Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
630/13.0TBGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
NEXO DE CAUSALIDADE
CONCAUSALIDADE
CONCURSO EFECTIVO
CAUSAS
Data do Acordão: 05/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA – 3.º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: DL 446/85, DE 25-10, DL 445/85 (REDACÇÃO DO DL 249/99, DE 07-07), ARTIGOS 232.º, 236.º E 762.º/2 DO CC
Sumário: 1 - O não funcionamento – não ter dado, perante uma intrusão, qualquer sinal na central de alarmes, não permitindo desencadear o plano da acção previsto – dum sistema/equipamento de segurança concorre/converge com o comportamento dos intrusos no dano causado pelo assalto consumado.

2 - O comportamento dos intrusos, é certo, é independente em relação ao não funcionamento do sistema (que, só por si, é também incapaz de causar o dano verificado), mas existe entre os dois factos uma relação de adequação, representando aquele o termo do processo causal, razão pela qual o não funcionamento do sistema deve considerar-se a causa mediata do dano e o seu autor (empresa de vigilância que incumpriu a sua prestação contratual) responsável pelo dano indirecto que causou.

3 - É o estado de fragilidade, em termos de segurança, causado pelo 1.º facto, que favorece a eficácia causal do 2.º facto para o dano; e neste contexto deve dizer-se que o 1.º facto cooperou efectivamente com o 2.º para o dano concretamente verificado (e que estamos na presença dum concurso real de causas complementares/subsequentes.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

“A...., Lda.”, com sede na (...), Catraia do Bacalhau, intentou a presente (então designada) acção declarativa comum sob a forma sumária contra “B...., Lda.”, com sede na (...), Algés, pedindo que esta seja condenada “ (…) a pagar-lhe uma indemnização, a título de danos patrimoniais, no montante de € 20.347,18, bem como dos juros de mora vencidos e vincendos desde a data do furto, até efectivo e integral pagamento”.

Alegou para tal que contratou com a R. (que se dedica à prestação de serviços de segurança privada e vigilância) a instalação e manutenção, por parte desta última, de um sistema de alarme no estabelecimento comercial (edifício e anexos) por si explorado, com vista a detectar intrusões não autorizadas e emitir o correspondente sinal de alarme e alerta.

Sucede que, entre os dias 27 e 28 de Agosto de 2011 (fim-de-semana), se verificou a intrusão de desconhecidos no estabelecimento comercial em causa (através da quebra do vidro duma montra), sem que o sistema de alarme instalado pela Ré detectasse tal intrusão e /ou emitisse o correspondente alarme; tendo sido furtados e danificados numerosos bens que se encontravam no estabelecimento.

Assim, segundo a A., é a R. (a quem a A. participou de imediato a ocorrência e os danos sofridos) a responsável pelos danos que o referido assalto lhe causou – em face da “falha na prestação do serviço”, uma vez que o dispositivo de segurança não cumpriu a sua função – razão porque aqui pede a indemnização dos mesmos.

A R. contestou, aceitando a existência da relação contratual com a A., mas impugnando (por desconhecimento) a generalidade dos restantes factos alegados pela A., designadamente, a ocorrência da intrusão e os danos causados pela mesma.

Alegou também que o sistema por si montado estava instalado e a funcionar correctamente, sucedendo que a central de alarme foi destruída (“no momento da alegada intrusão no estabelecimento”), tendo, “antes da sua destruição, emitido disparos de alarme”; acrescentando que na “revisão” que fez do sistema de alarme pós assalto verificou existir um mostrador de azulejos – colocado após a instalação do sistema de alarme – a “eventualmente anular o ângulo de detecção do sensor de alarme”; referindo ainda que o contrato celebrado com a A. (e as coberturas concedidas) não conferem à A. o direito à indemnização pretendida, traduzindo-se tão só o sistema de alarme “num elemento de prevenção e meramente dissuasor e não um garante de que a actuação de terceiros possa ser absolutamente impedida”.

Concluiu pois pugnando pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

A Autora respondeu impugnando o alegado pela R. na contestação, mantendo o alegado na PI, dizendo que não mexeu ou desligou o sistema (“o que sucedeu foi que o sistema de segurança foi mal instalado, impedindo assim o pleno funcionamento”), esclarecendo que a central de alarme não foi destruída no momento de intrusão no estabelecimento (uma vez que a montra “arrombada” dista cerca de 60 metros da central de alarme), referindo que “não teve qualquer participação na preparação das cláusulas do contrato, que se limitou a aceitar, não tendo sido devidamente explicado o seu conteúdo” e concluindo como na PI.

Foi proferido despacho em que se consignou que os autos passavam a seguir o ritual do NCPC; e, nessa sequência, as partes apresentaram os respectivos requerimentos probatórios.

Foi dispensada a realização de audiência prévia, proferido despacho saneador – que julgou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – e fixado o objecto do litígio e os temas de prova.

Instruído o processo e realizada a audiência, com observância do legal formalismo, o Exmo. Juiz julgou a acção procedente e “condenou a R. “ B..., Lda.” a pagar à Autora “ A..., Lda.” a quantia de € 20.347,18[1], acrescida dos juros de mora legais para créditos de que são titulares empresas comerciais, desde a data da citação da Ré para a presente acção até efectivo e integral pagamento”.

Inconformada com tal decisão, interpôs a R. recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que a absolva do pedido formulado na PI.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

“ (…)

C) As relações de bens (de fls. 22 e 23) consideradas pelo Tribunal a quo como relevantes para a decisão de procedência da presente acção consubstanciam meras reproduções mecânicas, sem que das mesmas constem a respectiva data e autoria;

D) Tais documentos não se traduzem em prova idónea para a demonstração dos factos alegados pela Recorrida i) quanto aos bens alegadamente furtados e danificados e ii) quanto aos respectivos valores;

E) Ao contrário do que sucede quanto à relação de bens supostamente furtados (a fls. 22) –relativamente à qual cuidou a Recorrida de juntar aos autos documentos que visam (embora, como se viu, não sejam idóneos para o efeito) a demonstração dos montantes por si alegados –, o mesmo não se pode dizer quanto à relação de bens danificados, já que do montante global de € 18.227,17, a que, de acordo com a relação de bens a fls. 23, corresponde o valor dos bens danificados, € 11.219,31 não são devidamente comprovados por qualquer documento de suporte ou, nas palavras do Tribunal a quo, por qualquer “justificativo”;

F) Mesmo as facturas juntas aos presentes autos pela Recorrida com vista a demonstrar quais os bens furtados e respectivo valor não são idóneas à demonstração dos factos controvertidos, mormente de que os equipamentos constantes das mesmas foram efectivamente pagos – note-se que não foram carreados para os autos os respectivos comprovativos de pagamento – e, muito menos, que se encontravam no armazém da Recorrida à data dos factos (Agosto 2011);

G) As facturas em causa remontam, na sua maioria, aos anos de 2008 e 2009, existindo, inclusivamente, facturas datadas de 2006, pelo que nada garante à Recorrente (nem ao Tribunal a quo) que os bens constantes das relações de fls. 22 e 23 estivessem ainda na posse da Recorrida e no interior do estabelecimento comercial à data dos factos;

H) Para além das referidas facturas, nenhum outro documento é sequer susceptível de demonstrar os danos alegados pela Recorrida, já que ou nada é referido quanto ao critério utilizado para calcular os valores dos bens danificados ou simplesmente são juntos orçamentos e alegadas quantias que se encontram ainda por facturar;

I) O Tribunal a quo atribuiu, portanto, uma indemnização à Recorrida confiando “cegamente” na afirmação desta de que as facturas juntas aos autos consubstanciavam os “justificativos” dos valores dos bens indicados nas relações de fls. 22 e 23, o que não corresponde à verdade;

J) Com base apenas na prova documental em causa, inexiste fundamento para que o Tribunal a quo considerasse provados, como considerou, os factos constantes das Alíneas J), L), M) e N);

K) Os factos constantes das Alíneas J), L), M) e N) não resultam, igualmente, e ao contrário do entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, do depoimento da testemunha D... (inquirida em 05.12.2013, registo áudio das 10:42 às 12:32);

L) A forma rigorosa para aferir se os bens alegadamente furtados e danificados se encontravam nas instalações da Recorrida à data do suposto furto seria através da consulta dos respectivos stocks;

M) No entanto, nenhum documento contendo um inventário do stock à data foi junto aos presentes autos pela Recorrida, até porque, segundo a testemunha D... (inquirida em 05.12.2013, registo áudio das 10:42 às 12:32), aquela não consegue manter os stocks actualizados;

N) Quanto aos valores dos bens pretensamente furtados, afirmou a testemunha D...(inquirida em 05.12.2013, registo áudio das 10:42 às 12:32) que os valores que constam da relação de fls. 22 correspondiam ao respectivo “custo de aquisição”;

O) A ser assim, e tendo em consideração que muitas das facturas juntas aos autos remontam a 2008 e 2009 (existindo, até, facturas de 2006), certamente que o material em causa não estava já no estado “novo”, pelo que o valor a considerar nunca poderia corresponder ao seu custo de aquisição;

P) Também por referência à prova testemunhal produzida quanto aos factos constantes das Alíneas J), L), M) e N), dúvidas não restam de que deveriam os mesmos ter sido considerados não provados pelo Tribunal a quo;

