Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
488/10.1GBLSA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: CRIME DE DANO
ARRANCAMENTO DE VEDAÇÃO DE TERRENO
Data do Acordão: 05/29/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA LOUSÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 212.º, N.º 1 CP
Sumário: Comete o crime de dano aquele que arranca uma rede de vedação de um terreno, sustida por várias estacas de madeira, impedindo o seu dono de dela retirar a respetiva utilidade de vedar o terreno.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

       Relatório

Pelo Tribunal Judicial da Comarca da Lousa, sob acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, os arguidos

A..., casado, agricultor/viveirista, filho de (...) e de (...) , nascido a 13.01.1951, em (...) , residente na Rua (...) Lousã,

B..., solteiro, desempregado, filho de (...) , nascido a 19.03.1986, na freguesia da (...) e residente na Rua (...) Lousã; e

C... , divorciado, agricultor, filho de (...) e de (...) , nascido a 02.05.1975, na (...) e residente em (...) , Lousã

imputando-se-lhe a prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal.

D (...) , representado por E (...) e F (...) , deduziu pedido de indemnização civil, no valor de € 7.239,00, cuja instância foi julgada extinta por impossibilidade superveniente da lide, em virtude do falecimento do demandante.

            Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 24.10.2012, decidiu:

- Absolver o arguido A (...) do crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal, de que vinha acusado;

- Condenar o arguido B (...) pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 70 dias de multa, à razão diária de € 5,00; e

- Condenar o arguido C (...) pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 90 dias de multa, à razão diária de € 6,00.

           Inconformado com a douta sentença dela interpuseram recurso os arguidos B (...) e C (...) , concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1. A sentença de fls., debalde douta, deve ser revogada.

2. O Tribunal “a quo”, com todo o devido respeito - que muito é! - fez uma apreciação errada da prova produzida em julgamento.

3. Sendo que, compulsando a prova produzida, deveriam os arguidos B (...) e C (...) ter sido absolvidos.

4. Por insuficiência da matéria de facto apurada para sustentar uma condenação.

5. A factualidade assente sob o ponto l da fundamentação corresponde, na sua generalidade, ao efectivamente ocorrido.

6. Note-se, de resto, e desde já, que os arguidos B (...) e C (...) não negaram que arrancaram a vedação, como de facto fizeram.

7. Todavia, os arguidos enjeitam - daí não ter havido a proverbial confissão “livre, integra e sem reservas” - terem-no feito de “caso pensado”, de forma premeditada.

8. Diversamente, a decisão de arrancar a rede foi adoptada pelo arguido B (...) , filho de D (...) , arrendatário do terreno onde a mesma foi colocada.

9. Tendo o co-arguido C (...) acompanhado aquele pelo facto de ser filho do seu "patrão", obedecendo a ordens, e nada mais.

10. Tal decisão foi tomada no momento, e movida pela vontade de entrar no terreno em causa, pelo mesmo caminho de sempre, o qual se encontrava impedido pela colocação da referida vedação.

11. A verdade é que o Tribunal recorrido dá como demonstrado que os arguidos B (...) e C (...) se deslocaram deliberadamente ao terreno aí identificado - sito em (...) -, com a intenção projectada e o propósito comum de arrancarem uma vedação que aí tinha sido colocada, com cerca de 80 a 90 metros.

12. Com o devido respeito, não houve qualquer intenção deliberada dos arguidos nesse sentido.

13. Matéria à qual, à míngua de outros elementos de prova - sendo certo que o percurso intencional de um (alegado) ilícito dificilmente pode ser estabelecido por terceiros (ainda que testemunhas “oculares”) -, apenas poderia (e pode) ser apurada com o concurso das declarações dos arguidos.

14.Ora, nesse conspecto, à matéria em causa - ponto l da fundamentação de facto da sentença de fls. - prestou declarações, desde logo, o arguido B (...) , declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, cf. acta de audiência de julgamento de 17.1O.2012 (ficheiro áudio n.º 20121017100620_47375_64733, cf. CD áudio disponibilizado pela Secção Única do Tribunal Judicial da Lousã ao mandatário subscritor).

15. À mesma matéria foi ouvido o co-arguido C (...) , com declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, cf. acta de audiência de julgamento de 17.1,0.2012 (ficheiro áudio n.º 20120117102616_47375_64733, cf. CD áudio disponibilizado pela Secção Única do Tribunal Judicial da Lousã ao mandatário subscritor).

16. Atendendo aos depoimentos prestados, e por outra prova não haver, a factualidade dada por provada pelo Tribunal “a quo” deve ser revista, expurgando-se da mesma a referência de que os arguidos “dirigiram-se” a um terreno, quando, na verdade, eles já lá estavam (a trabalhar, de resto, em especial o arguido C (...) ),

17. E que o fizeram (i.e,, deslocarem-se até ao terreno) com o “(...) propósito comum (...)” de arrancarem uma vedação com cerca de 80 a 90 metros.

18. Com efeito, os arguidos estavam no terreno globalmente considerado – o qual se divide em várias partes, com valas e regadios a dividirem diferentes níveis de terreno -, tendo-se deslocado para um plano superior do mesmo, ao qual foram impedidos de aceder pela existência de uma vedação no local, tendo removido essa vedação de forma a passar com as máquinas com que trabalhavam, para recolher uns alfobres anteriormente plantados.

19. Tratou-se de uma decisão tomada no momento - pelo arguido B (...) , diga-se -, e não de um “plano” (como refere o Tribunal “a quo” no ponto 2 da fundamentação, sugerindo uma premeditação....).

20. Pelo que deveria o Tribunal “a quo” ter respondido a essa matéria com a necessária objectividade, e em função da prova efectivamente produzida nos autos.

21-. O que, com o devido respeito, não se verificou.

22. No que concerne à factualidade dada por assente no ponto 2 da fundamentação de facto da douta sentença de fls., dela decorre que a remoção da vedação causou um prejuízo, de valor não concretamente apurado, é certo, mas não inferior a 100,00€.

23. Com o devido respeito, os autos não permitem extrair tal factualidade.

24. Nem mesmo, diga-se, o depoimento do co-arguido B (...) (como veremos infra).

25. Com efeito, a verdade é que a vedação foi removida com o necessário cuidado - algo que ninguém pôs em causa -, ficando os paus que a sustentavam e a respectiva rede ovelheira (parte integrante da mesma) encostados junto à casa do proprietário do terreno, D (...) .

26. Sendo que, como refere o co-arguido/recorrente B (...) , “ainda lá está” (cf. ficheiro áudio atrás referido, 07:38m e ss).

