Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
125/10.4TJCBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS GIL
Descritores: INDEFERIMENTO LIMINAR
ACÇÃO EXECUTIVA
NOVA PETIÇÃO
Data do Acordão: 07/20/2010
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 389 Nº2, 476, 811, 812, 820 CPC
Sumário: 1. Não é legalmente admissível a apresentação de uma petição inicial aperfeiçoada de acção declarativa quando tenha ocorrido indeferimento liminar total de requerimento executivo, com fundamento na falta de título executivo, e com aproveitamento dos efeitos processuais decorrentes da propositura da acção executiva.

2. Em caso de indeferimento liminar da acção executiva apenas é possível oferecer outro requerimento executivo ou documento em falta, não sendo legalmente viável converter uma acção executiva em acção declarativa.

Decisão Texto Integral: O efeito e o modo de subida do recurso são os próprios, as conclusões das alegações não carecem de ser corrigidas, não se verifica qualquer circunstância que obste ao conhecimento do recurso e, em nosso entender, a questão a decidir é simples, pelo que estão reunidos os requisitos legais para julgamento sumário do recurso (artigo 705º, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), o que se passa a fazer de seguida.

***

            1. Relatório

            A 03 de Junho de 2009, T (…) intentou procedimento cautelar de arresto endereçado à Vara Mista de Coimbra contra H (…) e M (…, para garantia do pagamento da quantia de dezoito mil euros, procedimento que foi distribuído ao primeiro juízo cível de Coimbra sob o nº 2050/09.2TJCBR, sendo a 25 de Junho de 2009 proferida decisão que decretou o arresto das fracções BT e AE do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra, sob o nº .../..., freguesia de Santa Clara, da fracção A do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra, sob o nº x.../ x..., freguesia de Santo António dos Olivais e dos veículos automóveis de marca Peugeot e matrícula ...TD, de marca Opel e matrícula ...RJ e de marca Renault e matrícula ...VU.

            T (…)foi notificada da oposição ao procedimento cautelar de arresto deduzida por H (…) e M (…)  por carta registada expedida a 30 de Novembro de 2009.

            A 14 de Dezembro de 2009, nos Juízos Cíveis de Coimbra, T (…) instaurou acção executiva sob forma comum, para pagamento de quantia certa contra H (…)e M (…) pedindo o pagamento do capital de € 15.228,00 e juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, requerendo a apensação a esses autos do procedimento cautelar de arresto que sob o nº 2050/09.2TJCBR corria termos no 1º Juízo Cível de Coimbra, acção executiva que foi distribuída sob o nº 4637/09.4TJCBR ao 5º Juízo Cível de Coimbra e foi liminarmente indeferida por falta de título executivo por despacho proferido a 05 de Janeiro de 2010, decisão que foi notificada nesse mesmo dia.

            A 13 de Janeiro de 2010, T (…) instaurou acção declarativa sob forma sumária contra H(…) e M (…) pedindo a condenação dos réus ao pagamento da quantia de € 15.228,00, de capital e juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, requerendo a apensação a esses autos do procedimento cautelar de arresto que sob o nº 2050/09.2TJCBR corria termos no 1º Juízo Cível de Coimbra, acção que foi distribuída sob o nº 125/10.4TJCBR ao 4º Juízo Cível de Coimbra.

            A 18 de Março de 2010, após audição das partes sobre a eventual caducidade da providência cautelar de arresto decretada a 25 de Junho de 2009, no procedimento cautelar nº 2050/09.2TJCBR do 1º Juízo Cível de Coimbra, foi proferida decisão a declarar a extinção da providência decretada em virtude da acção de que o procedimento dependia ter sido instaurada para lá dos dez dias previstos no artigo 389º, nº 2, do Código de Processo Civil.

            Inconformada com esta decisão que lhe foi notificada por carta registada expedida a 22 de Março de 2010, T (…) veio a 10 de Abril de 2010, mediante pagamento de multa nos termos previstos no artigo 145º do Código de Processo Civil, interpor recurso de apelação contra a mesma, oferecendo as seguintes conclusões:

            “1. A questão trazida a este tribunal resume-se, essencialmente, a saber se tendo a petição executiva apresentada em juízo sido liminarmente indeferida, poderá a Autora apresentar nova petição inicial com a mesma causa de pedir da anterior dentro dos 10 dias subsequentes, mas com natureza declarativa, em face do teor do despacho que recusou liminarmente a anterior petição inicial.

