidas e, como tal, a penhora que antes tinha sido pedida pelo Ex.mo Sr. Agente de Execução deixou de ter efeito útil face ao acordo.

G) Contudo, quem tem direito a tornas nos presentes autos são os herdeiros do falecido Interessado nos autos, os quais intervêm no presente inventário em direito de representação, onde se inclui a aqui Apelada e, desse modo, as tornas que a Cabeça de Casal depositou nos autos são um património do acervo hereditário da herança aberta por óbito do primitivo Interessado e que terá que ser partilhado pelos herdeiros deste, sendo que a  penhora que foi feita nos autos, como bem decidiu o Tribunal, não pode ser aceite, até porque a dívida é própria da Apelada e não do primitivo Interessado e, como tal, apenas poderia ser feita em processo de inventário por morte deste, o que o Apelante não fez.

H) Pelo exposto, não há nenhum fundamento alegado pelo Apelante, nas suas alegações de recurso, que contrarie o que foi doutamente decidido pelo Tribunal a quo, devendo a douta decisão recorrida manter-se nos termos em foi proferida, deixando-se impugnadas as doutas conclusões de recurso A a AA apresentadas pelo Apelante.

TERMOS EM QUE

Deverá ser negado provimento ao recurso e, consequentemente, deverá ser mantida a douta decisão recorrida nos exatos termos em que foi proferida, tudo com os demais termos até final.

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II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa a materialidade invocada e que consta do elemento redactorial dos Autos, assim consignada, designadamente que:

- Na Decisão em causa (fls. 586-588) se exara:

«No presente processo de inventário para separação de meações, requerido em 29/2/2012, ao abrigo do art.º 1404.º do Cód. Proc. Civil aplicável, por M (…), em que foi igualmente interessado E (…), o qual ocupou o cargo de cabeça-de-casal, veio este a falecer em 18/8/2013, conforme assento de óbito reproduzido a fls. 156, tendo sido habilitados como únicos herdeiros do falecido, na habilitação de herdeiros que correu termos sob o apenso A, sua viúva O (…) e os seus dois filhos A (…) e J (…) prosseguindo com os habilitados, viúva e filhos, do lado do falecido cabeça-de-casal, os ulteriores termos deste processo de inventário, em que é igualmente interessada a actual cabeça-de-casal, M (…),ficando o falecido E (…) substituído na posição de interessado no inventário por aqueles seus três herdeiros.

Após diversas vicissitudes processuais, acabou por se realizar uma conferência de interessados em 21/6/2018, a fls. 480 e segs., na qual a casa de Mira e respectivo recheio, relacionados nos autos, ficaram atribuídos à cabeça-de-casal M (…) pelo valor de cem mil e trezentos euros (€100.300) que ofereceu, sem que houvesse licitações dos demais interessados.

O saldo em dívida de €1.141,88 foi reconhecido como dívida do património comum em causa à empresa G (…) quanto ao apartamento de Paris (relativamente ao qual, tal como quanto ao seu recheio, as partes foram remetidas para os meios comuns), sem prejuízo de, nos meios comuns, a interessada O (…)fazer prova das quantias que pagou a esse título.

Reconheceram ainda quanto a despesas com o prédio de Mira a dívida de €110,49, quantia paga pela interessada O (…) cabendo à cabeça de casal M (…) pagar metade desse valor e aos demais interessados a outra metade (deduzindo-se a parte da interessada O (…), por a já ter pago).

Foi também reconhecida a dívida de €111,24 quanto a despesas com o prédio de Mira, verba paga pela interessada O (…) cabendo à cabeça de casal pagar metade desse valor e aos demais interessados a outra metade (deduzindo-se a parte da interessada O (…) por a já ter pago).

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Visto o que ficou decidido na dita conferência de interessados, homologo por sentença a partilha constante do mapa de fls. 582/583, com a rectificação do lapso de escrita ordenada em despacho de 21/11/2019, adjudicando aos interessados os quinhões respectivos (art.º 1382.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil).

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Ao abrigo do art.º 1354.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil aplicável:

1. Condeno os interessados, na proporção de 50% pela cabeça-de-casal M (…) e de 50% pelos outros três interessados, a pagar o valor em dívida de mil cento e quarenta e um euros e oitenta e oito cêntimos (€1.141,88), reconhecido como dívida do património comum em causa à empresa credora G (…)., sem prejuízo de, nos meios comuns, a interessada O (…)fazer prova das quantias que pagou a esse título.