27. A vedação foi desmantelada e removida, tendo sido encostada a alguns metros do local.

28. Facto de que o queixoso/testemunha F (...) e esposa têm perfeito e cabal conhecimento.

29. Nunca tendo recuperado a vedação por simples inércia, ou para fundamentarem o presente processo-crime - que é um “satélite” de outros processos cíveis que correm pela Secção Única do Tribunal Judicial da Lousã, em que são partes o retro referido casal e o arguido (não recorrente) A (...) , cf. certidão de fls. 189-196,junta aos autos -,

30. Bem como o pedido cível que intentaram, baseados - como (aí sim...) bem refere o Tribunal “a quo” - numa factura elaborada muito tempo depois da colocação da vedação em causa, e depois do episódio em questão ( e com comprovativo de pagamento também ele muito posterior...à factura), reclamando o pagamento de uma quantia de 789,00€, como sendo a quantia ajustada para ressarcir os prejuízos alegadamente emergentes da “danificação” da vedação.

31. E a respeito do custo do metro de rede, em atenção à dimensão da vedação, referiu o arguido B (...) que 100 m de rede custam “cento e poucos euros” (cf. 19:30m e ss. do ficheiro áudio em causa), valor no qual estimou o preço da rede em estado de nova, mas Não o Prejuízo Causado, sendo que nenhum prejuízo foi admitido.

32. Ao dar por provado que a actuação dos arguidos - com a remoção (e prévio desmantelamento...) da vedação - causou um prejuízo de valor não concretamente apurado, mas não inferior a 100,00€, tomou a nuvem por Juno.

33. Refere o Tribunal “a quo”, para motivar tal resposta, que o arguido B (...) “(...) avaliou a vedação em quantia não inferior a 100,00€”.

34.Ora, como decorre da prova produzida nos autos, tal afirmação do Tribunal recorrido, com todo o devido respeito, não é rigorosa.

35. Na verdade, e muito diversamente, o arguido B (...) referiu que estimava em 100,00€ o preço da rede (preço de mercado), atenta as características e dimensões da mesma.

36. A mesma rede que o arguido B (...) diz que retirou com cuidado, que enrolou (ainda que não pela forma como “vem de fábrica”, e que depositou intacta, junto à casa do Sr. D (...) ).

37. Donde, decorre dos autos - e pode a prova ser percorrida de cabo a rabo! - que nenhuma prova foi efectivamente produzida quanto ao montante do alegado prejuízo emergente da (suposta...) danificação da rede (pois que disso se ocupam os presentes autos, e não de coisa diversa).

38. Donde, ao dar por provado, textualmente - e, para mais, com a indicação, em sede de motivação, que tal facto emerge das declarações do arguido B (...) ... - que o prejuízo causado na vedação se estima em, pelo menos, 100,00€, o Tribunal protagonizou uma tergiversação da prova.

39. Que nos parece, com todo o devido respeito (insiste-se), não ser aceitável.

40. Tanto mais que, como veremos infra, é uma questão, sem embargo de opinião diversa, fundamental para estribar uma condenação.

41-. Assim, no que concerne ao ponto 2 da factualidade provada,

42. Devem expurgar-se os seguintes segmentos: a), “(...) em cumprimento de tal plano (...)”; e b), “(...) assim causando um prejuízo de valor não concretamente apurado, mas não inferior a 1-00,00€”,

43. Mantendo-se a demais factualidade, por corresponder à verdade (e ao relatado em audiência de julgamento pelos arguidos).

44. Com os mesmo fundamentos atrás invocados, também a factualidade descrita no ponto 3.º da fundamentação de facto da sentença de fls. deve ser revogado, por não ter prova bastante que a fundamente, na medida em que os arguidos não agiram com intenção de provocar quaisquer estragos, nem provocaram, não se tendo apurado Qualquer prejuízo causado à vedação.

45. A existência de um prejuízo dependeria de se ter apurado qual a finalidade da vedação, e qual a utilidade ou utilidades que ficaram comprometidas com o desmantelamento e remoção dos componentes da mesma (e seu depósito num local próximo), o que não se verificou nos autos.

46. Sabendo-se que, como resulta das declarações dos arguidos - e não há prova em sentido contrário! - que os componentes da vedação ficaram intactos.

47. Pelo que, não há elementos que permitam concluir pela verificação da factualidade genericamente descrita no ponto 3 da fundamentação da matéria de facto.

48. Com o mesmo argumentário, também a factualidade descrita no ponto 4 deve ser revogada, e julgada não provada.

49. Com o devido respeito, se o Tribunal “a quo” não andou bem na apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, e na formação da sua convicção quanto aos factos,

50. Menos bem andou na subsunção legal.

51, Com efeito, e salvo melhor opinião, a sorte dos autos gira em torno, “prima facie”, da noção de prejuízo, e do conceito de limiar de danosidade social.

52. Vejamos, dispõe o n.º1 do artigo 212.º do Código Penal (CP) que “Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.”

53. No caso dos autos, não se pode considerar que a conduta dos arguidos tenha integrado qualquer dos elementos do tipo de crime, seja a destruição, a danificação, desfiguração ou inutilização.

54. Considerando que o objecto do (alegado) ilícito é a vedação

55. Constata-se, da prova produzida nos autos, que a mesma não foi destruída, mas apenas desmontada, ou decomposta, mantendo-se os seus elementos integrantes - i.e., os paus e a rede ovelheira - intactos, conservando a sua integridade e o seu valor.

56. O mesmo se pode considerar quanto à vedação globalmente considerada.

57. A qual não se pode considerar (sequer) inutilizada, na medida em que não foi apurada nos autos qual a finalidade e utilidade da mesma.

58. Em nenhum momento foi invocada, sequer alegada e menos ainda provada, qual a finalidade da referida vedação.

59. Sendo certo - e demonstrado nos autos - que o terreno em causa era agricultado pelo arguido A (...) ,

60. Motivo pelo qual não se vislumbra a utilidade e finalidade da vedação.

6l-. Tanto mais que a mesma não se estendia ao perímetro do terreno,

62. Impedindo apenas o acesso dos arguidos pelo local habitual (e possível...).

63. Sendo por isso espúria a finalidade associada à colocação da vedação.

64. Ora, nesse conspecto, e tudo visto,

65. Não se apurou qual o prejuízo efectivamente sofrido pelo alegado lesado.

66. Porquanto, como vimos, o montante dos alegados prejuízos (cerca de 100,00€) é puramente ficcional.

67. Assim, desconhece-se, sequer, se foi atingido o limiar mínimo de danosidade social exigível para podermos falar em crime de dano (dentro da categoria dos crimes contra o património).

68. Donde, não fornecem os autos elementos suficientes para condenar os arguidos,

69. Devendo os mesmos ser absolvidos, revogando-se a sentença condenatória, em conformidade, tudo com as legais consequências.

70. Sem prescindir ou conceder do acima exposto, e apenas por mero dever legal de patrocínio,

71. Sempre se dirá que a pena aplicada ao arguido C (...) é manifestamente exagerada,

72. Não se percebendo a razão pela qual é a mesma mais gravosa, tanto nos dias de multa (90, por comparação com 70...), como na taxa diária (6,00€), por comparação com 5,00€), relativamente à pena aplicada ao arguido B (...) .