Q) Os “factos” constantes das Alíneas G) e T) encerram juízos meramente conclusivos, ou seja, i) alegadamente porque o alarme não disparou, os intrusos entraram no imóvel e furtaram alguns objectos e danificaram material e ii) caso o alarme tivesse funcionado conforme contratado, os responsáveis da Recorrida teriam sido avisados e poderiam ter chegado ao local num espaço de tempo de apenas 5 minutos;

R) Independentemente de o alarme ter disparado ou não, sempre os intrusos teriam entrado no imóvel em causa;

S) A testemunha D...(inquirida em 05.12.2013, registo áudio das 10:42 às 12:32) reconheceu que a sirene, que era apenas interna, consubstancia um elemento meramente dissuasor, nada garantindo, portanto, que, caso o alarme tivesse disparado, os intrusos não teriam furtado e danificado diversos bens, já que no exterior das instalações tal sirene (interna) não era audível;

T) A circunstância de a GNR ou os Bombeiros da Guarda ou, até mesmo, o representante legal da Recorrida serem avisados de que estava a ocorrer um assalto não impedia os intrusos de terem entrado nas instalações e de, pelo menos durante algum tempo, levarem a cabo as suas pretensões, furtando e danificando diversos bens;

U) Não consta dos autos qual a morada das residências dos representantes legais da Recorrida, pelo que não se compreende como pôde o Tribunal a quo ter concluído que os mesmos poderiam deslocar-se ao local (em pleno domingo de Agosto) no espaço de 5 minutos;

V) Tal como resulta da prova documental carreada para os autos (contrato entre as Partes celebrado), a zona da central de alarme encontrava-se protegida, já que a zona identificada como loja 1 (zona 2), estava protegida por um sensor volumétrico a proteger a central e o sensor da zona 1, identificada como entrada, protegia o acesso à zona 2;

W) Inexistem nos autos elementos probatórios idóneos e suficientes para que o Tribunal a quo considerasse como integralmente provados os factos constantes das Alíneas G), P) e T), os quais deveriam, na verdade, ter sido dados apenas como parcialmente provados nos seguintes termos, respectivamente:

“Sucede que o alarme colocado no estabelecimento pela Ré nos termos contratados e que se referem em C) a E) não disparou, sem que tivesse sido emitido qualquer sinal de alarme à central de alarmes da Ré e sem que esta tivesse avisado a GNR ou os Bombeiros da Guarda, nem C....”

“A zona da central de alarme situada no estabelecimento da Autora foi destruída pelos intrusos.”

“Se o dispositivo (alarme) tivesse funcionado conforme contratado e se refere em C) a E), os responsáveis da Autora teriam sido avisados.”

X) Muito se estranha que o Tribunal a quo tenha considerado provado que a Recorrida se limitou a aceitar as cláusulas e condições constantes dos contratos entre as Partes celebrados, quando, na verdade, no depoimento que esteve na origem de tal convicção ( D..., inquirido em 05.12.2013, registo áudio das 10:42 às 12:32), i) a testemunha não garantiu que não tivessem existido outras negociações directamente com o legal representante da Recorrida e ii) chegou mesmo a referir que existiram dois momentos: um primeiro de negociações prévias e um segundo de formalização dos contratos celebrados com a Recorrente.

Y) Entende, em suma, a Recorrente que os Factos Provados vertidos nas Alíneas G), J), L), M), N), P), T) e Z) deveriam ter sido considerados como não provados ou apenas parcialmente provados pelo Tribunal a quo, nos termos aqui expostos;

Z) Inexiste fundamento de facto e de direito para a procedência da presente acção e, consequentemente, para a condenação da Recorrente no pagamento de qualquer indemnização à Recorrida;

AA) Foram diversas as causas avançadas pela testemunha H... (inquirida em 05.12.2013, registo áudio das 16:17 até às 16:42) para que o alarme não tivesse disparado: i) estar simplesmente desligado, ii) ter havido destruição total do equipamento e/ou iii) existir qualquer objecto a obstruir o ângulo de captação dos sensores,

BB) Sendo certo que, em qualquer dos casos, tais factos são completamente alheios a qualquer acto ou omissão voluntários por parte da Recorrente;

CC) Estando em causa a responsabilidade contratual da Recorrente e tendo esta, conforme amplamente explanado, cumprido todas as obrigações a que se vinculou perante a Recorrida, nunca poderia a sua conduta ser causadora dos efeitos verificados, já que i) a intrusão nas instalações da Recorrida não foi provocada pela actuação da Recorrente, ii) o alarme apenas não disparou por motivos alheios à vontade da Recorrente (mormente a destruição total da central de alarme pelos intrusos), iii) ainda que o alarme tivesse disparado não se pode afirmar, com razoável grau de probabilidade, que o furto e danificação de bens não teria ocorrido, assim como iv) sempre se afigurava impossível demonstrar, com base nos elementos constantes dos autos, que as autoridades ou os responsáveis da Recorrida, se avisados, teriam conseguido chegar a tempo de evitar o furto e danificação de bens e em que medida;

DD) Apesar de, em face do não preenchimento dos requisitos que antecedem, se encontrar prejudicada a apreciação e atribuição de qualquer indemnização à Recorrida, sempre se diga que, ainda que a Recorrente tivesse efectivamente incumprido as obrigações contratuais a que se vinculou perante a mesma – o que, sem conceder, apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona –, nunca haveria lugar à fixação de qualquer indemnização em face da ausência de prova idónea nesse sentido.

A A. respondeu, defendendo a manutenção do decidido.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1.) Não pode o presente recurso proceder no sentido pretendido pela recorrente, ou seja no sentido da alteração da matéria de facto que aponta nas suas Alegações, já que a decisão do Mmo Juiz do Tribunal recorrido sobre tal matéria, não se fundou em qualquer erro manifesto de julgamento ou contrariando manifesta e inequivocamente as provas produzidas no seu conjunto, mas fundou-se sim, na apreciação de acordo com a sua livre convicção e consciência, que fez das provas globalmente consideradas, o que lhe é permitido, repete-se, pelo principio processual da livre apreciação da prova.

2.) Tendo presente os factos dados como provados, ficou demonstrado a existência de um contrato defeituoso dos contratos por parte da Ré e das obrigações a que se vinculou.

3.) Ao contrário do estipulado o sistema de alarme ( instalado pela Ré) não emitiu os sinais de alerta que deveria ter emitido, verificando-se um indevido não funcionamento do sistema de alarme instalado .

4.) A Ré não logrou provar a aludida presunção de culpa que sobre si impendia, nem foram de todo apurados os motivos pelos quais o sistema de alarme não funcionou adequadamente.

5.)Existe uma causalidade adequada à luz do nosso sistema jurídico entre o incumprimento contratual por parte da Ré e o dano que se verificou.

6.) Em face dos factos provados, o Mmo Juiz do Tribunal “a quo “ fez uma correcta e adequada apreciação dos factos, interpretação da lei e proferiu decisão conforme aos factos provados e com a devida fundamentação, dando cumprimento ao disposto no artigo 668º nº1 do CPC.

7.) A recorrente, limita-se a demonstrar que deveria ter sido considerados não provados ou parcialmente provados os factos vertidos nas alíneas G);J);L);M);N)P);T) e Z);

8.) Tendo presentes estas doutas e pertinentes considerações, e analisando o presente caso o Mm. Juiz do Tribunal recorrido entendeu que se provaram determinados factos e não se provaram outros, o que fez no âmbito e apreciação global de toda a prova produzida, dentro do poder de decidir segundo a sua livre convicção e consciência, fundamentando a decisão sobre a matéria de facto, de forma exaustiva, minuciosa e pormenorizada.

9.)A pretendida alteração apenas prevalecerá nas situações contadas em que, da análise daquela, se retira objectivamente, pelo cotejo global da prova analisada, que se está perante um incontornável erro de julgamento, a impor, clara e inequivocamente, outra solução. – Cfr. preâmbulo do D.L. nº 39/95 de 15 de Fevereiro” (negrito nosso)

10.) a prova documental, bem como o depoimento das testemunhas da Autora mereceu toda a credibilidade do Tribunal a quo ,que mostraram ter conhecimento directo sobre os factos , saliente-se o depoimento da testemunha D.... que revelou ter tratado de todos os assuntos relacionados com a ocorrência do assalto, bem como da contabilidade e dos contratos celebrados. Por sua vez, os depoimentos da Ré não demonstraram qualquer conhecimento directo sobre os factos, nem revestiram de qualquer importância ou relevância para o apuramento dos factos.

11.)Não existe qualquer desconformidade ou irregulariedade entre os factos provados e a decisão . O Tribunal a quo apreciou livremente as provas e decidiu de acordo com a convicção de que o Julgador formou à cerca de cada ponto da matéria de facto.

12.)Aliás, cremos que o presente recurso obedece apenas a propósitos dilatórios e se lamenta que se tenha abandonado a correcta e seria postura de só recorrer quando, com honestidade intelectual, se considera haver fundamento válido para isso.