2. Condeno os interessados, na proporção de 50% pela cabeça-de-casal M (…) e de 50% pelos outros três interessados, a pagar à interessada O (…) a quantia de cento e dez euros e oitenta e seis cêntimos (€110,86), quanto a despesas com o prédio de Mira, deduzindo-se a parte da interessada O (…) quanto aos segundos 50%, por a já ter pago, pelo que da segunda parcela de 50% cabe aos interessados A (…) e J (…) pagar à sua mãe, O (…), um terço (1/3) cada um.

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Quanto à penhora de créditos requerida por solicitador de execução, relativamente a processo executivo em que é exequente A (…) e executada O (…)  não se trata aqui de processo executivo onde possa efectuar-se tal penhora, a dívida é própria da ora interessada O (…), não sendo dívida relativa à separação de meações aqui em causa, não foi reclamada pelos meios próprios do inventário e nem sequer foi reconhecida na conferência de interessados, pois o requerimento de penhora surgiu posteriormente à conferência.

Ainda que tivesse sido reclamada atempadamente, a dívida em questão não seria aprovada pelos interessados, nem reconhecida pelo Juiz, por ser dívida própria da interessada O (...) , nada tendo que ver com os bens do activo e do passivo a partilhar neste inventário.

Termos em que indefiro a realização da penhora, neste inventário, da quota-parte das tornas que cabe à interessada O (…), devendo o credor A (…) obter o pagamento da dívida que indica através do processo cível adequado.

Custa deste incidente anómalo pelo interveniente acidental A (…), com duas U.C. de taxa de justiça (art.º 7.º, n.º 4 e Tabela II do R.C.P.).

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Custas do inventário por ambas as partes interessadas (cabeça-de-casal, por um lado e os outros três interessados, por outro), em partes iguais (art.º 446.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil aplicável), porquanto ambas tiraram proveito do processo, como se verifica da conferência de interessados de 21/6/2018 a fls. 480 e segs.

Verifica-se ainda que os interessados originários ficaram divorciados por decisão da Conservadora do Registo Civil de 14/1/2010, a fls. 8/9 dos autos, quando já tinha entrado em vigor a Lei n.º 61/2008, de 31/10, que eliminou dos fundamentos do divórcio a «culpa» de um ou de ambos os cônjuges, pelo que as custas do inventário de separação de meações devem ser pagas a meias pelas partes agora interessadas, uma constituída pela cabeça-de-casal e outra parte pelos herdeiros do interessado originário falecido (art.º 1405.º, 2.ª parte, do Cód. Proc. Civil aplicável), sem prejuízo do disposto no R.C.P.»

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Nos termos do art. 635º do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608º do mesmo Código.

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As questões suscitadas, na sua própria matriz constitutiva e redactorial, consistem em apreciar se:

1.

C- É verdade que a penhora da quota-parte nas tornas que cabe à interessada O (…)foi requerida nos autos por solicitador de execução relativamente a processo executivo em que é exequente o recorrente e executada a referida O (…) - processo executivo 8437/15.4T8CBR do Juízo de Execução de Coimbra – juiz 2.

D- É igualmente verdadeiro que os presentes autos não se tratam de processo executivo, mas sim de Inventário e que o requerido pelo recorrente é dívida própria da interessada O (…)

E - Mas nada impede legalmente a penhora nos presentes autos da quota-parte das tornas que a interessada O (…)tem direito nos autos de Inventário.

F - A quota-parte das tornas que cabem à interessada O (…) é bem passível de penhora, penhora de direitos, concretamente, penhora de crédito previsto no art. 773º e seguintes do Código de Processo Civil.

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R - O n.º 1 art. 773º do CPC não estipula a necessidade de qualquer reconhecimento da parte notificada da penhora, mas estipula que a penhora consiste na notificação do devedor com as formalidades de citação pessoal, no caso em apreço, os autos de Inventário onde se encontram depositadas as tornas que cabem à interessada O (…) que o crédito fica à ordem do agente de execução.

S - As tornas depositadas à ordem dos autos de Inventário são créditos que com a notificação de penhora do agente de execução, com as formalidades de citação pessoal, ficam à ordem do agente de execução.

