Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
600/20.2T8FIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANABELA MARQUES FERREIRA
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
PERIGO PARA O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA
CONFIANÇA A INSTITUIÇÃO COM VISTA A FUTURA ADOÇÃO
Data do Acordão: 09/16/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DA FIGUEIRA DA FOZ DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 3.º E 4.º DA LEI DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO
Sumário: I – A ponderação da incapacidade da mãe para o exercício adequado das suas funções parentais não pode ser vista como uma censura à mesma, mas como uma constatação de que a incapacidade da mãe coloca em perigo o adequado desenvolvimento da criança.

II – Se, aliada a tal incapacidade, encontramos uma família alargada incapaz também ela de suprir as fragilidades da progenitora, cumpre dar à criança a oportunidade de ter uma vida estável e saudável, aos níveis físico e psicológico, passando a integrar uma nova família.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:

         Recorrente/Progenitora    AA

         Criança                          BB

        

Juiz Desembargador Relator: Anabela Marques Ferreira

Juízes Desembargadores Adjuntos: Chandra Gracias

                                           Maria Catarina Gonçalves

Sumário (da responsabilidade do Relator – artº 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)

(…).

Acordam os juízes que nestes autos integram o coletivo da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:



I – Relatório

Nos autos de processo de promoção e proteção, relativo à criança BB, nascida em ../../2019, em que são requeridos os seus progenitores, AA e CC, que correm termos no Juízo de Família e Menores da Figueira da Foz - Juiz 2, foi proferido acórdão decidindo aplicar ao menor a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção.

Recorreram ambos os progenitores, não tendo o recurso do progenitor sido admitido, por extemporâneo.

Diz-se no relatório do acórdão recorrido:

(…).

         A Recorrente AA interpôs recurso da sentença, concluindo, nas suas alegações, que:

         (…).

A Ilustre Defensora da criança veio aos autos responder ao recurso, concluindo nas suas alegações que:

(…).

O Ministério Público veio aos autos responder ao recurso, pugnando também pela manutenção do acórdão proferido.



II – Objeto do processo


Colhidos os vistos legais, prestados contributos e sugestões pelos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos e realizada conferência, cumpre decidir.

Da conjugação do disposto nos artºs 635º, nºs 3 e 4, 637º, nº 1 e 639º, todos do Código de Processo Civil, resulta que são as conclusões do recurso que delimitam os termos do recurso (sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - artº 608º, nº 2, ex vi artº 663º, nº2, ambos do mesmo diploma legal), não vinculando, porém, o Tribunal ad quem às soluções jurídicas preconizadas pelas partes (artº 5º, º 3, do Código de Processo Civil). Assim:

Questões a decidir:

1) Da nulidade do acórdão

2) Da alteração da decisão relativa à matéria de facto

3) Da aplicação da medida de confiança com vista a futura adoção



III – Fundamentação


Da nulidade do acórdão


         A Recorrente invocou a nulidade do acórdão alegando que:

3- Aquando das suas alegações, a recorrente requerente por considerar essencial requereu a inspecção ao local do Tribunal e de todos os intervenientes processuais ou, subsidiariamente, por quem o Tribunal determine, à casa onde habita a progenitora, aqui Recorrente, e bisavó materna, propriedade desta última, a fim de aferir as condições habitacionais e de limpeza. - Cfr. Alegações apresentadas em 29/10/2024, Citius refª: 50296441.

4- Considerando que o conhecimento desta questão se impunha e impõe - sob pena de verificação da nulidade do acórdão respectivo -, uma vez que foi invocada pela recorrente.

         Nos termos do disposto no artº 641º, nº 1, do Código de Processo Civil, o Juiz a quo pronunciou-se nos seguintes termos:

         Apreciando nos termos do art.º 641.º, n.º 1, do C.P.C., a alegada nulidade invocada pela progenitora, por não se ter realizado inspecção judicial ao prédio onde habitam a mãe e a sua avó, entendo que não se verifica, desde logo, porque estamos em processo de jurisdição voluntária, em que só são admitidas as provas que o juiz considerar necessárias (arts. 100.º da L.P.C.J.P. e 986.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil).

No despacho que designou a data do debate e nos despachos seguintes em que se determinou a produção sucessiva de provas, designadamente a testemunhal, não se determinou tal inspecção ao local, porque já tinha sido visitada várias vezes pelas Técnicas da Segurança Social, nunca tendo havido reclamação ou recurso por não se determinar tal ida a casa da bisavó do menor.

Na 2.ª sessão do debate, finda a inquirição de testemunhas, não foi requerida qualquer diligência probatória adicional e na 3.ª sessão voltou a não ser requerida qualquer diligência probatória adicional, conforme consta das respectivas actas.

Por outro lado, como salienta o M.P. nas suas alegações, tal diligência seria meramente dilatória, após terem sido feitas diversas visitas de surpresa ao local pelas Técnicas da Segurança Social e o art.º 130.º do Cód. Proc. Civil proíbe a prática de actos inúteis, como seria uma inspecção ao local programada no debate, para encontrar a casa da bisavó da criança imaculadamente limpa e arrumada, de modo a contrariar o que fora descoberto pelas Técnicas do SATT em visitas não combinadas com mãe e bisavó da criança.

Seria uma estratégia de prova semelhante à junção de fotografias encenadas com a criança, para mascarar a falta de cuidados e de protecção da mesma perante as situações de perigo que se provaram no debate.

A mãe nada disse quando nos meios de prova admitidos não se incluiu a referida inspecção ao local e nada requereu nas várias sessões do debate quanto a tal inspecção judicial, sendo agora a dita invocação de nulidade apenas uma estratégia para se opor à decisão colegial do Tribunal.

No entanto, o Tribunal Superior apreciará a questão e decidirá a preceito.

Dispõe o artº 615º, nº 1, al. b), e nº 2, do Código de Processo Civil, que:

1 - É nula a sentença quando:

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

Adiantamos já entender que a decisão recorrida não padece de qualquer nulidade.

Efetivamente, como disse o juiz a quo, estamos no âmbito de um processo de jurisdição voluntária, pelo que apenas são realizadas as diligências que o juiz entender necessárias; se o Tribunal não as realizou, significa apenas que não as entendeu necessárias.

E, de facto, a inspeção ao local não se mostrava necessária, podendo, afetivamente, até ser contraproducente, por poder facilitar a encenação em visitas, em detrimento das visitas surpresa anteriormente realizadas.

E foram muitas as visitas realizadas, suficientes para a avaliação da situação, sem necessidade de nova inspeção. Como se diz nas alegações do Ministério Público:

A inspeção ao local visada pelo requerimento, veja-se, a casa onde habita a Recorrente e a sua avó materna, foi alvo de, pelo menos, seis visitas, entre 27.5.2025 e 24.9.2024 (cf. relatório social do SATT comunicado em 24.9.2024), pelos Serviços de Apoio Técnico e Social, equipa talhada para o efeito.

            Acresce que, ainda que houvesse nulidade por omissão de pronúncia, seria uma nulidade secundária já sanada, nos termos do disposto nos artºs 195º e 199º, do Código de Processo Civil, uma vez que se concluiu o debate judicial sem que a mesma tenha sido arguida.

