Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | MARIA JOÃO AREIAS | ||
| Descritores: | SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS PRINCÍPIO DA LIVRE DESTITUIÇÃO DE GERENTES ABUSO DO DIREITO DESTITUIÇÃO SEM JUSTA CAUSA ILICITUDE | ||
| Data do Acordão: | 11/11/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | JUÍZO DE COMÉRCIO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA | ||
| Texto Integral: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 58.º, N.º 1, AL.ª B), 257.º, N.ºS 1, 4 E 7, DO CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS E 334.º DO CÓDIGO CIVIL | ||
| Sumário: | I – O princípio da livre destituição de gerentes não é sinónimo de discricionariedade ou de arbitrariedade da maioria, não podendo ser transformado num instrumento de retaliação e de apropriação do poder de gestão da sociedade e, não tão poucas vezes quanto isso, para fins inconfessáveis, pelo que, nas sociedades por quotas a possibilidade da existência de abuso de direito não pode deixar de ser admitida.
II – Para que a deliberação de destituição de gerente sem justa causa possa ser considerada ilícita terá de corresponder a um exercício de tal direito de modo que exceda manifestamente os limites da boa-fé ou do fim social e económico em que assenta a permissão juridicamente tutelada. III – O facto de a destituição prejudicar o requerente, pela perda de vencimentos que vai deixar de auferir, não assume qualquer relevância para o preenchimento da causa de anulabilidade da al. b), do nº 1 do artigo 58º, uma vez que tal prejuízo sempre seria compensado pela via da indemnização. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
| Decisão Texto Integral: | Relator: Maria João Areias 1º Adjunto: Chandra Gracias 2º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO AA, na qualidade de sócio, intenta o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais contra A..., Lda., pedindo a suspensão da deliberação social que destituiu o Requerente da gerência, tomada na assembleia geral de sócios a que se reporta a Ata n.º ...5, datada de 09.12.2024. Alegou para tal e em síntese: a deliberação é anulável por visar satisfazer o propósito dos sócios BB e CC, de conseguirem, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, atento que o sócio BB é o sócio-gerente da sociedade B... – Unipessoal, Lda., e de C..., Lda., que exercem atividade semelhante à realizada sociedade requerida, sendo que o capital social da C... é integralmente detido pelos sócios CC e DD, ambos filhos de BB; BB, enquanto sócio-gerente da Requerida, responsável pelo departamento Operacional, Pré-Venda e Pós-venda, comunicou ao Requerente, no final de 2023, com o propósito de conseguir a migração dos clientes avençados da A... Lda., para sua empresa B... Unip. Lda (D...), a intenção de suspender a atividade da sociedade, argumentando falta de tempo para acompanhamento aos clientes recorrentes e implementação de soluções, recusando a proposta do Requerente na contratação de um técnico por parte da requerida. para dar suporte aos clientes desta; BB tem praticado diversos atos que inviabilizam o regular funcionamento da sociedade, o que tem levado à perda de clientes e de possíveis futuros negócios, com o objetivo de manter estagnada a atividade da sociedade e baixar o seu real valor por forma a obter benefícios patrimoniais próprios e/ou para a sua empresa B... e/ou para a C..., Lda., sendo que a sociedade registou no primeiro semestre de 2024 uma quebra de rendimentos de 55%, comparativamente ao ano de 2023. o plano de BB visa também reduzir o Requerente a mero figurante na sociedade e que com a decisão de destituição de gerência causou um dano ao Requerente, por deixar de receber o valor de 851.43€ referente ao seu ordenado, o que importa uma diminuição acentuada ao nível da sua vida económica, bem como do seu agregado familiar. A sociedade Requerida, devidamente citada, não apresentou oposição, pelo que foram declarados confessados os factos vertidos no requerimento inicial, em conformidade com o disposto nos artigos 566.º e 567.º, n.º 1, do CPC, e ordenado o subsequente cumprimento do artigo 567.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi do artigo 360.º, n.º 3, do mesmo Código. Após apresentação de alegações por parte do Requerente, foi proferido Saneador/Sentença, que culmina com a seguinte: 3. DECISÃO Pelo exposto, julgo improcedente o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, requerido por EE contra A..., LDA. * O Requerente interpôs recurso de Apelação, sintetizando as suas alegações, nas seguintes conclusões:(…). * Não foram apresentadas contra-alegações, sendo que a Requerida veio invocar a nulidade da sua citação, o que foi inferido.* Cumpridos os vistos legais, há que decidir.* II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSOTendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, as questões colocadas pelo Apelante, nesta sede, são as seguintes: 1. Se a deliberação de destituição do requerente do cargo de gerente é abusiva por se integrar num plano que visa paralisar e decapitar a sociedade A... Lda. e a apropriação dos clientes desta, em benefício direto e indireto de outras sociedades do sócio BB e do seu agregado familiar, e reduzir o papel do ora recorrente a mero figurante na sociedade * III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