            2. A Recorrente e o ex-marido (…), exploraram o restaurante “(…) sito na Rua (…) em Coimbra.

            3. A 24 de Julho de 2006, por documento particular, a Apelante e o ex-marido celebraram com H (…) e M (…), contrato de trespasse, no valor de €36.000,00 (trinta e seis mil euros).

            4. Os RR. deixaram de pagar as prestações que se venceram a partir de 24-07-2007, inclusive, tendo ficado em dívida a quantia de € 15.228,00 (quinze mil duzentos e vinte e oito euros).

            5. Por inúmeras vezes, a Recorrente instou pessoalmente os RR., que ainda não regularizaram o valor em débito.

            6. Ao que acrescida ainda, o temor da recorrente, de que os Requeridos, conluiados com o seu ex-marido, pagassem a este o remanescente, impedindo-a de obter a sua parte, bem como de conseguir as prestações de alimentos que aquele deve aos filhos da Recorrente.

            7. O documento que serviu de base ao pedido da Autora era uma fotocópia do contrato de trespasse celebrado entre as partes, junto como documento nº 1 no Procedimento Cautelar nº 2050/09.2TJCBR.

            8. Porquanto, o documento original se encontra na posse do seu ex-marido, )(…) tendo-se este negado a entregá-lo.

            9. Com base em tal documento instaurou depois a Recorrente a acção executiva, acção principal do procedimento cautelar.

            10. Todavia, o Tribunal considerou que tal documento não era título executivo idóneo, indeferindo o requerimento executivo no Processo nº 4637/09.4TJCBR do 5º Juízo que deu entrada através do CITIUS, no dia 14.12.2009.

            11. Pelo que, nos termos das disposições conjugadas do art. 234.º-A e 476.º ambas do Código de Processo Civil, intentou a Recorrente nova acção, desta feita declarativa de condenação, para que o tribunal pudesse em sede de audiência aferir da existência do contrato de trespasse e, consequentemente, da quantia em dívida.

            12. Todavia, considerou o Tribunal ad quo que tais normativos não poderiam ser aplicáveis in casu.

            13. A Apelante não se conforma com a decisão proferida, cuja prolação determina o perigo iminente de perda total da garantia patrimonial da dívida e, desse modo, causa, de modo directo, evidente prejuízo à Apelante.

            14. Como se sabe na petição inicial, o autor deve, entre outras, expôr os factos (e as razões de direito) que servem de fundamento à acção – art. 467º nº1, d) Código de Processo Civil.

            15. Tais factos constituem a chamada causa de pedir, ou seja, o facto jurídico concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido, ou por outras palavras, o facto (ou conjunto de factos) que à luz da ordem normativa desencadeia determinadas consequências jurídicas, porventura ainda mais incisivamente, é o facto jurídico concreto gerador do direito invocado pelo Autor e em que este baseia a sua pretensão, isto é, o pedido.

            16. Com efeito, quando se diz que a causa de pedir é o acto ou facto jurídico de que emerge o direito que o autor se propõe fazer valer, tem-se em vista não o facto jurídico abstracto, tal como a lei o configura, mas um certo facto jurídico concreto cujos contornos se enquadram na definição legal.

            17. A causa de pedir é, pois, o facto produtor de efeitos jurídicos apontados pelo autor e não a qualificação jurídica que este lhe emprestou ou a valoração jurídica que o mesmo entende atribuir-lhe.

            18. A este propósito, como impressivamente também se observa do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 24 de Novembro de 1983, “indeferida liminarmente a petição inicial de uma acção executiva por força de falta de prova da causa de pedir, não pode a nova petição, apresentada à luz do art.º 476º n.º 1 do CPC, basear-se em causa de pedir diversa.”

            19. Tendo em mente estes eméritos considerandos, e regressando ao caso “sub judice”, os factos que integraram o fundamento da acção executiva que deu entrada através do CITIUS, no dia 14.12.2009, e à qual foi atribuído o processo n.º 4637/09.4TJCBR, que correu os seus termos no 5.º Juízo Cível de Coimbra, são ipsis literis os mesmos da petição inicial que deu origem aos autos principais a que estes se encontram apensos.