         Deste modo, o recurso mostra-se improcedente nesta parte.



A) De facto

Factos julgados provados no acórdão recorrido:

 

1. A criança BB, nascida em ../../2019, é filha de CC e de AA.

2. Na Comissão de Protecção de Crianças e Jovens ... foi instaurado em 14/5/2019 um processo de promoção e protecção relativamente à criança supra identificada.

3. Após a situação da criança ter sido comunicada à CPCJ pela Maternidade ..., com informação social da Maternidade e relatório social da Associação ..., dado o contexto de forte vulnerabilidade social dos progenitores.

4. Aquando do nascimento da criança foram notadas as dificuldades da progenitora em prestar os cuidados básicos ao bebé, principalmente durante a noite, devido à toma de medicação para a epilepsia.

5. O progenitor vivenciou problemas ao nível da toxicodependência, tendo já sido acompanhado pelo CRI.

6. O CC, à data da sinalização do filho, tinha um certificado de registo criminal com 13 boletins, nele figurando condenações por crimes de tráfico de menor gravidade, roubos e furtos qualificados.

7. A progenitora apresentava atraso mental ligeiro, o que exigia a supervisão de terceiros na prestação de cuidados ao filho.

8. Foi celebrado acordo de promoção e protecção na CPCJ, com os pais, em 30/5/2019, sendo aplicada à criança a medida de apoio junto dos pais.

9. A mãe foi encaminhada e beneficiou do acompanhamento do Centro de Apoio à Vida da Associação ... e da Associação ..., este no âmbito do R.S.I., tendo posteriormente acompanhamento psicológico.

10. Apesar da disfuncionalidade ao nível das relações entre adultos, a criança apresentou-se sempre bem cuidada.

11. Realizada visita domiciliária pela CPCJ em Novembro de 2019, a casa apresentava-se suja e desarrumada.

12. No final do ano de 2019 o progenitor encontrava-se desempregado, tendo sido participada a prática de crime de violência doméstica e a mãe pediu para ir para uma casa de acolhimento com o filho.

13. Em Dezembro de 2019, a criança apresentou problemas respiratórios na creche, vindo a ser levada ao Hospital pelos responsáveis da Instituição, dada a indisponibilidade momentânea dos pais, que seguiram depois para o Hospital e assistiram à triagem.

14. A criança foi diagnosticada com uma bronquiolite, tendo ficado internada.

15. Na ocasião do internamento, a criança apresentava-se com falta de higiene (tal como a progenitora).

16.          Por incumprimento do acordo de promoção e protecção da criança celebrado com os pais na CPCJ, o processo foi remetido para o Tribunal.

17. Em 18/6/2020 foi celebrado novo acordo de promoção e protecção da criança, neste processo, sendo-lhe aplicada a medida de apoio junto dos pais, que ficaram obrigados ao cumprimento do plano de intervenção apresentado pela Segurança Social.

18. Na sequência de informação social de 16/2/2021, dando conta de que o pai da criança se embriagava, infligindo maus-tratos psicológicos e físicos à mãe na presença do menor, o M.P. promoveu e foi determinado, por decisão provisória de 17/2/2021, que a criança ficasse sujeita, pelo prazo de seis meses, à medida de acolhimento residencial em Casa-Abrigo que pudesse acolher mãe e filho conjuntamente, declarando-se cessada a medida de apoio junto dos pais.

19. Mãe e filho menor foram oportunamente conduzidos à Fundação ... (Projecto Mãos Abertas), sita na Quinta ..., ... ....

20. Foram realizados relatórios de avaliação psicológica dos pais no INMLCF de Coimbra, sendo o do pai datado de 19/4/2021 e o da mãe de 20/4/2021.

21. Quanto ao progenitor refere-se, designadamente, que não foram detectados globalmente factores de risco que comprometam a sua parentalidade, ou seja, existem condutas favoráveis ao desenvolvimento da criança e comportamentos parentais adaptativos, com a promoção e valorização da pessoa do filho, apresentando capacidade para desempenhar uma parentalidade adequada e retirar prazer enquanto exerce o seu papel.

22. Quanto à mãe, foi dito, além do mais, que apresenta um ligeiro défice cognitivo global, mas ainda dentro dos parâmetros considerados normativos; na infância e adolescência recebeu modelos parentais inadequados; no entanto, apresenta estabilidade emocional e ausência de psicopatologia, pelo que, com apoio e supervisão, lhe garantem condições para o adequado exercício da parentalidade, ou seja, existem condutas favoráveis ao desenvolvimento da criança e comportamentos parentais adaptativos, com a promoção e valorização da pessoa do filho, apresentando capacidade para desempenhar uma parentalidade adequada e retirar prazer enquanto exerce o seu papel.

23. Do relatório junto aos autos pelo S.N.I.P.I, em 13/05/2021, embora com as dificuldades decorrentes do período de pandemia causadas pela Covid-19, refere-se “(…) o menino estava bem-disposto e bem vestido, de acordo com o clima que se fazia sentir e com a higiene, aparentemente, bem feita. (…) O menino demonstra ter uma relação de afecto com a mãe, sempre a socorrer-se do seu colo… muito mexido, mas o normal para a idade e a mãe, sempre a levantar-se para ir atrás dele, quando ele saía de perto de nós, parecendo muito preocupada e atenta”.

24. Através da informação solicitada à educadora de infância, refere-se “o BB continua a ser assíduo e sempre que falta a mãe tem o cuidado de avisar a escola.”

25. Em 7 de Junho de 2021 a Psicóloga Clínica Dr.ª DD, informou que o pai do menor registou boa adesão terapêutica, sem consumos de heroína desde 30/1/2014 e sem consumo de qualquer substância psicoactiva desde 12/5/2015 (registo de analise de metabolitos), recorrendo ao serviço para abordar e tentar resolver questões da sua vida, que não apenas as respeitantes à toxicodependência.

26. Todavia, após o acolhimento de mãe e filho na Fundação ..., o pai admitiu perante a Segurança Social alguns dos seus problemas de conduta para com a progenitora, tais como:

a) a existência de consumos abusivos de álcool da sua parte durante o relacionamento de estilo conjugal;

b) fumar dentro de casa e na presença do BB;

c) conivência com o desleixo na organização/higiene do espaço habitacional;

d) conivência na negligência de cuidados com o filho;

e) ausência de hábitos de trabalho nos últimos tempos antecedentes à aplicação da medida provisória;

f) exposição do BB a outros comportamentos desajustados da sua parte, com agressões verbais/físicas;

g) demonstrando o pai ausência de sentido crítico dos motivos que estiveram na origem da aplicação dessa medida provisória.

27. Enquanto acolhida com o filho na instituição, a mãe carecia do apoio técnico prestado na instituição, de modo a adquirir melhores capacidades para o exercício da maternidade.

28. O relatório da Fundação ... – Relatório de Acompanhamento em Contexto Institucional revelou, em 31/08/2021 quanto à mãe, “desde o seu acolhimento e volvidos cerca de 5 meses, esta tem apresentado algumas melhorias, nomeadamente a nível da limpeza, arrumação e organização do espaço individual dela e do filho BB. Também ao nível da execução das tarefas domésticas e revelado algum esforço no sentido da mudança, contudo ainda há algumas situações que devem ser trabalhadas, nomeadamente a aquisição de rotinas que lhe permitam concluir a tarefa no tempo estipulado e com a eficiência necessária”.

