Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
350/08.8TBCDN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DE PATERNIDADE
CADUCIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 01/17/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CONDEIXA-A-NOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 1842.º, N.º 1, A) DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGO 1.º DA LEI 14/2009, DE 01/04; ARTIGOS 26.º, N.º 1E 36.º, N.º 1 DA CRP
Sumário: 1. Não é inconstitucional o regime constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 1842.º do Código Civil que fixa um prazo para a propositura da acção de impugnação de paternidade.

2. Assim, decorrido o prazo previsto naquele normativo, ocorre a caducidade do direito de propor a acção com vista ao reconhecimento do direito de impugnar a paternidade presumida.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A..., divorciado, residente na ..., propôs a presente acção ordinária de impugnação de paternidade, contra B..., divorciada e C..., menor, solteira, residentes na mesma morada, pedindo que se declare que a menor não é filha do Autor e que se ordene a rectificação do seu registo de nascimento em conformidade no que diz respeito à paternidade e avoenga paterna.

Alega para tal que o Autor e a primeira Ré casaram um com o outro em 01/11/1983 e se divorciaram em 21/09/2001 e que a segunda Ré nasceu em 17/01/1995, mais constando como filha do Autor na certidão de nascimento. Alega ainda que a 2.ª Ré não nasceu do relacionamento sexual do Autor com a 1.ª Ré, que não manteve relações sexuais com a 1.ª Ré dentro dos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento da 2.ª Ré, recusando-se a Ré a manter relações sexuais com o Autor, as quais, durante a vigência do casamento, ocorriam só amiúde já que a 1.ª Ré mantinha relacionamento amoroso e sexual com indivíduo de nome E.... Mais alega que, confrontada a Autora com a situação, saiu de casa no início de 2001. Invoca também que é infértil, não podendo gerar filhos.

Citadas, a Ré B... apresentou contestação em seu nome e da menor invocando a caducidade da acção já que a lei prevê, para o marido da mãe, o prazo de dois anos contados desde a data em que teve conhecimento da não paternidade, o que, segundo a petição inicial, ocorreu desde logo antes do nascimento já que o Autor alega não ter tido relações sexuais com a Ré no período legal de concepção, bem como ainda quando confrontou a Ré com os factos, segundo a sua versão, em 2001, dizendo ainda que o Autor conhecia a sua infertilidade até antes do nascimento da Ré, invocando ainda o Ac. 589/2007 do Tribunal Constitucional em abono do seu argumento.

O processo foi com vista ao Ministério Público a fim de se pronunciar sobre o curador a indicar à menor, tendo o Ministério Público indicado D..., o qual foi citado, bem como o Ministério Público.

Citado o Ministério Público, deduziu oposição aceitando os factos documentados (nascimento, casamento e divórcio) e impugnando os demais.

Com dispensa da audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, seleccionando-se a matéria assente e a que estando controvertida interessava à decisão da causa, de que reclamou o autor, por deficiência da matéria quesitada, reclamação que foi indeferida, cf. despacho de fl.s 132, relegando-se para a decisão final a excepção de caducidade invocada.

 Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação, tal como consta de fl.s 239 a 241, sem que lhe tenha sido formulada qualquer reclamação.
No seguimento do que foi proferida a sentença de fl.s 247 a 252, na qual se decidiu o seguinte:
“Por todo o exposto, julgando a acção improcedente, por verificação da excepção de caducidade, absolvo as Rés do pedido.
Custas pelo Autor.”. 

            Inconformado com a mesma, interpôs recurso o autor recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo (cf. despacho de fl.s 265), tendo sido o efeito do mesmo alterado para suspensivo, finalizando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1. O Ora Recorrente, ao propôr a presente acção pretende fazer valer um direito à verdade biológica, integrante do seu direito à identidade pessoal, que por sua vez integra todo o conjunto de direitos relativos à sua personalidade;

2. Tal direito encontra protecção constitucional nos artigos 25º, Nº 1 da Constituição da Republica Portuguesa;

3. E mais concretamente no artigo 26º Nº 1 da Constituição da Republica Portuguesa;

4. Por outro lado, o Autor, ao pretender ilidir a presunção de paternidade, quer ver estabelecido o seu verdadeiro “tronco familiar”, a sua real progénie;