T - Como assim não foi cumprido, antes foi decidiu nos presentes autos de Inventário indeferir a referida penhora das tornas que cabem à interessada O (…), o Tribunal a quo violou o art. 773º do CPC, devendo ser a douta Sentença anulada nessa parte, com as devidas consequências, substituindo-se por decisão que, em cumprimento do art. 773º do CPC, ordene a transferência imediata à ordem do agente de execução e à ordem do processo executivo n.º 8437/15.4T8CBR do Juízo de Execução de Coimbra – juiz 2., das tornas depositadas à ordem dos presentes autos de Inventário, que cabem à interessada O (…)

Apreciando, diga-se que a sentença homologatória de partilhas limita-se a "chancelar" ou "autenticar" uma dada partilha, mediante a qual se atribui aos respectivos interessados o direito de propriedade sobre certos e determinados bens; tal decisão só surtirá, contudo, eficácia de caso julgado no tocante às questões que, "ex professo", hajam sido discutidas e dirimidas no correspondente processo de inventário (Cf. Ac. STJ 22-04-2004 (Processo n.º 04B987).

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Quer na vigência do regime do Código de Processo Civil (artigos 1326.° e seguintes) quer no actual Regime Jurídico do Processo de Inventário (Lei n.º 29/2009, de 29 de Junho) a sentença homologatória da partilha só constitui caso julgado material quanto às questões que expressa, e, explicitamente, decidiu e não quando se limita a "chancelar" ou "autenticar" uma partilha acordada. E mesmo esse caso julgado pode ser afastado pelo procedimento incidental, célere e expedito, da anulação, e sem necessidade de recurso extraordinário, quando se verifique a preterição de qualquer co-herdeiro. No processo de inventário a identidade de sujeitos - como elemento de tríplice identidade do n.º 1 do artigo 498.° do Código de Processo Civil -, não se reporta ao conceito de parte em termos clássicos mas ao de interessados (aqui se incluindo os credores da herança) (Cf. Acórdão STJ 29-06-2010 (Processo n.º 67-A/1999.P1.S1).

Do mesmo modo, o recurso da sentença homologatória da partilha destina-se apenas a impugnar o modo como ela foi organizada, não sendo o meio idóneo para se proceder à sua emenda, nem para a sua anulação por preterição de herdeiro ou pelo modo como a partilha foi preparada.

A sentença homologatória da partilha serve para autenticar as partilhas, condenar os interessados no pagamento das custas e ordenar o pagamento do passivo que tenha sido aprovado ou reconhecido.

Os interessados que se julguem prejudicados pela partilha, além do recurso extraordinário de revisão, têm ao seu alcance três meios específicos para se ressarcirem dos prejuízos que lhe sejam causados: a) a emenda da partilha por todos os interessados; b) na falta de acordo, a acção para emenda; c) ou a acção para anulação" (Cf. Acórdão TRC 24-09-2002 -Processo n.º 765/2002).

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O que assim se deixa enunciado, serve para sustentar - também neste horizonte específico -, tal como Rabindranath Capelo de Sousa o expressou: “a nós, parece-nos haver que contar aqui com razões processuais. A lei não quer que haja dúvidas tão significativas sobre o objecto da partilha judicial, cunhada por sentença judicial, v.g. para efeitos de protecção de interesses de terceiros» (Cf. Lições de Direito das Sucessões, 2º, 372).     Tão pouco para lhos, eventualmente, atribuir, fora de processo e contexto adequado!

Com este alcance, por tais razões, se julga de adequação, aquiescendo, o que, em decisório se consagrou sobre o problema:

«Quanto à penhora de créditos requerida por solicitador de execução, relativamente a processo executivo em que é exequente A (…) e executada O (…), não se trata aqui de processo executivo onde possa efectuar-se tal penhora, a dívida é própria da ora interessada O (…), não sendo dívida relativa à separação de meações aqui em causa, não foi reclamada pelos meios próprios do inventário e nem sequer foi reconhecida na conferência de interessados, pois o requerimento de penhora surgiu posteriormente à conferência.

Ainda que tivesse sido reclamada atempadamente, a dívida em questão não seria aprovada pelos interessados, nem reconhecida pelo Juiz, por ser dívida própria da interessada O (…) nada tendo que ver com os bens do activo e do passivo a partilhar neste inventário.

Termos em que indefiro a realização da penhora, neste inventário, da quota-parte das tornas que cabe à interessada O (…) devendo o credor A (…) obter o pagamento da dívida que indica através do processo cível adequado».