29. EE, residente na Rua ..., ... – ..., avó paterna da AA, veio a mostrar-se disponível para a acolher e apoiar no acompanhamento/cuidados do BB.

30. Na conferência de 22/4/2022 veio-se, por isso, a acordar na substituição da medida de acolhimento residencial do menor na casa-abrigo, com o acompanhamento da sua mãe, pela medida de apoio junto da mãe, com a supervisão da bisavó paterna do menor, pelo prazo de três meses.

31. Foram sendo decididos convívios com alguns membros da família alargada do menor, decorrendo com o pai no CAFAP desta cidade.

32. Em Agosto de 2022 havia alguns progressos nos cuidados da mãe com o menor, mas com supervisão da avó paterna.

33. A avó paterna aconselhava-a a comprar mais peixe e menos carne, criticando o que a neta comprava, ou não, no supermercado.

34. Em Outubro de 2022 verificou-se que, por a avó paterna da progenitora ter tido necessidade de se ausentar à semana para ..., a fim de dar apoio à filha FF, por problemas de saúde desta, se verificou um agravamento do contexto de vida do BB junto da D.ª AA, que passou a deixar a casa desorganizada e suja, tendo encontrado novo namorado, em face do que a Técnica do SATT propôs o acolhimento residencial da criança.

35. Em conferência de 3/11/2022 foi acordado substituir a medida de apoio do menor junto da mãe, com supervisão da bisavó paterna do menor, pela medida de acolhimento residencial na "Casa de Acolhimento da APPACDM da ...", pelo período de três meses.

36. Em 23/1/2023 a progenitora apresentou queixa por insultos e ameaças patentes em comentários do pai da criança numa rede social sobre fotografias da mãe, além de numa situação em que levou o filho a casa do pai, este ter tentado forçá-la a ter relacionamento sexual consigo.

37. A adaptação do menino à sua nova situação na instituição de acolhimento deu-se com surpreendente facilidade, sendo dócil, meigo e carente, indo rapidamente para o colo de qualquer adulto.

38. Poucos dias após o acolhimento residencial do BB, a progenitora comunicou ao SATT que tinha saído de casa da sua avó paterna e passado a residir com o namorado – GG, num agregado composto ainda pela mãe e companheiro desta.

39. A instituição considerou fraca a qualidade das visitas dos pais à criança, mais frequentes pela mãe, que pelo pai, tendo a mãe deixado de as fazer entre 12/1/2023 e final de Junho de 2023, por ter contraído escabiose após passar a viver com o GG, devido ao receio da AA de contagiar a criança, passando a contactar o filho através de telefonemas e videochamadas.

40. A AA comunicou ter aquela doença infecto-contagiosa à CAR e ao SATT.

41. O progenitor faltou a diversas visitas ao filho na CAR, sem qualquer justificação ou aviso prévio.

42. Em 14 meses de acolhimento do filho, o pai telefonou-lhe 24 vezes.

43. O GG teve um processo de Maior Acompanhado, findado a 19/7/2019, no Juízo de Competência Genérica de Montemor-o-Velho, com o n.º 7/19...., sem que tenha, de facto, o devido acompanhamento por parte do legal acompanhante.

44. O GG não conseguia gerir adequadamente o seu contexto de vida, associando-se com frequência a pessoas pouco idóneas e problemáticas na comunidade, gastando superfluamente os seus rendimentos.

45. O casal AA e GG vivia sem cumprir a devidas regras de higiene da casa, nem seguir adequada alimentação, faltando a mãe às visitas ao filho, a pretexto de dificuldades económicas.

46. A progenitora adquiriu nesta fase um cão da raça Buldogue Francês por um valor acima dos €700, como compensação psicológica de se encontrar sem a companhia do filho.

47. A AA comprou nos últimos meses um outro cão de raça Buldogue Francês, pelo mesmo motivo.

48. O progenitor do BB, desempregado, reincidiu no consumo abusivo de álcool.

49. Por conduzir em estado de embriaguez ficou proibido de conduzir durante três meses, tal como teve de cumprir 60 horas de trabalho a favor da comunidade.

50. Verificou-se em Abril de 2023 que o progenitor, por ter reincidido no consumo abusivo de álcool, durante o internamento hospitalar prolongado da sua mãe (avó paterna do BB), tinha deixado de assumir o pagamento das despesas de água, electricidade, gás e serviço de televisão por cabo, tendo estas sido suspensas por dívidas, o que impossibilitou a avó paterna do menor de retornar a casa após a sua alta, necessitando de ser acolhida por um irmão.

51. O progenitor, actualmente, efectua um tratamento de desabituação do consumo de bebidas alcoólicas.

52. O pai afirmou estar disposto a pagar uma prestação de alimentos ao BB, nunca a tendo pago.

53. Mas continua sem conseguir manter uma actividade profissional regular e efectiva.

54. A AA terminou o relacionamento com o GG e mudou de residência em 1/4/2023, a qual passou a ser na Rua ..., ..., HH ... ..., morada da sua avó materna, com quem passou a viver, em habitação pertencente a esta última e aos seus filhos.

55. Em retaliação pelo corte da relação consigo, o GG causou diversos prejuízos na casa da avó materna da AA, estando actualmente reparados os danos que ali provocou.

56. Quando de uma visita domiciliária da Técnica do SATT, sem marcação prévia, entre Agosto e Dezembro de 2023, a essa casa, a cozinha de serviço e a área de refeições apresentavam alguma desorganização e sujidade.

57. Em torno da habitação, no exterior, encontram-se dois canis ocupados pelos cães do agregado, dois da D.ª AA e um da D.ª II, os quais apresentavam, à data da realização da diligência, falta de higiene, devido à acumulação de fezes dos referidos animais.

58. A avó materna da AA, JJ, tem 80 anos.

59. A «sua» casa tem três quartos, duas casas-de-banho, duas cozinhas, sala-de-estar e quintal com várias árvores de fruta.

60. Esta avó da AA gostaria de participar na criação do menino e sente-se capacitada para isso, indo à ginástica duas vezes por semana e deslocando-se numa bicicleta.

61. A AA tem-se comportado bem em sua casa, superando ambas os desentendimentos que por vezes surgem entre si, até à ocasião do primeiro debate.

62. A mãe do BB está a frequentar um curso de operadora de jardinagem em instalações da APPACDM junto do Hospital ...”, na ....

63. Antes do referido curso, a D. AA frequentou o Curso de Floricultura e Jardinagem, com a duração de 290 horas, na mesma instituição, tendo tal formação terminado em 8/5/2023, com sucesso.

64. A AA tem-se mostrado expedita nas actividades de formação, conseguindo usar uma roçadora com perícia.

65. Os encontros da AA com o novo namorado decorrem após as sessões de formação, para depois dormir em casa da avó II e não voltando a sair.