            20. Recorde-se que na aludida acção executiva o Tribunal não convidou a Apelante, aí Exequente, para no prazo geral juntar o original do contrato de trespasse celebrado entre as partes.

            21. Doutro passo, diferentemente do que se afirma na sentença recorrida, o pedido da acção executiva nº 4637/09.4TJCBR (5.º Juízo Cível e o pedido da acção declarativa de que os presentes autos são apensos são idênticos, uma vez que o efeito jurídico que em ambas se pretende obter é satisfação da mesma dívida, ou seja, a dívida a que respeitam as prestações vencidas e vincendas do contrato celebrado entre as a aqui Recorrente e os Requeridos.

22. Sempre se diga, no entanto, e, em jeito telegráfico, que verifica-se identidade de pedidos quando haja identidade de providência jurisdicional solicitada pelo autor, ou seja, as causas digam respeito à mesma questão jurídica, à mesma pretensão material, o que in casu manifestamente ocorre.

            23. Por outro lado, saliente-se que, o legislador veio a consagrar no artº 810º nº 2 al. b) do Código de Processo Civil a corrente doutrinal e jurisprudencial defensora da tese de que “na acção executiva a causa de pedir não se identifica com o próprio título executivo, sendo antes constituída pelos factos constitutivos da obrigação reflectidos no título, ao obrigar que, no requerimento executivo, se exponham, ainda que sucintamente, os factos que fundamentam o pedido, quando estes não constem do título executivo”.

            24. Verifica-se, assim, além de uma inegável identidade de sujeitos, também uma simultânea identidade de pedidos e de causas de pedir entre a execução nº 4637/09.4TJCBR (5.º Juízo) e a acção declarativa de que o presente procedimento cautelar se encontra apenso.

            25. Servindo-nos da lição do Prof. Alberto dos Reis “Não se exige que a segunda acção seja inteiramente igual à primeira, nem poderia razoavelmente exigi-lo, visto que é pela petição que se caracteriza a acção e a segunda petição é uma reforma da primeira, reforma tendente a afastar o motivo do indeferimento e que pode, portanto, modificar, senão substancialmente, ao mesmo formalmente, alguns dos termos da primeira.”

            26. Tendo em mente este eméritos ensinamentos, inelutável se torna concluir, se bem cuidamos, que a Autora, os Réus, a causa de pedir, e o pedido são os mesmos, tendo tão-só ocorrido uma convolação da espécie de acção consoante o seu fim que visa atingir, de forma a afastar a falta do original de um documento que se encontra na posse de um terceiro.

            27. Por último, caberá questionar se a nova petição inicial em que a Autora, os Réus, a causa de pedir, e o pedido são os mesmos, deveria ter sido dirigida ao processo executivo nº 4637/09.4TJCBR (5.º Juízo).

            28. De acordo com o artigo 5º da Portaria nº 114/2008 de 6 de Fevereiro “A apresentação de peças processuais é efectuada através do preenchimento de formulários disponibilizados no endereço electrónico referido no artigo anterior, aos quais se anexam: a) Ficheiros com a restante informação legalmente exigida, conteúdo material da peça processual e demais informação que o mandatário considere relevante e que não se enquadre em nenhum campo dos formulários; e b) Os documentos que devem acompanhar a peça processual.”

            29. Nesta conformidade, e volvendo ao caso dos autos, a aplicação CITIUS, não dispõe de nenhum item no formulário a preencher onde se possa escolher que a peça processual enviada é uma nova petição reformada do vício que padecia.

            30. As únicas escolhas que a aplicação CITIUS disponibiliza são as seguintes: - requerimento, contestação, e articulado superveniente.

            31. Não era possível à ora Apelante escolher nenhum dos itens disponibilizados pela aplicação CITIUS, visto que, desvirtuaria ainda mais a peça processual a apresentar.

            32. De harmonia com o artigo 6º da Portaria nº 114/2008 de 6 de Fevereiro, sob a epígrafe “Preenchimento dos formulários”, refere que “(n.º 1) Quando existam campos no formulário para a inserção de informação específica, essa informação deve ser indicada no campo respectivo, não podendo ser apresentada unicamente nos ficheiros anexos. (n.º 2) Em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários.”