73. Com efeito, os autos documentam que o arguido C (...) agiu sob ordens do co-arguido, motivo pelo qual não pode exercer-se sobre o mesmo um juízo de censura mais gravoso do que aquele que foi exercido - ainda que erradamente - sobre o arguido B (...) .

74. Sendo irrelevante, em nosso modesto entender, o histórico do arguido C (...) em matéria de crimes de condução sob o efeito de álcool.

75. O mesmo se verificando quanto à taxa diária de multa, a qual é desproporcionada, face aos rendimentos (parcos) do arguido.

76. Pelo que, sempre a sentença de fls. deverá ser revogada, com todas as legais consequências,

Termos em que deve dar-se provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida de fls., em conformidade com as conclusões, absolvendo-se os arguidos, tudo com as legais consequências.

O Ministério Público na Comarca da Lousa respondeu ao recurso interposto pelos arguidos, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção integral da sentença recorrida.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer  no sentido de que o recurso não merece provimento, excepto quanto aos dias de multa e à taxa aplicada ao recorrente C (...) , que deverão ser reduzidos.

            Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P..

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

            A matéria de facto apurada e respectiva motivação constantes da sentença recorrida é  a seguinte:

            Factos provados

1. No dia 01 de Dezembro de 2010, cerca das 16h00m, os arguidos B (...) e C (...) dirigiram-se a um terreno agrícola situado em (...) , área desta comarca, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (...) º da freguesia da Lousã, propriedade de D (...) , de quem era procurador F (...) e tutora, desde 15.02.2011, E (...) , com o propósito comum de arrancarem uma vedação com cerca de 80 a 90 metros, em rede ovelheira, sustida por várias estacas de madeira que aí tinha sido colocada por F (...) .

2. Assim, em cumprimento de tal plano, munidos com um alicate e um martelo, os dois, em comunhão de esforços, arrancaram a referida vedação (separando a rede das estacas), que transportaram com um tractor para outro local próximo onde ficou depositada, assim causando um prejuízo de valor não concretamente apurado, mas não inferior a € 100,00.

3. Agiram os arguidos B (...) e C (...) de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de causar os estragos que efectivamente causaram na mencionada vedação, bem sabendo que a mesma não lhes pertencia, que actuavam contra a vontade do seu legítimo dono e assim lhe causavam prejuízos.

4. Os arguidos B (...) e C (...) sabiam que as suas condutas estavam previstas e eram punidas por lei como ilícitos criminais.

5. O arguido A (...) é casado, tem dois filhos, desempregados e que vivem a suas expensas, e habita com a mulher e os filhos em casa própria; tem o 4.º ano de escolaridade, é agricultor, ganha, em média, € 600,00/€ 700,00 por mês, a mulher é doméstica e recebe uma pensão de reforma no valor de € 300,00 mensais; o agregado suporta despesas com seguros de montante não concretamente apurado.

6. O arguido B (...) é solteiro, vive com os pais e a irmã em casa destes; tem o 9.º ano de escolaridade e está desempregado.

7. O arguido C (...) está divorciado, vive sozinho e tem uma filha com 13 anos de idade, à qual paga € 150,00 mensais a título de alimentos; tem o 6.º ano de escolaridade, é agricultor, aufere, em média, € 500,00 por mês e paga € 200,00 em seguros. 

8. Os arguidos A (...) e B (...) não têm antecedentes criminais.

9. O arguido C (...) já foi alvo das seguintes condenações:
     - Pela prática, em 06.08.2007, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por sentença proferida em 10.03.2008, transitada em julgado em 08.04.2008, na pena de 80 dias de multa, declarada extinta pelo cumprimento;
    - Pela prática, em 15.09.2009, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por sentença proferida em 21.09.2009, transitada em julgado em 21.10.2009, na pena de 100 dias de multa, já declarada extinta pelo cumprimento.

            Factos não provados

Com relevância, não se provou que:

a) O arguido A (...) agiu da forma descrita em 1 a 4;

b) O prejuízo referido em 2 ascendeu a € 789,00.
Motivação da decisão de facto
A convicção probatória do tribunal fundou-se nas declarações dos arguidos, nos depoimentos das testemunhas e nos documentos juntos, como se passa a expor.
O arguido A (...) exerceu o seu direito ao silêncio sobre os factos que lhe são imputados.
Por seu turno, os arguidos B (...) e C (...) confirmaram a factualidade descrita em 1 e 2. Ambos negaram qualquer imputação desses factos ao arguido A (...) , o qual, segundo os declarantes, se encontrava próximo do local, mas não teve intervenção nos eventos, quer antes (no sentido de acordo prévio), quer depois da sua prática.
As testemunhas F (...) e E (...) , casados entre si, disseram ter assistido, nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas na acusação, à remoção da vedação (com separação da rede e das estacas), que descreveram, a qual foi transportada e depositada conforme narrado em 2, processo que, segundo aquele primeiro depoente, foi demorado. Esclareceram que, apesar de o arguido A... se encontrar próximo do local onde ocorreram os factos, apenas observaram os arguidos B (...) e C (...) a remover a dita vedação.
Por sua vez, a testemunha G..., que disse ser filho de F (...) e E (...) , referiu ter visto, no dia mencionado na acusação, dois indivíduos a retirarem a vedação em causa, que identificou como sendo os arguidos A... e B (...) , não tendo avistado o arguido C (...) . Ora, para além de tal versão dos factos estar em oposição com o teor das declarações dos arguidos B (...) e C (...) e dos depoimentos acima analisados, esta testemunha referiu que se encontrava a 50 metros do local e, pese embora tenha inicialmente afirmado que possuía um campo livre de visão, acabou por reconhecer que as condições de visibilidade não eram ideais, revelando, assim, pouca segurança no seu relato. Acresce que esta testemunha, ao contrário do mencionado pelos arguidos declarantes e depoentes supra identificados, afirmou que a rede foi removida com grande rapidez e não foi enrolada, o que mais contribuiu para infirmar a exactidão/veracidade do seu relato.
Também H... , prima do ofendido F (...) , imputou a prática dos factos sob apreciação a dois indivíduos, dos quais conseguiu identificar apenas um, dizendo tratar-se do arguido A (...) . Todavia, a própria testemunha admitiu não ter visto a face desse arguido, dada a distância a que se encontrava e ao nervosismo que de si se apoderou, bem como que um dos motivos que a levou a concluir tratar-se de A (...) foi a circunstância de os agentes da GNR que se deslocaram ao local se terem dirigido àquele arguido. Ora, não só este depoimento, tal como o anterior, não foi consentâneo com as declarações dos arguidos e relatos prestados por F (...) e E (...) , mas também pareceu ser fruto de suposições criadas pela testemunha, razões pelas quais não logrou convencer o tribunal.
No que especificamente concerne ao valor dos prejuízos causados, é certo que, a fls. 228 dos autos, consta uma factura, cujo teor foi confirmado pelas testemunhas F (...) e E (...) e I... , este último enquanto titular da empresa emitente do documento e que terá realizado os trabalhos nele descritos (segundo as testemunhas ouvidas em audiência, alguns meses antes da prática dos factos em apreço), da qual se extrai efectivamente o valor mencionado na acusação. Porém, estranha-se que na factura tenha sido aposta uma data (em concreto, 20.12.2010) muito posterior à da execução dos trabalhos (e inclusive, à da ocorrência dos acontecimentos que nos ocupam), circunstância para a qual o referido I (...) não ofereceu justificação bastante. Acresce que, para além de as testemunhas F (...) e E (...) terem interesse directo na causa, os seus depoimentos e o de I (...) não foram coincidentes, designadamente quanto ao espaço não vedado e acessos do terreno onde foi colocada a vedação. Assim, quanto ao valor, resta-nos as declarações do arguido B (...) , que avaliou a vedação em quantia não inferior a € 100,00.

