Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1829/10.7TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO DE SEGUROS
COMISSÕES
REMUNERAÇÃO
COMPENSAÇÃO
Data do Acordão: 02/10/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 847, 853 CC, 738 CPC, DL Nº 388/91 DE 10/10, DL Nº 144/2006 DE 31/7
Sumário: 1.- A remuneração auferida pelo A., a título de comissões recebidas pela sua actividade como mediador de seguros, não equivale a prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado; nem equivale a um salário, pois o A. não era trabalhador de seguros da R., não sendo esta a sua entidade patronal.

2.- Nesse caso tal remuneração auferida pelo A. não é crédito impenhorável, nos termos do art. 738º, nº 1, do NCPC.

3.- Nestes termos, nada impede a compensação de um crédito da R. seguradora, de quem o A. era mediador de seguros, sobre o mesmo A., se, por sua vez, o crédito do A. sobre tal R. não reveste a natureza de impenhorável, assim não se verificando o obstáculo previsto no art. 853º, nº 1, b), do Código Civil.

Decisão Texto Integral:  

I – Relatório

 

1. J (…), residente em (...) , Leiria, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra Companhia de Seguros (…) S.A., com sede em Lisboa, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 101.778 €, acrescida de juros vincendos a calcular à taxa legal sobre o capital em dívida até efectivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, que em 15 de Outubro de 1997, foi nomeado mediador de seguros com a faculdade de cobrança da Companhia de Seguros (…), que, mais tarde, por fusão, passou a integrar a R. No exercício da sua actividade, o A. prestou serviços à R. desde finais de 1997 até 31 de Dezembro de 2003, contudo esta não lhe pagou as comissões, que indica, no valor total de 19.166,63 € (1.532,14 de Novembro de 2000 + 2.559,24 de Dezembro de 2000 + 7.930,88, 4.650,59 e 2.493,78 respectivamente de 2001, 2002 e 2003) e as remunerações referentes ao contrato de objectivos de 2000 no montante de 15.961,53 €. Acrescem juros vencidos no montante de 31.521,68 € o que tudo ascende a 66.649,84 €. Que o A. tinha como única actividade a mediação de seguros que lhe proporcionava uma vida desafogada e estável, no entanto, face à ausência de pagamentos por parte da R., o A. deixou de poder cumprir os compromissos assumidos com dois créditos bancários, pelo que tiveram de ser os fiadores, os seus pais, a saldar os valores em dívida, o que lhe provocou enorme angústia e humilhação. Que o A. sobrevive à custa dos pais, familiares e amigos, o que lhe causa ansiedade, angústia, incómodos, canseiras e instabilidade emocional. A conduta da R. gerou danos morais no montante de 35.128,16 € de que pretende ser ressarcido.

A R. contestou e reconveio (em 7.5.2010) dizendo que as comissões são prestações periódicas renováveis, que eram creditadas todos os meses, pelo que, nos termos do disposto no art. 310º, g) do Código Civil, prescrevem no prazo de 5 anos, o que acontece também com os juros convencionais ou legais, nos termos da d) do mesmo preceito. Tendo a acção sido instaurada em Março de 2010 e a R. citada em 31 de Março de 2010, o A. se tivesse direito a receber as comissões e os juros, tal direito já se encontra prescrito. Que o A. apropriou-se do produto da cobrança dos prémios de seguro e por tal foi condenado criminalmente, tendo sido também condenado a pagar à R. o montante dos recibos cobrados e de que se apropriou, o que nunca fez, pelo que a R. comunicou ao A. que procedeu à compensação entre o seu crédito e o crédito do A. Em sede reconvencional, a R. pediu seja declarado extinto, por compensação, o eventual crédito do A., para o caso do mesmo entender que não lhe foi feita a comunicação de compensação, alegando, em síntese, que, no ano de 2000, remeteu ao A. recibos de prémio para cobrança no montante de 9.898,51 €, sendo que desse montante cobrado, e abatidas as comissões a que tinha direito, o A. deveria ter entregue a quantia de 8.817,30 €, o que não fez, acrescida de juros de mora à taxa legal, no montante de 3.855 €, tendo o A., por acórdão proferido no processo comum colectivo nº 465/01.3TALRA, sido condenado a pagar à R. a aludida quantia de 8.817,30 €, mais juros de mora à taxa legal desde 25.1.2001, o que não fez. Que por acórdão proferido no processo comum colectivo nº 235/01.9TALRA, o A. foi condenado a pagar à R. a quantia de 14.127,88 €, correspondentes a diversos recibos cobrados entregues em 2000, com juros de mora que ascendem a 4.998 €. Deve o A. à R. o montante total de 31.798 €, montante superior ao que a R. lhe deve a título de comissões, no valor de 14.958,16 €, pelo que deu por efectuada a aludida compensação.