5. Excluindo do seu círculo familiar ligado por laços de sangue, quem na verdade a ele não pertence, fazendo assim valer o seu direito à constituição de família, no seu sentido negativo (de exclusão de quem não é família) inscrito no artigo 36º Nº 1 da Constituição da República Portuguesa;

6. E assim sendo, estando estabelecido por via de prova pericial, que o Autor não é o progenitor da menor, a douta decisão, ao seguir a injunção normativa inscrita no artigo 1.842º, Nº 1, alínea a) do Código Civil, aplicando-a ao caso concreto, fê-lo, violando os preceitos constitucionais acima mencionados;

7. Devendo, assim, ser substituída por outra que declare inconstitucional o artigo 1.842º, Nº 1, alínea a) do Código Civil, quer na redacção anterior, quer na redacção da Lei 14/2000 de 1 de Abril;

8. Declarando que o direito a propôr a presente acção não caducou pelo decurso dos prazos ali referidos.

9. Dando provimento ao peticionado na acção.

JUSTIÇA!

            Não foram apresentadas contra-alegações.

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.  

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Inconstitucionalidade do artigo 1842.º, n.º 1, al. a), do Código Civil, quer na redacção anterior, quer na que lhe foi dada pela Lei n.º 14/2009, de 1/4 e inerente caducidade do direito a que se arroga o autor e;

B. Se a presente acção deve proceder.

           

            É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

A) O Autor e a 1.ª Ré casaram um com o outro em 12.11.1983 (alínea A) dos Factos Assentes);

B) A 2.ª Ré nasceu em 17.01.1995 (alínea B) dos Factos Assentes);

C) Na certidão de nascimento da 2.ª Ré consta que esta é filha do Autor e da Ré (alínea C) dos Factos Assentes);

D) O Autor e a 1.ª Ré divorciaram-se em 21.09.01 (alínea D) dos Factos Assentes);

E) O Autor não manteve relações sexuais com a 1.ª Ré dentro dos primeiros cento e vinte dias dos trezentos que precederam o nascimento da 2.ª Ré (art. 1.º da Base Instrutória);

F) – O Autor foi observado na consulta externa de Urologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra em 12/11/1990, por infertilidade, tendo já realizado anteriormente espermograma compatível com azoosperma e doseamento das hormonas sexuais, apresentando testículos hipotróficos, tendo sido proposto ao Autor que optasse pela adopção em data posterior a tal observação e anterior à referida em B) (resposta ao art. 10.º da Base Instrutória).

A. Inconstitucionalidade do artigo 1842.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil, quer na redacção anterior, quer na que lhe foi dada pela Lei 14/2009, de 1/4 e inerente caducidade do direito a que se arroga o autor.

Considerou-se na sentença em recurso que aquando da interposição da presente acção já se encontrava caduco o direito que se pretendia exercer, por decorridos mais de três anos contados desde a data em que o autor sabia que não era o pai da menor e a respectiva propositura e que o artigo 1842.º, n.º 1, alínea a), do CC não sofre de inconstitucionalidade, por se considerar prevalecente o direito à identidade pessoal da pretensa filha, ainda que não em conformidade com a verdade biológica, do que esta sobre aquela. A que acresce que, a menor, querendo, estará em tempo, nos termos da alínea c) do mesmo preceito, para impugnar a presumida paternidade.

Como resulta das suas alegações e conclusões de recurso, o autor, aqui recorrente, defende que o referido preceito do Código Civil padece de inconstitucionalidade ao fixar um prazo para ser intentada por si a acção de impugnação de paternidade, com vista a afastar a paternidade presumida resultante de ser o marido da mãe da menor.

Como resulta dos factos provados (al. B), a menor C ..., nasceu em 17 de Janeiro de 1995 e encontra-se registada como filha da 1.ª ré e do autor – cf. alínea C).

Por outro lado, como resulta de fl.s 8 dos autos, a presente acção deu entrada em juízo no dia 25 de Setembro de 2008.

Nesta data, como resultava da redacção que então era dada ao artigo 1842.º, n.º 1, al. a), do Código Civil, a acção de impugnação de paternidade podia ser intentada, pelo marido, no prazo de dois anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade.