13.) É de se lamentar toda a posição adoptada pelos recorrentes ao longo do presente processo, onde resulta com clara evidencia, que se pretendem furtar ao pagamento devido, alterando a verdade dos factos e agora venham a interpor recurso com a escassíssima fundamentação constante das alegações a que se responde

14.) A mesma Sentença não violou qualquer das disposições legais citadas pela recorrente nas suas doutas Conclusões improcedentes, mantendo-se a Douta Sentença recorrida nos seus precisos termos”

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

*

II – “Reapreciação” da decisão de facto

Como “questão prévia” à enunciação dos factos provados, importa – atento o âmbito do presente recurso, delimitado pelas conclusões da alegação da R/apelante – analisar as questões a propósito da decisão de facto colocadas a este Tribunal.

Os diversos depoimentos prestados em audiência, nos quais a 1ª instância se baseou para decidir a matéria de facto, foram gravados; constando assim do processo todos os elementos probatórios com que aquela instância se confrontou, quando decidiu a matéria de facto, pelo que e é possível modificar aquela decisão, se enfermar de erro de julgamento[2].

Faculdade – de modificar a decisão de facto – em cujo uso, costumamos “avisar”, é nosso dever ser contidos, cautelosos e prudentes, uma vez que existem elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o processo de exteriorização e verbalização dos depoentes, não importados para a gravação, susceptíveis de influir, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhes. O que, porém – salienta-se e enfatiza-se, para que não haja quaisquer equívocos interpretativos sobre o que se acabou de dizer – não significa que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto apenas envolve a correcção de pontuais, concretas e excepcionais erros de julgamento; efectivamente, a Relação, quando aprecia as provas – e pode para tal atender a quaisquer elementos probatórios – faz um novo julgamento da matéria de facto, vai à procura da sua própria convicção, assegura o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto (ou seja, a actividade da Relação não se pode/deve circunscrever a um mero controlo formal da motivação efectuada na 1.ª Instância).

Efectuados tais prévios e “tabelares” esclarecimentos, debruçando-nos sobre as concretas questões – tendo presente as posições assumidas pelas partes nos articulados, analisados os documentos juntos e ouvido o registo, efectuado em CD, das várias sessões de julgamento – concluímos, antecipando desde já a solução, que é muito marginal a razão que assiste à R./apelante; isto é, concorda-se/perfilha-se no essencial a apreciação e raciocínio dos segmentos da decisão de facto sob reapreciação.

Vejamos, seguindo uma lógica cronológica:

Diz a R/apelante que não se fez prova e que, assim, não se devia ter dado como provado que “a A. não teve qualquer participação na preparação e negociação das cláusulas e condições gerais referidas em V) e X), tendo-se limitado a aceitar as mesmas, não lhe tendo sido especificamente explicado o seu conteúdo.”

O que se deu como provado baseia-se e corresponde ao que foi referido pela 1.ª testemunha da A., D..., que esteve presente nas negociações (com o Sr. C..., “dono” da A.), que, basicamente, se traduziram na “comercial” da R. a explicar e a apresentar o serviço da R., após o que foi lá um técnico instalar a secção central e os sensores; também explicou e admitiu que lhes foram entregues as condições gerais, mas que não houve qualquer negociação sobre as mesmas (referiu: “ou assinamos ou não assinamos”).

E a propósito deste facto (alínea Z) nenhuma outra prova foi produzida; ou, mais exactamente, os outros contributos resultam das ilações que é forçoso extrair quer da total inanidade da prova apresentada/produzida pela R. quer das mais elementares regras da experiência da vida.

Total inanidade da prova apresentada/produzida pela R., uma vez que o seu registo (compreensivelmente ignorado na longa alegação recursiva sobre a impugnação da decisão de facto), quer sobre a alínea Z) quer sobre tudo o resto, se resume ao seguinte:

Disse a F.... (desde 2003 na R., responsável pela coordenação do atendimento telefónico – “centrais de alarme”) que teve conhecimento que foram celebrados 2 contratos, mas que não “participou nos mesmos” e que não conhece sequer a A.; que sabe dos equipamentos que foram instalados e que foram sensores de movimento (infra-vermelhos) via rádio; soube do incidente, mas, no dia, na coordenação das centrais de alarme, não houve qualquer alarme; não sabe dizer porquê, uma vez que não havia qualquer indicação de avaria ou anomalia no sistema e “não faço ideia do que terá acontecido em concreto”; admitiu que quem determina os locais dos sensores é o instalador – “especializado na matéria” – e referiu que, após o incidente, foi um técnico ao local verificar o que se passou e concluiu que a “central estava destruída/irrecuperável” e que havia um painel de azulejos a tapar um sensor.

Disse a G.... (desde 2007, operadora da central de alarmes da R.) que no caso não houve alarme/disparo na central de alarmes; explicando que, quando há uma intrusão, há um disparo e, nessa hipótese, entram em contacto com o cliente e depois com as autoridades (como consta da ficha de cliente).

Disse E... (gestor de produto – dá formação técnica – da R., desde 2002) que não teve qualquer intervenção na celebração dos contratos com a A.; que “não faço ideia do que é que lá está (na A.)” em termos de mecanismos; que quando a central é destruída não emite sinal; e que não sabe sequer onde fica a A..

Disse H... (responsável pelo departamento de agenda e técnicos da R.) que viu o histórico – se houve disparos – e não houve; colocou hipóteses para não haver disparo, designadamente, a destruição da central (admitindo que a central deve estar sempre protegida por um sensor/detector); aludiu à existência dum painel de azulejos e mostruário a dificultar o funcionamento dum sensor; referiu que, após o incidente, foram lá substituir a central e os outros aparelhos que não estivessem a funcionar; finalmente, referiu que nunca “veio à Guarda” e que “quem fez o trabalho (a instalação inicial) já não trabalha na R.”.

Em face disto – de tal vacuidade e generalidade (em que, sublinha-se, nem ao menos as instalações da A. as testemunhas da R. conhecem) – o referido depoimento da testemunha D... é mais do que suficiente e idóneo para dar como provado o que consta da alínea Z); tanto mais que não há nada nas condições gerais que não transmita e não sugira a ideia – e aqui entram as mais elementares regras da experiência da vida – de predisposição unilateral, generalidade e inalterabilidade de tais condições gerais.

Em face da extensão e detalhe do seu conteúdo e perante a expressão “Condições Gerais do Contrato de Prestação de Serviços de Instalação e Manutenção pela B..., Lda, que antecede o detalhe do clausulado, não é compreensível sustentar que o conteúdo contratual de tais cláusulas foi preparado, discutido e negociado pelas partes[3].

Perante um documento/invólucro contratual tão típico, em termos de detalhe, do que normalmente são ccg e sendo todo esse detalhe designado/intitulado de “Condições Gerais” – incutindo claramente a ideia de serem as condições que a R/apelante tem a iniciativa de propor à multiplicidade de contraentes potenciais e de haver uma indiferenciação no que respeita ao recorte e à negociação prévia do clausulado contratual – estava á partida e “por defeito” demonstrado que a R/apelante não deu à A/apelada possibilidade/oportunidade de influenciar o projecto/conteúdo do clausulado contratual, a não ser em aspectos de pormenor, que não incidiram/modificaram o que consta das condições gerais referidas em V) e X)[4].

Ou seja – se não houvesse qualquer outra prova e houve o testemunho do D... – a predisposição unilateral, generalidade e inalterabilidade sempre estariam à partida demonstrados, competindo, então, à R. demonstrar que foi especificamente explicado o seu conteúdo.

É para este 2.º aspecto – em que não há, evidentemente, quaisquer presunções naturais e da experiência – que temos apenas o testemunho do D..., mas, no contexto, não esquecendo a posição da R./apelante de começar por colocar em crise a não negociação do clausulado, toda a fé tem que ser conferida ao testemunho do D...[5].

Em conclusão, bem andou a decisão recorrida – em face da prova produzida – ao dar como provado que “a A. não teve qualquer participação na preparação e negociação das cláusulas e condições gerais referidas em V) e X), tendo-se limitado a aceitar as mesmas, não lhe tendo sido especificamente explicado o seu conteúdo.”

Diz também a R/apelante que não se fez total prova e que não se devia ter dado na totalidade[6] como provado que:

“o alarme colocado no estabelecimento pela Ré nos termos contratados e que se referem em C) a E) não disparou, permitindo assim que os intrusos entrassem no imóvel e concretizassem as suas intenções furtando alguns objectos e danificando material sem que tivesse sido emitido qualquer sinal de alarme à central de alarmes da Ré e sem que esta tivesse avisado a GNR ou os Bombeiros da Guarda, nem C....”

“a zona da central de alarme situada no estabelecimento da Autora foi destruída pelos intrusos e não estava protegida por sensores à data de 27 e 28 de Agosto de 2011.”

“se o dispositivo (alarme) tivesse funcionado conforme contratado e se refere em C) a E), os responsáveis da Autora teriam sido avisados, e ter-lhes-ia sido possível chegar ao local a partir das suas residências num espaço de tempo de apenas cerca de 5 minutos.”

Não tem razão.

Verdadeiramente, em termos “nus e crus”, estão apenas em causa o disparo ou não do alarme, a existência ou não dum sensor na central de alarme e a distância temporal a que a residência dos responsáveis da A. fica das instalações da A.; tudo o mais, são ilações que é/será ou não forçoso extrair dos 3 referidos factos, se provados.