A matéria vertida em 3 e 4 resulta da conjugação entre a factualidade objectiva apurada e as regras de experiência comum. Note-se que o arguido B (...) a este respeito disse que, não obstante a vedação não lhe pertencer e, como tal, não lhe ser permitida a sua remoção, fê-lo para aceder ao terreno onde aquela estava implantada no exercício de um direito que, na sua opinião, lhe assiste, enquanto arrendatário do referido imóvel (questão que, de resto, não cabe aqui aprofundar - nem foi explorada pela defesa -, dado que, desde já se adianta, a eventual existência de um direito dessa natureza não afasta o preenchimento do tipo de crime em apreço - pois comete a infracção o inquilino que destrói, danifica, desfigura ou inutiliza a coisa de que é legítimo detentor e beneficiário -, nem constitui qualquer causa de exclusão da ilicitude, culpa ou punibilidade).
O Tribunal valorou, ainda, os documentos de fls. 5-9, 21-23 e a certidão de fls. 189-196.

No que respeita às condições pessoais e sócio-económicas dos arguidos, consideraram-se as declarações por estes prestadas, que mereceram a credibilidade do tribunal.
Por fim, tiveram-se em conta os certificados de registo criminal juntos aos autos.

O factualismo não provado resulta da ausência de prova bastante pelos motivos acima explicitados.


*
                                                                           *
                                                  
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação ( cf. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos , face às conclusões da motivação dos recorrente B (...) e C (...) as  questões a decidir são as seguintes:

- se o Tribunal a quo fez uma apreciação errada da prova produzida em julgamento ao dar como provado na sentença recorrida, parte da matéria que consta dos pontos n.ºs 1 e 2, que deve ser expurgada de alguns dos seus segmentos e ao dar como provada a factualidade descrita nos pontos n.ºs 3 e 4, que deve ser dada como não provada;

- se a matéria de facto apurada não fornece elementos suficientes ao preenchimento dos elementos integrantes do crime de dano, p. e p. pelo art.212.º, n.º1 do  Código Penal, pelo que devem os arguidos ser absolvidos da pratica deste crime; e

- se, sem conceder, a pena aplicada ao arguido C (...) é manifestamente exagerada, tanto nos dias de multa (90), como na taxa diária (€ 6,00), que lhe foi aplicada.


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            Passemos ao conhecimento da primeira questão.

            O Tribunal da Relação conhece de facto e de direito ( art.428 do C.P.P.).

Porém, sem prejuízo dos vícios aludidos no art.410.º do C.P.P., o tribunal de recurso apenas pode modificar a matéria de facto quando, nos termos do art.431.º do Código de Processo Penal, se verifiquem os seguintes requisitos:
  « a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;
     b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do art.412.º; ou
     c) Se tiver havido renovação de prova.”.
A situação prevista na alínea a), do art.431.º, do C.P.P. está excluída quando a decisão recorrida se fundamenta, não só em prova documental, pericial ou outra que consta do processo, mas ainda em prova produzida oralmente em audiência de julgamento. 
Também a possibilidade de modificação da decisão da 1.ª instância ao abrigo da al.c) do art.431.º, do C.P.P., está afastada quando não se realizou audiência para renovação da prova neste Tribunal da Relação, tendo em vista o suprimento dos vícios do art.410.º, n.º 2 do C.P.P..
A situação mais comum de impugnação da matéria de facto é a que respeita à alínea b) do art.431.º do C.P.P. e foi a utilizada pelo recorrente para impugnar a matéria de facto.
Esta alínea b) do art.431.º do C.P.P., conjugada com o art.412.º, n.º3 do mesmo Código, impõe ao recorrente, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o dever de especificar:

  « a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados ;

     b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
     c) As provas que devam ser renovadas

O n.º 4 deste art.412.º, acrescenta que «Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art.364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação

O recorrente deverá indicar a sessão de julgamento em que as declarações ou depoimentos constam e localizar a passagem em causa na gravação, entre os minutos em que produziu prova oralmente, de modo a deixar claro qual a parte da declaração ou depoimento que se quer que o Tribunal de recurso ouça ou aprecie.

O STJ, pelo acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/2012, decidiu, sobre esta matéria, que « Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/enxertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações.».
Nos termos do n.º 6 do art.412.º do C.P.P., o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e, ainda, de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.

No presente caso, os arguidos B (...) e C (...) especificam, nas conclusões da motivação do recurso, os pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e as passagens em que funda a impugnação, através da indicação da sessão de julgamento em que os depoimentos constam, com localização da passagem na gravação.
O Tribunal da Relação considera, assim, que os arguidos/recorrentes deram cumprimento ao estabelecido no art.412.º, n.ºs 3, al. b) e 4 do C.P.P.. e, consequentemente, julga-se apto a modificar a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo, se concluir pela existência de erro de julgamento.
Antes de passar ao conhecimento directo da questão, importa realçar que a documentação da prova em 1ª instância tem por fim primeiro garantir o duplo grau de jurisdição da matéria de facto, mas o recurso de facto para o Tribunal da Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada como se o julgamento ali realizado não existisse. É antes, um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto exige uma articulação entre o Tribunal de 1ª Instância e o Tribunal de recurso relativamente ao principio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127.º do Código de Processo Penal, que estabelece que “Salvo quando a lei dispuser de modo diferente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”.

As normas da experiência, a que se deve atender na apreciação da prova, são «...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade.»[4].

Quanto à livre convicção do juiz, nessa apreciação da prova, ela não pode esta deixar de ser “... uma convicção pessoal -  até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais  -  , mas em todo o caso , também ela ( deve ser) uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros.”[5].

