Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1341/11.7TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: ACÇÃO
AUTONOMIA DA ACÇÃO
APOIO JUDICIÁRIO
Data do Acordão: 04/08/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE POMBAL – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 289º CPC; ART. 18º, Nº 4 DA LEI 34/2004 DE 29/7
Sumário: I – A acção proposta nos termos do art. 289º do CPC é uma “nova acção”, e autónoma, pelo que se impõe a distribuição, não correndo por apenso, nem por incorporação na acção extinta, não tendo aqui aplicação a regra do art. 211º, nº 2 do CPC.

II - O apoio judiciário concedido para a anterior acção (extinta) não tem eficácia na nova acção.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

1.1.- A Autora – G…instaurou na Comarca de Pombal a presente acção declarativa, com forma de processo sumário, contra os Réus  E… e D…

            Pediu:

a) Se considere impugnado, para todos os devidos e legais efeitos, que o artigo matricial n.º …, objecto da escritura de justificação notarial, não existe fisicamente, e o facto justificado não é mais do que uma parcela de terreno correspondente à quarta parte do artigo matricial n.º …, ou seja a quarta parte indivisa do artigo matricial … de que os RR. são titulares.

b) A declaração de inexistência do direito invocado pelos réus na escritura de justificação e ser declarada nula a escritura de justificação outorgada no dia 19 de Fevereiro de 2010, lavrada a fls …, por forma a que os RR. não  possam através dela registar quaisquer direitos sobre o prédio nela identificado e objecto da presente impugnação.

c) Ordenar-se o cancelamento de quaisquer registo que os RR. possam vir a efectuar e/ou efectuassem, com  base nas  declarações  falsas constantes  na escritura de justificação notarial, ora impugnada.

d) Consequentemente, que não seja passada certidão da escritura de Justificação, de 19 de Fevereiro de 2010, lavrada a fls …, nos termos do art. 101 do Código do Notariado;

e) A condenação dos Réus solidariamente a pagar à A. a título de indemnização por danos morais e por ofensa a pessoas já falecidas a quantia de 7.000 Euros (sete mil euros), acrescido de juros legais vencidos e vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento;

f) Pagar à A. a quantia que se vier a liquidar em posterior execução de sentença, pelos danos patrimoniais que a Ré fez incorrer os AA., a título de indemnização pela responsabilidade civil delitual.

            Na introdução alegou o seguinte:

G…, viúva, reformada, residente em … vem na qualidade de representante da herança jacente de M…, TENDO PARA TANTO SIDO NOTIFICADA DA ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA PELO ACORDÃO DA RELAÇÃO, NO ÂMBITO DO PROCESSO N.º …, QUE CORRE TERMOS PELO 2º  JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE POMBAL, VEM NOS TERMOS DO ART. 289, N.º 2 DO CPC, INTENTAR NOVA ACÇÃO DENTRO DOS 30 DIAS, devendo para tanto os efeitos civis derivados da propositura da primeira causa, ocorrida em 02/04/2010, manterem-se.”

            Juntou documento comprovativo da concessão do apoio judiciário concedido no proc. nº ...

            Os Réus contestaram e reconviram.

            1.2. - Os Réus opuseram-se ao pedido de apoio judiciário, alegando, o seguinte:

1- Só agora, ao analisarem o pedido de apoio judiciário da A. com vista a denunciarem junto dos Serviços de Segurança Social a sua ilegitimidade para dele beneficiar - por inexistência dos requisitos legais – é que os RR. verificaram que, nos presentes autos, a A. se arroga beneficiária de Apoio Judiciário, quando, efectivamente, não é titular desse direito.

2- De facto, a A. invoca esse direito com base num pedido de apoio judiciário que já usou numa outra Acção, mais concretamente no nº … deste mesmo Juízo e Tribunal.

3- Como se vê pelo oficio de 19/04/2010, junto pela A. com a sua petição inicial, referente ao processo de Apoio Judiciário da Segurança Social  nº ...

4- Ora, com este “título” a A. não pode beneficiar de apoio judiciário nos presentes autos, porque:

a) O benefício que invoca se esgotou na primeira acção, uma vez que tal benefício não é um estado dum qualquer indivíduo, mas sim um direito casuístico e temporário, que tem que ser requerido processo a processo;

b) O invocado direito também já há muito que caducou, por ter sido deferido há mais de um ano sobre a data da sua concessão, em 19/04/2010 (tendo a Acção entrado a 08/06/2011), nos termos do artº 11º/1-b) da lei 34/2004 de 29/7.