A decisão recorrida, devidamente fundamentada na doutrina e jurisprudência atuais, veio a julgar improcedente o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais com fundamento, desde logo, na ausência do requisito do fumus boni iuris, posição que aqui se deixa sinteticamente resumida: - sendo a destituição do gerente sem justa causa uma prerrogativa da sociedade, que não exige qualquer fundamentação, a destituição não pode ser impugnada com o fundamento previsto no art.º 58.º. n.º 1, al. b), do Código das Sociedades Comerciais (deliberação abusiva); de qualquer modo, os factos praticados pelo sócio-gerente BB, eventualmente lesivos para a requerida, não carecem da decisão de destituição de gerente do requerente; por outro lado, a deliberação de destituição de gerente não coloca a requerida inoperável ou em inação, visto que a sociedade se vincula com a assinatura conjunta de dois gerentes e a gerência continua a ser composta por dois gerentes; por fim, a deliberação de destituição de gerente não afeta o Requerente do direito, enquanto sócio, de fiscalizar a atividade da Requerida, mediante a participação nas assembleias gerais ou a pedir, sem prejuízo das restrições previstas na lei, informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato (art. 21º, nº1, als. b), e c), do CSC). Insurge-se o Apelante contra a decisão recorrida, alegando, em síntese: o artigo 58º, nº1, al. b) do CSC, ao sancionar com a anulabilidade as deliberações tomadas com o objetivo de um dos sócios conseguir, com o seu direito de voto, vantagens especiais para sai ou para terceiros, à revelia do interesse social ou contra este, traduz uma modalidade de abuso de direito, subsumível aos princípios do artigo 334º do CC; da matéria de facto provada é patentemente notório que a deliberação em causa se insere num plano que visa paralisar e decapitar a sociedade A..., Lda., apropriação dos clientes desta, em benefício direto e indireto de outras sociedades do sócio BB e do seu agregado familiar, e reduzir o papel do ora recorrente a mero figurante na sociedade, sendo que “em regra, uma deliberação social é abusiva quando, sem violar específicas disposições da lei ou dos estatutos da sociedade, é suscetível de causar aos sócios minoritários um dano, assim se contrariando o interesse social”. Desde já, se adianta não ser de dar razão ao Apelante, uma vez que, ainda que se admita a possibilidade de anulabilidade de uma deliberação de destituição sem invocação de justa causa com fundamento na ocorrência de abuso de direito, nomeadamente, na modalidade prevista no artigo 58º, nº1, al. b), do Código das Sociedades Comerciais (CSC), não se verificariam, no caso em apreço, os respetivos requisitos. Se não vejamos. Sendo a regra a da livre destituição, a todo o tempo e com ou sem justa causa (artigo 257º, ns. 1, 4 e 7, do Código das Sociedades Comerciais, debate-se nos autos a questão de saber se, constituindo a destituição sem justa causa um direito potestativo da sociedade, que tem como contrapartida o direito à atribuição de uma indemnização ao gerente, pelas perdas decorrentes de tal destituição antes do prazo do mandato, o exercício de tal direito pode ser sindicável, em situações de abuso de direito, nomeadamente nas situações do artigo 58º, nº1, al. b), do CSC. Correspondendo a destituição a uma prorrogativa dos acionistas ou dos membros do conselho geral, trata-se de um direito a exercer ad nutum, isto é, sem que tenha de ser invocado um motivo (uma causa) para o efeito. Dentro desse espírito há quem sustente[1] que, considerando a desnecessidade de invocação de fundamento, a destituição não é impugnável. O que sucede é que, não se baseando em justa causa, a destituição faz incorrer a sociedade em responsabilidade, dando lugar à atribuição de uma indemnização ao destituído pelos prejuízos sofridos. A sentença recorrida, citando Raul Ventura, “que admitia a possibilidade de impugnar a deliberação por abuso de direito, quando esta se mostrasse adequada a prejudicar a sociedade ou o sócio gerente destituído ponderou a hipótese de recurso à figura do abuso do direito”, vem a recusar tal possibilidade com base no: “entendimento, defendido pela mais moderna doutrina, que sustenta que, sendo a destituição do gerente sem justa causa uma prerrogativa da sociedade, que não exige qualquer fundamentação, a destituição não pode ser impugnada com o fundamento previsto no art.º 58.º. n.