O A. notificado da contestação (por correio electrónico de 11.5.2010) apresentou réplica, onde respondeu à matéria de excepção e reconvenção alegada pela R., e deduziu, ainda, a excepção de litispendência, uma vez que a R. já tinha efectivado compensação no processo cível nº 3263/08.0TBLRA, em que ele é igualmente A. e a R. também é R.

A R. apresentou tréplica, através da qual pugna pela improcedência das excepções invocadas pelo A.

Foi proferido despacho saneador, que não admitiu a reconvenção porquanto se destinava a obter a compensação de um crédito inferior ao crédito peticionado pelo A., mas admitindo a matéria aí vertida como excepção de compensação. Mais se julgou procedente a excepção de litispendência até ao montante de 8.407,61 €. Igualmente se julgou, parcialmente, procedente a excepção de prescrição e, em consequência, foram considerados prescritos os juros peticionados pelo A., vencidos até 30.12.2004.

*

A final foi proferida sentença (em Abril de 2014) que julgou, parcialmente procedente, a acção e, em consequência, condenou a R. a pagar ao A., a quantia de 4.629,17 €, acrescida de juros de mora à taxa que sucessivamente vigorar, nos termos fixados, calculados desde a data da citação (31.3.2010) até integral e efectivo pagamento.

*

2. O A. interpôs recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

(…)

3. A R. contra-alegou e recorreu subordinadamente, tendo concluído como segue:

(…)

4. Inexistem contra-alegações do A. relativamente ao recurso subordinado da R.

II - Factos Provados

1) Em Outubro de 1997, o A. e a Companhia de Seguros (…) celebraram um contrato de mediação de seguros, que vigorou entre finais desse ano e 31 de Dezembro de 2003;

2) Em 15 de Outubro de 1997, o A. foi nomeado mediador de seguros da R., com faculdade de cobrança, tendo-lhe sido atribuído para o efeito o número 83811;

3) Em 15/12/2004 foi registada a fusão por incorporação, mediante a transferência do património da sociedade “(…), S.A.” para a R.;

4) O A. desenvolve a actividade económica comercial de mediador de seguros;

5) No exercício da sua actividade, o A. efectuou a inscrição como empresário em nome individual;

6) No âmbito do contrato mencionado em 1), a R. entregava ao A. recibos de prémios de seguros, para que este os cobrasse junto dos respectivos segurados;

7) Após a cobrança, ao A. incumbia prestar contas à R., entregar os montantes cobrados, deduzidos do valor das comissões e ainda os recibos não cobrados;

8) A R. não pagou ao A., a título de comissões referentes ao ano de 2001, a quantia de € 7.930,88;

9) A R. não pagou ao A., a título de comissões referentes ao ano de 2002, a quantia de € 4.650,59;

10) A R. não pagou ao A., a título de comissões referentes ao ano de 2003, a quantia de € 2.493,78;

11) No âmbito do processo comum colectivo n.º 465/01.3TALRA que correu termos no 1.º Juízo Criminal de Leiria, por acórdão transitado em julgado em 27/2/2007, o A. foi condenado como autor material de um crime de abuso de confiança na forma continuada na pena de 9 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos;

