Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3857/13.1TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: INSOLVÊNCIA
CRÉDITO LITIGIOSO
LEGITIMIDADE
FACTO-ÍNDICE
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
Data do Acordão: 11/11/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA - - 3º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 3, 17, 20, 23, 27, 30 CIRE, 590 CPC
Sumário: 1. O titular de crédito litigioso encontra-se legitimado, ao abrigo do preceituado no art.º 20º, n.º 1, do CIRE, para requerer a insolvência do pretenso devedor, legitimidade processual que não contende com o mérito da causa a que diz respeito a existência ou inexistência do controvertido crédito.

2. Ultrapassada a fase da apreciação liminar (art.º 27º, do CIRE), perante alegação genérica pretensamente enquadrável na previsão do n.º 1 do art.º 20º, do CIRE, e tendo a requerida oposto factos (com algum suporte documental) visando demonstrar a sua solvabilidade, haverá que declarar, de imediato, a improcedência do pedido (de declaração de insolvência).

3. Ainda que admitida a aplicação subsidiária do disposto no n.º 4 do art.º 590º, do CPC de 2013 (ex vi do art.º 17º, do CIRE), com a possibilidade de as partes suprirem as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, é razoável não formular o correspondente “convite” ao requerente/credor que alegou a sua “versão” da realidade denotando ignorar quaisquer factos, enquanto acontecimentos realmente ocorridos (ocorrências concretas da vida real) que possam enquadrar-se na hipótese legal.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:         

            I. Em 03.12.2013, E(…), Lda., instaurou a presente acção requerendo a declaração de insolvência de “A (…)” alegando, em síntese:

            - Requerente e requerida celebraram um contrato, com a denominação de “Instrumento Particular de parceria sobre os direitos económicos e imagem de atleta profissional de futebol”, tendo por objecto os direitos económicos e de imagem dos jogadores profissionais de futebol (…) contrato que em 29.6.2011 veio a ser objecto de aditamento quanto àquele primeiro atleta;

            - Nos termos do mencionado acordo, e respectivo aditamento, obrigou-se a requerida a ceder à requerente parte dos direitos económicos e de imagem do jogador (…), na hipótese de uma negociação e/ou transferência envolvendo esse atleta, pagando-lhe 30 % sob o valor negociado pelos direitos federativos, económicos e de imagem desse atleta, e, ainda, a assegurar, no acordo de cedência definitiva, a clube terceiro, os direitos económicos detidos, com a manutenção de parte desses direitos em percentagem não inferior a 30 %;

            - A requerida cedeu os direitos económicos desse jogador ao “(…)”, contratualizando a obrigação de manutenção de parte desses direitos em percentagem não inferior a 30 %, recebendo do cessionário o valor correspondente pela transmissão dos respectivos direitos económicos e de imagem, não pagando à requerente o valor devido de, pelo menos, € 600 000, apesar de interpelada, incumprimento contratual que origina para a requerida a obrigação de indemnizar a requerente em valor não inferior a € 500 000;

            - A requerida não gera receitas para a gestão corrente e não dispõe de património próprio e suficiente que lhe permita liquidar o seu passivo, que ascende a € 7 500 000; não dispõe igualmente de crédito bancário e cessou todos os pagamentos aos seus profissionais, agentes desportivos, fornecedores, Segurança Social e Fazenda Nacional;

            - A cessação de tais pagamentos é reveladora da total incapacidade económica e patrimonial para cumprir as obrigações decorrentes da sua actividade, sendo o seu passivo – pelo menos de momento – incomparavelmente superior ao seu activo, não gerando a requerida qualquer tipo de riqueza.

            Concluiu, depois, que a requerida não possui bens ou rendimentos que lhe permita solver os seus débitos, é economicamente inviável e, consequentemente, encontra-se em estado de insolvência, impossibilitada de solver as obrigações contraídas e de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.

            A requerida deduziu oposição invocando, designadamente, por um lado, a inexistência do crédito em que se baseia o pedido de declaração de insolvência, determinante da “ilegitimidade” da requerente; por outro lado, a falta de alegação de algum ou alguns dos factos enumerados no n.º 1 do art.º 20º, do CIRE, cuja verificação faz presumir a situação de insolvência; e, por último, a inexistência da invocada situação de insolvência, o que pretendeu demonstrar com a junção aos autos de documentação comprovativa da inexistência ou regularização de dívidas à Segurança Social e à Fazenda Pública, bem como da inexistência de dívidas aos seus trabalhadores, referindo, ainda, que gera ou aufere receitas, por exemplo, rendas de contratos de arrendamento de espaços comerciais. Concluiu pela sua absolvição do pedido.