            33. Perante este complexo fáctico, não restava à ora Apelante outro comportamento que não fosse o que praticou, ou seja, nas escolhas disponibilizadas pela aplicação CITIUS escolher como finalidade pretendida iniciar novo processo, forma do processo sumário e indicar como peça processual a anexar a designação de petição inicial.

            34. Importa considerar que a ora Apelante na peça processual elaborou uma questão prévia informando o Tribunal que tal peça era a reforma da petição anterior que deu origem ao processo executivo n.º4637/09.4TJCBR, com os mesmos sujeitos, causa de pedir, pedido, transmutando somente a espécie de acção conforme o seu fim que visa atingir.

            35. Há que atender a que, in casu, que de acordo com o artigo 15.º da Portaria n.º 114/2008 de 6 de Fevereiro, “(n.º 1) A distribuição de todos os actos processuais é efectuada diariamente e de forma automática através do sistema informático. (n.º 2) O sistema informático assegura a distribuição automática duas vezes por dia, às 9 e às 13 horas.”

            36. Após a distribuição electrónica e automática da aludida peça processual, a aplicação CITIUS criou um novo processo.

            37. Assim sendo, deveria o Tribunal ad quo após a leitura da questão prévia suscitada pela ora Apelante remetido os autos ao processo nº 4637/09.4TJCBR, para que nesse processo houvesse a convolação da espécie de acção.

            38. Perante tal circunstancialismo, nos termos das disposições conjugadas do art. 234.º-A e 476.º ambas do CPC, a Autora notificada de aludido despacho a 05.01.2010, intentou a presente acção no dia 13.01.2010, com o mesmo pedido, desta feita, declarativa de condenação, para que este Tribunal pudesse em sede de audiência aferir da existência do contrato de trespasse e, consequentemente, da quantia em dívida.

            39. Do confronto de tais normativos, resulta, desde logo, a constatação que o disposto no citado art.º 476.º apenas é aplicável aos casos previstos nos citados art.ºs 234.º-A e 474.º, ou seja, aos casos, excepcionais, em que houve despacho indeferimento liminar da petição inicial.

            40. Se Autora apresentar nova petição, como ocorreu no caso dos autos, no prazo de 10 dias subsequentes à notificação do despacho que indeferiu liminarmente a petição inicial, os (mesmos) autos prosseguem os seus ulteriores termos, tudo se passando como se a acção tivesse sido proposta na data em que a primeira petição foi apresentada ou deu entrada em juízo, aproveitando-se, assim, os efeitos já produzidos pela última.

            41. Assim – e tendo em conta o tipo de acção aqui apreço – o direito sujeito a caducidade considera-se exercido na data da apresentação da 1ª petição – e no pressuposto, quanto a este efeito referido, de que a nova petição está em condições de ser recebida, e que não houve alteração do pedido e da causa de pedir (vide, a propósito, o Prof. Lebre de Freitas in “Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, Coimbra Editora, págs. 250/251).

            42. A nova petição apresentada, no mesmo processo, em tais condições tem, assim, nas palavras de Lopes do Rego (in “Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, pág. 321”), efeitos retroactivos.

            A recorrente termina as suas alegações pedindo que o despacho recorrido seja revogado e substituído por outro que determine a não caducidade do procedimento cautelar e bem assim a manutenção dos efeitos produzidos, com todos os legais efeitos.

            Os recorridos ofereceram contra-alegações em que, em síntese, pugnam pela improcedência do recurso, em virtude da acção declarativa intentada pela recorrente se basear em causa de pedir diversa da que estava subjacente à acção executiva liminarmente indeferida e porque a faculdade de apresentação de nova petição é afastada quando a petição indeferida respeitava a acção executiva e a petição aperfeiçoada se refere a acção declarativa.

            O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e no efeito meramente devolutivo.

            Cumpre agora apreciar e decidir.

            2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigo 684º, nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

            A única questão a decidir é a de saber se é legalmente viável a apresentação de uma petição inicial aperfeiçoada de acção declarativa quando tenha ocorrido indeferimento liminar total de requerimento executivo com fundamento em falta de título executivo e com aproveitamento dos efeitos processuais decorrentes da propositura da acção executiva, nomeadamente a não caducidade de providência cautelar que haja sido decretada.

