Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | EMÍDIO COSTA | ||
Descritores: | OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO RESPONSABILIDADE CIVIL EXEQUENTE LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ | ||
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Data do Acordão: | 11/09/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | SÁTÃO | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS.819, 266, 456 CPC | ||
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Sumário: | 1 – A responsabilidade civil do exequente pelos danos culposamente causados ao executado, nos termos do artº 819º do C.P.C., depende da verificação cumulativa de uma tríplice ordem de requisitos: a) que a penhora tenha sido efectuada sem a citação prévia do executado; b) que o executado haja deduzido oposição à execução, imputando ao exequente uma conduta dolosa ou com negligência grosseira, tendente a causar-lhe danos ou prevendo a possibilidade desse resultado; c) que o juiz não só acolha os fundamentos invocados na oposição, como, além disso, reconheça que o exequente agiu sem a prudência normal exigível; 2 - Não age com culpa o exequente que dá determinado valor à execução, baseado em letras de câmbio que junta, vindo a quantia exequenda a ser reduzida, em decorrência da parcial procedência da oposição deduzida; 3 - Não deve ser condenado como litigante de má o exequente pelo simples facto de, na sequência do julgamento da oposição à execução, vir a ser reduzida a quantia exequenda constante do requerimento inicial da execução. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
RELATÓRIO
J P (…), executado nos autos de execução comum que correm pelo Tribunal Judicial da Comarca de Sátão, veio deduzir a presente oposição à execução contra: - JM (…), ali exequente, pedindo que se determine, desde já, a suspensão da execução e, depois, a sua redução ao valor de € 1.478,56, que o oponente reconhece ainda não ter pago, o que se propõe, desde já liquidar; devendo, contudo, o exequente ser condenado a indemnizar o executado pelo valor global de € 1.500,00, com juros a partir da notificação, e como litigante de má fé. Alegou, para tanto, em resumo, que cada uma das letras juntas pelo exequente como títulos executivos correspondem a sucessivas reformas da letra imediatamente anterior, estando vedado ao exequente somar o valor das cinco letras; o oponente sempre pagou as diferenças existentes entre as sucessivas reformas da letra inicial, bem como os respectivos juros e despesas; o acto de penhora foi realizado em horário de funcionamento da clínica dentária que o oponente possui, o que lhe causou danos não patrimoniais. Contestou o exequente, aduzindo, em síntese, que não corresponde à verdade o alegado pelo oponente, na medida em que a dívida era de € 23.020,00 e não de € 2.733,12, como pretende o executado. Proferiu-se o despacho saneador e dispensou-se a fixação da base instrutória. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, finda a qual se proferiu despacho a fixar a matéria de facto provada, sem reclamações. Seguidamente, verteu-se nos autos sentença que, julgando a oposição parcialmente procedente, reduziu a quantia exequenda para o montante de € 2.733,12, absolvendo o exequente do demais peticionado, incluindo o pedido de condenação como litigante de má fé. Inconformado com o assim decidido, interpôs o executado/oponente recurso para este Tribunal, o qual foi admitido como de apelação e efeito meramente devolutivo. Alegou, oportunamente, o apelante, o qual finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:
1ª - “O recorrente, à luz, do art. 685°-B - 1, a) e b) do CPC, pretende ver reapreciada a matéria de facto que sustentou a sentença, mais especificamente a resposta ao 8° item da petição inicial, por considerar que este foi incorrectamente julgado, em virtude de existirem nos autos meios de prova que, sobre este ponto, impunham decisão diversa da recorrida; 2ª - No entendimento de que o 8° item da oposição não ficara provado, a douta sentença considerou que a quantia exequenda deveria ser reduzida ao valor titulado na letra, junta sob doc.1 do req. Exec., no valor de 2.733,12€, entendimento esse de que o recorrente, mesmo assim, discorda; 3ª - Porquanto, dos documentos juntos com a oposição e da informação bancária fornecida pelo ... resulta que, após o dia 15/10/2007 (data de emissão da letra de 2.733,12€), foram efectuados vários depósitos pelo executado, mais concretamente 550,00€, em 02/11/2007; 300,00€, em 29/01/2008; 600,00€, em 24/03/2008; 140,00€, em 07/07/2008 e 220,00€, em 29/08/2008; 4ª - Por força do disposto no art. 646°-4 do CPC, tais pagamentos têm que dar-se como assentes, maxime, quando essa mesma informação bancária foi considerada importante para a resposta aos factos constantes do art. 17° da contestação à oposição; 5ª - Relativamente à improcedência do pedido de condenação do exequente, nos termos do art. 819° do CPC, entende o executado que estão reunidos todos os pressupostos para a sua aplicação, pelo que a Exma Juiz fez uma interpretação errada deste preceito legal; 6ª - Desde logo, porque a pretensão manifestada pelo exequente consubstancia-se na prática de um acto ilícito, pois, nada na lei o legitima a multiplicar a obrigação constante de uma única letra através das suas sucessivas reformas; 7ª - E, relativamente à culpa, não há dúvida de que o exequente deduziu pretensão notoriamente infundada, alterou a verdade dos factos e fez um uso manifestamente reprovável dos meios processuais para lograr um fim contrário à lei e a todos os princípios ético-sociais; 8ª - Do que resulta ser, no mínimo, descabido atribuir-se a culpa da execução e da penhora ao próprio executado, apenas porque este, de boa fé e com recta intenção, reconhecera dever uma pequena parte do que lhe fora exigido; 9ª - Se tal comportamento poderia inicialmente ser entendido como um uso juridicamente errado dos títulos executivos que possuía, deixou de o ser a partir da contestação, pois alterou a verdade dos factos com o objectivo de alcançar um fim proibido por lei, (e lembramos que, no seu requerimento executivo, afirmou peremptoriamente que nenhuma das letras em mérito tinha sido paga, em vez de reconhecer o erro), tentando por todos os meios justificar a sua actuação e convencer o tribunal da posição que tinha assumido; 10ª - Chegando ao cúmulo de afirmar, nos itens 14° e 15° da contestação, que os depósitos que o executado dizia ter feito, e cujos comprovativos juntara aos autos, “nada tinham a ver com as despesas de reforma das letras ajuizadas”, dificultando-lhe injustificadamente a prova de factos que sabia serem verdadeiros, e que, por via disso, apenas vieram a comprovar-se com a referida informação do ...; 11ª - Discorda-se do entendimento manifestado na sentença, segundo o qual, o exequente se limitou a utilizar de forma juridicamente errada os títulos que possuía, como se ignorar a lei fosse uma causa de exclusão da culpa ou da ilicitude e o seu desconhecimento justificasse a sua violação; 12ª - Ainda para mais, quando ali se deixa implícito que o exequente o fizera de propósito, ao referir que lhe estava vedado “multiplicar a obrigação constante de uma letra através das suas sucessivas reformas, de forma a facilitar a cobrança da quantia exequenda, sem necessidade de uma maior exposição no requerimento executivo” e, ainda, que “...tal comportamento faria com que o exequente mantivesse em seu poder outras letras todas elas relativas à mesma relação subjacente, as quais poderiam ser executadas para cobrança de uma quantia já paga com esta execução”; 13ª - Actuou, pois, o exequente com dolo directo, pois sabia perfeitamente que a lei não lhe permitia deduzir uma execução nos termos supra referidos, de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de extorquir o indevido, não se abstendo, ainda assim, de levar por diante a sua conduta; 14ª - O nexo de causalidade entre a conduta do exequente e os danos dela resultantes é evidente, não se aceitando o argumento de que, pelo facto de o executado ter confessado uma parte (mínima) da dívida, a penhora seria inevitável; 15ª - Na verdade, sempre existiria a possibilidade de o mesmo a reconhecer e, nos termos do disposto no art. 916° do CPC, fazer