Já no decurso da acção, através do artigo 1.º da Lei 14/2009, de 1/4, o artigo 1842.º, n.º 1, al. a), do CC, passou a ter a seguinte redacção:

“1 – A acção de impugnação de paternidade pode ser intentada:

a) Pelo marido, no prazo de três anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade;”.

Ou seja, manteve-se redacção igual à anterior, excepto no que respeita ao prazo, que foi alargado de dois para três anos.

Nos termos do artigo 2.º desta Lei, a mesma entrou em vigor em 2 de Abril de 2009, aplicando-se aos processos pendentes, como resulta, expressamente, do seu artigo 3.º.

Por outro lado, como resulta da factualidade provada e constante dos respectivos itens E) e F), o autor não manteve relações sexuais com a mãe da menor dentro dos primeiros cento e vinte dias dos trezentos que precederam o nascimento da menor e já havia sido observado na Consulta Externa de Urologia dos HUC, em 12/11/1990, por infertilidade, tendo já realizado anteriormente espermograma compatível com azoosperma e doseamento das hormonas sexuais, tendo-lhe sido proposto que optasse pela adopção em data posterior a tal observação e anterior à do nascimento da C ....

Daqui resulta, pois, ter de se concluir que o autor ainda antes do nascimento desta, já estava de posse de todos os elementos que lhe permitiam saber que esta não era sua filha biológica.

Tinha conhecimento de que por razões endógenas não poderia ser o pai da C ..., logo que a sua mulher apresentou sinais de gravidez. Logo aí teve efectivo conhecimento de que a mesma não era fruto da prática de relações sexuais havidas entre si e a mãe da criança, que inexistiram no período legal da concepção, para além do problema da infertilidade de que era portador, como resulta das referidas alíneas E) e F), dos factos provados.

Ora, atento a que a C ... nasceu em 17 de Janeiro de 1995 e a presente acção deu entrada em juízo em 25 de Setembro de 2008, como acima já assinalado, é indubitável que, aquando da propositura da presente acção já tinham decorrido mais de três anos contados desde a data em que o autor teve conhecimento de que não era o pai da C ..., pelo que, efectivamente, já tinha decorrido o prazo de três anos referido na alínea a) do n.º 1 do artigo 1842.º CC, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1.º da referida Lei 14/2009, (bem como, claro está dos dois anos mencionados em tal preceito, na anterior redacção), pelo que, já o direito que pretendia exercer se encontrava caduco, nos termos expostos.

Assim, assente que se verifica caducidade de exercício do pretendido direito, pelo decurso do referido prazo de três anos, importa averiguar se a fixação deste prazo para a propositura da acção de impugnação de paternidade pelo marido da mãe da menor enferma de inconstitucionalidade, com o fundamento em que o mesmo possa estabelecer um limite desproporcional, irrazoável e/ou inadequado tendo em vista o direito (quer do pretenso pai em afastar tal presumida paternidade, quer do filho em que se fixe a sua real paternidade, tradutora da verdade biológica) que se pretende exercer e que se prende com a fixação da paternidade biológica, no fundo, na salvaguarda do direito fundamental ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respectivo vínculo jurídico (que não são a mesma coisa, cf. João Loureiro, in Filho (s) de um gâmeta menor? Procriação medicamente assistida heteróloga, in Revista Lex Medicae, ano 3.º (2006), n.º 6, pág. 26 e seg.s e Rafael Vale e Reis, in O direito ao conhecimento das origens genéticas, pág. 108 e 109 – citados no Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 401/2001, de 22/09/2011) e que cabem no âmbito de protecção quer do direito fundamental à identidade pessoal, consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, quer de constituir família, plasmado no artigo 36.º, n.º 1 da mesma CRP.

No fundo trata-se de estabelecer a identidade pessoal, a qual se traduz no conjunto de atributos e características que permitem individualizar cada pessoa, que constituem o “eu” de cada um de nós, a “vivência pessoal”, a que se referem Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, pág. 609, 2.ª Edição, Coimbra Editora.

E em que assume particular relevo a identificação genética, a identificação física, o nome e a imagem mas também o interesse em cuidar da verdade biográfica e da relação do indivíduo com a sociedade ao longo do tempo.