Na livre apreciação da prova o juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Observa, a este respeito, o Prof. Germano Marques da Silva, que « Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente ( v.g., a credibilidade que se concede a um certo meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza  a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem essencialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio, que há-de fundar-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.».[6]     

O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art.355.º do Código de Processo Penal. È ai, na audiência de julgamento, que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova e se assegura o princípio do contraditório, garantido constitucionalmente no art.32.º, n.º5.

Reportando-se aos princípios da oralidade e imediação diz o Prof. Figueiredo Dias, que « Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos  e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tornar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...) . Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais.”.[7]

Na verdade, a convicção do Tribunal a quo é formada da conjugação dialéctica de dados objectivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem.

Assim, se o recorrente impugna somente a credibilidade das declarações ou do depoimento deve indicar elementos objectivos que imponham um diverso juízo sobre a credibilidade das declarações ou depoimentos, pois aquela, quando estribada em elementos subjectivos é um sector especialmente dependente da imediação do tribunal recorrido. 

Uma vez, porém, que o princípio da livre apreciação da prova tanto vincula o tribunal de 1.ª instância como o tribunal de recurso, e que a reforma do Código de Processo Penal de 1998 deixou inequívoco que se quis assegurar um recurso efectivo da matéria de facto, o Tribunal da Relação, na reapreciação da matéria de facto a que se procede nos termos do art.412.º, n.ºs 3 e 4 do C.P.P., deve proceder a uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão tomada pelo Tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, avaliando se as provas indicadas por este impõem decisão diversa da recorrida.

Se o Tribunal a quo, que beneficiou plenamente da imediação e da oralidade da prova, explicou racionalmente a opção tomada, e o Tribunal da Relação entender que da reapreciação da prova resulta o acerto dessa opção sobre a matéria de facto impugnada, nos termos do art.127.º do C.P.P., deve manter a decisão recorrida.

Retomando o caso concreto, resulta do recurso interposto pelos arguidos/recorrentes B (...) e C (...) que a matéria de facto constante do ponto n.º1 da sentença recorrida deve ser expurgada dos segmentos em que se menciona que os arguidos B (...) e C (...) “dirigiram-se” a um terreno e que o fizeram (i.e. deslocarem-se até ao terreno) com o “(...) propósito comum (...)” de arrancarem uma vedação.

Alegam para o efeito e em síntese, que a decisão de removerem a vedação foi tomada no momento e movida pela vontade de entrar no terreno em causa, pelo mesmo caminho de sempre. Como resulta das declarações dos arguidos/recorrentes, cujos segmentos se transcrevem, estes deslocaram-se ao terreno em questão para arrancar uns “ alfobrezitos”. Na verdade, já lá estavam (a trabalhar, de resto, em especial o arguido C (...) ), quando sem “caso pensado”, sem plano, removeram a vedação, por que o arguido B (...) , filho de A (...) , arrendatário do terreno onde a mesma foi colocada, assim o decidiu, tendo o arguido se limitado a obedecer a ordens do filho do seu “patrão”.

Não houve, assim, intenção deliberada, premeditada, dos arguidos/recorrentes se deslocarem ao terreno, com o propósito de arrancarem a rede, ao contrário do que consta no ponto 1 dos factos dados como provados.

A prova produzida também não permite, no entender dos recorrentes, que se mantenham os segmentos do ponto n.º2 dos factos dados como provados na sentença em que se menciona que o fizeram “ em cumprimento de tal plano (…) assim causando um prejuízo de valor não concretamente apurado, mas não inferior a 100,00€.”.

Alega para este efeito, no essencial, que resulta das declarações dos arguidos/recorrentes, cujos segmentos transcrevem na motivação do recurso, que a vedação foi removida com o necessário cuidado - algo que ninguém pôs em causa -, ficando os paus que a sustentavam e a respectiva rede ovelheira (parte integrante da mesma) encostados junto à casa do proprietário do terreno, D (...) , onde ainda está. O queixoso/testemunha F (...) e esposa têm perfeito e cabal conhecimento deste facto e nunca recuperaram a vedação por simples inércia, para fundamentarem o presente processo-crime e o pedido cível que intentaram.

A respeito do custo do metro de rede, em atenção à dimensão da vedação, referiu o arguido B (...) que 100 m de rede custam “cento e poucos euros”, valor no qual estimou o preço da rede em estado de nova, mas não o prejuízo causado, pois nenhum prejuízo foi admitido, tendo este declarado que a enrolou, ainda que não pela forma como “vem de fábrica”.

A factualidade descrita nos pontos n.ºs 3 e 4 da sentença recorrida deve ser revogada uma vez que foi produzida prova bastante que a fundamente, na medida em que os arguidos não agiram com intenção de provocar quaisquer estragos, nem provocaram, não se tendo apurado qualquer prejuízo causado à vedação. A existência de um prejuízo dependeria de se ter apurado qual a finalidade da vedação, e qual a utilidade ou utilidades que ficaram comprometidas com o desmantelamento e remoção dos componentes da mesma (e seu depósito num local próximo), o que não se verificou nos autos.

Vejamos se assim é.

O Tribunal da Relação procedeu à audição da gravação das declarações prestas pelos arguidos/recorrentes B (...) e C (...) , bem como da testemunha E (...) indicada pelo Ministério Público na resposta ao recurso interposto pelos arguidos e, da audição, resulta que os segmentos transcritos na motivação do recurso e na resposta ao recurso, correspondem ao que efectivamente foi dito por todos eles.

Porém, como frequentemente acontece, os recorrentes só transcrevem as partes que são favoráveis á sua pretensão.

È verdade que o arguido B (...) declarou, designadamente, que ele e o arguido C (...) não foram para o terreno combinados para tirar a rede. Deslocaram-se ao terreno para arrancar uns “alfobrezitos” e foi lá, num “acto sem cabeça”, que decidiu arrancar a rede, passando a terem acesso ao terreno por onde iam antigamente.

Também o arguido C (...) declarou, nomeadamente, que no dia em causa “ andávamos lá no terreno” e nesse dia surgiu a necessidade de passar com o tractor.

Porém, o arguido B (...) também declarou que o próprio, o seu pai e o arguido C (...) se aperceberam da rede “para aí uns 2 ou 3 dias antes, não muito mais”, ou mesmo 15 dias antes de ter sido retirada. Ou “uma semana, vale mais jogar pelo seguro”. O seu pai também não concordava com a rede no local em que tinha sido colocada. Naquele dia em que foi retirada “teve que ser”.   

Por sua vez, o arguido C (...) declarou, nomeadamente, que trabalhou algum tempo no local e uns 15 dias de a tirarem já tinham visto a rede ovelheira. Um dia queriam passar com o tractor e o B (...) disse para tirar a mesma, pelo que a tiraram usando um alicate e um martelo.