cessar a execução, pagando as custas e a dívida, mesmo no acto da penhora, sem prejuízo da possibilidade de celebrar um acordo tendente ao pagamento em prestações conforme se prevê nos arts 882° e seguintes do mesmo código, e de uma destas formas evitar a penhora e todos os danos e inconvenientes daí resultantes; 16ª - Mas para isso seria imprescindível que o exequente tivesse exigido apenas o devido e possível atendendo aos títulos executivos de que dispunha; 17ª - Não o tendo feito, sempre o executado teria que deduzir oposição à execução, sob pena de estar a reconhecer a quantia peticionada, de 9.865,73€, assim se vendo que a penhora poderia ter-se evitado se o exequente não deduzisse pretensão ilícita; 18ª - Do mesmo modo, não se aceita que os danos se tenham por insignificantes, a pontos de se considerar que os mesmos não merecem, sequer, a tutela do direito, principalmente quando na sentença recorrida se dão como assentes os factos levados aos itens 3, 4 e 5 do seu ponto II; 19ª - Além destes danos - que só por si, já justificariam a tutela do direito - existem outros, mesmo notórios, que não necessitam sequer de alegação e de prova, como são os muitos incómodos sofridos pelo executado, as custas processuais e todas as despesas inerentes a um processo judicial com o valor da apensa execução; 20ª - Verificam-se todos os pressupostos para aplicação dos arts 456° e seguintes, pois, da própria procedência desta oposição, já se retira que se trata de uma pretensão manifestamente infundada, tendo o exequente exigido mais 7.132,61€ do que o devido, tendo em conta os títulos apresentados; 21ª - Alterou a verdade dos factos no requerimento executivo e na contestação, referindo inicialmente que o executado não tinha pago nenhuma das letras que serviram de título e que os depósitos que afirmou ter feito nada tinham a ver com a quantia exequenda, para confessar, depois, nos itens 16° a 18° da contestação, que a suposta dívida tinha uma origem diversa da alegada; 22ª - Mentiu, também, quando afirmou que a dívida inicial era de 23.020,00€ e que resultava de uma cessão de quotas, quando se demonstrou que tal negócio foi celebrado por 2.500,00€, que já havia recebido; 23ª - Além disso, omitiu factos essenciais para o mérito da decisão, até ao final da produção de prova, designadamente toda a informação bancária de que dispunha desde o início do processo, por ser titular da conta onde a letra estava a ser descontada, praticando assim omissão indesculpável do dever de cooperação; 24ª - Da resposta ao facto vertido no art. 17° da contestação e da própria documentação fornecida pelo ..., conclui-se que a suposta dívida se refere apenas a juros e despesas decorrentes das várias reformas da letra inicial e não à falta de pagamento de qualquer uma delas, como afirmou desde o início da execução; 25ª - Portanto, contrariamente ao entendimento recorrido, o exequente não se limitou a utilizar de forma juridicamente errada os títulos que possuía, porque, não tinha qualquer título executivo que lhe permitisse intentar a execução pela forma como o fez, pois as letras só titulam as quantias nelas inseridas e não os encargos que possam acarretar; 26ª - Deixando, assim, por um lado, de conhecer de questões que ali cumpria apreciar e conhecendo de outras que não podia tomar conhecimento, e, por outro, porque os fundamentos estão em clara oposição com a decisão, mostra-se a douta sentença recorrida incursa na nulidade prevista no art. 668°-1, c) e d) do CPC”.
Não foi apresentada contra-alegação. ...............
ÂMBITO DO RECURSO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, nos termos do disposto nos artºs 684º, n.º 3, e 685º-A, n.º 1, do C. de Proc. Civil, na versão introduzida pelo Dec. Lei nº 303/2007, de 24/8. De acordo com as apresentadas conclusões, as questões a decidir por este Tribunal são as de saber: - Se é de alterar a decisão sobre a matéria de facto; - Se a sentença recorrida é nula; - Se ao apelante assiste o direito a ser ressarcido dos danos que invoca derivados da efectivação da penhora; e - Se o apelado litiga de má fé. Foram colhidos os vistos legais. Cumpre decidir.