Quanto ao 1.º facto, são as próprias testemunhas da R. que referem que não houve qualquer sinal de alarme na central de alarmes da R. (em Algés); foi, aliás, este o único facto de que revelaram ter conhecimento directo, razão porque não se entende – e não poderá deixar de ser tomado em conta, quando e na medida em que na apreciação da prova produzida também se deve ter presente o que foi alegado ao arrepio do que, fora de toda a dúvida, é a verdade – que a R. haja dito, no art. 23.º da contestação, que “a prova de que o sistema de alarme se encontrava a funcionar adequadamente é o facto de, antes da sua destruição, o mesmo ter emitido disparos de alarme”.

Quanto ao 2.º facto, como já explicámos, nenhum contributo temos das testemunhas da R.; que não conhecem sequer as instalações da A. (e, como referiu a testemunha H..., “quem fez o trabalho (a instalação inicial) já não trabalha na R.”) e que, por isso, não podem dizer nada sobre a efectiva e real existência[7] dum sensor na central de alarme; a tal propósito, de relevante, apenas esclareceram (também a testemunha H...) que a central deve estar sempre protegida por um sensor/detector.

Assim, resta-nos de novo o testemunho do D..., claro e convincente, sobre tais dois factos; além, claro está, da ausência de sensor na central de alarme da A. ser uma decorrência lógica das coisas: de ter sido possível destruir a central sem esta ter dado qualquer alarme e da R. não ter procurado dar qualquer explicação para o facto de tal sensor, a existir, não ter funcionado.

Quanto ao 3.º facto – distância temporal a que a residência dos responsáveis da A. fica das instalações da A. – temos mais uma vez o testemunho do D..., sem qualquer oposição consistente da R.[8]; que, claro está, podia ter obtido prévia informação sobre a residência do representante da A. e escrutinado o tempo que leva a efectuar o percurso.

E, estando tais 3 factos demonstrados, dar-se como provado o que consta das alíneas G), P) e T), corresponde tão só a levar a “lógica dos factos” até ao fim.

Se o alarme não toca e não dá sinal, os intrusos, claro está, podem concretizar as suas intenções criminosas; logo, não se vê porque é que não se pode/deve dizer e dar como provado que o não disparo do alarme permitiu a concretização das intenções criminosas e que, caso tivesse disparado/funcionado, os responsáveis da A. teriam sido avisados e chegariam ao local em 5 minutos[9].

Em conclusão, bem andou a decisão recorrida – em face da prova produzida – ao dar como provado o que consta das alíneas G), P) e T) dos factos provados.

Diz ainda a R/apelante que não se fez total prova e que, assim, não se devia ter dado na totalidade como provado que:

do interior do estabelecimento foram furtados materiais de construção civil, tais como rebarbadoras, aparafusadora, mala de ferramentas, entre outros, conforme todos vêm identificados e elencados na relação de fls. 22 e cujo conteúdo se considera integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, num valor total de €2.120,01.

“mais resultou a danificação de material e bens diversos, conforme tudo vem identificado na relação de fls. 23 e cujo conteúdo se considera integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, material e bens esses com um valor total de €15.727,17.

“ e houve ainda necessidade de o estabelecimento comercial da Autora permanecer inactivo pelo período de dois dias e meio, a fim de ser restabelecida a normalidade e suas condições de funcionamento, com um custo associado que se estima em €2.500,00.

“ do assalto em causa resultou ainda o arrombamento de um cofre e o furto do seu interior de diversas peças em ouro.

Não tem, em substância e no essencial, razão.

Estão em causa, em tais 4 factos, os bens e objectos furtados pelos intrusos e os diversos estragos e danos por ele causados.

Decisivo, suficiente e idóneo, para a decisão de os considerar no essencial provados, é/foi o testemunho de D..., funcionário administrativo da A. desde 2002, que foi quem na A. apurou o que havia sido furtado e danificado.

Escreveu-se na decisão recorrida – e merece a nossa total concordância – sobre o testemunho de D... o seguinte:

“ (…) Tal testemunha depôs de forma serena, altamente circunstanciada e com elevado conhecimento directo dos factos, revelando ter tratado de todos os assuntos relacionados com a ocorrência do assalto em causa na presente acção (…)

A testemunha em causa descreveu a forma como os intrusos terão entrado no estabelecimento e o dia em que isso teria sucedido, os danos que se verificaram, os objectos que foram subtraídos, a forma como os apurou e como elaborou as relações de bens danificados e furtados de fls. 22 e 23, a forma como apurou e atingiu os respectivos valores (por referência às facturas de fls. 81 a 94 e 98 a 115 dos autos), os trâmites que a Autora e a própria testemunha ao seu serviço empreendeu junto da Ré a fim de serem apuradas responsabilidades (…), afirmou o facto de a central de alarmes que foi destruída não estar coberta por qualquer sensor (ao contrário do que hoje já estará, em conformidade com intervenção posterior que foi efectuada pela R.), descreveu o estabelecimento comercial da Autora, e ainda a forma como teria existido a reacção imediata dos responsáveis da Autora caso o alarme tivesse operado como deveria.

É de referir que o depoimento prestado por esta testemunha D...não foi minimamente colocado em causa por qualquer outro depoimento, nem por qualquer outro elemento de prova que haja sido produzido ou que constasse dos autos, algo que, aliado à firmeza, serenidade e objectividade do seu depoimento, fez com que, quanto a nós, merecesse total credibilidade, como mereceu.

(…) justifica-se uma menção quanto à forma como a testemunha contabilizou o valor de € 2.500,00 que foi por nós autonomizado no item M) dos factos provados e que consta da relação de fls. 23, relativo aos prejuízos derivados da inactividade do estabelecimento pelo período de dois dias e meio, a fim de ser normalizada a situação após a intrusão ocorrida. Pensamos que tal testemunha justificou de forma suficiente a forma como atingiu tal valor, por referência à facturação normal do estabelecimento em período equivalente, e aos custos e empenho de tempo que foi necessário à recuperação da informação após a danificação de todo os sistemas e meios informáticos que se verificou, afirmando a testemunha, de forma que nos pareceu credível e sincera, que ainda assim essa quantia de € 2.500,00 é estimada em valor que é seguramente muito inferior ao real e total da paralisação do estabelecimento durante o período de tempo em causa e as perdas permanentes de informação que se verificaram.

Por seu turno, será de deixar claro ainda que é nosso entendimento o de que a Autora fez a prova suficiente que era possível e que lhe competia quanto ao valor dos bens furtados e danificados, por referência às já aludidas facturas de aquisição dos mesmos de fls. 81 a 94 e 98 a 115 dos autos, mesmo tendo-se presente que alguns dos bens já seriam usados e mesmo tendo-se presente que se desconhece com pormenor o grau de danificação concreto de que cada um dos bens que terá existido.

De todo o modo, pareceu-nos mais uma vez credível o depoimento da testemunha D...no sentido de que apenas estarão a fazer referência aos bens que ficaram mesmo inutilizados ou imprestáveis para a finalidade a que se destinavam (…)”

É exactamente isto.

Cumprindo o que começámos por referir – que à Relação compete fazer um novo julgamento da matéria de facto – corresponde e exprime o que acabámos de transcrever à nossa própria convicção.

Certamente que não é por uma parte/testemunha referir um certo facto que o tribunal passa a ficar adstrito a incluir tal facto na sua “reconstituição do passado”; a prova testemunhal, é sabido, é apreciada livremente pelo tribunal, o que apenas significa que o tribunal não está vinculado, na sua apreciação, a quaisquer regras legais estritas e que é antes recorrendo a todas as circunstâncias envolventes, a todos os detalhes, munindo-se de todo o seu sentido crítico e analítico, fazendo uso de toda a sua perspicácia, argúcia e experiência, que o tribunal avalia os depoimentos testemunhais, só “validando” para a sua “reconstituição do passado” o que lhe possa/deva merecer valor e crédito.

É pois munindo-nos de todo este sentido crítico e analítico que dizemos, em harmonia com a decisão recorrida, que o testemunho do D... – pela forma serena, tranquila e espontânea com que foi respondendo, ao longo de cerca de duas horas, a tudo o que se lhe era perguntado – merece todo o crédito; tanto mais que foi dando, a propósito das várias verbas do documento de fls. 22 e 23, as explicações plausíveis e exigíveis pelo bom senso.

A prova processual bastante não exige a certeza da prova científica ou matemática; mais, o seu grau de exigência pode ter, em razão dos factos e circunstâncias que em concreto estão em causa, uma geometria variável.

Concretizando, é claramente exagerado, em relação a uma empresa que é assaltada e “vandalizada” durante um fim-de-semana, que a prova dos bens furtados e danificados tenha por baliza intransponível as baias dos documentos contabilísticos; e que apenas e só o que esteja espelhado em documentos juntos aos autos – facturas, balanços, gestão de stock – seja susceptível de ter sido furtado ou danificado.

Tanto mais que, como é o caso, muito desse material – incluindo o sistema informático – foi destruído e danificado; tanto mais que – é da experiência comum – só com o tempo é que se vai tendo a noção exacta do que foi destruído e danificado.