66. O Curso de Operadora de Jardinagem, com 3.600 horas, tem data de término em Setembro de 2025.

67. Desta frequência, a AA mantém o direito a uma bolsa de formação de €221,60, ao que acresce €4,77/dia de subsídio de alimentação e €66,48 de subsídio de transporte.

68.  Beneficia ainda da Prestação Social para a Inclusão, por deter incapacidade superior a 65%, resultante do diagnóstico de epilepsia, que era no valor mensal de €732,33, sendo agora de €826.

69. Voltou a aumentar consideravelmente de peso, após o filho ser acolhido na CAR, aparentando estar com obesidade mórbida, devida à medicação que toma e a uma dieta errada.

70. Voltou a ser referenciada pela consulta de Planeamento Familiar para a Especialidade de Nutrição.

71. A AA mantém-se a ser seguida na consulta de Neurologia e Psiquiatria no HDFF.

72. A Médica disse-lhe que podia vir à conferência de 15/6/2023 no Tribunal.

73.          A mãe recomeçou as visitas presenciais ao BB com a avó II, outras vezes com a sua mãe, com periodicidade quinzenal.

74. A AA não tem carta de condução, que quer obter, tendo actualmente uma poupança de €370 para esse efeito.

75. Nas aldeias só há, em regra, um autocarro de manhã e outro à noite.

76. Era uma vizinha que conduzia em automóvel a mãe e a bisavó às visitas à criança (antes de passar a viver com estas), a quem entregavam algum dinheiro para compensação do consumo de combustível.

77. A AA faz a gestão que acha conveniente do dinheiro que ganha, tendo adquirido, em 7/9/2022, uma «scooter» eléctrica, no valor de 1.200,00 euros, que não carece de carta de condução, a fim de se deslocar de e para os cursos que tem frequentado.

78. A AA conduziu o filho algumas vezes na parte de trás dessa «scooter» eléctrica e sem capacete.

79. KK (avó paterna da criança) não tem condições de saúde para dela cuidar, tendo sucessivos internamentos hospitalares devido a doenças respiratórias.

80.  A avó paterna da criança era conivente com os consumos de bebidas alcoólicas pelo progenitor, como o fora com o consumo de outras substâncias aditivas pelo CC, que continua a residir com a sua mãe e na dependência económica desta.

81. LL (avó materna da criança), tem três filhas, todas de pais diferentes, que nunca viveram consigo em permanência e todas foram sujeitas a processos de promoção e protecção.

82. A mãe da AA ainda tem uma das filhas acolhida no Lar ... desta cidade.

83. O relacionamento familiar entre a progenitora e a sua mãe (avó materna da criança) persistiu tenso e conflituoso, em muito devido à postura crítica e acusatória que esta tem para consigo (amenizada a propósito do último debate), mas sobretudo por continuar a ser alvo de abordagens de cariz sexual desajustadas por parte do padrasto, elemento que afirma ter abusado sexualmente de si no passado.

84. Desde o nascimento do BB, a sua avó materna manteve um contacto ocasional com o BB, não detendo qualquer ligação vinculativa estabelecida com este.

85. A avó paterna da AA não tem condições de saúde para constituir um apoio de supervisão e retaguarda da mãe na prestação de cuidados, educação e estímulo do desenvolvimento do menor.

86. As tias paternas da AA não têm disponibilidade para se constituírem como apoiantes nessas questões de supervisão e retaguarda da mãe do menor.

87. A criança apresenta-se saudável e com um desenvolvimento normal, para a sua faixa etária.

88. O menor era uma criança feliz sempre que recebia as visitas da mãe na CAR, seja sozinha, seja acompanhada de familiares, designadamente a avó materna e a bisavó materna.

89. Nas visitas chamava a mãe por «mamã» e «mãe» e a bisavó II por «bisa».

90. Durante as visitas ao seu filho, a mãe utilizava o telemóvel para mostrar fotografias da família ao filho, obter fotografias do mesmo e com ele e, além disso, ir vendo as horas por causa do seu transporte.

91. Quando se despedia do filho, o BB perguntava-lhe, por vezes, “quando é que posso ir para casa contigo mãe?”

92. O filho ficava pendurado em si, com os braços e pernas a rodeá-la ou agarrava-se à sua perna, na despedida.

93. A mãe dizia-lhe que não podia trazê-lo, porque não manda.

94. A AA mostrava-se então preocupada e interessada em colmatar as suas falhas.

95.          No dia da entrega da criança à mãe, a 25/6/2024, esta dirigiu-se ao CAT da APPACDM na companhia da sua avó II e da sua Advogada, tendo sido esta última quem transportou a família até casa.

96. Nos dias imediatamente seguintes, o SATT providenciou por integrar de imediato, o BB em Jardim de Infância, situação que tentou meticulosamente articular com a mãe AA, dada a dificuldade desta em perceber as diligências que eram necessárias efectuar para o efeito.

97. Em contexto escolar, o BB tem-se revelado uma criança meiga e tranquila e de que, aos poucos, começou a aproximar-se afectivamente à Educadora MM.

98. O BB não descansa enquanto não estiver junto da sua Educadora, de mão dada com esta ou procurando o seu afago.

99. A progenitora foi renovar o Cartão de Cidadão para o menor BB, que estava expirado.

100. Foi com o mesmo ao Centro de Saúde, onde teve consulta com o médico de família e lhe foi administrada a vacina contra a Difteria, o Tétano, a Tosse Convulsa e a Poliomielite.

101. No dia 08/10/2024, a progenitora acompanhou o seu filho a Consulta Externa de Otorrinolaringologia.

102. A estrada n.º ...09, desde o troço onde mora a D. AA e a ..., tem boa visibilidade, uma vez que se trata de uma recta com vários quilómetros, detém um radar de velocidade e semáforos.

103. A mãe comprou um arnês que permite que o menor vá agarrado àquela.

104. A AA circula na estrada nacional ...09 com o BB de «scooter» eléctrica, com o BB atrás, usando um capacete de bicicleta.

105. A AA foi alertada, por diversas vezes, pelas Técnicas gestoras do processo, para deixar de circular na estrada nacional com o BB nesse veículo eléctrico, nas condições descritas, atento o perigo de tal conduta e o trânsito e movimento que se faz sentir nessa estrada nacional.

106. O que a AA desvalorizou, sorrindo, inclusive quando abordada sobre esta situação, e referindo “ele já está habituado”.

107. A progenitora comprou por iniciativa própria uns óculos de sol ao menino, porque ele lhe pedia os seus.

108. No decurso da alteração da medida, após o regresso ao meio natural de vida, com supervisão da bisavó materna da criança, as Técnicas gestoras do processo efectuaram várias visitas, até à data da informação do SATT de 23/9/2024, com carácter semanal ao agregado familiar, composto pelos três elementos, BB, Mãe e Bisavó II.

109. Em praticamente todas as visitas, constataram que a casa se mantém suja, desarrumada e pouco cuidada, com o mesmo saco de lixo, colocado na parte de trás do quarto onde AA e BB dormem, comportando inclusive fraldas sujas do BB, de uma semana para a outra.

110. O que se verificou mesmo depois de as Técnicas do SATT terem alertado a AA para a importância em arrumar e higienizar o espaço habitacional.