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O que haveria de equacionar com situação em que «tendo o interessado promovido execução autónoma contra o/a credor(a) de tornas, assistindo-lhe o direito de promover a penhora do crédito de tornas, a qual seria feita mediante termo lavrado no conhecimento de depósito, implicando, necessariamente, sempre que houvesse sido efectuado» (Cf. Ac. RL, de 20-03-2012, Proc. nº 8439-A/1992.L1-7, Relator: GOUVEIA DE BARROS). Não sendo, essa, também a situação que, aqui, se configura.

Em tais termos, pois para que a sentença possa servir de base à acção executiva, não é necessário que condene no cumprimento de uma obrigação, bastando que esta obrigação fique declarada ou constituída por essa sentença. E, mesmo, apesar de o inventário não ser uma acção de condenação, o certo é que a sentença homologatória de partilhas (apenas) fixa definitivamente, após o seu trânsito em julgado, o direito dos interessados, nomeadamente quanto aos bens que lhes foram adjudicados (Cf. Ac. TRL 26-11-1992 - Processo n.º 0068172).

Com este alcance, a sentença homologatória de partilha, (só) após trânsito constitui título executivo. Em todo o caso, sendo a verba partilhada no inventário um crédito da herança ou dívida activa litigiosa não se forma caso julgado relativamente ao devedor que não seja interessado no inventário" (Cf. Acórdão TRP 19-11-2012 (Processo: 221/06.2TJVNF-E.P1).

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Deste modo, pois, a levar em consideração que os n.ºs 1 a 5 e 7 do art.º 773º NCPC (penhora de créditos) reproduzem, nessa parte, o anterior art. 856.°, na redação do DL n.º 226//2008, de 20-11. No n.º 6 foi introduzida uma alteração fundamental: em vez do requerimento ser dirigido ao agente de execução é ao juiz.

A advertência exigida pelo art. 856.° do CPC (anterior redacção) só pode ter uma função e um alcance: ser requisito da produção do efeito atribuído à notificação. Por outras palavras, o texto legal dita uma comunicação, mas faz depender a aplicação dela do aviso dado ao notificado (Cf. Ac. RL, de 28.1.2016: Proc. 5363/10. 7TBCSC-F.L1-8.dgsi.Net).

Como Eurico Lopes Cardoso já apreciava: «quando hajam de penhorar-se depósitos voluntários ou particulares, mesmo feitos na Caixa Geral de Depósitos, já não tem de se proceder cm harmonia com o dito n.º 2 do artigo 861.°, mas têm de observar-se as normas do artigo 856.º.

Se a quantia a penhorar estiver depositada na Caixa à ordem de qualquer autoridade, a penhora é feita lavrando-se termo da apreensão, perante essa autoridade, no próprio conhecimento do respectivo depósito.

O funcionário que efectuar a penhora lançará esse termo no processo onde estiver o conhecimento e lavrará auto de diligência no processo da acção executiva.

Caso o primeiro processo se encontre em comarca diferente, há que passar carta precatória para ser feita a penhora» (Cf. Manual da Acção Executiva, 1987, p. 485).

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Sem afastar, do mesmo modo, que o objecto da penhora não é a conta do executado, isto é, a universalidade de posições activas que compõem a sua posição contratual perante o banco, mas o direito de crédito do executado sobre uma instituição de crédito decorrente de um saldo positivo num depósito bancário. Por isso, a penhora do saldo bancário é uma penhora do saldo presente.

Com a redacção dada ao n.º 4 do art. 860.° ACPC o legislador do DL n.º 38/2003 tomou posição relativamente à querela de saber se o devedor podia elidir o reconhecimento da dívida decorrente do seu silêncio na execução, fazendo-o na oposição à execução que lhe mova o exequente naquela, entendendo que podia, apenas lhe atribuindo responsabilidade pelos danos que causou ao exequente - nestes podendo-se incluir as custas dessa execução - desde que este faça valer tal indemnização na contestação da oposição à execução.

 Se o credor - exequente - se subrogava no crédito do executado sobre a instituição bancária - como decorria da aplicação do n.º 3 do art. 860.° ACPC à penhora de saldos bancários - necessariamente que a «prestação» que o exequente dele podia exigir haveria de corresponder ao valor concreto do crédito desta sobre o executado que, por isso, equivaleria ao montante do saldo bancário existente, nada tendo a ver com a divida exequenda na execução em que ocorreu a penhora.