5- Pelo exposto, requerem a Vª Exª que:

a) Declare a inexistência do benefício de apoio judiciário por parte da A. nos presentes autos;

b) Ordene que a A. proceda ao pagamento da respectiva taxa de justiça, acrescida das correspondentes sanções legais;

c) Ordene a extracção de certidão e remessa ao Mº Pº para eventual procedimento criminal por falsas declarações e uso indevido e ilegal dum benefício já usado e esgotado em acção anterior, com intenção de enganar os RR. e mesmo o próprio Tribunal.

            A Autora respondeu.

            1.3. - Por despacho de 24/5/2012, decidiu-se

 “ Requerimento de fls. 105 e seg. e resposta de fls. 174:

Não assiste qualquer razão relativamente ao alegado a fls. 174 pela autora.

Efectivamente, tendo existido absolvição da instância por ilegitimidade no âmbito da acção nº … poderia a mesma, no âmbito de tal acção e nos termos do preceituado no art. 269º, 1 e 2 do CPCivil, ter-se socorrido do disposto nos arts. 325º e segs., caso em  que, admitido o chamamento,  a instância se deveria considerar renovada.

Contudo, não foi isso o que a autora fez.

Com efeito a mesma veio, ao abrigo do disposto no art. 289º, 1 do CPCivil, propor nova acção sobre o mesmo objecto.

Ora, nos termos do nº 2 de tal inciso legal o que se mantém são os efeitos civis derivados da propositura da primeira acção e nada mais.

Sendo, assim, é patente, que assiste razão aos réus quando referem – o que é aliás aceite pela autora – que o benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido destinou-se à propositura daquela outra acção, não dispondo nesta de qualquer apoio judiciário.

Acresce que, também contrariamente ao referido pela autora, não se verificam os pressupostos previstos no art. 275º CPCivil e que permitiriam uma apensação de acções, que de resto sempre deveria ser solicitada naquele outro processo.

Assim, face ao exposto, determina-se a notificação da autora para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento da taxa de justiça em falta, sob pena de, caso assim, não proceda, ser determinado o desentranhamento da p.i.

Notifique “.

            1.4. - A Autora juntou documento comprovativo de requerimento de benefício de Apoio Judiciário formulado na Segurança Social em 31/5/2012, e requereu a suspensão do prazo para pagamento da taxa de justiça inicial, uma vez não ser conhecida a decisão da Segurança Social.

            1.5. - Por despacho de 26/6/2012, decidiu-se

 “ Indefere-se o requerido pelo autor em 11/06/2012, por falta de qualquer cabimento legal. Efectivamente, com a p.i. tem de ser junto comprovativo do pagamento da taxa de justiça ou da concessão – e não da efectivação de um pedido de apoio judiciário – do benefício de apoio judiciário – cfr. art. 467º, 3 do CPCivil.

Contudo, no caso dos autos o autor não procedeu ao pagamento da taxa de justiça, nem apresentado documento comprovativo do apoio judiciário, pelo que ao abrigo do disposto no art. 474º, al. f) do CPCivil a p.i. deveria ter sido rejeitada pela secretaria.

Porém, tal não aconteceu, tendo o processo prosseguido com a citação dos réus e posterior tramitação dele constante.

Assim, no momento em que se constatou tal falha, determinou-se a notificação do autor para proceder ao pagamento da taxa de justiça em falta sob pena de desentranhamento da p.i..

Ora, verifica-se que o autor não procedeu ao pagamento da taxa de justiça em falta, no prazo que para o efeito lhe foi concedido.

Assim, face ao exposto determina-se o desentranhamento da p.i. e  a sua devolução ao apresentante – cfr. art. 486º-A, 6 do CPCivil, aplicável analogicamente.

Notifique. “

1.6.- Na sequência do pedido feito pelo tribunal, a Segurança Social informou ter sido deferido em 26/10/2012 o apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de justiça.

1.7. A Autora recorreu do despacho de 26/6/2012, mas não foi admitido por se considerar ser impugnado com o recurso da decisão final.

1.8. Por sentença de 7/12/2013, decidiu-se

“ G… intentou a presente acção sob a forma de processo sumário contra E… e D...