            3. Fundamentos de facto resultantes da prova documental junta de folhas 4 a 12, 14 a 38, 39 a 91 destes autos


3.1

            A 03 de Junho de 2009, T (…) intentou procedimento cautelar de arresto endereçado à Vara Mista de Coimbra contra H (…) e M (…) para garantia do pagamento da quantia de dezoito mil euros, procedimento que foi distribuído ao primeiro juízo cível de Coimbra sob o nº 2050/09.2TJCBR, sendo a 25 de Junho de 2009 proferida decisão que decretou o arresto das fracções BT e AE do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra, sob o nº .../ ..., freguesia de Santa Clara, da fracção A do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra, sob o nº x.../ x..., freguesia de Santo António dos Olivais e dos veículos automóveis de marca Peugeot e matrícula ...TD, de marca Opel e matrícula ...RJ e de marca Renault e matrícula ...VU.

3.2

            T(…) foi notificada da oposição ao procedimento cautelar de arresto deduzida por H (…) e M (…) mediante carta registada expedida a 30 de Novembro de 2009.

3.3

            A 14 de Dezembro de 2009, nos Juízos Cíveis de Coimbra, T (….) instaurou acção executiva sob forma comum, para pagamento de quantia certa contra H (…) e M (…) pedindo o pagamento do capital de € 15.228,00 e juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, requerendo a apensação a esses autos do procedimento cautelar de arresto que sob o nº 2050/09.2TJCBR corria termos no 1º Juízo Cível de Coimbra, acção executiva que foi distribuída sob o nº 4637/09.4TJCBR ao 5º Juízo Cível de Coimbra e foi liminarmente indeferida por falta de título executivo por despacho proferido a 05 de Janeiro de 2010, decisão que foi notificada nesse mesmo dia e que transitou em julgado.

3.4

            A 13 de Janeiro de 2010, T (…) instaurou acção declarativa sob forma sumária contra H (…) e M (…) pedindo a condenação dos réus ao pagamento da quantia de € 15.228,00, de capital e juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, requerendo a apensação a esses autos do procedimento cautelar de arresto que sob o nº 2050/09.2TJCBR corria termos no 1º Juízo Cível de Coimbra, acção que foi distribuída sob o nº 125/10.4TJCBR ao 4º Juízo Cível de Coimbra.

3.5

            A 18 de Março de 2010, após audição das partes sobre a eventual caducidade da providência cautelar de arresto decretada a 25 de Junho de 2009, no procedimento cautelar nº 2050/09.2TJCBR do 1º Juízo Cível de Coimbra, foi proferida decisão a declarar a extinção da providência decretada em virtude da acção de que o procedimento dependia ter sido instaurada para lá dos dez dias previstos no artigo 389º, nº 2, do Código de Processo Civil.

            4. Fundamentos de direito

            Apreciemos se é legalmente viável a apresentação de uma petição inicial aperfeiçoada de acção declarativa quando tenha ocorrido indeferimento liminar total de requerimento executivo com fundamento em falta de título executivo e com aproveitamento dos efeitos processuais decorrentes da propositura da acção executiva.         

            A questão submetida à nossa apreciação não é jurisprudencialmente virgem. De facto, em ambiente normativo não exactamente igual ao que presentemente vigora, o Tribunal da Relação do Porto em acórdão proferido a 04 de Novembro de 1986, teve ocasião de se pronunciar no sentido da inadmissibilidade de apresentação de petição inicial de acção declarativa quando haja sido indeferido prévia e liminarmente requerimento executivo com fundamento em falta de título executivo[1].

            A acção executiva em que ocorreu o indeferimento liminar do requerimento inicial da autoria da recorrente foi instaurada a 14 de Dezembro de 2009.

            Assim, por força do disposto nos artigos 22º, nº 1 e 23º, ambos do decreto-lei nº 226/2008, de 20 de Novembro, à acção executiva instaurada pela recorrente é aplicável o Código de Processo Civil na redacção introduzida pelo mencionado decreto-lei.

            Nos termos do disposto no artigo 811º, nº 3, do Código de Processo Civil, na citada redacção, “o exequente pode apresentar outro requerimento executivo ou o documento em falta nos dez dias subsequentes à recusa de recebimento ou à notificação judicial que a confirme, considerando-se o novo requerimento apresentado na data da primeira apresentação.”