            Juntos os documentos referidos no despacho de fls. 217 e observado o contraditório, a Mm.ª Juíza a quo, por sentença de 22.5.2014, julgou improcedente o pedido de declaração de insolvência de A (…)

            Inconformada e pugnando pela revogação da sentença e o prosseguimento dos autos (“produzindo-se os meios de prova e discutindo-se a matéria de facto, necessários à boa decisão da causa”), a requerente interpôs a presente apelação formulando as conclusões que assim vão sintetizadas:

            1ª - Admitindo em tese da suposta “ausência de factos materiais e concretos reveladores da existência de um crédito”, constituindo a causa de pedir, determinariam por ausência “in casu” a nulidade do R. I., e eventual indeferimento liminar, em detrimento do alegado pelo Tribunal a quo, e assim, a suposta ausência de alegação de factos concretos, sempre deveria ter merecido do Tribunal a quo o inerente convite ao aperfeiçoamento, cf. art.º 590º, n.º 2, alínea b) e 3 e 5, do CPC, aplicável ex vi do art.º 17º do CIRE, admitindo que o Tribunal a quo estaria interessado em observar o disposto nos art.ºs 6º, n.º 2 e 411º, do CPC, desaguando na nulidade prevista no art.º 195º, n.º 1 do CPC;

            2ª - Deveria o Tribunal a quo ter observado o disposto no art.º 590º, n.ºs 4 e 5, do CPC, sendo que tal incumbência é vinculativa, contrariamente ao que sucedia com o revogado art.º 508º, n.º 3, do CPC (DL 303/2007, de 24.8), que fixava a possibilidade de um convite não vinculado, atento o verbo ali usado (“Pode”), desaguando na nulidade prevista no art.º 195º, n.º 1, do CPC.

            3ª - A apelante/requerente alegou factos concretos dos quais não só emerge o crédito que invoca sobre a requerida, bem como o estado de insolvência da requerida.

            4ª - A requerente requestou a conclusão dos autos com vista ao M.º Público, ou alternativamente a emissão de certidão para que a requerente promova o conhecimento junto da Procuradoria-Geral da República, uma vez que é público que a participada da requerida(…)., está insolvente, é detida exclusivamente pela aqui requerida que não subscreveu a totalidade do capital social (facto que a mesma não contraditou documentalmente como era mister…), e atenta a pendência dos presentes deverá o M.º Público, em observância do disposto nos art.ºs 20º e 13º, do CIRE, promover a respectiva declaração de insolvência em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados.

            5ª - A requerente formulou ao Tribunal a quo que “se digne ordenar a notificação da Requerida para promover a junção aos autos de toda a documentação que confessadamente possui relativa a acordo de cedência definitiva, a clube terceiro, dos direitos económicos o atleta (…)nos quais assegurou a manutenção de parte desses direitos em percentagem não inferior a 30 %, (…), e o Tribunal a quo ignorou e nem sequer se pronunciou sobre tal pedido.

            6ª - A requerida não juntou sequer aos autos qualquer documento do qual se infira que os activos são superiores ao passivo, nem tão pouco carreou para os autos os valores devidos aos cinco maiores credores, sendo apenas por coincidência o maior o seu “Presidente” cidadão de consabidos recursos económicos e financeiros, quiçá publicitado por tal na revista “Forbes”...

            7ª - A requerente alegou inclusivamente a confissão da requerida (art.º 17º do R. I.), não se vislumbrando a razão pela qual da impugnação à matéria de facto alegada pela requerente o Tribunal a quo valorou a impugnação em detrimento da alegação desta e lhe sonegou qualquer possibilidade de produção de prova testemunhal, sem que se conheça qualquer justificação de facto e de direito, violando ostensiva e deliberadamente o disposto no artº. 410º, artº. 411º, artº. 413º, artº. 432º, cominando a Sentença com nulidade atento o disposto no art.º 615º, n.º 1, alíneas b) e d), do CPC.

            8ª - A questão da obrigação estar ou não vencida não é relevante, uma vez que a insolvência acarreta a perda do benefício de prazo (art.º 780º, do CC).

            9ª - Não se vislumbra o fundamento para que seja mais ajustada a interpretação restritiva do art.º 20º, do CIRE, violando a Sentença Recorrida o art.º 615º, n.º 1, alínea b), do CPC.

            A requerida respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir, principalmente: a) legitimidade da recorrente, enquanto titular de um crédito litigioso sobre a requerida, para requerer o decretamento da insolvência; b) se era possível, sem outras diligências ou não realizando a audiência de julgamento, conhecer das questões susceptíveis de determinar a improcedência do pedido.

*

            II. 1. Para a decisão do recurso relevam a factualidade e a tramitação aludidas no antecedente “relatório”.

            2. A decisão impugnada louva-se, sobretudo, na seguinte argumentação:

            «Dispõe o n.º 1 do artigo 23º que “a apresentação à insolvência ou o pedido de declaração desta faz-se por meio de petição escrita, na qual são expostos os factos que integram os pressupostos da declaração requerida e se conclui pela formulação do correspondente pedido”, o que significa (…), (…) “como acontece com relação a qualquer processo civil, a lei exige que o requerente exponha na petição, de modo esclarecedor, a matéria de facto que constitui a causa de pedir, a qual, por sua vez, fundamenta a pretensão que se deseja ver satisfeita e que é hoje, sempre e necessariamente, a declaração de insolvência (…)”

            (…)

            Factos são “ocorrências concretas da vida real (…), bem como o estado, a qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas (…).” (…).

            A ser assim, não corresponde ao cumprimento do ónus de alegação da matéria de facto integradora da causa de pedir a referência a conceitos legais, a afirmação de certas conclusões ou a utilização de expressões de conteúdo puramente técnico-jurídico desacompanhadas da articulação de factos concretos que lhes estejam subjacentes (…).