Por decisão proferida em 24/05/2012, constatando-se que a autora não havia procedido ao pagamento da taxa de justiça devida, determinou-se a sua notificação para, no prazo e 10 dias, proceder a tal pagamento, sob pena de, caso assim não procedesse, ser determinado o desentranhamento da p.i.

Devidamente notificada a autora, não procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida pelo que, em 26/06/2012, se determinou o desentranhamento da p.i. e a sua devolução à apresentante.

Ora, verificando-se que com o desentranhamento da p.i. o presente processo fica sem objecto, julga-se extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide – cfr. art. 287º, al. e) do CPCivil.

Custas pela autora (cfr. art. 450º, 3 do CPCivil) Registe e notifique.”.

            1.9. - Inconformada, a Autora recorreu de apelação, com as seguintes conclusões:

            Os Réus contra-alegaram e preconizam a rejeição do recurso por falta de conclusões ( arts. 685-A nº1 e 2,  685-C, nº2 CPC ).


II – FUNDAMENTAÇÃO

            2.1. – O objecto do recurso

            As questões submetidas a recurso, são, no essencial, as seguintes:

            (1ª) Se a presente acção, proposta ao abrigo do art. 289 nº1 do CPC, deveria ser apensada à acção nº …, por força do art. 211 nº2 CPC e se o apoio judiciário concedido nela é extensível a esta;

(2ª) Nulidade processual ( violação do contraditório);

(3ª) Nulidades da decisão ( falta de fundamentação e excesso de pronúncia )

            Para a decisão do recurso e porque documentados no processo, relevam os elementos processuais descritos.

            Os Apelados requereram a rejeição do recurso, por ausência de conclusões, mas não têm razão. Ainda que profusas, é manifesto que a recorrente apresentou conclusões.

            2.2. – O mérito do recurso:

Se a presente acção, proposta ao abrigo do art. 289 nº1 do CPC, deveria se apensada à acção nº …, por força do art. 211 nº2 CPC e se o apoio judiciário concedido nela é extensível a esta.

            Na acção nº … foram os réus absolvidos da instância, em virtude da procedência da excepção da ilegitimidade.

            A Autora tinha então duas alternativas processuais:

 i) fazer intervir o preterido, através do incidente de intervenção principal provocada, no prazo de trinta dias, havendo lugar à renovação da instância, e o prosseguimento do processo, nos termos do art. 269 do CPC

            ii) Propor uma nova acção, nos termos do art. 289 nº2 do CPC

A Autora escolheu a segunda via, ou seja, a propositura de nova acção, conforme expressamente referiu no intróito da petição inicial.

            Coloca-se a questão de saber se o apoio judiciário concedido na extinta acção nº … opera nesta nova acção.

            Conforme estatui o art. 18 nº4 da Lei 34/2004 de 29/7 – “ O apoio judiciário mantém-se para efeitos de recurso, qualquer que seja a decisão sobre a causa, e é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar, sendo-o também ao processo principal quando concedido em qualquer apenso”.

            Da Lei do Apoio Judiciário, designadamente da conjugação dos arts. 16 nº1 a) e 18,  resulta que o pedido de apoio judiciário é individual em relação a cada processo ( cf., por ex., Ac RP de 10/12/2009 ( proc. nº 820/08.8TBESP), Ac RC de 24/5/2011 ( proc. nº 649/09.6T2AVR ), em www dgsi.pt ).

            Prevê a lei, no entanto, a extensão do apoio a todos os processo apensos, devendo entender-se em relação aos “processos que a lei determina serem apensos de outros processos” ( Ac RC de 24/5/2011 ).

            Considera a Apelante que a acção deveria ser apensa ao processo nº 687/10, apensação de conhecimento oficioso, por força do art. 211 nº2, conjugado com os arts. 289 e 514 do CPC, ou seja, porque “às acções entradas ao abrigo do nº1 do art.289 CPC aplicam-se as disposições fixadas no nº2 do art.211 CPC”.

            Este normativo insere-se nos actos especiais da distribuição e estatui estarem sujeitos à distribuição “ As causas que por lei ou por despacho devam considerar-se dependentes de outras são apensadas àquelas de que dependam”.

Comentando norma similar, elucida A. REIS não se distribuírem as causas que forem dependentes de outras já distribuídas, são causas que “ não têm autonomia processual, dependem de outras” ( Comentário, II, pág. 531 ).