É por tudo isto que, usando de sentido crítico e analítico, nos limitamos – além do que se transcreveu e com que se concorda – a chamar a atenção para os seguintes aspectos:

A A. tem uma área coberta de 5.000 m2[10] e no ano dos factos (2011) teve um volume de negócios de 2 milhões e cem mil euros – disse a testemunha D... e não é colocado em crise pela R. – o que significa, concluímos nós, que, numa empresa da dimensão da A. (que tem uma facturação bruta, por dia útil, não inferior a € 8.000), a apresentação duma lista de material furtado (num furto que se prolongou durante várias horas) de pouco mais de € 2.000 é um claro sinal/presunção de seriedade e verdade[11]; pelo que, tendo a testemunha D... confirmada a lista (e os valores) por si feita, constante de fls. 22, ficou suficientemente provado o que consta do facto J).

Quanto aos estragos causados, passa-se, mutatis mutandis, o mesmo.

Não se discute o que os assaltantes fizeram ao servidor informático (de que arrancaram inclusive os discos), ao sistema de vigilância, à central de incêndios, à central telefónica e demais bens referidos; enfim, estragaram tudo e tiveram até tempo para serrar o cofre com uma rebarbadora existente na loja. E estão juntas, a tal propósito, facturas de aquisição, preços/orçamentos de substituição e a testemunha D... deu explicações plausíveis e suficientes quer para os estragos quer para os respectivos valores.

Verdadeiramente, da lista de fls. 23, há/havia apenas 3 verbas que podem ter alguma discussão: os € 2.500 de custos de inactividade, que a testemunha D... explicou/justificou suficientemente[12]; os € 2.500 de custos de recuperação de informação, que a testemunha também explicou circunstanciadamente, transmitindo até a clara ideia – por ter sido um valor calculado numa altura em que ainda não se tinham apercebido de todo o trabalho e gastos que iriam ter na reposição da informação – de este ser um valor subavaliado; e os € 2.000 de “documentos diversos existentes em dossiers, gavetas e no interior do cofre”, que, reconhece-se, talvez por não ter sido devidamente questionado – e destrinçado do anterior valor – não ficou devidamente explicado e que, por isso, corresponde ao único ponto em que divergimos da decisão sob recurso.

Em conclusão – com a excepção acabada de referir e que se reflecte na redução do valor total referido no facto L), que passa para € 13.727,17 – bem andou a decisão recorrida, em face da prova produzida, ao dar como provado (com a pequena excepção acabada de referir) o que consta das alíneas J), L), M) e N)[13] dos factos provados.

É quanto há a dizer e concluir sobre o recurso de facto, que assim é julgado essencialmente improcedente (com a pequena e apertada excepção acabada de referir, dos € 2.000 de “documentos diversos existentes em dossiers, gavetas e no interior do cofre”) nos termos que acabam de ser referidos e estabelecidos.

*

III. – Fundamentação de Facto:

Estão provados – logicamente alinhados – os seguintes factos:

A) A Autora é uma sociedade por quotas, pessoa colectiva n.º 504843257, que se dedica à comercialização de pavimentos e revestimentos.

B) Por sua vez a Ré é uma sociedade comercial que se dedica à exploração e gestão de centrais de recepção e monitorização de alarmes de roubo e intrusão, bem como à gestão, manutenção e exploração de sistemas de segurança e, ainda, à vigilância de bens móveis e imóveis.

C) No âmbito da sua actividade, em 30 de Junho de 2008, a Autora celebrou dois contratos de prestação de serviços de instalação e manutenção, de equipamentos de segurança privada com a Ré (designadamente um sistema de alarme contra intrusão), conforme documentos de fls. 11, 12 e 49 a 54, cujo conteúdo aqui se considera integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

D) Por via de tais contratos, a Ré obrigou-se a prestar, de acordo com o contratado:

a) os serviços de fornecimento, instalação, manutenção e ligação à central receptora de alarmes dos equipamentos identificados nas condições particulares desses contratos, nos termos previstos na legislação em vigor relativa às condições de exploração de outros sistemas de segurança;

b) reparar as avarias no sistema de segurança instalado e manter o correcto estado de funcionamento do mesmo durante o período de vigência dos contratos;

c) assegurar que os equipamentos que venham a ser fornecidos ao cliente no âmbito dos contratos foram homologados e devidamente aprovados de acordo com os padrões legais em vigor;

d) receber os sinais de alarme provenientes do imóvel do cliente, verificar os meios técnicos adequados à reposição da normalidade da situação e, caso necessário, transmitir os avisos de alarme detectados às forças e corpos de Segurança Pública do Estado, nomeadamente, neste caso, com um “plano de acção” que passaria por avisar a GNR e Bombeiros da cidade da Guarda, bem como contactar com a pessoa responsável C....

E) Através dos contratos celebrados entre Autora e Ré, ficou acordado o acautelamento da actividade de vigilância do edifício do estabelecimento comercial da Autora, seus anexos, bem como o controlo de entrada, saída e presença de pessoas, conforme se acaba de enunciar em D).

F) Entre os dias 27 e 28 de Agosto de 2011 (fim-de-semana), ocorreu um furto nas instalações da Autora, em que a entrada dos intrusos nessas instalações se deu pelo arrombamento de uma montra, com quebra parcial do respectivo vidro.

G) Sucede que o alarme colocado no estabelecimento pela Ré nos termos contratados e que se referem em C) a E) não disparou, permitindo assim que os intrusos entrassem no imóvel e concretizassem as suas intenções furtando alguns objectos e danificando material sem que tivesse sido emitido qualquer sinal de alarme à central de alarmes da Ré e sem que esta tivesse avisado a GNR ou os Bombeiros da Guarda, nem C....

H) No dia 29 de Agosto de 2011 (segunda-feira), os responsáveis da Autora, quando procediam à abertura do estabelecimento, depararam-se com o sucedido.

I) No interior do estabelecimento, encontravam-se objectos partidos e colocados fora de sítio, bem como objectos e materiais perecidos.

J) Do interior do estabelecimento foram furtados materiais de construção civil, tais como rebarbadoras, aparafusadora, mala de ferramentas, entre outros, conforme todos vêm identificados e elencados na relação de fls. 22 e cujo conteúdo se considera integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, num valor total de €2.120,01.

L) Mais resultou a danificação de material e bens diversos, conforme tudo vem identificado na relação de fls. 23 e cujo conteúdo se considera integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, material e bens esses com um valor total de € 13.727,17.

M) E houve ainda necessidade de o estabelecimento comercial da Autora permanecer inactivo pelo período de dois dias e meio, a fim de ser restabelecida a normalidade e suas condições de funcionamento, com um custo associado que se estima em € 2.500,00.

N) Do assalto em causa resultou ainda o arrombamento de um cofre e o furto do seu interior de diversas peças em ouro.

O) Na execução dos contratos referidos em C) a E), os técnicos ao serviço da Ré procederam a instalação dos sensores de alarme nos locais que julgaram adequados e de modo a cobrir todo o estabelecimento.

P) A zona da central de alarme situada no estabelecimento da Autora foi destruída pelos intrusos e não estava protegida por sensores à data de 27 e 28 de Agosto de 2011.

Q) A Autora participou verbalmente e de imediato a ocorrência à Ré.

R) A Autora, em 15 de Setembro de 2011, através de carta registada, solicitou à Ré uma reunião no sentido de se apurar responsabilidades, e a Ré comprometeu-se a agendar uma deslocação às instalações da Autora no sentido de ser feita uma peritagem, e mais se comprometeu a enviar o relatório elaborado pela Ré sobre a tomada de decisão da direcção face ao ocorrido.

S) Sucede que até hoje nenhuma peritagem chegou ao conhecimento da Autora, não obstante as insistências da Autora para tanto, assim como não chegou o relatório de qualquer decisão que haja sido tomada pela direcção da Ré acerca da participação do furto ocorrido, pese embora tenha sido solicitado por diversas vezes pela Autora à Ré.

T) Se o dispositivo (alarme) tivesse funcionado conforme contratado e se refere em C) a E), os responsáveis da Autora teriam sido avisados, e ter-lhes-ia sido possível chegar ao local a partir das suas residências num espaço de tempo de apenas cerca de 5 minutos.

U) A distância a percorrer entre a montra referida em F) e a central do alarme situada nas instalações da Autora e que foi destruída é de cerca de 60 a 70 metros.

V) De acordo com a cláusula 5 das condições gerais de serviço constantes dos contratos referidos em C) a E), “(…) A B... estará isenta de qualquer responsabilidade quando não lhe tenha sido dado conhecimento do defeito ou do mau funcionamento do sistema de segurança; quando o mesmo resulte de facto imputável a terceiros, incluindo quando tenha sido desligado; bem como quando o dano no equipamento fornecido resulte de manipulação, uso inadequado ou imprudente atribuível ao Cliente ou às pessoas pelas quais este deva responder ou quando advenha do incumprimento pelo Cliente das instruções da B... a esse respeito; e ainda quando o mesmo não tenha conservado o seu código secreto de maneira segura e confidencial.”.