            (…) “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”, o que significa que, no processo de insolvência, a causa de pedir consiste no facto do qual decorre a conclusão final de que o devedor se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas (…) de que são fundamentos materiais as circunstâncias taxativamente enunciadas no art.º 20º - designadamente as previstas nas alíneas a) e b) do seu n.º 1 relativas à “suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas” e à “falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações” – que se configuram como factos-índices ou presuntivos da insolvência (…)

            (…) o único pressuposto objectivo da declaração de insolvência é a situação de insolvência tal como vem definida no artigo 3º (…), “ (…) sendo os factos-índice meros fundamentos necessários mas não suficientes do requerimento da declaração de insolvência do devedor” (…). (…) o que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.

            (…)

            Ora, a par da ausência de factos materiais e concretos reveladores da existência de um direito de crédito da requerente sobre a requerida e no montante de 1 100 000 € (ou de 1 350 000 €), e também por essa razão, a demais factualidade alegada não é de molde a configurar nenhuma das hipóteses previstas nas alíneas do n.º 1 do art.º 20º, as quais são (…) factos estruturantes (essenciais) da causa de pedir.

            Com efeito, a requerente não alega factos, materiais e concretos, integrativos da suspensão generalizada de pagamento de obrigações vencidas, prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 20º, pois que se cingiu à invocação da dívida que perante si contraiu a requerida e não indicou quaisquer outros débitos concretos - já que o conteúdo dos art.ºs 58º a 69º da p. i. também não satisfaz o ónus de alegação da factualidade integradora da causa de pedir. E também omite a articulação de factos tendentes a revelar a impossibilidade do devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 20º (…)

            Face ao incumprimento do ónus de alegação de factos reveladores da situação de insolvência do devedor não pode senão concluir-se pela manifesta improcedência do pedido de declaração da sua insolvência - sabido que “o pedido deve considerar-se manifestamente improcedente quando, pelos próprios termos em que se encontra baseado, revela a inexistência do pressuposto ou dos requisitos legais fundamentais para que o tribunal possa declarar a insolvência do devedor. Será o caso, v. g., de o requerente, sendo credor, não fundamentar a acção na verificação de um dos factos-índices enumerados no artigo 20º, n.º 1” (…).

            Acresce que a requerida impugnou a existência do crédito invocado pela requerente (…), donde decorre que o crédito cuja titularidade a requerente se arroga é litigioso, atento o disposto no n.º 3 do artigo 597º do Código Civil (…).

            (…)

            Assim, sendo invocada como causa de pedir da insolvência a cessação de pagamentos prevista como facto-índice no n.º 1 do art.º 20º, e não estando provada a existência do crédito do requerente - seja por reconhecimento judicial, através de sentença condenatória impondo à requerida o pagamento daquele crédito, seja por reconhecimento (expresso ou tácito) do crédito do devedor perante o credor (art.ºs 325º e 217º do Código Civil) - não pode esse crédito ser considerado como existente em sede de processo de insolvência e, não existindo enquanto tal, não pode considerar-se vencido à data do pedido de insolvência.

            (…) a requerente recorreu ao processo de insolvência sem previamente obter sentença que reconhecesse o seu crédito, crédito que a requerida não reconheceu, posto que na sua oposição o impugnou de forma expressa (…), consistindo, assim, o crédito invocado num crédito litigioso, tanto bastando para se concluir pela improcedência do pedido de declaração de insolvência.» (fim de citação)

            3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão, aplicando-se à situação dos autos o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa/CIRE[1] (aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18.3, e na redacção conferida pela Lei n.º 16/2012, de 20.4)].

            4. É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas (art.º 3º, n.º 1).[2]

            Trata-se do conceito básico (fundamental) de insolvência e que se traduz na impossibilidade de cumprimento, pelo devedor, das suas obrigações vencidas; significa impossibilidade patrimonial, incapacidade económico-financeira do devedor para cumprir.[3]

            Porém, relativamente às pessoas colectivas e aos patrimónios autónomos, importa também considerar as disposições especiais dos n.ºs 2 e 3 do art.º 3º:

            As pessoas colectivas e os patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, por forma directa ou indirecta, são também considerados insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis. (n.º 2)

            Cessa o disposto no número anterior quando o activo seja superior ao passivo, avaliados em conformidade com as seguintes regras:

            a) Consideram-se no activo e no passivo os elementos identificáveis, mesmo que não constantes do balanço, pelo seu justo valor;

            b) Quando o devedor seja titular de uma empresa, a valorização baseia-se numa perspectiva de continuidade ou de liquidação, consoante o que se afigure mais provável, mas em qualquer caso com exclusão da rubrica de trespasse;

            c) Não se incluem no passivo dívidas que apenas hajam de ser pagas à custa de fundos distribuíveis ou do activo restante depois de satisfeitos ou acautelados os direitos dos demais credores do devedor. (n.º 3)

            5. Qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, tem legitimidade para requerer a insolvência (art.º 20º, n.º 1), devendo alegar os factos que integram os pressupostos da declaração de insolvência, através de petição escrita (art.º 23º, n.º 1) - além da alegação de um ou mais dos factos que servem de base à presunção legal [alíneas a) a h) do n.º 1 do art.º 20º], tem ainda de justificar na petição a origem, natureza e montante do crédito, oferecer os elementos que possua relativamente ao activo e passivo do devedor, bem como indicar os respectivos meios de prova (art.º 25).