............... OS FACTOS
Na sentença recorrida foram dados com provados os seguintes factos:
1º - O exequente é portador, na qualidade de sacador, de 5 letras, entregues e aceites pelo executado, na qualidade de sacado, nos valores de €2.733,12; €2.186,50; €1.965,00; €1.465,00 e €1.150,00, respectivamente com as seguintes datas de emissão 15/10/2007; 23/11/2007; 30/01/2008; 24/03/2008 e 27/06/2008, conforme documentos constantes de fls. 4 a 9 do apenso de execução, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos; 2º - Cada uma das letras acima referidas[1] correspondia à reforma da letra imediatamente anterior; 3º - O oponente é bem considerado no meio onde vive e (que)[2] ficou vexado com a penhora que lhe foi realizada nos autos a que estes são apensos; 4º - A penhora recaiu sobre instrumento de trabalho do oponente e (que) [3]foi realizada em horário de funcionamento do seu consultório médico, o que gerou perguntas por parte de alguns dos seus clientes e funcionários; 5º - O oponente, em consequência do processo de execução apenso, viu-se obrigado a remarcar algumas consultas para se deslocar ao banco, ao tribunal e ao escritório do seu advogado; 6º - Por escritura pública de cessão de quotas, o exequente, na qualidade de primeiro outorgante, declarou ceder ao segundo outorgante a sua quota na sociedade “Clínica (…) Limitada”, pelo valor nominal da mesma, ou seja dois mil e quinhentos euros, que também declarou já ter recebido, ao executado, na qualidade de segundo outorgante o qual declarou aceitar, tudo conforme documento de fls. 26 a 29 que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos; 7º - O executado emitiu a favor do exequente o cheque n.° ..., sobre a ..., no montante de €23.020,00; 8º - O exequente é portador, na qualidade de sacador de mais 10 letras, entregues e aceites pelo executado, na qualidade de sacado, nos valores de €23.020,00; €15.502,50; €13.950,00; €12.000,00; €9.695,00; €8.595,00; €7.495,00; €4.796,00; €3.796,00 e €3.036,80, respectivamente com as seguintes datas de emissão 9/12/2005; 13/06/2006; 14/07/2006; 17/08/2006; 17/10/2006; 20/11/2006; 15/12/2006; 16/03/2007; 17/05/2007 e 31/01/2007, tudo conforme documentos de fls. 30, 33, 35, 37, 39, 41, 42, 44, 46 e 48, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos; 9º - Das diversas reformas que foram efectuadas sobre as letras referidas supra até à liquidação final em juros e despesas decorrentes das mesmas o valor total seria de €28.894,35, tendo o oponente efectuado depósitos no montante total de €20.848,00, bem como (que)[4] em 27/07/2006 foi sacada nova letra para pagamento das despesas em falta no montante de €1.761,37 que originou despesas em juros, comissões e impostos no montante de €2.760,11 e que, nesta operação o oponente efectuou depósitos no montante de €410,00. ...............
O DIREITO
1 - A decisão sobre a matéria de facto
“ (…. )” Assim, esta Relação considera como fixados os factos dados como provados na 1ª instância. E, mantendo-se inalterados os factos, soçobra a pretensão do apelante em ver reduzida a quantia exequenda.
2 - A nulidade da sentença recorrida
Refere o apelante, sem o fundamentar, que a sentença recorrida é nula por ter deixado de conhecer de questões que lhe cumpria conhecer e conhecido de outras que não podia tomar conhecimento, bem como por os respectivos fundamentos estarem em oposição com a decisão. Por outras palavras, como ensinava o Prof. Alberto dos Reis[6], ocorre esta nulidade quando “a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”. Ora, salvo o devido respeito, não vemos que os fundamentos da sentença, tanto de facto como de direito, estejam em contradição com a respectiva decisão. Ao invés, os fundamentos e a decisão da sentença recorrida estão em inteira sintonia, sendo certo até que tais fundamentos e decisão, como adiante se verá, colhem o nosso inteiro apoio.