111.  AA e a sua avó, II referem que não varrem a casa todos os dias,

112. dizendo a avó II que a neta AA ou está a dormir ou na cama ao telemóvel.

113. A medicação de AA encontra-se habitualmente colocada em cima de uma mala de roupa, de fácil acesso para o BB.

114. Depois de ter sido chamada à atenção pelas Técnicas gestoras para acautelar esta questão, AA relativiza-a, mantém-se despreocupada, deixando as lamelas de comprimidos no mesmo sítio, afirmando que a criança não mexe.

115. No geral, a casa evidencia extrema falta de limpeza e de higiene.

116. No espaço exterior envolvente da casa, caracterizado pela família como terraço/quintal, existem dois poços de água, em que um deles dista a cerca de 8 metros da entrada da habitação, com um muro de altura de cerca de 0,80 centímetros, e com cerca de 4 metros de diâmetro, contendo lodo e outro é do vizinho.

117. Quando alertada para a situação, AA, tende igualmente a desconsiderar, referindo “ah, ele não tem o hábito de vir ao poço”, dizendo ainda que que fica muito caro tapar o poço e que a sua avó não queria gastar dinheiro.       

118. A AA recebe €316,33 de RSI, €509,67 de complemento, €72 de abono do BB e cerca de €380 do curso de jardinagem, num total de €1.278 por mês.

119. A família tem ainda cães presos num canil no exterior da habitação, sendo que dois deles são de raça e outros dois soltos, com falta de higiene, que entram dentro do espaço habitacional.

120. Aquando das visitas domiciliárias realizadas pelas Exmas. Técnicas gestoras, nunca antes das 11h, a AA e a sua avó II não ouvem bater ao portão, tendo que ser feita chamada telefónica para as avisar da presença das Técnicas, demorando a AA sempre cerca de 10 minutos a abrir a porta.       

121. Altura em que as Técnicas gestoras percebem, ao entrar em casa, que a AA ainda estava deitada, andando o BB à sua vontade e sem supervisão em casa, dado que a bisavó anda no quintal.

122. Habitualmente o WC está sujo, com bacias de roupa para lavar ou para estender.

123. A mesa da entrada comporta 3 toalhas sujas e sobrepostas, amarrotadas com objectos, nomeadamente garrafões com água ou vazios, fruta, loiça suja, migalhas, entre outros objectos (brinquedos).

124. Com excepção da última visita, a bisavó do BB, II, nunca permitiu que as Técnicas do SATT vissem o seu quarto, dizendo sempre que precisa de ser arrumado e limpo.

125. Nessas visitas, a AA chegou a mostrar o frigorífico praticamente sem comida, leite ou iogurtes.

126. Sendo que ultimamente já dispõe de carne ou peixe, iogurtes, leite e também tinha no armário bolachas e cereais.  

127. Tendo sido visto, no frigorífico, um tacho com sobras de comidas sem estar devidamente acondicionado.
128. A mãe dá ao filho a comida de que ele gosta, fast food, «douradinhos», batatas fritas, arroz, que o menor não se interessa pelo peixe e, de fruta, só gosta de banana.

129. Desde que integrou a família, com a alteração da medida de promoção e protecção, o BB regrediu, passando a usar fralda durante a noite, dada a dificuldade referida pela mãe em acordar, pelo menos duas vezes, para o conduzir ao WC.

130. A AA só quer estar na cama ao telemóvel, deixando o filho à vontade pela casa, sendo a criança que vai buscar a caixa dos cereais de manhã, para tomar o pequeno-almoço, sem leite.

131. O BB não obedece à sua bisavó II, tendo ocorrido um episódio em que a AA saiu para ir às compras e o bisneto gritou toda a tarde chamando pela mãe, tendo a bisavó que telefonar à neta para rapidamente regressar a casa, não o podendo aturar.

132. Quando a bisavó II tenta impor regras e limites ao bisneto, este por vezes, bate-lhe.

133. Quando tenta colocá-lo de castigo, a AA desautoriza-a; por exemplo, a mãe devolve ao filho os brinquedos que a bisavó lhe retira como castigo.

134. A AA pretende ir viver com o seu actual namorado, NN, de 39 anos.

135. Foi fiadora deste no contrato de arrendamento e empresta-lhe dinheiro, de que este a reembolsa quando recebe o salário.

136. Vai para casa dele, levando o BB consigo.

137. Relaciona-se intimamente com o namorado, com a porta do quarto trancada, enquanto o filho dorme a sesta noutro quarto, sem supervisão da bisavó paterna.

138. O NN cumprimenta o menino com um beijo na boca, à semelhança do que faz a AA.

139. O pai do BB, apesar de não estar autorizada a sua entrada no domicílio da D.ª II e de os convívios com o filho deverem ocorrer em local público, entrou em casa onde estes residem, evidenciando consumo de bebidas alcoólicas, com um discurso ameaçador e verbalizando impropérios à frente da criança, não tendo ninguém da família, inclusive AA, capacidade de o “calar” e de proteger o BB.

140. Em uma das visitas domiciliárias, o BB andava atrás do pai, pedindo-lhe colo e este, cansado de o ouvir, pegou nele e colocou-o em cima da mesa, dizendo “what a fuck”.

141. Há conflitos entre a AA e a sua avó, dizendo esta que não põe em causa que a neta goste do filho, mas que a AA “não tem mão nele” e que o “rapaz” não obedece a ninguém.

142. Pese embora a intervenção que tem vindo a ser realizada nos autos e das várias medidas aplicadas, não se identificam mudanças nos comportamentos dos pais, nem potencial para que tal ocorra.

143. Na visita domiciliária realizada a 10/10/2024, sem aviso prévio, a casa estava ainda mais suja.

144. Com duas a três toalhas em cima da mesa, muito sujas, garrafões de água e de bebida em cima da mesa e uma caixa de plástico muito suja, que parecia ser para colocar pão.

145. O chão não se encontrava varrido, nem limpo, tendo a AA questionado as Técnicas se queriam que o varresse naquele momento.

146. A casa-de-banho não se encontrava limpa.

147. A cozinha estava muito suja, com alguma loiça para lavar, com um grelhador sujo na banca e ao serem questionadas pelas Técnicas do SATT da razão de não se encontrar de molho para ser lavado, a AA e avó desta responderam que o mesmo não é lavado porque é para ser utilizado no outro dia.

148. Existiam bacias de roupa espalhadas.

149. Bem como, medicamentos acessíveis ao BB, pese embora todos os alertas das Exmas. Técnicas à mãe e à bisavó da criança para que assim não procedessem para salvaguarda do menino.

150. Aquando da visita, a AA estava a tirar os lençóis da cama, por o BB ter urinado durante a noite.

151. No terraço/quintal que dá acesso à cozinha e ao quarto da avó da AA, andam os animais,

152. o qual estava muito sujo, tendo a Técnica gestora questionado a bisavó da criança se não tinha uma mangueira para a AA lavar o terraço, tendo aquela respondido que a AA chega ao fim do dia cansada e ao fim-de-semana a AA tem de descansar e vai passear com o namorado NN.