            Por conseguinte, atribuído o aludido direito de, por iniciativa própria, requerer a insolvência do devedor, o credor deverá invocar determinados factos ou situações cuja ocorrência objectiva pode, nos termos da lei, fundamentar o pedido, ou seja, os designados factos índice ou presuntivos da insolvência, enumerados nas oito alíneas do n.º 1 do art.º 20º, os quais, pela experiência da vida, são susceptíveis de manifestar a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações, pedra de toque do instituto.[4]

            Preceitua o art.º 20º, n.º 1, que a declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando-se algum dos seguintes factos:
            a) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas;
            b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações;
            c) Fuga do titular da empresa ou dos administradores do devedor ou abandono do local em que a empresa tem a sede ou exerce a sua principal actividade, relacionados com a falta de solvabilidade do devedor e sem designação de substituto idóneo;
            d) Dissipação, abandono, liquidação apressada ou ruinosa de bens e constituição fictícia de créditos;
            e) Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor;
            f) Incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamentos, nas condições previstas na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 218.º;
            g) Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos:
                        i) Tributárias;
                        ii) De contribuições e quotizações para a segurança social;
                        iii) Emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato;
                        iv) Rendas de qualquer tipo de locação, incluindo financeira, prestações do preço da compra ou de empréstimo garantido pela respectiva hipoteca, relativamente a local em que o devedor realize a sua actividade ou tenha a sua sede ou residência;
            h) Sendo o devedor uma das entidades referidas no n.º 2 do artigo 3º, manifesta superioridade do passivo sobre o activo segundo o último balanço aprovado, ou atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, se a tanto estiver legalmente obrigado.
            A alegação e prova de tais factos (cuja verificação faz presumir a situação de insolvência, tal como a caracteriza o art.º 3º, n.º 1) constitui ónus que impende sobre o credor que requeira a declaração de insolvência.

            6. Assim, no que concerne ao pressuposto objectivo do processo de insolvência – como decorre quer das regras processuais gerais (designadamente da exigência de um pedido e de uma causa de pedir), quer particularmente do art.º 23º, n.º 1 –, o requerente, na petição inicial (p. i.), deve deduzir o pedido de declaração de insolvência e alegar a existência desta, bem como os factos que a consubstanciam.[5]

            O preenchimento deste pressuposto objectivo difere consoante a iniciativa seja do devedor, que se apresenta à insolvência (art.º 18º), ou de algum dos outros legitimados no âmbito do art.º 20º.

            7. O processo de insolvência rege-se pelo Código de Processo Civil em tudo o que não contrarie as disposições do CIRE (art.º 17º).

            No processo de insolvência, há sempre lugar a despacho liminar, indeferindo-se liminarmente o pedido de declaração de insolvência quando seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis de conhecimento oficioso (n.º 1 do art.º 27º).[6]

            Atendendo aos efeitos decorrentes do processo de insolvência e, sobretudo, à inversão do ónus da prova suportada pelo devedor, exige-se ao requerente (que não o devedor) não só a formulação do pedido e alegação da situação de insolvência, mas também, e particularmente, a alegação e prova das circunstâncias enunciadas no art.º 20º, n.º 1, aduzindo factos que sejam subsumíveis numa das suas hipóteses e fundamentando o seu pedido nesses factos - as hipóteses ali previstas emprestam seriedade ao pedido, porquanto indiciam de forma significativa a existência de dificuldades económicas ou financeiras por parte do sujeito que nelas incorreu, em termos de ser razoável admitir, em face da alegação e prova de uma delas, que o processo de insolvência se desenvolva e nele se presuma mesmo a existência da situação de insolvência, não devendo, por isso, o requerente limitar-se a formular alegações genéricas e não factuais respeitantes à situação de insolvência do requerido, sob pena, a não ter havido logo rejeição da petição, de improcedência da acção e não declaração da insolvência.[7]

            8. Na verdade, como vem salientado na decisão sob censura, a lei exige que o requerente exponha na petição, de modo esclarecedor, a matéria de facto que constitui a causa de pedir, a qual, por sua vez, fundamenta a pretensão que se deseja ver satisfeita e que é hoje, sempre e necessariamente, a declaração de insolvência, sendo que, tratando-se de um credor, este terá necessariamente de invocar a verificação de um dos factos presuntivos do art.º 20º.[8]

            Incumprido o aludido ónus de alegação de factos reveladores da situação de insolvência do devedor apenas se poderá concluir pela manifesta improcedência do pedido de declaração da sua insolvência, ou seja, o pedido deve considerar-se manifestamente improcedente quando, pelos próprios termos em que se encontra baseado, revela a inexistência do pressuposto ou dos requisitos legais fundamentais para que o tribunal possa declarar a insolvência do devedor. Será o caso, v. g., de o requerente, sendo credor, não fundamentar a acção na verificação de um dos factos-índices enumerados no art.º 20º, n.º 1.[9]

            9. Segundo o n.º 1 do art.º 35º, tendo havido oposição do devedor ou tendo a audiência deste sido dispensada, é logo marcada audiência de discussão e julgamento para um dos cinco dias subsequentes.

            Decorre da referida norma que, no processo de insolvência, em regra, não haverá lugar a despacho saneador, tal como se encontra definido no art.º 595º do CPC de 2013 (embora se encontre previsto que o juiz no início da audiência proceda à selecção da matéria de facto relevante que considere assente e a que constituiu a base instrutória – n.º 5 do art.º 35º), pelo que, findos os articulados (normalmente, a p. i. e a oposição), o juiz designará dia para audiência de julgamento (art.º 35º, n.º 1).