Ou, como o referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª Edição revista, Vol. I, pág. 462 “… o direito à identidade pessoal, tal como está consagrado no artigo 26.º, n.º 1 da Constituição, abrange, não apenas o direito ao nome, mas também o direito à historicidade pessoal, enquanto conhecimento da identidade dos progenitores, e poderá fundamentar, por si, um direito à investigação da paternidade e da maternidade.”.

No fundo, tudo se reconduz à questão de que “saber quem sou exige saber de onde venho”, como refere Guilherme de Oliveira, in Caducidade das acções de investigação”, Lex Familiae, 2004, pág. 8.

Toda a problemática da fixação e procura da verdadeira paternidade biológica se prende com o direito constitucionalmente garantido que confere “o direito à identidade pessoal”- artigo 26.º, n.º 1 da CRP e do direito de constituir família em condições de plena igualdade – artigo 36.º, n.º 1 da CRP, os quais não podem ser restringidos, como resulta do artigo 18.º, n.º 2 da Lei Fundamental.

No entanto, como acima já aflorado, importa ver se a fixação do prazo de três anos para que possa ser impugnada a paternidade, por parte do marido, viola tais direitos constitucionalmente garantidos.

Como é sabido o Tribunal Constitucional, através do seu Acórdão n.º 23/2006, de 10 de Janeiro de 2006, in DR, I – A, n.º 28, de 8 de Fevereiro de 2006, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 1817.º, n.º 1 do CC, na medida em que prevê, para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante, por violação das disposições conjugadas dos artigos 16.º, n.º 1, 36.º, n.º 1 e 18.º, n.º 2 da CRP.

Na sequência de tal Aresto, em algumas decisões dos nossos Tribunais Superiores, passou a defender-se que ao caso previsto no artigo 1842.º CC se deveria aplicar a mesma solução, uma vez que se o filho pode impugnar a paternidade, sem limitação de prazo, também o presumido pai o poderá fazer, sob pena de discriminação de um dos elos da relação jurídico-filial, defendendo-se que o respeito pela verdade biológica sugere a imprescritibilidade não só do direito de investigar como do de impugnar e tratando-se, tanto num caso como no outro, de estabelecer a paternidade biológica, aderindo-se, para tal, em traços gerais, à argumentação expendida no referido Acórdão 23/2006, do Tribunal Constitucional – neste sentido podem ver-se Acórdãos do STJ, de 31/01/2007, Processo 06A4303 e de 25/03/2010, Processo 144/07.8TBFVN.C1.S1, ambos disponíveis in http://www.dgsi.pt/jstj e o de 07/07/2009, in CJ, STJ, Tomo II, 2009, a pág. 168 e seg.s. 

Em consequência do que, considerando que o prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 1842.º do CC, é limitador, a todo o tempo, pelo presumido progenitor, da possibilidade de impugnar a sua paternidade, é inconstitucional, com o fundamento em que se trata de uma salvaguarda desproporcional dos valores de certeza e de segurança jurídica que visam evitar a manutenção de uma situação de pendência ou dúvida acerca da filiação, por períodos longos, face à defesa do direito à identidade constitucionalmente garantido, se defendeu a imprescritibilidade da possibilidade do exercício do direito conferido no preceito ora referido.

Por seu turno, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem sido unânime em considerar que a situação de impugnação da paternidade presumida por parte do marido, não tem equivalência com a de investigação de paternidade, tal como já decidido no Acórdão n.º 589/2007, de 28 de Novembro de 2007, in DR, II.ª Série, n.º 13, de 18 de Janeiro de 2008.

E tem-no feito com base no argumento de que no caso de impugnação da paternidade pelo marido “não estará em causa um direito à identidade pessoal entendida no sentido … de direito ao conhecimento da identidade dos progenitores (que tem apenas relevo para a acção de investigação de paternidade), mas o direito ao desenvolvimento da personalidade na dimensão de um direito de autoconformação da identidade, que não poderá deixar de ser reconhecido em relação ao pretenso pai, quando este tenha motivos para duvidar da sua paternidade biológica e pretenda esclarecer a sua posição social e jurídica quer em relação ao filho presumido, quer em relação ao agregado familiar, quer ainda ao meio social em que se insere.