153. Ao ser advertida pelas Técnicas gestoras para ter cuidado com os comportamentos que mantinha com o namorado NN à frente do BB, AA retorquiu dizendo que o menino só os vê a dar beijinhos na boca e que o NN, por vezes, também dá beijos na boca à criança.

154. No decurso do prazo para alegar com vista a debate, a bisavó materna da criança colocou uma cerca de rede metálica, com cerca de 1,70 m de altura, em volta do poço existente aproximadamente a 8 metros da entrada da habitação, no que despendeu €112.

155. A bisavó materna, segundo o parecer das Técnicas do SATT, está muito desgastada com toda a situação e dá sinais de exaustão e saturação para com as responsabilidades assumidas e vivência existente.

156. Disse à AA que se esta for viver com o namorado, a bisavó não poderá servir como resposta para o BB, sozinha, porque não tem saúde para tal.

157. O pai do BB não tem efectuado o pagamento da prestação de alimentos a que estava obrigado pelo dito acórdão, tendo a mãe da criança instaurado, contra o pai, o incidente de incumprimento que corre termos sob o apenso A.
158. Por despacho de 21/10/2024, confirmado em recurso pelo Tribunal da Relação de Coimbra, foi determinado que “(…) a criança fique provisoriamente sujeita, pelo prazo de seis meses, à medida de acolhimento residencial no CAT da APPACDM da ..., ..., designado pelo SATT, onde já esteve acolhido antes (…)”.

159. Local onde o BB deu entrada pelas 13h do dia 22/10/2024.

160. A mãe e a bisavó materna do BB não têm capacidade de insight, nem potencial de mudança, não obstante todo o apoio técnico e acompanhamento que lhes tem sido prestado.

161. O pai do BB, ao longo do acompanhamento protectivo do seu filho, como descrito, não revela capacidade parental para se constituir como cuidador da criança, evidenciando com a sua conduta que nem dele próprio consegue cuidar, tendo ficado doente,

162. encontrando-se desempregado,

163. vivendo a expensas de sua mãe.
164. Só recentemente iniciou o tratamento de desintoxicação dos consumos de bebidas alcoólicos relatados ao longo dos autos, estando magro, pálido, com aspecto abatido.

165. A avó paterna do BB, KK, mostrou notória dificuldade de locomoção, no dia 16/10/2024, data de realização da aludida conferência, face aos problemas respiratórios de que padece e ao aparelho de suporte de oxigénio que transporta para esse efeito.

166. As suas dificuldades respiratórias persistem, tendo-se apresentado no segundo debate com o aparelho de suporte de oxigénio.

167. Necessitando a avó paterna do BB de quem a auxilie no dia-a-dia.
168. As irmãs consanguíneas do BB, OO, enfermeira no .... e Mafalda, estudante em ..., não têm convivido com o menino, ocupadas nas suas actividades e com os seus namorados.   

169. Ao voltar à APPACDM o menino mostrou alegria, correndo logo para os braços do Director Técnico, sorrindo.

170. Disse de imediato ao Director Técnico da CAR: «gosto muito mais de ti que da minha mãe».

171. O vínculo afectivo com a mãe é residual: reintegrado na CAR, não falou da mãe, não falou do pai, nem de ninguém.

172. Outros menores, ao chegar à instituição, estão 15 dias a chorar.

173. Tem uma alegria contagiante, não sentiu tristeza por sair de casa.

174. Não usava fralda para dormir quando esteve antes na CAR; agora sim, não durante o dia, em que se controla e pede para ir ao WC.

175. Mais desorganizado, o menino pôs os outros a dizer asneiras.

176. Chamou nomes, mostrando-se altamente confuso, baralhado, sem saber o lugar dele.

177. Melhorou o comportamento, mas depois agrediu uma funcionária na escola em 2025.

178. Os contactos telefónicos da mãe foram com regras estabelecidas, que cumpriu; o menor começava e acabava bem os telefonemas, sem reacção.

179. Não está ansioso por falar com a mãe e a bisavó.

180. Nunca mostrou vontade de sair e regressar a casa da mãe.

181. Quando o Director lhe perguntou se queria ir para casa da mãe, disse: «quero cá ficar».

182. Desvinculado emocionalmente, fica feliz em casa de qualquer pessoa

183. Menino muito carente, gosta de abraços, beijos, procura o colo do adulto.

Factos julgados não provados no acórdão recorrido:

a) A progenitora habita em área mais degradada e com sinais de falta de salubridade e organização nas traseiras da habitação da avó materna.

b) A AA tem 65% de incapacidade atribuída por défice cognitivo.

c) Os pais não tinham por hábito perguntar questões relativas ao desenvolvimento da criança, apresentando ainda deficits ao nível da estimulação desta, bem como fraco discurso ao nível das verbalizações dirigidas a esta.

d) Nenhum revelava uma postura participativa e de desenvolvimento nas questões relacionadas com as rotinas e necessidades da criança, (nomeadamente, escola, saúde, desenvolvimento, alimentação, comportamento, etc.).    

e) A AA é capaz de gerir adequadamente as suas finanças pessoais.

f) O poço situado a cerca de 8 metros da entrada da habitação esteja agora totalmente aberto.

g) O menor não tinha as vacinas em dia.

h) No dia 17/10/2024 a Progenitora foi com o filho ao médico de família uma vez que este se encontrava com tosse.

i) Na referida consulta, a progenitora teve conhecimento que o menor terá de ser operado às adenóides.

j) O menor nunca andou a brincar, quer no jardim, quer no quintal, desacompanhado.

k) O veículo de duas rodas da AA é uma bicicleta eléctrica.

l) A mãe vai diariamente a casa do namorado.

m) O NN é seu companheiro.

n) A situação dos beijos na boca da criança deixou de acontecer.

o) No percurso feito por mãe e filho até à escola há vários radares.

p) A criança foi sempre assídua e pontual no jardim-de-infância, quando conduzida pela mãe.

q) Ao longo dos meses em que o menor esteve com a sua Mãe e a sua Bisavó os laços familiares intensificaram-se fortemente.

r) O menor desenvolveu laços de amizade com as vizinhas e pessoas de família.

s) O pai, possivelmente, com o apoio da mãe, a avó materna, poderá exercer a parentalidade.

Da alteração da decisão relativa à matéria de facto

(…).

Matéria de facto consolidada

            A suprarreferida, que não carece de ser novamente transcrita aqui, expurgada dos pontos 142 e 160 e alterada nos pontos 128, 134, 138 e 171, que passam a ter a seguinte redação:

         128. O BB gosta de fast food, «douradinhos», batatas fritas, arroz, não se interessa muito pelo peixe e, de fruta, do que gosta mais é de banana.

         134. A AA equaciona a possibilidade de um dia viver com o seu actual namorado, NN, de 39 anos, mas não para já.

         138. O NN já cumprimentou o menino com um beijo na boca, à semelhança do que faz a AA.

         171. Reintegrado na CAR, não falou da mãe, não falou do pai, nem de ninguém.

B) De Direito

Da aplicação da medida de confiança com vista a futura adoção

Prevê o artº 3º, da Lei de Promoção e Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, as situações em que, de forma exemplificativa, se deve considerar que um menor está em perigo, estando assim legitimada a intervenção, no sentido da promoção dos seus direitos.