X) E ainda, nos termos das mesmas condições gerais: “Os danos e prejuízos verificados na pessoa ou bens do Cliente só serão ressarcíveis se tiverem sido directamente causados pela B.... Em qualquer caso, a responsabilidade máxima da B... limitar-se-á ao valor máximo de 10 vezes o preço dos serviços pagos pelo Cliente. (…)  O Cliente reconhece expressamente que o presente Contrato não constitui um seguro contra danos, mas sim um contrato de fornecimento de equipamentos e de prestação de serviços de manutenção que, nessa medida, gera apenas obrigações de meios ou de actividades e nunca de resultados. Consequentemente, a B... não se compromete, em caso algum, a evitar a ocorrência de roubos ou incêndios nas instalações do Cliente, reconhecendo este último que a instalação de um sistema de segurança constitui um instrumento valioso de prevenção e de dissuasão destas eventualidades, mas que o mesmo não garante de forma absoluta a não ocorrência de tais factos e não substitui a cobertura própria de um seguro.”.

Z) A Autora não teve qualquer participação na preparação e negociação das cláusulas e condições gerais referidas em V) e X), tendo-se limitado a aceitar as mesmas, não lhe tendo sido especificamente explicado o seu conteúdo.

*

IV – Fundamentação de Direito

Visa a A./apelada com a presente acção, como resulta do relatório inicial, que a R./apelante a indemnize dos danos que lhe foram causados pelo furto cometido por desconhecidos nas suas instalações no fim-de-semana de 27/28 de Agosto de 2011; e fá-lo, fora de toda a dúvida, recorrendo às regras da responsabilidade contratual.

Efectivamente, na base da pretensão da A/apelada está um contrato atípico de prestação de serviço – é absolutamente pacífico – sustentando a A/apelada, enquanto credora da prestação do serviço (de vigilância), que a R/apelante cumpriu defeituosamente a sua prestação e que tal incumprimento defeituoso deu azo aos danos cuja indemnização peticiona; pretensão que a sentença recorrida, seguindo tal percurso jurídico, lhe conferiu.

Desfecho desfavorável com que a R/apelante não se conforma, desenvolvendo o fio condutor da sua divergência recursiva (estritamente substantiva) invocando que há cláusulas contratuais que excluem indemnizações como a pretendida pela A/apelante; e dizendo que inexistiu incumprimento contratual e que não se mostra preenchido o nexo causal (para além das consequências do que antes disse, em sede factual, sobre a não verificação dos danos).

Quanto à 1.ª questão:

Esta questão, verdadeiramente, não chega sequer a sê-lo: a qualificação que é mister fazer do contrato[14] afasta-a antes mesmo de se poder colocar.

Efectivamente – em face do facto referido em Z), em que se deu como provado que “a Autora não teve qualquer participação na preparação e negociação das cláusulas e condições gerais referidas em V) e X), tendo-se limitado a aceitar as mesmas (…)” – estamos perante um contrato singular formado a partir de cláusulas contratuais gerais (ccg)[15].

Perante a extensão e detalhe do seu conteúdo – e dos espaços deixados em branco para identificar a contraparte e o preço dos serviços – e perante a expressão “Condições Gerais do Contrato de Prestação de Serviços de Instalação e Manutenção pela B..., Lda, que antecede o detalhe do clausulado, estamos claramente perante conteúdo contratual resultante de cláusulas pré-elaboradas pela R/apelante que foram/são inseridas no contrato singular[16].

Casos há em que sem o destinatário o invocar – uma vez que as referidas “predisposição unilateral” e “generalidade” nem sempre se podem dar como demonstradas a partir do documento/invólucro contratual – é difícil ao tribunal concluir pela qualificação do contrato como de adesão, todavia, no caso, perante o que consta da referida alínea Z) e perante um documento/invólucro contratual tão típico, em termos de detalhe, do que normalmente é um contrato singular formado a partir de ccg e sendo todo esse detalhe designado/intitulado de “Condições Gerais” – incutindo claramente a ideia de serem as condições que a R/apelante tem a iniciativa de propor à multiplicidade de contraentes potenciais e de haver uma indiferenciação no que respeita ao recorte e à negociação prévia do clausulado contratual – é forçoso concluir pela qualificação do contrato sub-judice como de adesão; em que a R/predisponente não deu à A/destinatária grande possibilidade/oportunidade de influenciar o projecto/conteúdo de clausulado, a não ser em aspectos de pormenor, que não incidiram/modificaram o essencial do clausulado previamente elaborado/apresentado[17].

São-lhe pois aplicáveis as especialidades do DL 446/85, de 25-10, que abrange os contratos de consumo e quaisquer outros, incluindo os contratos entre empresas; DL 445/85 que, nos termos do art. 1.º/2 (redacção do DL 249/99, de 07-07), “se aplica igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar”.

Especialidades que dizem respeito à formação contratual, à interpretação, à integração, aos critérios de validade do conteúdo e aos efeitos da invalidade parcial (e também aos meios judiciais e extrajudiciais de controlo preventivo e sancionatório).

Especialidades que, porém, não serão assim tão especiais; uma vez que correspondem, em grande medida, ao que já resulta da aplicação das regras gerais à eficácia e âmbito das declarações contratuais e à interpretação de comportamentos enquanto tal.

Efectivamente, a comunicação integral, oportuna e adequada é requisito de eficácia de qualquer declaração contratual; quem pretenda que um contrato abranja determinadas cláusulas (gerais ou individuais) tem de agir de modo que a outra parte possa compreender que tais cláusulas fazem parte do âmbito do consenso obtido, por inclusão nas declarações contratuais ou por remissão a partir delas (232.º e 236.º do CC). Assim – pode dizer-se – o regime de inserção de ccg em contratos singulares só reforça o dever de informação pré-contratual, só reforça o ónus de comunicação (art. 5.º/3 do DL 446/85) e o dever de informação prévia (art. 6.º do DL 446/85) e, sobre o conteúdo das cláusulas, só torna o dever de informação pré-contratual mais abrangente, incluindo também o esclarecimento do sentido das cláusula predispostas, independentemente de qualquer concreto juízo em função de critérios de boa fé[18].

Verdadeiramente, a essência das especialidades é dado pela proibição de cláusulas contrárias à boa fé (cfr. art. 15.º do DL 446/85); proibição que o art. 16.º procura precisar, por referência a 2 aspectos, próprios da boa fé: a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente; e de que, nos artigos seguintes, se faz uma enumeração exemplificativa de diversas proibições, em que se distinguem as cláusulas absolutamente proibidas (que não podem, a qualquer título, ser incluídas em contratos através de mecanismo de adesão – art. 18.º e 21.º do DL 446/85) das cláusulas relativamente proibidas (que não podem ser incluídas em contratos desde que, sobre elas, incida um juízo de valor suplementar que a tanto conduza, juízo a ser formulado pela tribunal, no caso concreto – art. 19.º e 22.º do DL 446/85).

Grande parte disto, porém, reconhece-se, é para o caso bastante ocioso e desnecessário; uma vez que é logo no momento inicial, no momento respeitante à formação contratual, no momento respeitante ao “controlo de inclusão” (e não, mais tarde, no chamado controlo de conteúdo) que a presente e concreta questão vê o seu desfecho.

Tendo a A./destinatária invocado que não foi lhe foi feita a comunicação, informação, esclarecimento do sentido das condições gerais invocadas (as transcritas em V) e X)), pertencia à R/apelante o ónus da prova, isto é, competia-lhe a prova de ter dado cumprimento ao dever de informação pré-contratual, no que diz respeito ao cumprimento do ónus de comunicação (art. 5.º/3 do DL 446/85), do dever de informação prévia (art. 6.º do DL 446/85) e do esclarecimento do sentido das cláusulas predispostas.

Ora, não só nada se provou que configure o oportuno cumprimento de tais ónus, como, inclusivamente, ficou provado, também pela alínea Z), que não foi “especificamente explicado o conteúdo” das cláusulas e condições gerais referidas em V) e X).

Enfim, em síntese conclusiva, as cláusulas em causa (referidas em V) e X)) têm que ser consideradas excluídas do contrato (cfr. 8.º/a) e b) do DL 446/85); não se chegando assim sequer a colocar, como se antecipou, quer um problema da interpretação do seu sentido quer do controlo do seu conteúdo (o mesmo é dizer, sobre a questão de saber se violam ou não o princípio geral da boa fé, se são válidas ou não[19]).

Quanto à 2.ª questão (sobre a “inexistência”, segundo a R/apelante, de incumprimento contratual):

No seguimento do que se acaba de dizer, temos que o conteúdo/programa contratual se circunscreve ao que consta das alíneas D) e E) dos factos provados.

Através do contrato celebrado – como se refere em E) – a R./apelante obrigou-se a prestar a actividade de vigilância do estabelecimento comercial da Autora, seus anexos, bem como o controlo de entrada, saída e presença de pessoas; para o que – como se refere em D) – ligou à sua central receptora de alarmes os equipamentos/sensores e demais sistema de segurança que instalou no estabelecimento comercial da A/apelante, ligação que lhe permitia receber os sinais de alarme provenientes do imóvel do cliente, verificar os meios técnicos adequados à reposição da normalidade da situação e, caso necessário, transmitir os avisos de alarme detectados às forças Segurança (avisar a GNR e Bombeiros da cidade da Guarda), bem como contactar com a pessoa responsável da A. ( C...).