Considerando que ambos os arguidos/recorrentes já sabiam da existência da rede de vedação uns dias antes de a arrancarem - no dia 1 de Dezembro de 2010 -, que não concordavam com a sua existência, que a mesma impedia a passagem do tractor por onde o arguido B (...) queria passar numa extensão correspondente à largura do tractor, e que para arrancarem a vedação os arguidos/recorrentes utilizaram um alicate e um martelo – como consta das suas declarações e está dado como provado no ponto 2 -, é evidente que os arguidos B (...) e   C (...) não estavam no terreno para apenas “arrancar uns alfobrezitos” quando num “acto sem cabeça” decidiram arrancar a rede.

Tendo os arguidos/recorrentes consigo um alicate e um martelo, com que despregaram e arrancaram a vedação que há vários dias sabiam existir no terreno propriedade de D (...) , porquanto com ela não concordavam e impedia a passagem do tractor que no dia 1 de Dezembro de 2010 levavam com eles, é racional e não viola as regras da experiência comum dar como provado que no dia 1 de Dezembro de 2010 os arguidos B (...) e C (...)   “dirigiram-se” ao terreno agrícola  propriedade de D (...) , com “o propósito comum” de arrancarem a vedação, tal como consta do ponto n.º1 dos factos dados como provados. 

Pelas mesmas razões se entende dever manter-se no ponto n.º2 dos factos dados como provados, na sentença recorrida, que “ em cumprimento de tal plano” arrancaram a referida vedação.

Quanto ao “prejuízo” de valor não concretamente apurado, mas não inferior a € 100, 00, mencionado no ponto n.º 2 dos factos dados como provados na sentença, os arguidos/recorrentes sustentam que este segmento deve ser expurgado uma vez que, por um lado, a rede não ficou danificada e não se provou que a rede tivesse qualquer utilidade que ficou comprometida com a actuação descrita no mesmo ponto da factualidade. 

Apreciando os argumentos para este efeito indicados pelos arguidos/recorrentes cumpre referir, antes do mais, que é irrelevante, para se decidir da alegada falta de prejuízo, dizer-se que o queixoso/testemunha F (...) e esposa têm conhecimento do local onde se encontra a rede e se nunca a recuperaram foi por simples inércia ou, eventualmente, para fundamentarem o presente processo-crime e o pedido cível que intentaram.

Desde logo, e por um lado, não é o queixoso ou proprietário, mas os arguidos/recorrentes, caso se prove serem os lesantes, quem está obrigado, por reconstituição natural, a reparar o dano ( art.562.º do  Código Civil). Por outro lado, nada tem de ilícito e seria uma conduta perfeitamente legítima por parte do queixoso ou do proprietário não deslocarem a rede de vedação do local para efeitos probatórios, seja para instauração de processo-crime, seja para dedução de pedido cível.

Posto isto, acrescentamos que não é correcto afirmar-se, como fazem os arguidos/recorrentes,  que ninguém pôs em causa que a vedação foi removida com o necessário cuidado e que não se mostra danificada.

É verdade que o arguido B (...) declarou, designadamente e como consta da gravação e da transcrição feita na motivação do recurso, que ele e o arguido C (...) despregaram a rede dos paus e não a estragaram, embora não esteja tão bem enrolada como quando vem de fábrica; que a rede que deslocou, no tractor, para junto da casa do proprietário do terreno, teria uns 100 metros e que uma rede com este tamanho terá um preço de € 100,00.

É que a testemunha E (...) declarou que a rede de vedação em causa era uma rede de arame, e ao ser manuseada, designadamente ao ser enrolada, acabou  “toda estragada”, e que “ aquilo está tudo amassado”. 

Este depoimento embora não tenha sido tido em conta pelo Tribunal a quo para fundamentar o concreto valor do prejuízo, foi ainda assim indicada na fundamentação da matéria de facto aos pontos n.ºs 1 e 2 da sentença recorrida, ou seja, há existência do prejuízo.

Se considerarmos o tamanho apreciável da rede de vedação ( cerca de 80 a 90 m) recentemente colocada no terreno; que a mesma foi despregada dos paus que a sustentava, tendo nela sido utilizado martelo e alicate; que foi enrolada e transportada num tractor para junto da casa do proprietário, onde ainda está; fugiria às regras da experiência comum que a mesma não se encontrasse danificada, bem como as estacas que as sustentavam. 

A rede em causa sendo de vedação tinha, racional e evidentemente uma função para o seu dono, que era vedar o terreno do proprietário, impedindo a entrada a pessoas e bens, designadamente aos ora recorrentes.

A rede de vedação arrancada pelos recorrentes do terreno agrícola e deixada pelos mesmos  enrolada e encostada à casa do proprietário, toda amassada, causou a este um dano monetário e de uso, pois neste local não tem qualquer utilidade para o seu dono.

Assim, e tendo o arguido B (...) atribuído a uma rede idêntica um valor de € 100,00 no estado de nova, como esta resulta que estaria em face da conjugação das declarações dos arguidos/recorrentes e do depoimento da testemunha E (...) , é perfeitamente razoável concluir que os arguidos B (...) e C (...) , com a sua conduta de arrancarem a martelo e alicate a rede das estacas, transportando-a com um tractor para outro local onde a deixaram depositada, amassada e sem qualquer utilidade, causaram ao dono um prejuízo de valor não concretamente apurado, mas não inferior a € 100,00.

Os recorrentes agiram com liberdade na acção, pois essa é a forma normal do agir humano e não resulta qualquer indício probatório de que no caso assim não sucedeu.

O dolo enquanto conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo, com consciência da ilicitude, é do foro íntimo, pelo que é através dos elementos objectivos da acção que ele se revela ou não.

No caso, perante o circunstancialismo dado como provado, designadamente o arrancamento da rede de vedação e sua deslocação para a casa do seu proprietário, não viola as regras da experiência comum e a livre apreciação da prova dar-se como provado que os arguidos/recorrentes ao arrancarem a rede de vedação sabiam que causavam danos em coisa que não lhes pertencia, que actuavam contra a vontade do seu legitimo dono e com consciência da ilicitude, e, ainda assim, quiseram agir do modo descrito.

A versão considerada provada na sentença tem pleno suporte nos meios de prova produzidos, e a sua valoração, nos termos em que foi feita, não revela a violação de qualquer regra da experiência comum, pese embora tenha implicado a desvalorização das declarações dos recorrentes.

O Tribunal a quo, que beneficiou da oralidade e imediação da prova, expôs e explicou racionalmente, a opção tomada, e o Tribunal da Relação entende que da reapreciação da prova resulta o acerto da decisão recorrida ao haver dado como provada a factualidade que consta dos pontos 1 a 4, que assim se mantém integralmente.