Atenta a matéria provada supra descrita, verificamos que o BB se encontra numa situação de perigo que legitima a intervenção pública, na medida em que, nos termos do nº 2, al. f), do citado preceito, Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional, comportamentos estes adotados pelos progenitores que motivaram, desde o seu nascimento, a intervenção da CPCJ e posteriormente, do Tribunal.

Esta criança, hoje com seis anos de idade, encontra-se desde sempre sujeita a medidas de proteção, incluindo medidas fora do meio natural de vida, nomeadamente acolhimento em casa abrigo e, posteriormente, em casa de acolhimento, tudo nos termos supra descritos na factualidade julgada provada, supratranscrita.

Em Junho de 2024, foi tentada novamente a reintegração no meio natural de vida junto da sua família biológica mas, decorridos apenas quatro meses, foi novamente retirada do meio natural, tendo-lhe sido aplicada da medida provisória de acolhimento residencial.

Como se diz na decisão singular proferida neste Tribunal da Relação de Coimbra, que manteve esta medida cautelar, e que subscrevemos integralmente:

1. - Da violação do princípio da atualidade

Invoca a Apelante que:

«O Tribunal decidiu aplicar a medida de que ora se recorre, baseado, especialmente, no dia 10.10.2024.

Ou seja, antes da aplicação desta medida, as Senhoras Técnicas, sabendo não ser normal a casa estar como no dia 10.10.2024, não voltaram a visitar a casa para ver como esta estava limpa e arrumada.

Pelo que a medida tomada foi feita em violação do princípio da actualidade.».

Que dizer?

De harmonia com o disposto no art.º 4.º da LPCJP (11), a intervenção externa deve ser orientada por diversos princípios, de que se salientam os seguintes:

«a) Interesse superior da criança e do jovem – a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;

(…)

c) Intervenção precoce – a intervenção deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida;

d) Intervenção mínima – a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do jovem em perigo;

e) Proporcionalidade e atualidade – a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade;

f) Responsabilidade parental – a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem;

(…)

h) Prevalência da família – na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável;

(…)

k) Subsidiariedade – a intervenção deve ser efetuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria da infância e juventude, pelas comissões de proteção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais»

São permitidas as seguintes medidas de proteção, referidas no art.º 35.º:

«a) Apoio junto dos pais;

b) Apoio junto de outro familiar;

c) Confiança a pessoa idónea;

d) Apoio para a autonomia de vida;

e) Acolhimento familiar;

f) Acolhimento residencial;

g) Confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção.»

Dir-se-á, então, que a decisão aqui recorrida (a de aplicação da medida) é datada de 21/10/2024, reportando-se a Recorrente a algo que ocorreu “no dia 10.10.2024”, ou seja onze dias antes da decisão.

Por isso, a decisão reveste-se, logicamente, de atualidade, ao contrário d invocado pela Apelante, até em relação a tal data de “10.10.2024”.

Nem pode acompanhar-se, mais uma vez, a (eventual) insinuação de parcialidade ou má vontade das técnicas, profissionais em exercício de funções, e relação às quais as provas dos autos em nada desabonam (apenas a alegação da Recorrente, mas essa não faz prova).

Donde, pois, a improcedência da argumentação em contrário da parte impugnante.

2. - Da violação dos princípios da proporcionalidade e da prevalência do superior interesse do menor

Refere a Recorrente que:

- «Ao longo dos meses em que o menor esteve com a sua Mãe e a sua Bisavó os laços familiares intensificaram-se fortemente, como assim era desejável, assim como desenvolveu amizade com familiares e vizinhos»;

- «Revertendo a decisão que ia permitindo desenvolver os laços familiares o Tribunal decretou ainda que “as visitas dos progenitores e de outros familiares da criança não são por enquanto autorizadas, tendo de se aclimatar novamente a criança ao ambiente”;

- importando, ao invés, salvaguardar «o verdadeiro interesse do menor, que é o crescimento do mesmo no seio da sua família».

Ora, dos factos provados resulta que ocorreu regressão significativa do menor desde que passou a residir de novo com a mãe (em casa da bisavó materna) [facto 3].

A criança mostra-se irrequieta em casa, não acatando imposições e limites [facto 4].

A casa onde residia com a mãe, em 10/10/2024, apresentava-se pelo modo descrito nos factos 6 e 7, em ambiente de marcado deficit de limpeza e higiene.

Nem a mãe, nem o pai, nem a bisavó materna mostram condições – económicas, psicológicas e de saúde/vitalidade – para cumprirem adequadamente as obrigações os cuidados de que carece um menor daquela idade [factos 10 a 13].

Compreende-se, assim, atenta até a idade do menor e as vicissitudes da sua envolvente familiar e habitacional, a conclusão cautelar constante da fundamentação jurídica da sentença de aplicação/alteração de medida provisória/temporária:

«Nenhum destes familiares cumpriu integralmente as obrigações e deveres consignados no dito acórdão para que pudesse ter êxito a medida de apoio junto dos pais, concretamente junto da mãe, com supervisão da avó materna desta, continuando a AA a fazer o que lhe apraz, o pai a embriagar-se e a causar mau ambiente quando junto da criança e a bisavó da criança a mostrar não ter capacidade para ser figura de retaguarda da mãe, não conseguindo controlar os impulsos desta, nem do neto, nem manter ordem e higiene na casa.».

Daí o entendimento no sentido de que «(…) o menor em causa, BB, nascido em ../../2019, se encontra em situação de perigo actual para a sua educação, higiene e segurança, se continuar a residir com a mãe, que não revela adequadas capacidades parentais, em casa da bisavó do menor, que não consegue manter a família e a casa em ordem, sem qualquer ajuda económica do pai, que também não revela adequadas capacidades parentais (…)».

Num tal contexto – que também perspetivamos –, não se vê, com todo o respeito devido, que outra medida cautelar/provisória menos gravosa pudesse aplicar-se, antes importando que o menor fosse temporariamente confiado a quem pudesse cuidar/tratar dele adequadamente, afastando a aludida “situação de perigo atual” em que se encontrava, como qualquer criança merece que lhe aconteça, de molde a poder beneficiar de uma esfera segura, que lhe permita desenvolver as suas potencialidades e, desde logo, não estar sujeito aos perigos aludidos, que se poderiam transformar em danos.

Ora, são esses danos que o superior interesse da criança impõe que, preventivamente, se evitem, no caso através de medidas provisórias adequadas, se necessário através do afastamento temporário da família, a qual, lamentavelmente, não mostra condição, por agora, para cumprir adequadamente os seus deveres para com o menor.

E é essa promoção – pelo lado positivo – de condições para um adequado desenvolvimento integral que ao Estado cumpre garantir, no seio da família, se possível, ou em esfera alternativa temporária segura, se necessário.

Essa necessidade mostra-se presente in casu e a medida adotada comporta adequação perante os contornos da situação e as necessidades do menor.

Por isso, foram observados os ditos princípios essenciais da proporcionalidade e da prevalência do superior interesse do menor.

Assim, nada há a censurar à decisão em crise, a dever ser mantida.