12) Nesse processo a R. deduziu pedido de indemnização civil contra o A., que foi julgado parcialmente procedente, tendo sido este condenado a pagar à Ré a quantia de € 8.817,30, acrescida de juros de mora à taxa legal contabilizados desde 25/1/2001 até efectivo e integral pagamento;

13) No âmbito do processo comum colectivo n.º 235/01.9TALRA que correu seus termos no 2.º Juízo Criminal de Leiria, por acórdão transitado em julgado em 19/4/2004, o A. foi condenado como autor material de um crime de abuso de confiança e um crime de emissão de cheque sem provisão na pena única de 2 anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 anos e 300 dias de multa à taxa diária de € 8,00;

14) Neste processo a R. deduziu pedido de indemnização civil contra o A., que foi julgado parcialmente procedente, tendo este sido condenado a pagar à R. a quantia de € 14.127,77, acrescida de juros de mora calculados sobre o montante de € 13.828,81, desde a data da dedução do pedido até efectivo e integral pagamento, à taxa legal, 7% até 29 de Abril de 2003 e, a partir de 1 de Maio de 2003, à taxa de 4%;

15) Corre termos no 2.º Juízo Cível de Leiria, a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, com o n.º 3263/08.0 TBLRA, proposta pelo A. em 6/6/2008 e no âmbito da qual este peticionou o pagamento à R. da quantia de € 8.407,61, referente a comissões de mediação respeitantes aos anos de 2001 a 2007;

16) Neste processo a R. deduziu pedido reconvencional com o seguinte pedido: Nestes termos deve a acção ser julgada não provada e improcedente e a Ré absolvida, ou seja, se assim se não entender, o que por mera hipótese se admite, deve ser julgada procedente a reconvenção e, em consequência, ser declarada a compensação dos créditos do A. e da Ré e, por via disso, declarado que a Ré nada tem a pagar ao A;

17) Para atingir os objectivos propostos pela R. para o ano de 2000 o A. teria de angariar contratos de seguro dos quais resultassem para a R. «6.000 contos» de prémios de seguro do ramo de acidentes de trabalho, «20.000 contos» do ramo automóvel e «7.500 contos» de outros ramos;

18) Em 12 de Agosto de 1997, o A. contraiu um empréstimo de Esc. 6.500.000$00 junto do “(…)” no qual foram fiadores (…)

*

Factos Não Provados:

(…)

C) O A. no ano de 2000 angariou contratos de seguro dos quais resultaram para a R. «6.000 contos» de prémios de seguro do ramo de acidentes de trabalho, «20.000 contos» do ramo automóvel e «7.500 contos» de outros ramos;

D) E, por esse facto, o A. tem a receber da R. o montante de € 15.961,53 a título de remunerações referentes aos objectivos de 2000;

(…)

*

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Compensação ou não dos créditos do A. e da R.

- Taxa dos juros de mora do crédito da R.

2. (…)

Improcede, pois, a impugnação da matéria de facto deduzida pelo recorrente.

3.1. O A. pedia o pagamento da quantia de 19.166,63 € a título de comissões respeitantes aos meses de Novembro e Dezembro de 2000 e aos anos de 2001, 2002 e 2003, derivadas do contrato de mediação de seguro celebrado entre A. e R. Tal pretensão foi-lhe concedida na sentença sob recurso.

O A. pretendia, também, a condenação da R. no pagamento da quantia de 15.961,53 €, por ter atingido os objectivos de 2000. Mas como decorre dos factos não provados (não alterados na impugnação da matéria de facto apresentada pelo recorrente) ficou por demonstrar que o A. tenha atingido os valores exigidos para que lhe fosse atribuída remuneração adicional pelo cumprimento de objectivos no ano 2000. Assim, improcede esta pretensão do A.