Tanto assim que o NCPC no seu art. 780.°/ 1 já não remete o regime da penhora de depósitos bancários para o regime geral da penhora de créditos, mas somente para o regime do art 417.°/1 NCPC que rege a respeito do dever de cooperação para a descoberta da verdade (Cf. Ac. RL, de 2.10.2014: Proc. 1111/12.5TMLSB-B.L1-2.dgsi.Net).

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Demais, até o exercício e efectivação, pelo herdeiro, do seu direito e acção à herança indivisa, promovendo a respectiva partilha e obtendo nesta o preenchimento da sua quota (ideal) mediante a atribuição do direito (real) sobre bens daquela, ainda que em compropriedade, é um acto de disposição, ou pelo menos de modificação, que contende com os direitos dos credores no processo executivo, à ordem do qual aquele se encontrava penhorado, nos termos do art. 862.°. do CPC.

Por isso, tendo tal partilha sido acordada e realizada - à revelia daquele processo e do exequente -. por todos os co-herdeiros, já depois de notificados da penhora e advertidos dos seus efeitos, ela é ineficaz em relação àqueles, por força do art. 819.°, do CC.

Também por isso, não há - sequer, nessa hipótese -, conversão automática da penhora daquele primitivo direito no da penhora dos bens que ao executado herdeiro hajam sido atribuídos, em que sucedeu, e de que se tornou titular (Cf. Ac. RP, de 29.1.2015: Proc. 164/03.1TABGC-C.G1.P1.dgsi.Net).

Consequentemente, verificando-se que na decisão recorrida constam os factos e as razões de direito em que o Tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668º, nº1, alíneas b), c) e d) do CPC - art. 615º NCPC.

Daí que se configure como negativa a resposta às questões em 1.

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2.

U – Se o Tribunal a quo não podia ter indeferido, em cumprimento do art. 773º do CPC, a penhora da quota-parte das tornas que cabem à interessada O (…)

V - também não podia ter o mesmo Tribunal condenado o recorrente em custas com duas Unidades de Conta pelo incidente decidido como anómalo.

W- O recorrente A (…) não deu causa a nenhum incidente anómalo pelo que não podia ter sido condenado em custas com duas Unidades de Conta.

X - O recorrente apenas cumpriu o mecanismo processual previsto no CPC para a penhora de créditos, o art. 773º do CPC, sendo que o Tribunal a quo proferiu d. Sentença que, na parte que indeferiu a penhora das tornas que cabem à interessada O (…), violou o referido normativo legal, ferindo assim de nulidade a referida Sentença nessa parte.

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3.

Y – Para além disso, o Tribunal a quo também não podia proceder à emissão da conta n.º (…) no valor de 204,00€ e da guia de conta de processo (…) no mesmo valor de 204,00€, uma vez que não podia ter indeferido a penhora das tornas que cabem à interessada O (...) .

Z - O Tribunal a quo também não podia proceder à emissão da conta n.º (…) no valor de 204,00€ e da guia de conta de processo (…) no mesmo valor de 204,00€, uma vez que, em relação ao recorrente A (...) a Sentença ainda não transitou em julgado.

AA – Deve assim a douta Sentença ser anulada também na parte em que condenou o recorrente, na qualidade de interveniente acidental em custas pelo incidente decidido como anómalo em duas U.C. de taxa de justiça nos termos do art. 7º, n.º 4 e Tabela II do R.C.P., com consequente anulação da emissão da conta n.º (…)no valor de 204,00€ e ainda da guia de conta de processo (…) no mesmo valor de 204,00€, com as devidas consequências.

Neste segmento, refira-se, por sua vez, «em geral, em matéria de responsabilidade por custas processuais civis, a regra ser a de que será responsável quem tiver dado causa à acção - entendendo-se que tal sucede, a parte vencida, na proporção em que tal vencimento ocorrer (cfr. artigo 446.°/2 do CPC) - ou, não havendo vencimento da acção, caso em que não se consiga apurar qual a parte vencida, será responsável pelas custas do processo a parte que dele tirou proveito - cfr. artigo 446.°/1 do CPC. Tratam-se dos vulgarmente conhecidos princípios da causalidade (a título principal) e do proveito (a título secundário).

«Com efeito, a regra geral de responsabilidade pelo pagamento das custas assenta, a título principal, no princípio da causalidade e, subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual, sendo aquele indiciado pelo princípio da sucumbência, pelo que deverá pagar as custas a parte vencida, na respectiva proporção.