Segundo prescreve a al. d) do citado art.º 668.º, “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. A primeira parte deste comando legal refere-se, como facilmente se depreende dos termos legais, à omissão de pronúncia e a segunda parte ao excesso de pronúncia. A omissão de pronúncia traduz-se no incumprimento, por parte do juiz, do dever prescrito no n.º 2 do artº 660.º do referido código, nos termos do qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”. Por sua vez, o excesso de pronúncia ocorre quando o juiz se ocupa de questões que não foram suscitadas pelas partes, salvo se a lei lho permitir ou se essas questões forem de conhecimento oficioso (v. cit. artº 660.º, n.º 2). Como escreveu Abílio Neto[7], aquela norma suscita, de há muito, o problema de saber qual o sentido exacto da expressão «questões» ali empregue, o qual é comummente resolvido através do recurso ao ensinamento clássico de Alberto dos Reis[8] que escreve: «… assim como a acção se identifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir) (…), também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado». No âmbito lógico deste raciocínio, doutrina e jurisprudência distinguem, por um lado, «questões», e, por outro, «razões» ou «argumentos», e concluem que só a falta de apreciação das «questões» integra a nulidade prevista no aludido normativo, mas já não a mera falta de discussão das «razões» ou «argumentos» invocados para concluir sobre as questões[9]. Ora, salvo sempre o devido respeito, a sentença recorrida não deixou de apreciar nenhuma das questões que ao tribunal foram submetidas pelas partes nem tão pouco conheceu de qualquer questão por elas não suscitada e que lhe fosse vedado conhecer. A sentença debruçou-se sobre os fundamentos da oposição e decidiu em conformidade com a factualidade que foi dada como provada. Não extravasou os limites do que lhe era dado conhecer nem tão pouco deixou alguma questão, no sentido supra explicitado, por apreciar e decidir. Não enferma, pois, a sentença recorrida das apontadas nulidades.
3 - Se ao apelante assiste o direito a ser ressarcido dos danos derivados da efectivação da penhora
Peticionou o executado a condenação do exequente, ao abrigo do preceituado no artº 819º do C. de Proc. Civil, a pagar-lhe uma indemnização de € 1.500,00, sendo € 1.000,00 a título de danos não patrimoniais sofridos com a realização pouco discreta da penhora, em hora de funcionamento do estabelecimento, o que terá originado perguntas incómodas por parte de alguns clientes e funcionários; e € 500,00 por se ter visto obrigado a desmarcar algumas consultas para se deslocar ao Banco, ao Tribunal e ao escritório do seu Advogado, no que diz ter perdido, pelo menos, dois dias de trabalho. A sentença recorrida julgou improcedente este pedido. E bem, há que reconhecê-lo. De acordo com o referido artº 819º, “procedendo a oposição à execução sem que tenha tido lugar a citação prévia do executado, o exequente responde pelos danos a este culposamente causados …”. A incorrência naquela responsabilidade depende da verificação cumulativa de uma tríplice ordem de requisitos: a) que a penhora tenha sido efectuada sem a citação prévia do executado; b) que o executado haja deduzido oposição à execução, imputando ao exequente uma conduta dolosa ou com negligência grosseira, tendente a causar-lhe danos ou prevendo a possibilidade desse resultado; c) que o juiz não só acolha os fundamentos invocados na oposição, como, além disso, reconheça que o exequente agiu sem a prudência normal exigível[10]. Ora, como é evidente e resulta da sentença recorrida, cuja fundamentação neste ponto se perfilha, não se mostram preenchidos no caso presente, de forma manifesta, estes dois últimos requisitos. Desde logo, a oposição não procedeu na sua totalidade, mas apenas em parte. Além disso, não decorrem dos factos provados que o exequente tenha causado danos ao executado e muito menos de forma culposa. A execução prossegue, ainda que em menor medida da que o exequente pretendia, e a penhora tem inteira justificação. Não faz, por isso, qualquer sentido invocar prejuízos decorrentes de uma penhora que, não obstante a parcial procedência da presente oposição, sempre tem justificação bastante. É o próprio apelante a reconhecer que está em dívida com o apelado. Só que por quantia menor àquela que veio a ser reconhecida na sentença recorrida. Improcede, pois, também aqui, a apelação. 3 - A litigância de má fé