Ora, a acção proposta nos termos do art. 289 do CPC é uma “nova acção”, como expressamente se afirma no texto legal, sendo, por definição autónoma, pelo que se impõe a distribuição, não correndo por apenso, nem por incorporação na acção extinta, logo não tem aqui aplicação a regra do art. 211 nº2 do CPC ( cf., por ex., Ac RL de 21/11/2006 ( proc. nº 5701/2006 ), em www dgsi.pt).

Refira-se que, neste caso, dada a causa da absolvição, nem sequer se podem aproveitar as provas produzidas, nem têm valor as decisões aí proferidas, pois o nº4 do art. 289 CPC apenas abrange a absolvição com fundamento na alínea e) do nº1 do art. 288 do CPC.

O art. 467 nº3 CPC impõe que o autor junte à petição inicial o documento comprovativo da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo, devendo a Secretaria recusar a petição em caso de tal omissão, conforme determina o art. 474 f) CPC.

Pois bem, como a Autora não procedeu a essa imposição, está plenamente justificado o despacho de 24/5/2012, a providenciar pela sanação da irregularidade.

Verifica-se que a Autora não juntou documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida, apesar de notificada para o efeito.

É certo que juntou comprovativo de haver formulado o pedido de apoio judiciário na Segurança Social, em 31/5/2012, mas como resulta do art. 25 nº1 da LAJ o procedimento de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta, sendo que não tem aqui aplicação as excepções previstas nos números 2, 3, 4 e 5 do mesmo artigo.

Sendo assim, está correcto o despacho de 26/6/2012 que ordenou o desentranhamento da petição inicial, por aplicação analógica do art. 486-A nº6 do CPC.

A sentença de 7/12/2012 que julgou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, é a consequência do desentranhamento da petição inicial, a legitimar a extinção da instância.

A nulidade processual ( violação do contraditório):

A Apelante arguiu a nulidade processual, dizendo que o tribunal decidiu sem ter ouvido os interessados, e que a Autora não foi dada oportunidade de se pronunciar sobre a decisão a Segurança Social, ou seja, nem a Autora nem esta instituição tiveram oportunidade de se pronunciar sobre o disposto no art. 211 nº2 do CPC.

A violação do contraditório, designadamente pela omissão de audição das partes, configura nulidade processual, a apreciar nos termos gerais do art.201 do CPC, por ser susceptível de influir no exame e decisão da causa ( cf., por ex., L FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, vol.1º, pág.9; T SOUSA, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág.48 ).

Sucede que o tribunal não tinha que ouvir a Segurança Social, pois não é parte no processo, e por outro lado determinou a notificação à Autora através do despacho de 24/5/2012, logo nem sequer se pode falar de qualquer decisão surpresa.

Por isso, não ocorre a pretensa nulidade, e mesmo que existisse deveria ter sido arguida tempestivamente, o que não aconteceu.

Nulidades das decisões:

A Apelante arguiu a nulidade da decisão de 24/5/2012, por falta de fundamentação ( art. 668 nº1 b) CPC ).

Conforme orientação jurisprudencial e doutrinária, só releva para o efeito a falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito, e já não a fundamentação deficiente ou errada.

Ora, o despacho arguido mostra-se amplamente justificado, pelo que não assiste razão à Apelante.

A Apelante fustiga a decisão ( sem explicitar qual ) de nula, por violação do art. 668 nº1 d) ( 2ª parte ) CPC, ou seja, excesso de pronúncia, alegando, além do mais, que o tribunal não notificou a Segurança Social para se pronunciar.

É por demais evidente, com o devido respeito, que não se verifica a pontada nulidade, pois o tribunal não conheceu de questão que não devesse, contrariamente ao alegado no recurso.

            2.3. – Síntese Conclusiva

1.A acção proposta nos termos do art. 289 do CPC, é uma “nova acção”, e autónoma, pelo que se impõe a distribuição, não correndo por apenso, nem por incorporação na acção extinta, não tendo aqui aplicação a regra do art. 211 nº2 do CPC

            2. O apoio judiciário concedido para a anterior acção ( extinta ) não tem eficácia na nova acção.


III – DECISÃO

            Pelo exposto, decidem:

1)

            Julgar improcedente a apelação e confirmar as decisões recorridas.

2)

            Condenar a Apelante nas custas.

            Coimbra, 8 de Abril de 2014.


( Jorge Arcanjo - Relator)

( Teles Pereira )

( Manuel Capelo )