Há, no entanto, inevitavelmente uma diferença de grau entre a investigação de paternidade, em que patentemente está em causa o direito à identidade pessoal do investigante (e relativamente ao qual a imposição de um limite temporal pode implicar a violação do direito ao conhecimento da identidade dos progenitores), e a impugnação de paternidade, em que o que releva é a definição do estatuto jurídico do investigante em relação a um vínculo de filiação que lhe é atribuído por presunção legal” – como se refere no Acórdão ora, por último, mencionado.

Contrapõem os defensores da tese da imprescritibilidade que, também, no caso de impugnação de paternidade é, sempre, o direito à identidade da filiação, o direito a ter um pai, que está em causa, embora repartido pelo direito de o pretenso pai ilidir a presunção que sobre ele incide, mantendo-se válidas as razões, por contraponto à segurança das relações familiares, que consagram a prevalência da correspondência da paternidade com a realidade biológica, para além de que, se ao filho é concedida a possibilidade de, sem limitação de prazo, impugnar ou averiguar a paternidade, deve ser dada a mesma hipótese ao pretenso progenitor, sob pena de discriminação.

Como em muitas das questões e matérias que, hoje em dia, se nos colocam, não há verdades absolutas e não podemos esquecer que estamos perante valores, todos eles, relevantes: busca da realidade biológica e direito à constituição do respectivo vínculo, por contraposição aos valores da certeza e segurança jurídicas, das relações familiares e da vida em sociedade.

Pelo que, com o devido respeito por opinião em contrário, nos parece que a solução se deve encontrar na fixação de um prazo que se afigure como razoável e proporcional a fim de não se limitar a possibilidade de impugnação da paternidade mas sem que daí derive a possibilidade de o ser a todo o tempo, como ao deante melhor tentaremos explicitar, no seguimento do que tem vindo a ser a jurisprudência firmada no Tribunal Constitucional acerca desta questão.

Efectivamente, na senda do Aresto 589/2007, acima referido, este Tribunal, reiterou a mesma decisão no Acórdão 593/2009 e posteriormente no 179/10, de 12 de Maio de 2010, ambos disponíveis no sítio do Tribunal Constitucional e ainda, tendo por referência o prazo de dois anos previstos na pretérita redacção do artigo 1842.º, n.º 1, al. a), do CC.

Nestes dois Acórdãos decidiu o Tribunal Constitucional pela conformidade à Constituição do referido artigo 1842.º, n.º 1, al. a), por o prazo nele fixado não ser limitador da possibilidade de impugnação da paternidade, naquele mesmo prazo.

Este Tribunal voltou a apreciar a questão em apreço, no seu Acórdão n.º 446/2010, de 23 de Novembro de 2010, disponível no mesmo sítio dos anteriores, agora, versando, já sobre o referido artigo, na redacção que lhe foi dada pela Lei 14/2009, de 1/4 e, de novo, se pronunciou no sentido da sua constitucionalidade.

Também neste Aresto se buscaram as razões já explanadas no 589/2007, designadamente a já acima referida diferença entre as situações consoante se trate de impugnação ou averiguação de paternidade, para além de que, no caso do direito de impugnação da paternidade, este, se encontra apenas na disponibilidade directa dos membros da família, no sentido de que só o marido, a mãe e o filho, se encontram autonomamente legitimados a intentar a acção, podendo a discrepância entre a paternidade biológica e a presumida manter-se sempre que nenhum dos legitimados a impugná-la o faça, como reflexo da protecção da família constituída, quer interna quer externamente.

No que se refere às posições subjectivas de cada um dos interessados, salienta-se que na acção de investigação de paternidade o eventual interesse do investigado em não assumir um vínculo de paternidade correspondente à realidade biológica não é merecedor de tutela não devendo ser reconhecida “uma faculdade de o pai biológico se eximir à responsabilidade jurídica correspondente”, referindo-se, em abono de tal conclusão a opinião expressa por Guilherme de Oliveira, in Caducidade das acções de investigação, obra acima já citada.

Ao invés, o interesse daquele que é tido como filho em manter esse estatuto não pode ser inteiramente desconsiderado, sobretudo quando tal vínculo se encontra enraizado nas relações familiares e sociais do agregado familiar em que se insere.