Também pretendia ser ressarcido a título de danos morais, pelo valor de 35.128,16 €, mas como não provou a correspondente factualidade, não viu reconhecida tal pretensão (que, aliás, o A. não discute agora em recurso).

Ou seja, ao A. foi reconhecido apenas ter direito a receber da R. o aludido montante de 19.166,63 € a título de comissões derivadas do contrato de mediação de seguro celebrado entre ele e a R., acrescido de juros comerciais que a sentença especificou, desde 31.3.2010 até integral pagamento.

Seguidamente, na fundamentação da sentença recorrida, considerou-se que a R. tinha direito a efectivar compensação do seu crédito sobre o do A., no montante de 22.945,07 €, correspondente à soma dos valores de capital a pagar pelo A. à R. (8.817,30 € + 14.127,77 €) em que aquele foi condenado nos aludidos processos-crime (factos 11. a 14.).

Depois, subtraiu-se, ao crédito da R., o montante de 8.407,61 € (factos 15. e 16.), atenta a decisão proferida no despacho saneador, acerca da excepção de litispendência, que foi julgada procedente até àquele montante, pelo que o crédito da R. ficou reduzido a 14.537,46 € (22.945,07 - 8.407,61).

E de seguida efectivou-se a compensação subtraindo-se ao montante do crédito do A. o montante do remanescente crédito da R. (19.166,63 - 14.537,46), assim se tendo apurado a quantia de 4.629,17 € a pagar por esta aquele A.   

A. e R., no presente recurso, objectam, contudo, que há dois erros na fundamentação jurídica do tribunal.

Aquele defende que o seu crédito não é compensável, por se tratar de comissões auferidas como mediador, consistindo em retribuição pelo seu trabalho e pelo desenvolvimento da sua actividade profissional, pelo que se enquadra tal situação no âmbito da previsão do art. 738º, nº 1, do NCPC, porquanto é uma prestação periódica que assegura a subsistência do apelante, bem como é equivalente a salário, sendo, por isso, crédito impenhorável e consequentemente, face ao disposto no art. 853º, nº 1, b), do Código Civil, o mesmo não é susceptível de extinção parcial (ou total) por compensação.

Já esta defende que tal compensação não só é possível como deve ser ampliada, pois na decisão recorrida foram desconsiderados os montantes de juros vencidos, pelo que o seu crédito é bem superior ao afirmado pelo tribunal, é superior ao do A., devendo, por isso, a compensação ser total, assim se mostrando extinto o crédito do A., e consequentemente ser o pedido julgado improcedente e a R. absolvida.  

Vejamos, então.

3.2. A compensação invocada pela R. visa extinguir o direito de crédito do A.

Na sentença recorrida operou-se a acima referida compensação com base no art. 847º, nº 1, do CC, que estabelece que quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos: a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material; b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.

Mas nos termos do art. 853º, nº 1, b), do CC, não podem extinguir-se por compensação os créditos impenhoráveis, excepto se ambos forem da mesma natureza.

À data dos factos em que o A. foi mediador de seguros da R. vigorava o DL 388/91, de 10.10. Esse diploma conferia-lhe direito a receber uma comissão, que era a remuneração do mediador no valor resultante da aplicação de uma percentagem sobre os prémios, líquidos de encargos e adicionais, efectivamente pagos, nos termos dos arts. 1º, nº 2, d), 7º, c) e d) e 11º, nº 1, valores das comissões que eram livremente negociáveis entre os mediadores e as seguradoras, ao abrigo do art. 13º, nº 1, do mesmo diploma (no nosso caso a comissão do A. era a percentagem de 3,5% sobre os prémios simples cobrados, e mais um rappel em determinadas percentagens adicionais, em função de objectivos a atingir, sobre os prémios simples cobrados, como resulta do facto 17., do doc. nº 10, de fls. 47, e é reconhecido pela R.). Essa componente remuneratória manteve-se, aliás, no DL 144/2006, de 31.7 que revogou aquele DL e que regula actualmente a actividade de mediador de seguros (cfr. arts. 5º, e), e 28º, c) e d), de tal diploma).  