º 1, al. b), do Código das Sociedades Comerciais. É que as possíveis hipóteses de deliberações abusivas cairiam no âmbito das deliberações emulativas, ou seja, nas deliberações destinadas a prejudicar a sociedade e/ou o gerente destituído. Neste último caso, a admitir-se a anulação com o referido fundamento, a deliberação poderia apenas ser invalidada caso o gerente destituído fosse simultaneamente sócio, e já não se o não fosse, assim permitindo soluções distintas para situações materialmente iguais. Por outro, caso o propósito fosse prejudicar a sociedade, estar-se-ia, ao fim e ao cabo, a impor à sociedade o ónus de justificar a destituição (abusiva), assim se pondo em causa o princípio da livre destituibilidade, e a permissão legal específica de destituição sem justa causa consagrado no art.º 257.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais.” A partir daí, o tribunal a quo, citando Jorge M. Coutinho de Abreu, conclui que “as deliberações de destituição de administradores caracterizadas pelas notas caracterizadoras da hipótese prevista na al. b) do n.º 1 do art. 58.º não são anuláveis (chama-se-lhes ou não deliberações abusivas) – a regra da destituição livre não é excecionada nesses casos. Porque há então destituição sem justa causa, o destituído terá direito a ser indemnizado. Se for indemnizado à custa da sociedade, esta tem direito a ser ressarcida à custa dos sócios que votaram abusivamente a destituição”. Reconhecemos que alguma doutrina e jurisprudência vão no sentido da não aplicabilidade da causa de anulabilidade prevista no nº1, al. b) do artigo 58º, CSC, às deliberações de destituição sem justa causa, restando ao gerente destituído o direito a uma indemnização por factos lícitos. De qualquer modo, questão não inteiramente coincidente com a (in)aplicabilidade direta da causa de anulabilidade prevista no nº1 do, al. b), art. 58º do CSC (denominada de deliberações abusivas) às deliberações de destituição de gerente sem invocação de justa causa, será a da possibilidade de a mesma vir a ser afastada com fundamento em que o seu exercício constituiu um abuso de direito. Pela nossa parte, temos algumas reticências em aceitar que, independentemente da consagração legal expressa do direito da sociedade à livre destituição de um gerente sem invocação de justa causa (ainda que contra o pagamento de uma indemnização por perdas e danos), o ordenamento jurídico seja indiferente à hipótese de tal direito ser exercido em abuso de direito. Sendo sensíveis aos argumentos aduzidos por Joaquim Taveira da Fonseca de que o principio da livre destituição não é sinónimo de discricionariedade ou de arbitrariedade da maioria, e de que “o direito à destituição não pode ser transformado num instrumento de retaliação e de apropriação do poder de gestão da sociedade e, não tão poucas vezes quanto isso, para fins inconfessáveis[2]”, tenderíamos a concordar com o mesmo quando afirma que nas sociedades por quotas a possibilidade da existência de abuso de direito não pode deixar de ser admitida. De idêntica opinião partilha João Labareda: “Na verdade, não há nenhum motivo para pensar que os direitos potestativos são, em absoluto, inabusáveis, como há muito foi demonstrado. E o facto de ser, sem dúvida, difícil encontrar casos de abuso de direito na deliberação de destituição sem justa causa não pode servir para fundamentar a negação liminar da figura. Pois bem, ajustando o regime fixado no artigo 58º, nº1, al. b), do C.S.C. como o da destituição ad nutum, parece-me dever sustentar-se que haverá abuso de direito quando a deliberação for destinada à satisfação de interesses egoístas de um ou vários sócios que a tomaram – sejam eles interesses próprios ou de terceiros protegidos – e prejudique o interesse da sociedade ou do gerente[3]”. Como tal, tenderíamos a sustentar que, se a destituição sem a invocação de uma justa causa atribuiu o direito a uma indemnização por factos lícitos, tal não impede que a deliberação de destituição possa ser considerada abusiva no caso se se verificarem as circunstâncias previstas na al. b) do nº 1 do art. 58.º do CSC (devidamente adaptadas) ou que escapem ou se encontram imunes à clausula de escape que configura o abuso de direito. De qualquer modo, ainda que a deliberação de destituição de gerente pudesse ser anulada com o fundamento autónomo do abuso do direito, nas suas alegações de recurso, o Apelante perde-se em afirmações teóricas e genéricas acerca da figura do abuso de direito, e, quando passar à aplicação do direito à factualidade dada como provada, limita-se a reproduzir os factos provados e, sem qualquer análise concreta dos mesmos, refugia-se e limita-se á afirmação genérica de que “a deliberação em causa se insere num plano que visa paralisar e decapitar a sociedade A... Lda. e a apropriação dos clientes desta, em benefício directo e indirecto de outras sociedades do sócio BB e do seu agregado familiar, e reduzir o papel do ora recorrente a mero figurante na sociedade.” Vejamos os atos imputados ao sócio gerente BB (e dados como confessados, por ausência de dedução de oposição), dos quais o Apelante