            Salvo melhor opinião, por identidade de razão, este normativo será aplicável aos casos em que ocorra indeferimento liminar da acção executiva na sequência de abertura de conclusão para prolação de despacho liminar (artigo 812º-E do Código de Processo Civil) ou ainda quando logo em fase liminar venha a verificar-se indeferimento oficioso da acção executiva, desta feita ao abrigo do disposto no artigo 820º, nº 1, do Código de Processo Civil, ao menos sempre que os fundamentos de tais decisões judiciais coincidam com os fundamentos da recusa de recebimento do requerimento executivo (artigo 811º, nº 1, do Código de Processo Civil).

            Neste contexto normativo, dada a existência de previsão legal específica para o caso, é patente que não há lugar à aplicação subsidiária do artigo 476º do Código de Processo Civil, e, por outro lado, que em caso de indeferimento liminar de acção executiva apenas é possível oferecer outro requerimento executivo ou o documento em falta, não sendo legalmente admissível converter uma acção executiva numa acção declarativa.

            E bem se compreende que assim seja, por diversas ordens de razões, além da de direito positivo já referida.

            Na verdade, se é aceitável o entendimento da recorrente de que existe identidade de causa de pedir na acção executiva e na acção declarativa que instaurou contra os recorridos, é de todo evidente que os pedidos deduzidos numa e noutra acção são perfeitamente distintos.

De facto, na acção executiva, pede-se o pagamento coercivo de um montante que se reputa certo e líquido mediante a apreensão dos bens necessários à efectivação desse pagamento.

Ao invés, na acção declarativa visa-se a obtenção da condenação ao pagamento da quantia cujo pagamento coercivo foi pedido em via executiva.

É manifesto que o pedido deduzido na acção declarativa se situa a montante da pretensão formulada em sede executiva, sendo o efeito jurídico obtido num caso e noutro claramente distinto: em caso de sucesso, na acção declarativa obtém-se um título executivo que permitirá depois, se necessário, a realização coerciva do crédito insatisfeito, enquanto na acção executiva se visa logo a satisfação coerciva do crédito constante do título exequendo.  

            A faculdade de apresentação de petição aperfeiçoada na sequência de indeferimento liminar pressupõe que o novo articulado se dirige ao processo onde se verificou esse indeferimento liminar, sendo um meio de aproveitamento dos efeitos substantivos e processuais da apresentação da primeira petição, visando, além disso, o suprimento do ou dos vícios que determinaram o indeferimento liminar[2].

Ora, como é evidente, esse aproveitamento não se dá quando se inicia um novo procedimento, sujeito a nova distribuição, como se verificou no caso dos autos e, manifestamente, não se verifica qualquer suprimento do vício ou vícios determinantes do indeferimento liminar, já que se opta por meio processual que implica o necessário reconhecimento da insuperabilidade do vício determinante do indeferimento liminar.

            Além disso, o procedimento adoptado pela recorrente, escudando-se em alegadas dificuldades decorrentes da aplicação informática citius, foi errado, porquanto, a existirem as dificuldades alegadas para apresentação de novo requerimento inicial, deveria ter colocado a questão a quem de direito, isto é, à Senhora Juíza titular do Juízo Cível onde foi proferido o despacho de indeferimento liminar do requerimento executivo.

Na verdade, em nosso entender, era a esta Sra. Magistrada que cumpria aferir a existência das invocadas dificuldades, bem como ainda se era admissível a apresentação de petição inicial aperfeiçoada de acção declarativa na sequência de indeferimento liminar total de acção executiva.

            Ao instaurar uma acção declarativa, sujeita a distribuição própria[3], a recorrente impediu que esse acto processual alguma vez pudesse ser considerado a apresentação de uma petição inicial aperfeiçoada na sequência de um indeferimento liminar total e com aproveitamento dos efeitos processuais da propositura da acção executiva indeferida, pois deu origem a um processo novo e distinto daquele onde foi proferida essa decisão, reconhecendo a insuperabilidade do vício que determinou a prolação da decisão de indeferimento liminar total.