Por sua vez, nos termos do art. 824º, nº 1, do CPC (redacção de 1985, resultante do DL 329-A/95, de 12.12), eram impenhoráveis 2/3 dos vencimentos ou salários auferidos pelo executado – alínea a) - bem como igual proporção das prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de outra qualquer regalia social, seguro, indemnização por acidente ou renda vitalícia, “ou de quaisquer outras pensões de natureza semelhante” – alínea b) -. Na redacção do DL 38/03, de 8.3, foi acrescentado à referida a) “ou prestações de natureza semelhante”.

O actual art. 738º, nº 1, do NCPC, dispõe ser impenhorável 2/3 da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, “ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado”. Ou seja, unificou as referidas 2 alíneas, com um texto semelhante mas em que adiciona a referência a parte líquida e retira as anteriores expressões “ou prestações de natureza semelhante“, constante da citada a), e “ou de quaisquer outras pensões de natureza semelhante“, constante da mencionada b), e acrescenta como sujeitas a tal parcial impenhorabilidade as “prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado”.

O A. acoberta-se a esta última parte para defender que as comissões que recebia e a que tem direito equivalem a uma prestação periódica que assegura a subsistência do apelante (vide conclusão 11.). Mas sem razão, assim cremos.

Na verdade, não está comprovado que a remuneração do A., prestada pela R. a título de comissões auferidas pela sua actividade como mediador de seguros, assegurava a subsistência do mesmo. Efectivamente não se provou matéria factual atinente a tal situação, pois não se provou que: E) O A. tinha como única actividade a mediação de seguros; F) Tal actividade proporcionava-lhe uma vida desafogada e estável; (…); P) Pelo facto de a R. não pagar as comissões o A. deixou de ter dinheiro para a sua vida quotidiana; Q) Sobrevivendo, ainda no presente, à custa dos pais, familiares e amigos.

Nem a sua remuneração, na forma de comissões a receber, equivalia a um salário, como defende (na conclusão 13.), pois os autos não evidenciam que o A. fosse trabalhador de seguros da R. e esta fosse a sua entidade patronal, como podia acontecer caso fosse angariador de seguros desta (cfr. os arts. 3º, nº 2, b), 30º, nº 1, e 31º, nº 1, do indicado DL 388/91, de 10.10). Ao invés o que os autos demonstram é que o A. trabalhava por conta própria, como empresário em nome individual (factos 4. e 5.).

Não se conclui, assim, que o seu crédito é impenhorável (aliás, a sê-lo tal só podia acontecer na proporção de 2/3, e não totalmente). Por isso, a compensação operada na sentença recorrida mostra-se juridicamente correcta. Não procede, pois, o recurso independente da A.   

3.3. Face à argumentação jurídica apresentada na decisão recorrida, e que acima expusemos, vê-se que foram desconsiderados os montantes de juros vencidos. Expliquemos como.

Como mais acima se referiu à R. foi reconhecido um crédito sobre o A., no montante total de 22.945,07 €, correspondente à soma dos valores de capital (8.817,30 € + 14.127,77 €) em que este foi condenado nos processos-crime aludidos nos factos 11. a 14. Mais que isso, o R. foi também condenado a pagar juros de mora civis, em tais processos, designadamente no processo nº 235/01.9TALRA, juros calculados sobre o montante de 13.828,81 €, desde a data da dedução do pedido até efectivo e integral pagamento, à taxa legal de 7% até 29 de Abril de 2003 e, a partir de 1 de Maio de 2003, à taxa de 4%. Enquanto no processo nº 465/01.3TALRA, o A. foi condenado a pagar à R. a quantia de 8.817,30 € acrescida de juros, à taxa legal, contabilizados desde 25.1.2001 até efectivo e integral pagamento.