Nos processos nem sempre há, porém, parte vencida, como ocorre, por exemplo, nos inventários (...) e, por isso, não pode funcionar o princípio da causalidade consubstanciado no da sucumbência, passando a reger o princípio subsidiário do proveito processual, em razão do qual pagará as custas do processo quem deste beneficiou» (assim, Salvador da Costa; Regulamento das Custas Processuais; 2009, p. 44).

À semelhança do regime que constava estatuído no artigo 1383.° do CPC estabelece-se (mesmo) no n.º 1 da presente norma (art. 67º da Lei nº23/2013, de 5 de Março – Regime Jurídico do Processo de Inventário), igualmente, a consagração do aludido princípio do proveito. Assim, caberá aos herdeiros, ao meeiro e ao usufrutuário, na proporção do que recebam na partilha efectuada, a responsabilidade pelo pagamento das custas devidas pelo processo de inventário) (…)» (Cf. Carla Câmara/Carlos Castelo Branco/João Correia/Sérgio Castanheira, Regime Jurídico do Processo de Inventário Anotado, 2013, 2ª Edição, pp. 362-363).

-- -

Fora deste quadro, em função do que se constata haver ocorrido - e assim se vem de descrever -, por proacção exógena a tal intrínseca realidade processual, não pode deixar de se manter, igualmente, chancelando, por se justificar a efectuada fixação de:

«Custas deste incidente anómalo pelo interveniente acidental A (...) , com duas U.C. de taxa de justiça (art.º 7.º, n.º 4 e Tabela II do R.C.P.)».

Exactamente, levando em consideração que incidente (processual) é, constitutivamente, uma forma processual secundária, que apresenta em relação ao processo da acção, o carácter de episódio ou incidente (Cf. José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 3º-563).

Assim conceitualizando (sem sequer se tornar necessário recorrer ao disposto no art. 531º Código Civil (taxa sancionatória excepcional), mas tão só ao disposto no art.º 530º do mesmo Diploma Legal (taxa de justiça), responsabilidade pela dívida de custas nos processos integra a chamada relação jurídica tributária. de tipo obrigacional, resultante da lei e da actividade jurisdicional desenvolvida, encabeçada pelo Estado, sujeito activo, e pelos utentes do serviço de justiça vencidos ou que do processo tiraram vantagem, sujeitos passivos, cujo objecto imediato e mediato se consubstancia, respectivamente na vinculação dos últimos ao respectivo pagamento e na prestação pecuniária concernente. Dada a estrutura da referida relação jurídica de custas, a condenação no seu pagamento por quem vencido ficou na causa (ou incidente) não depende de pedido adrede formulado pelo “vencedor” (Cf. Ac. STJ. de 5.2.2004: Proc. 03B3809/ITIJ/Net). No caso, necessariamente, com a abrangência específica do convocado art.º 7.º, n.º 4 e Tabela II do R.C.P.)

Por esta forma, pois que a discordância quanto ao direito aplicável ou o erro de julgamento não se incluem nas nulidades da decisão cuja enunciação taxativa consta do art. 615º, nº1, do NCPC (Cf. Ac. STJ, de 5.11.2015, Proc. 565/05: Sumários, 2015, p. 614).

O que também leva a atribuir resposta negativa às questões em 2 e 3.

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Podendo, assim, concluir-se sumariando (art. 663º, nº7 NCPC) que:

1.

A sentença homologatória de partilhas limita-se a "chancelar" ou "autenticar" uma dada partilha, mediante a qual se atribui aos respectivos interessados o direito de propriedade sobre certos e determinados bens; tal decisão só surtirá, contudo, eficácia de caso julgado no tocante às questões que, "ex professo", hajam sido discutidas e dirimidas no correspondente processo de inventário.

2.

Quer na vigência do regime do Código de Processo Civil (artigos 1326.° e seguintes) quer no actual Regime Jurídico do Processo de Inventário (Lei n.º 29/2009, de 29 de Junho) a sentença homologatória da partilha só constitui caso julgado material quanto às questões que expressa, e, explicitamente, decidiu e não quando se limita a "chancelar" ou "autenticar" uma partilha acordada

2.1.

E mesmo esse caso julgado pode ser afastado pelo procedimento incidental, célere e expedito, da anulação, e sem necessidade de recurso extraordinário, quando se verifique a preterição de qualquer co-herdeiro.