            Contudo, se, nessa fase, o juiz concluir que o processo contém os elementos necessários a conhecer de alguma excepção peremptória, ou do próprio pedido de declaração de insolvência, nada obstará a que se conheça de imediato do mérito da acção, assim como, se pelo requerido tiver sido invocada alguma excepção dilatória ou peremptória que importe a extinção da instância, também o juiz deverá proceder desde logo à sua apreciação, sob pena de, prosseguindo os autos para audiência de julgamento, se estarem a praticar actos inúteis, proibidos por lei (art.º 130º do CPC de 2013).[10]

Então, naturalmente, já não nos encontramos perante um despacho de rejeição liminar do requerimento inicial mas podemos afirmar que, tendo-se ordenado a citação da requerida, será sempre possível, mais tarde, independentemente de ter havido ou não oposição, indeferir o pedido de insolvência por manifesta improcedência do mesmo.

            Com efeito, como sempre se entendeu e consta do n.º 5 do art.º 226º, do CPC de 2013 (ex vi do art.º 17º, do CIRE), o despacho de citação nunca constitui caso julgado formal, não se considerando precludidas as questões que podiam ter sido motivo de indeferimento liminar.

            10. É litigioso o crédito que tiver sido contestado em juízo contencioso, ainda que arbitral, por qualquer interessado (art.º 579º, n.º 3, do Código Civil/CC), sendo que não se exige que a contestação incida sobre a substância do direito, embora se exija que o direito tenha sido contestado; será necessário que haja um processo em que o direito seja contestado, não bastando a eventualidade da contestação.[11]

            Ora, o actual quadro normativo, maxime, o disposto no art.º 20º, n.º 1, permite concluir que o credor que detenha um crédito litigioso sobre o devedor/requerido tem legitimidade para instaurar processo de insolvência contra este.

            Em primeiro lugar, importa atentar na redacção conferida àquele art.º que compreende claramente esta perspectiva - “A declaração de insolvência de um devedor pode ser pode ser requerida (…) por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito”-, sendo sempre de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art.º 9º, n.º 3, do CC).

            Ou seja, e numa interpretação declarativa do referido preceito, o legislador não coloca qualquer entrave a que a declaração de insolvência do devedor possa ser requerida pelo titular de crédito litigioso sobre o mesmo, uma vez que proclama a indiferença, em tal perspectiva, da natureza do crédito cuja titularidade é invocada como pressuposto de legitimação do requerente de tal declaração, para além dos limites decorrentes da classificação constante dos art.ºs 47º a 49º e podendo o mencionado crédito ser, designadamente, de natureza pública (fiscal, da segurança social, autarquias, etc.) ou laboral[12], pelo que se poderá/deverá fazer apelo à máxima de que “ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus”.

            Em segundo lugar, é de natureza processual ou “ad causam” e não substantiva a legitimidade para requerer a declaração de insolvência de um devedor, nos termos previstos no corpo do n.º 1 do art.º 20º.[13]

            Por conseguinte, e atento o preceituado no art.º 17º (aplicação subsidiária do Código de Processo Civil), deverá aquele conceito de legitimidade processual ser definido ou determinado mediante a convocação da pertinente regulamentação constante do CPC, sendo, pois, dotado de legitimidade para requerer a declaração de insolvência quem se atribua a qualidade de credor do requerido e não – necessariamente – quem seja, efectivamente, na realidade, credor do demandado (art.º 30º, do CPC de 2013, ex vi do art.º 17º, do CIRE); a questão de saber se o requerente é ou não credor do requerido prende-se com o mérito ou com o fundo da causa e não com a questão da legitimidade “ad causam” para deduzir o pedido de insolvência, a qual apenas contende com a verificação de um pressuposto processual positivo, consubstanciador, em caso de inverificação, de correspondente excepção dilatória, não podendo, pois, aquele ser privado da subsequente possibilidade processual de justificar e provar a real existência do seu invocado crédito.

            Por outro lado, o entendimento contrário traduziria um tratamento discriminatório em desfavor do titular de crédito litigioso relativamente aos credores condicionais (mesmo tendo em conta as especificidades da correspondente previsão legal/art.º 50º), sem que qualquer atendível razão material o justificasse, na medida em que o titular de crédito litigioso ficaria desprovido de legitimidade para requerer a declaração de insolvência do seu invocado devedor apenas em consequência da litigiosidade do crédito cuja existência real não se poderia ter por excluída, enquanto que ao titular de um crédito sujeito a condição suspensiva que acabasse por não se verificar ou ao titular de um crédito sujeito a condição resolutiva que viesse a verificar-se (cf. art.ºs 270º e seguintes, do CC) assistiria, sempre, tal legitimidade, circunstância que, além do mais, violaria o princípio da “par conditio creditorum” (art.º 194º), conquanto na antecâmara do processo de insolvência.