Por último, considera-se como relevante o facto de o início do prazo da caducidade se contar a partir do efectivo conhecimento por parte do marido da mãe dos factos indiciadores da sua não paternidade.

Ali se referindo o seguinte:

“Este regime autoriza a atribuir valor significante à inércia do pai presumido, em sentido abdicativo do direito de a impugnar, ou, no mínimo, a dirigir-lhe uma imputação de auto-responsabilidade. Com a fixação de um termo inicial subjectivo (logo, acolhedor das variáveis casuísticas) e a não consagração de um prazo máximo objectivo fica garantido o que, pelo menos neste âmbito, é essencial: a concessão de uma oportunidade real ao pretenso pai de averiguar, pelos tramites processuais adequados, se o vínculo corresponde à realidade biológica, e de se libertar dele, em caso negativo. Se lhe chegam ao conhecimento (em qualquer momento) dados que lhe permitiriam duvidar seriamente da existência de um vínculo natural e ele nada faz, em prazo legal que só decorre a partir desse momento e possa ser tido de duração suficientemente adequada, sibi imputet, extinguindo-se por força desse comportamento conscientemente omissivo (não pelo decurso de um prazo objectivo), o direito de impugnar a presunção de paternidade.”.

Do que se conclui pela conformidade do regime plasmado na alínea a) do n.º 1 do artigo 1842.º do CC, com a Constituição (referindo-se, inclusive ser esta, também, a jurisprudência do TEDH, que se especifica).

De igual modo, se considera que o prazo concretamente nele fixado “três anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade”, é razoável e adequado à ponderação dos interesses em causa e que permitirá avaliar todos os factores que podem condicionar a decisão do marido da mãe em impugnar a presumida paternidade, concluindo-se que “… o prazo de três anos é suficiente para garantir a viabilidade prática do exercício do direito de impugnar a paternidade, não o impedindo ou dificultando gravemente.”.

Pelo que, também, quanto à duração do prazo de caducidade estabelecido, a norma do artigo 1842.º, n.º 1, al. a), do CC, não padece de inconstitucionalidade.

No mesmo sentido, se voltou a pronunciar o Tribunal Constitucional, nos Acórdãos 39/2011, de 25 de Janeiro de 2011; 449/2011, de 11 de Outubro de 2011 e 634/2011, de 20 de Dezembro de 2011, todos, como os anteriores, disponíveis no sítio do TC: http://www.tribunalconstitucional.pt/tcacordaos.

De resto, acrescente-se que mesmo para a hipótese de instauração de acção de investigação de paternidade, pelo filho, nos termos do n.º 1 do artigo 1817.º, o Tribunal Constitucional, através do seu Acórdão n.º 401/2011, de 22 de Setembro de 2011, disponível no mesmo sítio dos demais, decidiu-se pela constitucionalidade do prazo de 10 anos para a propositura de tal acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante, o que revela que neste Tribunal não se considera como imprescritível o exercício do direito de investigação de paternidade, por se reputar que este prazo é suficiente para assegurar que não opera qualquer prazo de caducidade para a instauração, pelo filho, de uma acção desta natureza.

Ora, volvendo, ao caso em apreço, como resulta das alíneas B) a F), e acima já dito, o ora autor logo que soube que a sua esposa estava grávida, estava de posse de todos os elementos para saber que não era o pai da criança.

A partir do nascimento desta, dispôs do prazo de três anos para impugnar a paternidade presumida, o que não fez, só o vindo a fazer quando a C ... já tinha 13 anos, pelo que, tal como decidido em 1.ª instância, se verifica a caducidade do direito de propor a presente acção com vista ao reconhecimento do direito de impugnar a paternidade presumida, relativamente à menor em causa.

Poderia ter exercido tal direito no prazo de três anos, o qual, como vimos, se mostra suficiente, para que o pudesse exercer.

Consequentemente, improcede esta questão do presente recurso.

Pelo que, fica prejudicado o conhecimento da segunda questão que nos era colocada com o presente recurso.

           

Nestes termos se decide:       

Julgar improcedente o presente recurso de apelação e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.


Arlindo Oliveira (Relator)
Emídio Francisco Santos
António Beça Pereira