            Por tudo quanto precede conclui-se, com segurança, que à acção declarativa instaurada pela recorrente a 13 de Janeiro de 2010, distribuída ao 4º Juízo Cível de Coimbra e a que coube o nº 125/10.4TJCBR não aproveitam os efeitos processuais decorrente da instauração da acção executiva nº 4637/09.4TJCBR, distribuída ao 4º Juízo Cível de Coimbra, não se podendo por isso considerar que essa acção declarativa foi proposta a 14 de Dezembro de 2009.

            Ora, a recorrente foi notificada da oposição ao arresto deduzida pelos recorridos por carta registada expedida a 30 de Novembro de 2009, considerando-se essa notificação efectuada a 03 de Dezembro de 2009.

            Uma vez que no procedimento cautelar de arresto não há em caso algum lugar ao exercício de contraditório antes da prolação de decisão sobre o arresto requerido (artigo 408º, nº 1, do Código de Processo Civil), a recorrente dispunha do prazo de dez dias para a propositura da acção de que aquele procedimento cautelar depende, prazo contado da notificação ao requerente do arresto da efectivação da notificação ao requerido para os efeitos previstos no nº 6, do artigo 385º do Código de Processo Civil (artigo 389º, nº 2, do Código de Processo Civil).

            No caso dos autos, ao que tudo indica, a recorrente não foi notificada da efectivação da notificação ao requerido para os efeitos previstos no nº 6, do artigo 385º do Código de Processo Civil, apenas tendo sido notificada da dedução de oposição ao arresto por parte dos requeridos, assim beneficiando de maior prazo para propositura da acção de que o procedimento cautelar de arresto depende.

            A notificação da dedução de oposição por parte dos requeridos ocorreu mediante carta registada expedida a 30 de Novembro de 2009, considerando-se essa notificação efectuada a 03 de Dezembro de 2009. Deste modo, a recorrente devia ter instaurado a acção de que o procedimento cautelar de arresto dependia até 14 de Dezembro de 2009, já que o décimo dia foi Domingo (veja-se o artigo 144º, nºs 2 e 4, do Código de Processo Civil).

            Uma vez que a acção executiva instaurada pela recorrente a 14 de Dezembro de 2009 foi liminarmente indeferida, por decisão transitada em julgado, e não houve aproveitamento dos efeitos processuais da propositura dessa acção executiva, tudo se passa como se a recorrente não tivesse instaurado a acção de que o procedimento cautelar de arresto dependia[4]. Dado que a acção declarativa de que o procedimento cautelar de arresto depende foi intentada a 13 de Janeiro de 2010, verifica-se a caducidade da providência de arresto decretada a 25 de Junho de 2009, tal como foi decidido na decisão recorrida proferida a 18 de Março de 2010, decisão que por isso é de confirmar.

            5. Dispositivo

            Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso de apelação interposto por T (…) e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida proferida a 18 de Março de 2010. Custas do recurso a cargo da recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza.


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Carlos Gil (Relator)

[1] Veja-se o Tomo V da Colectânea de Jurisprudência do Ano XI, 1986, páginas 199 a 200.
[2] No sentido de que a faculdade de apresentação de nova petição com aproveitamento dos efeitos processuais e substantivos de precedente petição liminarmente indeferida pressupõe que o vício determinante do indeferimento era remediável veja-se, Temas da Reforma do Processo Civil, I Volume (2ª ed. revista e ampliada), António Santos Abrantes Geraldes, página 268.
[3] Sujeita também ao pagamento de taxa de justiça inicial e de montante diverso e mais elevado do que o devido pela propositura de acção executiva.
[4] Salvo melhor opinião, não nos parece que seja aplicável ao caso de indeferimento liminar, por identidade de razão, a previsão da alínea d), do nº 1, do artigo 389º do Código de Processo Civil, conjugada com o nº 2, do artigo 289º, do mesmo diploma legal. Na verdade, nesse caso não existe absolvição da instância porquanto, por definição, a instância ainda não se mostra estabilizada porque o demandado ainda não foi citado (artigo 268º do Código de Processo Civil) e, além disso, existe um mecanismo processual próprio para aproveitamento dos efeitos processuais da instauração da acção liminarmente indeferida (artigos 476º e 810º, nº 3, ambos do Código de Processo Civil), o que também parece afastar a possibilidade de recurso ao nº 2, do artigo 289º, do Código de Processo Civil.