Sendo este o programa/estipulação contratual, a prestação devida traduzia-se em montar um equipamento/sistema que detectasse as intrusões não autorizadas, em os alarmes/sensores montados nas instalações da A. emitirem sinais perante uma intrusão não autorizada, tendo em vista desencadear o “plano de acção” previsto (forças de segurança e responsável da A.).

Assim sendo, no fim-de-semana de 27 para 28 de Agosto de 2011, não foi a prestação devida cumprida, uma vez, como consta em detalhe dos factos, ocorreu uma intrusão sem que o sistema de alarme a tivesse detectado e sem que, em consequência, o referido “plano de acção” tivesse funcionado.

E o que se acaba de referir é, a nosso ver, suficiente para afirmar e estabelecer o incumprimento contratual da R/apelante; tendo tudo o mais que se pode/deve dizer e ponderar mais a ver com o requisito da culpa (e não com o requisito da ilicitude, que, na responsabilidade contratual, é o mero desvio, objectivo, em relação à prestação devida).

Com o que se quer significar que, em termos objectivos, a prestação contratual da R/apelante não ficava completa e perfeita com a mera montagem do equipamento de segurança; embora a R/apelante não se haja vinculado a uma obrigação de resultado (com o sentido do serviço prestado ser invencível a assaltos), a verdade é que o serviço prestado, enquanto “instrumento valioso de prevenção e dissuasão[20], pressupõe e exige, naturalmente, que o equipamento de segurança montado funcione, que emita o respectivo alarme, enfim, que cumpra a sua função (que se comporte mesmo como um equipamento de segurança que é e não como um mero “adereço”[21]).

Concluindo pois neste ponto, tendo havido uma intrusão não autorizada e não tendo então funcionado o sistema/equipamento de segurança, como estava previsto/contratado, verificou-se e existiu um incumprimento contratual.

Incumprimento/ilicitude contratual que, no contexto dos factos, não pode deixar de ser imputada à R/apelante.

Como se refere em O), foram “os técnicos ao serviço da R. que procederam à instalação dos sensores de alarme nos locais que julgaram adequados e de modo a cobrir todo o estabelecimento”, isto é, se o não funcionamento do sistema/equipamento de segurança se ficou porventura a dever a um qualquer erro de concepção ou de execução do mesmo, tal é exclusivamente imputável à R./apelante.

Daí que, compreensivelmente, tendo os intrusos penetrado no estabelecimento pela quebra parcial do vidro da montra (cfr. F) dos factos provados) a R/apelante tenha vindo dizer que estava colocado um mostrador de azulejos junto à montra e que o mesmo anulava o ângulo de detecção do sensor de alarme da montra; querendo naturalmente dizer e significar que o não funcionamento do sistema/equipamento de segurança é imputável à A/apelada.

Porém, não só tal alegação não se provou, como não se provou a concreta razão do não funcionamento do sistema/equipamento de segurança, como, inclusivamente, o demais circunstancionalismo provado aponta, nitidamente, para a não dispensa da culpa da R/apelante no incumprimento/ilicitude contratual.

Fazia/faz[22] parte do conteúdo prestacional da R/apelante “reparar as avarias no sistema de segurança instalado e manter o correcto estado de funcionamento do mesmo durante o período de vigência do contrato” (Facto Db)), em todo o caso, à luz da boa fé, que preside a toda a execução contratual (art. 762.º/2 do C. Civil), tal não podia/pode significar que sejam sempre imputáveis à R. todos e quaisquer maus e deficientes funcionamentos, ainda que decorram e sejam provocados pela intervenção de outrem; porém, para tal, para não lhe serem imputáveis, é preciso que se diga/saiba e prove qual foi a concreta intervenção alheia à R. (e, já agora, que se tratasse duma intervenção recente) que provocou o mau funcionamento do sistema.

Ora, insiste-se, nada se provou – atribuível a outrem (incluindo a aqui A.) ou não – que estivesse a barrar/empatar o modo de funcionamento do sistema/equipamento de segurança tal como o mesmo havia sido instalado pela R..

Quando algo como o relatado nos autos acontece – não funcionamento do sistema de segurança – o que nos parece normal, até por uma questão de imagem e qualidade do serviço, é a empresa de segurança proceder a uma rigorosa avaliação do sucedido, para perceber as razões do seu não funcionamento e para, em função disso, poder assegurar ao cliente que se mantém a “ideia inicial”, o mesmo é dizer que o cliente pode contar com um real e efectivo sistema de segurança.

Ao que parece e conforme se provou, tal avaliação/peritagem foi feita “mas não chegou ao conhecimento da Autora, não obstante as insistências da Autora para tanto[23].

E este contexto circunstancial, posterior ao sucedido, junto a todo o circunstancionalismo coevo – em que se destaca a destruição da central de alarme, situada a cerca de 60/70 metros da montra por onde os intrusos entraram, não protegida por qualquer sensor – incutem nitidamente a ideia da colocação, não demonstrada, dum mostrador de azulejos junto à montra ser uma explicação débil e insuficiente para o não funcionamento do sistema/equipamento de alarme.

Concluindo pois neste ponto, o que quer que tendo acontecido – seja qual tenha sido a causa do não funcionamento do sistema/equipamento de segurança – foi certamente mais extenso e profundo e, é o ponto, nada há nos autos, demonstrado, que permita considerar ilidida a presunção de culpa (nos termos do art. 799.º/1 do C. Civil) da R/apelante no incumprimento/ilicitude contratual ocorrido.

Quanto à 3.ª questão (não estar preenchido, segundo a R/apelante, o nexo causal):

É a única questão, a nosso ver e com o devido respeito por opinião diversa, que pode suscitar dúvidas.

Como já se referiu, o contrato não vincula a R/apelante a uma obrigação de resultado, com o sentido do serviço prestado ter como resultado evitar todo e qualquer assalto.

Significa isto que o sistema/equipamento de segurança pode funcionar devidamente – dar o devido sinal na central de alarmes e desencadear o plano da acção previsto – e ainda assim ocorrer um assalto.

Mas – pode objectar-se – se funcionar devidamente, pode também não ocorrer o assalto; se o sistema funcionar devidamente, pode revelar toda a sua utilidade de “instrumento valioso de prevenção e dissuasão”, quer por os intrusos, apercebendo-se do sinal dado, desistirem dos seus desígnios, quer por, perante a rápida reacção das autoridades, os não conseguirem consumar.

Mais ainda, se funcionar devidamente, os intrusos que não desistam dispõem, para não serem “apanhados”, dum tempo limitado para a consumação do assalto, não podendo, de modo algum, perpetrar um assalto com as consequências danosas do que versa os autos.

Observações/ponderações estas que nos fazem intuir que estamos na presença de causas que foram concorrentes/convergentes na direcção do dano; que estamos perante um concurso real de causas complementares/subsequentes, sendo a 1.ª causa/facto o não funcionamento do sistema/equipamento de segurança e sendo a 2.ª causa/facto a persistência criminosa dos intrusos.

Expliquemo-nos[24]:

Fala-se em causalidade cumulativa quando a eficácia causal de cada um dos dois factos é capaz, só por si, de produzir o efeito/dano[25]; não é claramente o caso dos autos, uma vez que o não funcionamento do sistema/equipamento de segurança é incapaz, só por si, de causar o efeito/dano verificado.

Fala-se também, quando a eficácia causal dum dos factos não chega a operar efectivamente o resultado em virtude da interposição dum 2.º facto, que o 1.º facto é uma pura causa hipotética/virtual do dano; não é também assim que o caso dos autos se nos coloca.

A nossa hipótese é diversa e pode ser resumida do seguinte modo: o 1.º facto, só por si, não chega para fazer operar o resultado, todavia, cooperou no dano efectivamente verificado.

O princípio da responsabilidade por todas as consequências adequadas do facto, mesmo as indirectas, exige que a responsabilidade do autor do 1.º facto subsista sempre que o 2.º facto, que provocou o dano, deva ser considerado uma consequência adequada do 1.º facto.

Dito de outro modo, o 2.º facto, no caso, não provoca a interrupção do nexo causal do 1.º facto; o 2.º facto, é certo, é independente do 1.º, mas existe entre ambos uma relação de adequação, representado o 2.º facto uma fase ou termo do processo causal, razão pela qual o 1.º facto deve considera-se a causa mediata do dano e o seu autor é responsável pelo dano indirecto que causou.

Existe uma relação de adequação entre o 1.º facto e o 2.º facto na medida em que é o estado de fragilidade[26], em termos de segurança, das instalações da A., causado pelo 1.º facto, que favorece a eficácia causal do 2.º facto para o dano; é neste contexto e sentido que se diz que o 1.º facto cooperou efectivamente com o 2.º para o dano concretamente verificado[27].

Não pode pois julgar-se interrompido o nexo de causalidade entre o 1.º facto e o dano, não podendo considerar-se o 1.º facto, em relação ao dano, uma pura causa hipotética; estamos perante um caso de concorrência efectiva de causas.

A responsabilidade estende-se a todas as consequências adequadas do facto, mesmo as indirectas; exige que a obrigação de indemnizar do autor do 1.º facto subsista, em princípio, mesmo nestes casos.