            Acresce que a tese adversa à propugnada pressupõe um juiz totalmente passivo e alheado das vicissitudes processuais subsequentes à apresentação da p. i. da declaração de insolvência por iniciativa do credor [apreciação liminar da petição, com possibilidade de indeferimento liminar – art.º 27º, n.º 1 –, eventual dedução de oposição por parte do devedor – art.º 30º – e eventual audiência de discussão e julgamento – art.º 35º] e que não deixam de possibilitar ao juiz um controlo mínimo sobre o bem ou mal fundado do pedido de declaração de insolvência, além de que menospreza o princípio da auto-suficiência do processo de declaração de insolvência, quer na vertente da tutela provisória da aparência, quer na perspectiva da extensão da correspondente competência material para o conhecimento de todas as questões cuja decisão se mostre imprescindível para a sentença a proferir no processo de insolvência (art.º 91º, n.º 1, do CPC de 2013).

            Depois, porque, a atribuição de legitimidade para deduzir o pedido de insolvência apenas ao credor cujo crédito não tenha sido contestado, restringiria, grave e injustificadamente, o meio de tutela jurisdicional do direito crédito - seja do requerente da insolvência seja dos demais credores do requerido - representado pela insolvência: é que bastaria ao devedor, ainda que de forma patentemente infundada, contestar o crédito do requerente para se concluir pela ilegitimidade do requerente e, consequentemente, para se obviar à declaração de insolvência[14], e seria mesmo suficiente a simples contestação, total ou meramente parcial do crédito, para afastar a declaração de insolvência, não sendo o credor sequer admitido a provar, no processo de insolvência, que é realmente credor do insolvente ou credor da totalidade da dívida e, portanto, que dispõe de legitimidade para requerer a insolvência.

            Por último, não se deverá dar especial relevo ao argumento invocado “ex adverso” da possibilidade de ocorrência de julgados contraditórios, no processo de insolvência e naquele em que tenha sido suscitada a litigiosidade do crédito: para além de tal não poder ser ocasionado pelo simples reconhecimento da sobredita e questionada legitimidade processual, antes pelo subsequente julgamento de mérito, serão, certamente, nulos ou muito residuais os casos em que, atento o disposto no art.º 20º, n.º 1, alínea b), o incumprimento de uma só obrigação determine, por si só, a declaração da insolvência do devedor. Além de que a (magra) vantagem conferida ao credor requerente pelo art.º 98º, n.º 1, para pagamento do respectivo crédito, de longe é superada pela desvantagem da sua eventual responsabilização cível pela dedução de pedido infundado de declaração de insolvência (art.º 22º), o que funcionará como inibidor daquela dedução.[15]

            11. Concluindo-se, pois, que o titular de um crédito litigioso se encontra legitimado para requerer a declaração de insolvência do respectivo devedor e tendo presente a prova documental junta aos autos e as posições das partes [cf., sobretudo, fls. 51/231, 108 e 226, e ponto I, supra], procedem, com o referido alcance, as últimas conclusões da alegação de recurso.

            12. Se, enquanto titular de um crédito litigioso sobre a requerida (independentemente da maior ou menor concretização da sua existência e montante), a requerente se encontrava legitimada para deduzir o pedido de declaração de insolvência em análise, já quanto ao cumprimento do ónus de alegar factos enquadráveis na previsão do n.º 1 do art.º 20º - considerando a requerente/recorrente que os mencionou na p. i. e ante a perspectiva contrária da oponente/requerida (de algum modo corroborada pela documentação junta aos autos, aludida em I. supra), acolhida pela Mm.ª Juíza a quo -, antolha-se evidente que a requerente não cumpriu o ónus que sobre ela impendia.

            E a Mm.ª Juíza a quo rejeitou a p. i. por motivos que podiam ter levado ao seu indeferimento liminar, conforme se prevê e determina no art.º 27º, n.º 1, alínea a), não sendo de aplicar o regime geral da lei processual civil atinente à “gestão inicial do processo…” (art.ºs 590º e seguintes, do CPC de 2013, maxime, o disposto no n.º 4 do art.º 509º) – tanto mais que a requerente denotou a sua deliberada opção no sentido da generalização, sem nada concretizar –, nem se tratando de vício sanável da petição de insolvência [art.º 27º, n.º 1, alínea b)].

            13. Ademais, ainda que admitida a aplicação subsidiária do disposto no n.º 4 do art.º 590º, do CPC de 2013 (ex vi do art.º 17º, do CIRE), com a possibilidade de as partes suprirem as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada[16], o presente caso, cremos, sempre deveria estar arredado de tal previsão, pela simples razão de que a requerente trouxe aos autos a sua “versão” da realidade, não demonstrando conhecer qualquer facto, enquanto acontecimento realmente ocorrido (ocorrência concreta da vida real) que possa enquadrar-se na hipótese legal.[17]

            14. A requerente não aduziu quaisquer factos concretos subsumíveis na previsão do art.º 20º, n.º 1, cuja enumeração é taxativa, aptos à sustentação do efeito jurídico pretendido, ou seja, a p. i. carecia de causa de pedir.