2.2.

No processo de inventário a identidade de sujeitos - como elemento de tríplice identidade do n.º 1 do artigo 498.° do Código de Processo Civil -, não se reporta ao conceito de parte em termos clássicos mas ao de interessados (aqui se incluindo os credores da herança).

3.

Há que contar aqui com razões processuais. A lei não quer que haja dúvidas tão significativas sobre o objecto da partilha judicial, cunhada por sentença judicial, v.g. para efeitos de protecção de interesses de terceiros. Tão pouco para lhos, eventualmente, atribuir, fora de processo e contexto adequado.

4.

Com este alcance, por tais razões, se julga de adequação, aquiescendo, o que, em decisório se consagrou sobre o problema:

«Quanto à penhora de créditos requerida por solicitador de execução, relativamente a processo executivo em que é exequente A (...) e executada O (...) , não se trata aqui de processo executivo onde possa efectuar-se tal penhora, a dívida é própria da ora interessada O (...) , não sendo dívida relativa à separação de meações aqui em causa, não foi reclamada pelos meios próprios do inventário e nem sequer foi reconhecida na conferência de interessados, pois o requerimento de penhora surgiu posteriormente à conferência.

Ainda que tivesse sido reclamada atempadamente, a dívida em questão não seria aprovada pelos interessados, nem reconhecida pelo Juiz, por ser dívida própria da interessada O (...) , nada tendo que ver com os bens do activo e do passivo a partilhar neste inventário.

Termos em que indefiro a realização da penhora, neste inventário, da quota-parte das tornas que cabe à interessada O (...) , devendo o credor A (...) obter o pagamento da dívida que indica através do processo cível adequado».

5.

O que haveria de equacionar com situação em que «tendo o interessado promovido execução autónoma contra o/a credor(a) de tornas, assistindo-lhe o direito de promover a penhora do crédito de tornas, a qual seria feita mediante termo lavrado no conhecimento de depósito, implicando, necessariamente, sempre que houvesse sido efectuado. Não sendo, essa, também a situação que, aqui, se configura.

6.

Com este alcance, a sentença homologatória de partilha, (só) após trânsito constitui título executivo. Em todo o caso, sendo a verba partilhada no inventário um crédito da herança ou dívida activa litigiosa não se forma caso julgado relativamente ao devedor que não seja interessado no inventário.

7.

Deste modo, pois, a levar em consideração que os n.ºs 1 a 5 e 7 do art.º 773º NCPC (penhora de créditos) reproduzem, nessa parte, o anterior art. 856.°, na redação do DL n.º 226//2008, de 20-11. No n.º 6 foi introduzida uma alteração fundamental: em vez do requerimento ser dirigido ao agente de execução é ao juiz. A advertência exigida pelo art. 856.° do CPC (anterior redacção) só pode ter uma função e um alcance: ser requisito da produção do efeito atribuído à notificação. Por outras palavras, o texto legal dita uma comunicação, mas faz depender a aplicação dela do aviso dado ao notificado.

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8.

À semelhança do regime que constava estatuído no artigo 1383.° do CPC estabelece-se (mesmo) no n.º 1 da presente norma (art. 67º da Lei nº23/2013, de 5 de Março – Regime Jurídico do Processo de Inventário), igualmente, a consagração do aludido princípio do proveito. Assim, caberá aos herdeiros, ao meeiro e ao usufrutuário, na proporção do que recebam na partilha efectuada, a responsabilidade pelo pagamento das custas devidas pelo processo de inventário.

9.

Fora deste quadro, em função do que se constata haver ocorrido - e assim se vem de descrever -, por proacção exógena a tal intrínseca realidade processual, não pode deixar de se manter, igualmente, chancelando, por se justificar a efectuada fixação de:

 

«Custas deste incidente anómalo pelo interveniente acidental A (...) , com duas U.C. de taxa de justiça (art.º 7.º, n.º 4 e Tabela II do R.C.P.)».

10.

Exactamente, levando em consideração que incidente (processual) é, constitutivamente, uma forma processual secundária, que apresenta em relação ao processo da acção, o carácter de episódio ou incidente.

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III. A Decisão:

Pelas razões consideradas, nos termos expostos, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

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Coimbra, 17/11/2020.

António Carvalho Martins ( Relator)

Carlos Moreira

Moreira do Carmo