“Em face do lesado, quer haja subsequência (adequada) de causas, quer haja causas cumulativas ou mera coincidência de causas de natureza distinta, qualquer dos responsáveis é obrigado a reparar todo o dano.”[28]

Enfim, o dano, tal como concretamente teve lugar, verificou-se em consequência da eficácia causal dos dois factos e comportamentos, que, como “esferas de risco, com potencial de alicerçar a responsabilidade, convergem para um mesmo resultado[29]; o que significa que também se encontra preenchido o nexo causal.

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Concluindo pois, a R/apelante deve indemnizar a A/apelada dos danos que esta teve, ou seja, de todos os danos peticionados, com excepção dos € 2.000 dados como não provados no recurso da decisão de factos e dos € 181,54 da substituição do vidro da montra partida, uma vez que, evidentemente, só após a monta estar partida se verifica e ocorre a ilicitude causal imputada à R. apelante (pelo que só os danos ocorridos após tal momento estão compreendidos no nexo causal).

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V – Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revoga-se parcialmente a decisão recorrida, que se substitui por decisão a condenar a R. a pagar à A. a quantia de € 18.165,64, acrescida dos juros de mora legais para créditos de que são titulares empresas comerciais, desde a data da citação da R. para a presente acção até efectivo e integral pagamento.

Custas, em ambas as instâncias, por A. e R., na proporção de 1/10 e 9/10, respectivamente.

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Coimbra, 13/05/2014

(Barateiro Martins - Relator)

 (Arlindo Oliveira)

 (Emídio Santos)


[1] Após a correcção do lapso de escrita – cfr. despacho de fls. 240.
[2] Cfr. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 2000, pág. 154 e António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, 1997, pág. 254.

[3] Repare-se, a utilização de ccg – proposições destinadas à inserção numa multiplicidade de contratos, na totalidade dos quais se prevê a participação como contraente da entidade que, para esse efeito, as pré-elaborou e adoptou – não tem em si qualquer negatividade ou mal; tem, aliás, inteira justificação e corresponde a interesses totalmente legítimos, como a simplificação, economia de tempo, redução de custos e igualização no tratamento dos clientes duma empresa de dimensão significativa; porém – é (poderá ser) questão para outra sede/momento processuais – pode colocar problemas, na medida em que pode colocar uma das partes em posição de abusar do seu poder negocial e de desequilibrar o balanço contratual a seu favor.

[4] Certamente, a negociação individual terá incidido sobre o preço do serviço e modo de pagamento do mesmo.

[5] Aliás, a dado momento da contra instância (por volta dos 72 minutos do testemunho do D...), em face das perguntas que se fazem – em que se quer saber e pergunta “ninguém os obrigou a assinar?” – a R. não deixa de revelar o que para ela significa, como entende e cumpre a exigência da explicação do conteúdo.
[6] A R./apelante propõe que se dê como provado tão só o seguinte:

“Sucede que o alarme colocado no estabelecimento pela Ré nos termos contratados e que se referem em C) a E) não disparou, sem que tivesse sido emitido qualquer sinal de alarme à central de alarmes da Ré e sem que esta tivesse avisado a GNR ou os Bombeiros da Guarda, nem C....”

“A zona da central de alarme situada no estabelecimento da Autora foi destruída pelos intrusos.”

“Se o dispositivo (alarme) tivesse funcionado conforme contratado e se refere em C) a E), os responsáveis da Autora teriam sido avisados.”
[7] Que é o que aqui interessa e não porventura o dizer-se que, “no papel/projecto”, estava prevista.

[8] A testemunha D... até justificou a resposta dos 5 minutos, dizendo que a distância a percorrer são 3 a 4 quilómetros.

[9] Aliás, queremos acreditar que este é um dos pressupostos do serviço e que a estrutura comercial da R. não deixará de o explicar e apresentar aos potenciais clientes, ou seja, trata-se de assegurar que os criminosos mais atrevidos (e que não desistam das suas intenções com o alarme) fiquem sem grande tempo para concretizar as suas intenções (pelo que, naturalmente, até há-de ser um pressuposto da eficácia do serviço que a pessoa a contactar resida a curta distância).
[10] Não é por acaso que são 2 os contratos com a R.; são 2 – como também foi explicado – por uma central não compreender o número suficiente de sensores necessários.

[11] E de tal material até estão juntas a generalidade das facturas de aquisição (para revenda), tendo sido explicado/justificado (também pelo Joaquim Vendeta, comercial da A.) que as facturas mais antigas dizem respeito ao ramo que não é o “forte” da A. e em que por isso não há uma grande rotação de material.

[12] Observa-se, custos de inactividade não são exactamente – como se quis fazer crer no interrogatório – lucros líquidos; é bem mais do que isso e compreende uma série de custos fixos. E, naturalmente, numa empresa que factura € 8.000 por dia útil – que tem 14 trabalhadores – € 1.000 de custos de inactividade por dia não é seguramente um exagero.
[13] O ouro levado do cofre é um facto irrelevante, uma vez que o seu valor não é pedido; aliás, não é suposto uma sociedade comercial ter jóias em ouro e a testemunha D..., confirmando a existência de ouro no cofre, também disse que “era da família”.
[14] Ou, mais exactamente, dos dois contratos, uma vez que são dois com “condições” totalmente idênticas; e foram/são dois, como já se referiu, apenas por causa do número de sensores que era necessário instalar, razão porque, para facilitar, vamos fazer toda a exposição e discussão jurídicas no singular.

[15] As ccg são normalmente descritas em função de dois traços característicos: predisposição unilateral e generalidade (há quem também fale em rigidez – no sentido de inalterabilidade – mas tal não constitui um requisito jurídico essencial, mas apenas uma característica tendencial, embora com elevada probabilidade fáctica); querendo-se com a predisposição unilateral dizer que a sua elaboração é anterior ao contrato – pré-elaboração – e que a iniciativa é unilateral (cabe a uma das partes sem prévia negociação com a outra) e programada/feita com a intenção de inserir tais cláusulas em futuros contratos; e querendo-se com a generalidade referir que se dirigem a uma multiplicidade de contraentes potenciais e que há uma indiferenciação no que respeita ao recorte e à negociação prévia do clausulado contratual.

[16] E estamos, como já se referiu, perante uma típica situação geradora/propiciadora de tal modo de contratar; em que impera a simplificação, economia de tempo, redução de custos e igualização no tratamento dos clientes duma empresa de dimensão significativa. Mais, a circunstância de terem sido celebrados dois contratos e não um é, no caso, bem revelador da standartização da negociação e do recurso às ccg.

[17] Certamente, a negociação individual terá incidido sobre o número de sensores, o preço do serviço e modo de pagamento do mesmo.

[18] Embora, quanto aos efeitos, estabeleça a cominação radical de ineficácia das cláusulas não devidamente comunicadas (cfr. art. 8.º do DL 446/85).

[19] Designadamente, se são absolutamente proibidas, por força do disposto no art. 18.º/c) do DL 466/85, como se chegou a ponderar na sentença recorrida.
[20] Usando as palavras da R.

[21] Quando os “comerciais” da R/apelante apresentam e vendem o serviço aos potenciais clientes, é seguramente na sua vertente dinâmica/funcional que o equipamento de segurança é apresentado e vendido.
[22] Faz, uma vez que, conforme foi esclarecido em julgamento, o contrato entre as partes mantém-se.

[23] Aliás, a A. também não juntou tal peritagem, assim como não fez ouvir quem a fez; como também não fez ouvir quem montou o sistema/equipamento de segurança.

[24] Recorrendo ao exposto pelo Prof. Antunes Varela – Obrigações – Vol. 1.º, 9.ª edição pág. 952/4; e, principalmente, seguindo de perto, os ensinamentos do Prof. Pereira Coelho, in “O problema da causa virtual na responsabilidade civil”, pág. 23 a 34.
[25] É o exemplo clássico e de escola de A e B, criadas da mesma casa, sem prévia combinação entre si, deitaram sucessivamente no líquido que a dona de casa deveria ingerir, duas dores de arsénio, qualquer delas de eficácia mortal.

[26] No exemplo da casa – em que A embate com uma viatura pesada em certa casa, deixando-a bastante abalada e, logo a seguir, B, condutor de uma outra viatura do mesmo tipo, embate na mesma casa e deita-a abaixo – diz-se que é o estado de ruína do edifício, provocado pelo 1.º facto, que favorece a eficácia causal do 2.º facto para o dano.

[27] A relação de adequação a indagar não é a conexão entre o 1.º facto e o 2.º facto em si mesmo, mas entre o 1.º facto e o 2.º, encarado este na sua direcção concreta em relação ao efeito que provocou. No exemplo da casa (do choque do 2.º veículo) não há que perguntar se são consequências adequadas do 1.º facto, mas sim que saber se o 1.º facto torna mais provável ou favorece objectivamente a queda da casa (em consequência do choque do 2.º veículo). Assim formulada a pergunta, tem a relação de adequação que ser afirmada.
[28] Prof. Antunes Varela, obra e local citados, pág. 954.
[29] Cfr. Ana Mafalda Castanheira Neves, “Responsabilidade Civil Extracontratual”, pág. 207 e ss.