            A requerente referiu, apenas, genericamente, que a requerida não cumpre as respectivas obrigações em relação aos seus profissionais, agentes desportivos e fornecedores, acumula dívidas fiscais, parafiscais e junto dos demais credores, não gera receitas, cessou todos os seus pagamentos e o passivo é maior que o activo…

            Porém, tal enunciação generalizante, sem a necessária concretização/materialização dessa pretensa realidade patrimonial, económica e financeira, bem como das circunstâncias desse pretenso incumprimento, pouco ou nada se distancia da fórmula empregue na alínea a) do n.º 1 do art.º 20º, porquanto não foi indicada uma qualquer concreta obrigação vencida, a respeito da qual se conheça, por exemplo, o respectivo credor, o montante devido e/ou a data/início (real ou aproximada/estimada) do incumprimento [v. g., os profissionais a quem não foram pagas as retribuições devidas e tempo desse incumprimento, os impostos em dívida e quando não foram pagos, as acções judiciais em curso em que os credores não obtiveram pagamento por insuficiência de bens da requerida, etc.].[18]

            Depois, poder-se-á dizer, por exemplo, que a requerente parece que só não exclui a hipótese de a requerida ter uma equipa de futebol para poder afirmar que "cessou todos os pagamentos aos seus profissionais", sem que, reafirma-se, se indiquem ou concretizem as circunstâncias dessa alegada cessação dos pagamentos (desde logo, no tempo); acresce que a requerente chega à conclusão, absurda e contraditória, de que a requerida não gera "qualquer tipo de riqueza", como se a indústria do futebol não originasse resultados/receitas/proventos de exploração e as “equipas” não tivessem, desde logo, determinado valor de mercado, individualizado em cada um dos profissionais que as integrem e sujeito às regras do mercado, etc.

            Assim, não indicados os factos concretos e a actuação concreta da requerida [não basta uma indicação vaga e a remissão para as disposições legais abstractamente aplicáveis, antes devem ser alegados factos concretos que permitam fundamentar, se provados, a posição de quem os invoca[19]], não será possível firmar a ilação quanto à impossibilidade de cumprimento das suas obrigações vencidas.

            E só após a alegação de algum dos factos índice, passará a cumprir ao devedor o afastamento da presunção, mediante a prova da sua solvabilidade; daí que, no caso em apreço, uma vez que os factos alegados pela requerente/recorrente sempre seriam, pelo menos, insuficientes para preencher alguma das alíneas do n.º 1 do art.º 20º, a requerida ficou dispensada de provar a sua solvabilidade - não tendo a recorrente logrado alegar sequer qualquer dos factos índice previstos no n.º 1 do art.º 20º, não é possível presumir a situação de insolvência da recorrida, não tendo esta qualquer presunção para ilidir, nem lhe sendo exigível provar a sua solvência (art.º 30º, n.ºs 3 e 4).[20]

            Não obstante, como vimos, a requerida não deixou de alegar (e comprovar) determinado quadro fáctico visando demonstrar a sua solvabilidade, pelo que aquela alegação genérica foi também posta em causa pelos documentos juntos aos autos.

            Consequentemente, o pedido de insolvência teria, desde logo, e necessariamente de improceder, sendo certo, como decorre do exposto, que a alegação e prova de, pelo menos, um dos mencionados factos índice, continua a ser necessária para a existência e o prosseguimento do processo de insolvência desencadeado por acção dos credores, dos responsáveis legais pelas dívidas do devedor ou pelo M.º P.º (art.º 20º, n.º 1).

            15. Por conseguinte, ainda que se entendesse que o processo deveria prosseguir para determinação da existência do crédito invocado pela requerente, a inexistência ou insuficiência de factos que pudessem preencher alguma das alíneas do n.º 1 do art.º 20º – importando, necessariamente, a improcedência do pedido de declaração de insolvência – tornaria tal prosseguimento inútil, não se descortinando, pois, qualquer necessidade ou utilidade de prosseguimento dos autos para audiência de julgamento.

            16. Improcedem, desta forma, ou mostram-se deslocadas e inteiramente insubsistentes as demais “conclusões” da alegação de recurso, mormente quando se invocam pretensas, e manifestamente inexistentes, nulidades do processo (art.º 195º, n.º 1, do CPC) ou da sentença (art.º 615º, n.º 1, alíneas b) e d), do CPC).

*

            III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida, embora com fundamentação parcialmente diversa.

            Custas pela requerente/apelante.

*

11.11.2014

Fonte Ramos ( Relator )

Maria João Areias

Fernando Monteiro


[1] Diploma a que respeitam os normativos adiante citados sem menção da origem.
[2] E acrescenta o n.º 4 do mesmo preceito que equipara-se à situação de insolvência actual a que seja meramente iminente, no caso de apresentação pelo devedor à insolvência.

[3] Cf. o acórdão da RC de 11.12.2012-processo 1220/12.0TBPBL-A.C1, publicado no “site” da dgsi.
[4] Vide, entre outros, Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, Quid Juris-Sociedade Editora, 2009, pág. 133 e Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência, 3ª edição, Almedina, pág. 25.

[5] Vide F. Cassiano dos Santos, Direito Comercial Português, volume I, Coimbra Editora, 2007, pág. 219.

[6] Estabelece o n.º 1 do referido art.º

   No próprio dia da distribuição, ou, não sendo tal viável, até ao 3º dia útil subsequente, o juiz:
                a) Indefere liminarmente o pedido de declaração de insolvência quando seja manifestamente improcedente, ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis de que deva conhecer oficiosamente;
                b) Concede ao requerente, sob pena de indeferimento, o prazo máximo de cinco dias para corrigir os vícios sanáveis da petição, designadamente quando esta careça de requisitos legais ou não venha acompanhada dos documentos que hajam de instrui-la, nos casos em que tal falta não seja devidamente justificada.

[7] Vide F. Cassiano dos Santos e H. Duarte Fonseca, Pressupostos para a declaração de insolvência no CIRE, Cadernos de Direito Privado n.º 29, Janeiro/Março de 2010, págs. 15 e seguintes.