O apelante pugna pela condenação do apelado, enquanto litigante de má fé, em multa e numa indemnização condigna. A sentença recorrida, debruçando-se sobre a questão da má fé invocada pelo ora apelante, concluiu pela respectiva improcedência. E tal decisão também não merece censura. De acordo com o disposto no artº 456º, n.º 2, als. a), b), c) e d) do C. de Proc. Civil, diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. O que prescreve este artigo constitui o reverso do dever de cooperação aflorado nos artºs 266º e 266º-A, do referido código. As partes devem agir de boa fé e cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio. Ora, salvo o devido respeito por entendimento diverso, não vemos que ressaltem dos autos elementos bastantes que permitam concluir ter o apelado conscientemente deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, alterado a verdade dos factos ou feito do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade ou entorpecer a acção da justiça. É certo que o apelado deduziu uma execução por determinado montante, o qual veio, com o julgamento da oposição, a revelar-se insubsistente em parte, de modo que foi reduzida a quantia exequenda. Mas isso não faz incorrer, sem mais, o apelado na situação de litigante de má fé. É que, não obstante o dever geral de probidade, imposto às partes pelo citado artº 266.º, a litigância de má fé pressupõe, para além do mais, a violação da obrigação de não fazer do processo um fim manifestamente reprovável. «Não basta, pois, o erro grosseiro ou culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada», de tal modo que a «simples proposição da acção ou contestação, embora sem fundamento, não constitui dolo, porque a incerteza da lei, a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, podem levar as consciências mais honestas a afirmarem um direito que não possuem ou a impugnar uma obrigação que devessem cumprir; é preciso que o autor faça um pedido a que conscientemente sabe não ter direito; e que o réu contradiga uma obrigação que conscientemente sabe que deve cumprir»[11]. Ora, não emerge dos autos que o apelado se propusesse alcançar um fim ilegal, impedir a descoberta da verdade ou entorpecer a acção da justiça. O apelado, ao deduzir o seu requerimento inicial da execução, podia estar convencido de que os factos aí invocados eram verdadeiros, tanto mais que os fez suportar nos títulos exequendos. A circunstância de, em sede de oposição, se vir a demonstrar que a quantia exequenda não era a que ele indicava, mas uma quantia inferior, não implica que ele estivesse a alegar factos que sabia serem falsos. Como refere a sentença recorrida, o exequente “se limitou a utilizar de forma juridicamente errada os títulos executivos que possuía, tendo-se, no entanto, provado que este é credor do executado de quantia equivalente à quantia peticionada na presente execução, sem que contudo tenha junto título executivo que pudesse atestar tal, sendo que é o título executivo que estabelece os limites da execução”. Improcedem, assim, as conclusões da alegação do recorrente, pelo que a douta sentença recorrida terá de se manter. .........
Sumário:
1 - A incorrência do exequente em responsabilidade civil pelos danos culposamente causados ao executado, nos termos do artº 819º do C.P.C., depende da verificação cumulativa de uma tríplice ordem de requisitos: a) que a penhora tenha sido efectuada sem a citação prévia do executado; b) que o executado haja deduzido oposição à execução, imputando ao exequente uma conduta dolosa ou com negligência grosseira, tendente a causar-lhe danos ou prevendo a possibilidade desse resultado; c) que o juiz não só acolha os fundamentos invocados na oposição, como, além disso, reconheça que o exequente agiu sem a prudência normal exigível; 2 - Não age com culpa o exequente que dá determinado valor à execução, baseado em letras de câmbio que junta, vindo a quantia exequenda a ser reduzida, em decorrência da parcial procedência da oposição deduzida; 3 - Não deve ser condenado como litigante de má o exequente pelo simples facto de, na sequência do julgamento da oposição à execução, vir a ser reduzida a quantia exequenda constante do requerimento inicial da execução. ...............
DECISÃO
Nos termos expostos, decide-se julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida. Custas pelo apelante.
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