Posto isto, importa equacionar se o superior interesse da criança impõe que, desta vez, como decidido, a criança seja confiada a instituição com vista à adoção, ou se, pelo contrário, se deve tentar novamente a sua integração no meio familiar.

Desde já adiantamos que não podemos deixar de concordar com a decisão recorrida.

Não se pondo sequer a hipótese de recurso ao apadrinhamento civil, por não estarem reunidos os respetivos pressupostos, nomeadamente por falta de consentimento ou de possibilidade de dispensar o consentimento, tudo nos termos do artº 14º, da Lei nº 103/2009, de 11 de Setembro.

O tempo da criança passa depressa e o tempo desta criança – já com seis anos de idade – tem sido passado em vivências intermitentes entre o meio natural e a institucionalização.

Enquanto o tempo passa, a família biológica, apesar das oportunidades que lhe foram dadas ao abrigo do princípio da intervenção mínima, não se conseguiu organizar no sentido de proporcionar ao menor um ambiente seguro e estável: a progenitora, manifestamente, desde sempre, não tem capacidade para cuidar do menor sozinha; a avó paterna não tem saúde para a apoiar; a avó materna apresenta as suas próprias fragilidades, tendo uma filha institucionalizada, e tem uma relação conflituosa com a filha; mesmo com o auxílio da avó materna, a casa continua sem condições de higiene e de organização; o progenitor mantêm-se frequentemente afastado da criança, tendo miúde comportamentos incorretos quando a sua presença, e não contribuiu sequer para o seu sustento; não existem outros familiares que possam cuidar do menor ou auxiliar a progenitora nesta tarefa.

O tempo do menor está a esgotar-se, sendo certamente tempo de lhe proporcionar um adequado projeto de vida, conduzindo-o para a adoção, para que possa encontrar uma família que lhe possa proporcionar a estabilidade e a segurança que nunca teve.

Concordamos com a Recorrente quando diz que a vida afetiva da progenitora e a estrutura familiar da avó materna não importam para a decisão em apreço, uma vez que há que respeitar a privacidade e a vida sentimental de cada uma, desde logo porque não se provou que as suas opções de vida afetem o menor.

Concordamos igualmente com a irrelevância da compra dos óculos de sol, atitude comum em muitos pais.

Igualmente concordamos que o comportamento incorreto do progenitor não pode ser imputado à mãe, mas vemos nele relevância, enquanto indicador da inexistência de apoio familiar.

Bate-se igualmente a recorrente pela classificação do veículo que utiliza como bicicleta, o que já foi supra indeferido. Contudo, seja como for, sempre estaria violado o disposto no artº 91º, do Código da Estrada, no que diz concerne aos requisitos para o transporte de menores de sete anos de idade, seja em motociclos, seja em velocípedes.

Igualmente se discorda com a Recorrente quando diz que a desorganização familiar não é um fator de perigo, sendo por demais evidente que uma criança não pode crescer com saúde física e mental equilibradas, num ambiente insalubre.

Também se discorda da consideração de que o défice cognitivo da mãe tenha sido objeto de censura. Não lhe sendo obviamente censurável tal défice, o que não se pode fazer é deixar a criança desprotegida perante as consequências resultantes da incapacidade da mãe e a inexistência de outro apoio que as consiga ultrapassar.

A propósito da saúde mental dos progenitores, diz-nos Paulo Guerra, “Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada”, Almedina, 6ª edição, pág. 143:

A novidade desta alínea[1], na reforma de 2003, reside na circunstância de se colocar, ao lado das situações de dolo ou negligência, aquelas que resultam de verdadeira incapacidade devida a razões de saúde mental (o que também é indiciado pelo adjectivo «objectiva» no corpo do nº 1 do artigo em causa) - desta forma, tentou-se ultrapassar as divergências que giravam em torno deste fundamento, em caso de anomalia ou enfermidade psíquica dos pais.

De facto, não é a saúde mental dos pais que termina por si só com a relação com os filhos - é, antes, um problema de saúde mental que provoca real perigo para os filhos e que, além disso, compromete seriamente os vínculos próprios da filiação.

É neste contexto que o uso de fraldas decorrente da incapacidade da mãe de auxiliar a criança não pode ser vista como uma censura à necessidade de a progenitora fazer medicação, mas como uma constatação de que a incapacidade da mãe coloca em perigo o adequado desenvolvimento do menor, não existindo ninguém que a auxilie, por forma a evitar tal retrocesso.

No que toca à alimentação, se bem que se alteraram parte dos factos que haviam sido dados como provados, cumpre relembrar que permanece o facto de a avó sentir necessidade de repreender a progenitora pelos alimentos que adquire.

Também não existe qualquer indício, como parece querer defender a recorrente nas suas alegações, de que tenha sido a forma como o menor foi institucionalizado que lhe provocou os comportamentos desajustados que manifestou depois da mesma.

Igualmente se pode conceber que os mesmos decorram da instabilidade a que esta criança tem estado sujeita ao longo da vida, por integrar uma família que não a soube proteger.

Por tudo isto, é tempo de dar a esta criança a oportunidade de ter uma vida estável e saudável, aos níveis físico e psicológico, tendo sido respeitados todos os princípios orientadores da intervenção do Estado na família.

Como se diz no recente acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra de 24 de Junho de 2025, proferido no processo nº 2935/23.3T8LRA.C1[2], disponível em www.dgsi.pt:

         I- As medidas de promoção dos direitos e de protecção das crianças e dos jovens em perigo, previstas na Lei 147/99 de 1 Setembro, visam essencialmente, afastar o perigo actual ou iminente em que estes se encontram e proporcionar as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral (cfr. art. 34.° da Lei n.° 147/99).

         II-Embora o nosso sistema de protecção dos menores, privilegie medidas de recuperação da família biológica, este princípio da prevalência da família deve ser entendido, não no sentido de que a família biológica tem direito absoluto sobre o menor, mas antes que o menor tem o direito a desenvolver-se no seio duma família; não deve ser separado da sua família biológica caso esta tenha possibilidades de assumir as funções parentais; não o sendo, deve ser encontrada família alternativa de acordo com os superiores interesses do menor.

         III- Justifica-se a confiança da menor a instituição para futura adopção, quando, encontrando-se o menor em situação de perigo para a sua segurança, saúde, formação moral, educação e desenvolvimento, não for possível encontrar na família biológica, ainda que alargada, alternativa adequada às suas necessidades e aos cuidados que lhe terão de ser prestados (artº 1º, 2º, 3º, nºs 1, a) e c), 4º, 35º, al. g), 38º-A e 62-A do LPCJ e 1978 nº1 do C.C.).

É exatamente o que se passa também no caso em apreço.

Assim, cumpre julgar improcedente o presente recurso.

IV - Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Secção deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.

Custas pela Apelante – artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, todos do Código de Processo Civil.

         Coimbra, 16 de Setembro de 2025

         Com assinatura digital:

         Anabela Marques Ferreira

         Chandra Gracias

         Maria Catarina Gonçalves


[1] Al. d), do nº 1, do artº 1978º, do Código Civil.
[2] Relatado por Cristina Neves, em que a aqui relatora foi 1ª adjunta.