Ora, verifica-se que a R. no seu articulado de contestação/reconvenção, de 7.5.2010, declarou compensar o seu crédito com o do A., articulado este notificado ao último, pelo que a compensação se tornou efectiva, com tal declaração, nos termos do art. 848º, nº 1, do CC, passando os créditos a ficar extintos desde o momento em que se tornaram compensáveis, como estatui o art. 854º do mesmo código.

Como se mencionou o A. foi condenado a pagar à R. a quantia de 8.817,30 €, acrescida dos indicados juros. A R. liquidou os mesmos, no momento em que contestou/reconveio, no montante de 3.855 €. Também o A. foi condenado a pagar à R., além da apontada quantia de 14.127,77 €, os indicados juros de mora sobre o montante de 13.828,81 €. A R. liquidou os mesmos no momento em que contestou/reconveio no valor de 4.998 €. O R. na sua réplica não impugnou tal liquidação (nem nós vemos razão para a questionar), pelo que são de aceitar tais montantes. O total dos juros ascende, pois, a 8.853 €. Assim, o crédito da R., correspondente a capital e juros ascende ao total de 31.798,07 € (22.945,07 € + 8.853 €). A este montante há que subtrair os atrás referidos 8.407,61 € (factos 15. e 16.), como se fez na decisão recorrida. Pelo que o crédito da R. fica reduzido a 23.390,46 € (31.798,07 - 8.407,61). Agora há que subtrair a tal montante o crédito do A., que se apurou ser de 19.166,63 €. O resultado é favorável à R. no valor de 4.223,83 €.

Mas em bom rigor esse resultado até é inferior, embora continue o crédito da R. a ser superior ao crédito do A. Na verdade, ao crédito do A., também, têm de ser adicionados os juros fixados na sentença recorrida, a seu favor, contabilizados até à referida data da compensação, de 7.5.2010. Nessa sentença fixou-se que a R. devia juros comerciais ao A. desde 31.3.2010, indicando-se as várias taxas, sendo que a primeira estatuída foi a de 8%, compreendida no período desde 1.1.2010 a 30.6.2010 (conforme Despacho 597/2010, de 4.1). Assim, tem de se calcular os juros a favor do A. desde 31.3.2010 até 7.5.2010, cerca de 1 mês e picos, à indicada taxa de 8%. Não há necessidade de o fazer, para apurar o valor exacto, pois é evidente que nunca será matematicamente superior ao remanescente crédito da R. cujo resultado apurámos ser de 4.223,83 €.

Desta sorte, o crédito da R. é bem superior ao do A., devendo, por isso, a compensação ser total, assim se mostrando extinto o crédito do A., e consequentemente dever o pedido do A. ser julgado improcedente e a R. absolvida.

4. Tendo em conta o acabado de explicitar e o que se vai decidir torna-se inútil conhecer a remanescente e subsidiária questão posta pela R./recorrente subordinada no seu recurso.

5. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) A remuneração auferida pelo A., a título de comissões recebidas pela sua actividade como mediador de seguros, não equivale a prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado; nem equivale a um salário, pois o A. não era trabalhador de seguros da R., não sendo esta a sua entidade patronal;

ii) Nesse caso tal remuneração auferida pelo A. não é crédito impenhorável, nos termos do art. 738º, nº 1, do NCPC;

iii) Nestes termos, nada impede a compensação de um crédito da R. seguradora, de quem o A. era mediador de seguros, sobre o mesmo A., se, por sua vez,  o crédito do A. sobre tal R. não reveste a natureza de impenhorável, assim não se verificando o obstáculo previsto no art. 853º, nº 1, b), do Código Civil. 

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso independente do A. e procedente o recurso subordinado da R., assim se declarando extinto o crédito do A., por compensação com o crédito da R., indo esta absolvida.

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Custas a cargo do A. 

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    Coimbra, 10.2.2015

Moreira do Carmo ( Relator )

Fonte Ramos

Maria João Areias