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            A segunda questão a apreciar é se a matéria de facto apurada não fornece elementos suficientes ao preenchimento dos elementos integrantes do crime de dano, p. e p. pelo art.212.º, n.º1 do Código Penal, pelo que devem os arguidos/recorrentes ser absolvidos da pratica deste crime.

Sustentam a este propósito os arguidos B (...) e C (...) que a sua conduta não integra qualquer dos elementos do tipo de crime, seja a destruição, a danificação, desfiguração ou inutilização.

No seu entender o objecto do alegado ilícito é a vedação e da prova produzida nos autos, resulta que a mesma não foi destruída, mas apenas desmontada, ou decomposta, mantendo-se os seus elementos integrantes - i.e., os paus e a rede ovelheira - intactos, conservando a sua integridade e o seu valor.

O mesmo se pode considerar quanto à vedação globalmente considerada, a qual não se pode considerar inutilizada, na medida em que não foi apurada nos autos qual a finalidade e utilidade da mesma. Demonstrado nos autos que o terreno em causa era agricultado pelo arguido A (...) , não se vislumbra a utilidade e finalidade da vedação, tanto mais que a mesma não se estendia ao perímetro do terreno, impedindo apenas o acesso dos arguidos pelo local habitual (e possível...).

Desconhece-se, ainda, se foi atingido o limiar mínimo de danosidade social exigível para se poder falar em crime de dano (dentro da categoria dos crimes contra o património).

Vejamos.

O art.212.º, n.º 1 do Código Penal estatui que “ quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia , é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.”.

O bem jurídico protegido pelo tipo é a propriedade, esta determinada pela lei civil.

De acordo com o art.1305.º do C.C., o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.

No âmbito dos elementos do tipo objectivo de ilícito importa referir que o objecto da acção típica é uma coisa alheia, aqui se compreendendo qualquer substância materialmente apreensível, de valor juridicamente relevante, que não é propriedade (ou não é propriedade exclusiva ) do agente agressor .

Nas modalidades típicas de desvalor da conduta do agente abrangem-se situações de perda total ou parcial da coisa, a alteração da imagem exterior da coisa e a redução da utilidade da coisa segundo a sua função.
Em todas estas apontadas formas de ilícito exige-se, pois, uma tomada de posição sobre a  possibilidade de se retirarem utilidades jurídico-socialmente relevantes da coisa. Ficam fora da tipicidade o dano de coisas despidas de valor, de acordo com critérios jurídicos de razoabilidade.      
Quanto ao tipo subjectivo importa referir que o crime de dano é um crime doloso ( art.13.º do  Código Penal). O dolo enquanto conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo é elemento constitutivo do tipo-de-ilícito; como expressão de uma atitude pessoal contrária ou indiferente perante o dever-ser jurídico-penal e , nesta parte , é ainda elemento constitutivo  do tipo-de-culpa dolosa.[8]

O crime de dano não contém no tipo especiais elementos subjectivos , como  a exigência de uma intenção ou  finalidade própria da acção , a adicionar ao dolo do tipo. Não exigindo o tipo subjectivo de ilícito  uma qualquer intenção , como finalidade própria da acção , pode o crime de dano ser praticado pelo agente apenas com conhecimento e vontade de realização dos elementos objectivos do crime  e consciência da censurabilidade da sua conduta perante o dever-ser jurídico-penal.

Retomando o caso concreto importa deixar claro que não consta dos factos provados – nem sequer da motivação ou dos segmentos das gravações e transcrições efectuadas pelos recorrentes – que o terreno em causa era agricultado pelo arguido A (...) , nem os recorrentes lhe atribuem relevância ao ponto de pedirem a sua inclusão nos factos provados.

Ao Tribunal da Relação, como tribunal de recurso, importa verificar se o Tribunal a quo fez uma correcta subsunção dos factos provados ao direito.

E, no caso, entendemos que fez.

Estando dado com o provado que os arguidos B (...) e C (...) , em comunhão de esforços e intenção, arrancaram uma rede de vedação de um terreno, sustida por várias estacas de madeira, impedindo o seu dono de dela retirar a respectiva utilidade de vedar o terreno, e causando-lhe ainda um prejuízo não concretamente apurado na sua substância, mas não inferior a € 100,00, preencheram os mesmos, com as suas condutas, todos os elementos objectivos do crime de dano de que vêm acusados.       

Ao assim se decidir deixa-se claro que a conduta dos arguidos/recorrentes atingido o limiar mínimo de danosidade social exigível para se poder falar em crime de dano.

Tendo os arguidos B (...) e C (...) agido com liberdade na acção, bem sabendo que tal vedação não lhes pertencia, que causavam prejuízos ao dono, que actuavam contra a sua vontade, e com consciência da ilicitude das suas condutas, concluímos que os mesmos preencheram também os elementos subjectivos do tipo e, consequentemente, bem andou o Tribunal a quo ao decidir que os arguidos B (...) e C (...) deveriam ser punidos pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, do crime de dano, p. e p., pelo art.212.º, n.º1 do  Código Penal.


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            Última questão: se a pena aplicada ao arguido C (...) é manifestamente exagerada, tanto nos dias de multa ( 90), como na taxa diária (€ 6,00).

Os recorrentes B (...) e C (...) alegam que não se percebe a razão pela qual a pena aplicada ao B (...) e C (...) é mais gravosa, tanto nos dias de multa (90, por comparação com 70...), como na taxa diária (6,00€, por comparação com 5,00€), relativamente à pena aplicada ao arguido B (...) .

Os autos documentam que o arguido C (...) agiu sob ordens do co-arguido, motivo pelo qual não pode exercer-se sobre o mesmo um juízo de censura mais gravoso do que aquele que foi exercido sobre o arguido B (...) e o histórico do arguido C (...) em matéria de crimes de condução sob o efeito de álcool é irrelevante.

A taxa diária de multa é desproporcionada, considerando os parcos rendimentos do arguido.

Passemos ao conhecimento da questão, relembrando que o Tribunal a quo optou pela pena de multa em detrimento da pena de prisão, previstas no tipo como penas principais, e que o crime de dano é punido com multa de 10 a 360 dias. 

Nos termos do art.71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, aplicável à pena de multa por força da remissão do art.41.º, n.º1, do mesmo Código, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele.

A culpabilidade aqui referida é um juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa, censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal.

As exigências de prevenção, a levar em conta, na determinação da medida concreta da pena, remete-nos para a realização in casu das finalidades da pena enunciadas no art.40.º, n.º1 do Código Penal, que são a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

A protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal ( prevenção geral positiva ou de integração).

A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.

É a prevenção geral positiva que fornece uma moldura de prevenção dentro de cujos limites podem e devem actuar considerações de prevenção especial.