[8] Vide Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 147.
[9] Ibidem, pág. 162.

[10] Cf., neste sentido, o acórdão da RL de 02.11.2010-processo 1498/09.7TYLSB.L1-7, publicado no “site” da dgsi.

   Questionando-se se o tribunal a quo estava em condições de proferir a sentença final, sem a realização prévia de audiência de julgamento, e adoptando o entendimento de que “se o devedor deduzir oposição ao requerimento de declaração de insolvência, o tribunal não pode dispensar a realização da audiência de discussão e julgamento”, cf., entre outros, os acórdãos da RL de 19.5.2011-processo 912/09.6TYLSB-G.L1-2 e da RE de 27.9.2012-processo 27432/11.0YIPRT (referindo este aresto que, não realizada a audiência de julgamento, “não podia o tribunal recorrido apreciar do mérito mas tão-só dos pressupostos processuais”), publicados no “site” da dgsi. 
[11] Vide, neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 565.

[12] Esta perspectiva encontra-se reforçada pela “mens legis” subjacente ao diploma legal que aprovou o CIRE e que o respectivo Preâmbulo claramente evidencia, mormente sob os pontos/n.ºs 3, 6, 10 e 14, nos quais apenas se alude à mera qualidade de “credor”.
[13] Cf., neste sentido, Catarina Serra, in “A Falência no Quadro da Tutela Jurisdicional dos Direitos de Crédito”, págs. 263 e seguinte.

[14] Situação que, além do mais, viria a traduzir-se na frontal minorização do diagnóstico constante do n.º 13 do Preâmbulo do DL n.º 53/04, de 18.3, quando reconhece que “Uma das causas de insucesso de muitos processos de recuperação ou de falência residiu no seu tardio início”… e “Uma lei da insolvência é tanto melhor quanto mais contribuir para maximizar ex post o valor do património do devedor sem por essa via constituir ex ante um estímulo para um comportamento negligente”.

[15] Cf., nesta perspectiva (largamente maioritária), de entre vários, os acórdãos do STJ de 29.3.2012-processo 1024/10.5TYVNG.P1.S1 [seguido de perto na precedente exposição e que alude a diversos arestos da Relação no mesmo sentido], da RP de 16.12.2009-processo 242/09.3TYVNG.P1, 26.01.2010-processo 97/09.8TYVNG.P1, 29.9.2011-processo 338/11.1TYVNG.P1, 22.3.2012-processo 1795/11.1TJVNF.P1, 06.6.2013-processo 670/12.7TYVNG.P1, 13.3.2014-processo 219/13.4TBMGD.P1 e 01.7.2014-processo 579/13.7TBBGC.P1, da RG de 08.5.2014-processo 910/13.5TBVVD-G.G1, da RC 26.5.2009-processo 602/09.0TJCBR.C1, 24.11.2009-processo 1896/09.6TBPBL.C1, 02.3.2011-processo 335/10.4TBPCV.C1 e 29.02.2012-processo 689/11.5TBLSA.C1, da RL de 02.11.2010-processo 1498/09.7TYLSB.L1-7, 22.11.2011-processo 433/10.4TYLSB.L1-7 e 16.01.2014-processo 1499/13.0TYLSB.L1-8 e da RE de 10.5.2007-processo 840/07-3, 27.9.2012-processo 127432/11.0YIPRT e 25.10.2012-processo 704/12.5, publicados no “site” da dgsi

     Na doutrina, não enjeitando este entendimento, vide, designadamente, Luís Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 3.ª edição, pág. 136; Catarina Serra, A Falência no Quadro da Tutela Jurisdicional dos Direitos de Crédito, Coimbra Editora, págs. 230 e 263 e seguinte e, relativamente ao regime anterior da falência, constante do Código de Processo Civil de 1961, Pedro de Sousa de Macedo, Manuel de Direito das Falências, Volume I, Almedina, 1964, págs. 383 a 386.
    Em sentido contrário, cf., entre outros, os acórdãos da RP de 05.3.2009-processo 565/08.9TYVBNG, da RC de 03.12.2009-processo 3601/08.5TJCBR.C1 e da RL de 05.6.2008-processo 2526/2008-7, publicados no “site” da dgsi.
[16] Vide, neste sentido, Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 162, ponto 5., in fine [reportando-se ao normativo do CPC de 1961, na redacção da reforma de 1995/1996 (DL n.º 329-A/95, de 12.12 e DL n.º 180/96, de 25.9), perspectiva reafirmada na actual 2ª edição da referida obra].
[17] Vide A. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 268 e Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, pág. 391.
[18] Cf., designadamente, os art.ºs 45º, 46º, 58º a 68º, 70º e 71º da petição inicial da insolvência.
[19] Cf. o acórdão da RP de 28.4.2009-processo 294/09.6TBLSD.P1, publicado no “site” da dgsi, assim sumariado: “Quem requerer a insolvência de uma sociedade deve, na petição inicial, indicar factos donde resulte a sua qualidade de credor da requerida e factos que, uma vez provados, permitam concluir que esta se encontra impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas ou que o passivo é manifestamente superior ao activo. Faltando a exposição de tais factos o pedido deve ser liminarmente indeferido”.
[20] Cf., entre outros, o acórdão da RC de 08.5.2012-processo 716/11.6TBVIS.C1, publicado no “site” da dgsi.