As circunstâncias gerais enunciadas exemplificativamente no n.º2 do art.71.º do Código Penal, são, no ensinamento do Prof. Figueiredo Dias, elementos relevantes para a culpa e para a prevenção e, “ por isso, devem ser consideradas uno actu para efeitos do art.72.º-1; são numa palavra, factores relevantes para a medida da pena por força do critério geral aplicável.”.

Para o mesmo autor, esses factores podem dividir-se em “Factores relativos à execução do facto”, “Factores relativos à personalidade do agente” e “Factores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto”.

Nas alíneas a), b), c) e e), parte final, do n.º 2 do art.71.º, do Código Penal, podemos agrupar os factores relativos à execução do facto; nas alíneas d) e f), os factores relativos à personalidade do agente; e na alínea e), os factores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto. 

Por respeito à eminente dignidade da pessoa a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa ( art.40.º, n.º 2 do C.P.) , designadamente por razões de prevenção.

O Tribunal a quo considerou relevante para efeitos de determinação da medida da pena, “relativamente aos arguidos ”, o seguinte:

« - A ilicitude é baixa, tendo em conta a forma de execução e o desvalor da conduta, conjugados com o prejuízo causado;

- O dolo é directo, logo, intenso;

- O arguido B (...) é solteiro, vive com os pais e a irmã em casa destes, tem o 9.º ano de escolaridade e está desempregado;

- O arguido C (...) está divorciado, vive sozinho e tem uma filha com 13 anos de idade, à qual paga € 150,00 mensais a título de alimentos; tem o 6.º ano de escolaridade, é agricultor, aufere, em média, € 500,00 por mês e paga € 200,00 em seguros;

- O arguido B (...) não tem antecedentes criminais;

- O arguido C (...) já foi alvo das seguintes condenações:
       - Pela prática, em 06.08.2007, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por sentença proferida em 10.03.2008, transitada em julgado em 08.04.2008, na pena de 80 dias de multa, declarada extinta pelo cumprimento;
        - Pela prática, em 15.09.2009, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por sentença proferida em 21.09.2009, transitada em julgado em 21.10.2009, na pena de 100 dias de multa, já declarada extinta pelo cumprimento.».

Deste segmento da fundamentação de direito da douta sentença recorrida é medianamente claro que a razão pela qual a pena de multa aplicada ao B (...) é em 20 dias mais gravosa do que aquela que foi aplicada ao arguido C (...) , porquanto este tem já antecedentes criminais.  

O Tribunal a quo fez bem em ponderar na medida da pena os antecedentes criminais do arguido C (...) , embora os crimes pelos quais anteriormente foi condenado não sejam da mesma natureza do crime de dano, pois enquanto da ausência de antecedentes criminais do arguido B (...) se pode concluir que o ilícito em causa foi um episódio ocasional e isolado no contexto de uma vida fiel ao direito, o mesmo não resulta quanto se apreciam os factores relativos à conduta do arguido C (...) anteriores ao facto.

Não constando dos factos provados que o arguido C (...) agiu sob ordens do co-arguido B (...) não podia o Tribunal a quo tomar em consideração esta circunstância invocada no presente recurso.

Considerando que as razões de prevenção geral não são elevadas, uma vez que o crime de dano praticado não afecta significativamente o sentimento comunitário protegido no tipo penal, nem prementes as exigências de prevenção especial , dada a confissão parcial dos factos, a sua integração na sociedade e as suas condições sócio-económicas, consideramos que a pena de 90 dias de multa é uma pena justa e equilibrada.

No que toca à fixação do quantitativo diário da multa, o art.47.º, n.º 2 do Código Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, estabelece que “ cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.”.

A fixação da taxa de multa, sendo feita em função da situação económico-financeira do arguido, impõe o conhecimento, essencialmente, do rendimento auferido pelo arguido, de que o mesmo possa dispor, seja ele resultante do trabalho ou de património. 

O Prof. Jorge Figueiredo alertava, em 1993, que uma observação atenta da jurisprudência publicada conduz à convicção de que a média do número de dias de multa e o quantitativo diário  «… conduz à convicção de serem aqueles valores muito baixos – se não por vezes risíveis – por relação com os limites mínimos e máximos fixados na lei; e não terem assim correspondência com o sofrimento que implicaria a privação da liberdade pelo número de dias (mesmo que só normativamente) correspondente.».[9] 

A pena de multa tem de representar uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada, pelo que apenas em situações de indigência ou quase indigência poderá o quantitativo diário da multa aproximar-se do limite mínimo legal de € 5,00, sob pena de ser violada a finalidade da punição.

No caso em apreciação, o Tribunal a quo deu como provado que o arguido C (...) está divorciado, vive sozinho e tem uma filha com 13 anos de idade, à qual paga € 150,00 mensais a título de alimentos, é agricultor, aufere, em média, € 500,00 por mês e paga € 200,00 em seguros. 

A sua situação é distinta relativamente à do arguido B (...) , que estando desempregado não consta que tenha quaisquer rendimentos.

A situação económica do arguido C (...) , em face dos factos dados como provados, embora não seja folgada, não é a do indigente que vive sem qualquer rendimento disponível, pelo que não pode aplicar-se-lhe a taxa reservada a quem não tem qualquer rendimento.

A taxa diária de multa fixada pelo Tribunal recorrido em € 6,00 está muito próxima do mínimo legal e muito longe do limite médio da taxa em abstracto, uma vez que os limites da taxa diária se situam entre de € 5,00 a € 500,00.

Nestas circunstâncias, consideramos que uma taxa diária € 6,00 é equilibrada e adequada à situação económica do arguido C (...) , não constituindo seguramente para o mesmo um sacrifício injusto ou incomportável para remissão do crime dano – nem configura maior sacrifício do que a taxa de € 5,00 é para o co-arguido B (...) , que se encontra desempregado.

Assim, mantemos também a taxa da pena de multa aplicada ao arguido C (...) na douta sentença recorrida.

Uma vez que nenhuma norma legal ou princípio invocado pelos recorrentes na motivação do recurso foi violada pela decisão recorrida, impõe-se manter esta e negar provimento ao recurso interposto pelos arguidos.

              Decisão

       

             Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelos arguidos B (...) e C (...) e manter a douta sentença recorrida.

             Custas pelos recorrentes , fixando em 3 Ucs a taxa de justiça a cargo de cada um deles.

                                                                         *

Orlando Gonçalves (Relator)

Alice Santos


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.

[4]   cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira , in “Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág.300.  
[5]  cfr. Prof. Figueiredo Dias , “Direito Processual Penal”, 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.
[6] Cfr. “Curso de Processo Penal”, Vol. II, Verbo, 5.ª edição, pág.186
[7] Obra citada, páginas 233 a 234
[8] – Cfr. neste sentido , o Prof. Figueiredo Dias , in “Direito Penal – Parte Geral , Tomo I , Coimbra Editora , 2004 pág. 333.

[9] Cfr. “As Consequências Jurídicas do Crime”, editorial notícias, pág. 152.