extrai a existência de abuso de direito na deliberação respeitante à sua destituição: tal deliberação teve os votos favoráveis de BB e CC, cada um detentor de uma quota de € 1.000,00, e o voto contra do Requerente, titular de uma quota de € 1.000,00; o BB é sócio gerente da sociedade B... – Unip., Lda., e gerente ainda de uma terceira sociedade, da qual são sócios os seus filhos CC e DD, com atividade na mesma área da sociedade requerida, o BB comunicou, no final de 2023, ao Requerente a intenção de suspensão da atividade da Requerida, declarando falta de tempo para acompanhamento dos clientes e implementação de soluções, tendo o Requerente recusado a transferência dos clientes da Requerida para a sociedade B...; em sequência, BB rejeitou a contratação de um técnico pela Requerida por não estar disponível para formar técnicos, e comunicou, que a requerida deve contratar sociedade B..., para prestar os serviços técnicos aos clientes da requerida, e que recusa a prestação de serviços técnicos à requerida; BB recusa a cedência de cópia dos certificados de conformidade emitidos aos clientes e pagos por estes à Requerida (v. documento n.º 14, junto com o requerimento de 23.01.2025, de fls. 95-96). BB somente em 23.05.2024, e após várias insistências, respondeu ao pedido de um cliente, efetuado a 24.04.2024, para prestação de serviço por cedência do seu atual espaço a um outro proprietário, informando que “Não recebi ordem do novo proprietário para alterar, tanto que não estava contactável”, o que provocou à perda do cliente e de eventual novo negócio (v. documento n.º 15, junto com o requerimento de 23.01.2025, de fls. 96v-98v). BB recusa a cedência de cópia dos certificados de conformidade emitidos às várias empresas que compõem o Grupo E...; BB impõe à Requerida o pagamento antecipado à sociedade B... na aquisição das licenças ESET, declarando que “A taxa de retenção das suas subscrições ESET B2B são um pilar importante para o desempenho da B... Unipessoal, Lda”, ao invés de outro fornecedor F..., Lda. que é concedida a liquidação no prazo de 30/60 dias; BB impôs ao cliente G..., Lda.., que adjudicou, em Abril de 2024, à Requerida a aquisição de equipamento referentes à solução de deteção de intrusão (Alarme), que a implantação deste equipamento fosse efetuada pela sociedade C..., Lda.., assim como a sua configuração, encontrando-se o cliente H... Lda., a aguardar o fornecimento de 2 POS desde Abril de 2024. apresentação de inúmeras reclamações à Requerida por parte da cliente I... LDA. e outas sociedades do Grupo E... pelo suporte técnico prestado por BB, consubstanciadas no não funcionamento do portão de acesso às instalações dos armazéns, sincronização deficientes das caixas de email, morosidade na criação de novas caixas de email, sincronização deficiente no acesso ao alojamento web, não funcionamento das câmaras da videovigilância do ginásio J.... por falta de suporte técnico por parte de BB, a sociedade K... encontra-se totalmente parada por falta de net; em face do referido em 14. e 17. a 24., a Requerida apresentou no primeiro semestre de 2024, comparativamente ao ano de 2023, quebra nos rendimentos em cerca de 55%. As deliberações sociais abusivas encontram-se previstas e reguladas no artigo 58.º, n.º 1, alínea b), do Código das Sociedades Comerciais, prevendo este preceito legal a anulabilidade das deliberações que sejam apropriadas para satisfazer: 1) o propósito de um dos sócios, de através do voto, conseguir vantagens especiais para si ou para terceiros; 2) em prejuízo ou com a intenção de prejudicar a sociedade ou de outros sócios. Tal como o afirmado na decisão recorrida, não só, a destituição de gerente do autor não o exclui da fiscalização da atividade da sociedade, mantendo todos os direitos que lhe são atribuídos na qualidade de sócio, como, igualmente resulta dos factos dados como provados que, mesmo antes da deliberação de destituição, quem exercia a gerência de facto era o requerido e os atos danosos para a sociedade que lhe são imputados não se encontram dependentes do consentimento do autor. O circunstancialismo imputado ao sócio/gerente BB – a comunicação ao Requerente da intenção de suspensão da atividade da Requerida, declarando falta de tempo para acompanhamento dos clientes e implementação de soluções, a rejeição da contratação de um técnico pela Requerida por não estar disponível para formar técnicos, e que comunicou que a requerida deve contratar sociedade B..., para prestar os serviços técnicos aos clientes da requerida, ou até as falhas no atendimento dos clientes – poderá merecer algum juízo de censura por apontar no sentido de que o Sócio/gerente BB possa estar a pretender prejudicar a sociedade Requerida (podendo enquadrar-se igualmente na procura de uma solução para a diminuição de custos por parte da requerida ou mesmo numa real falta de disponibilidade). Contudo, deles não resulta, direita ou indiretamente, que da deliberação de destituição do requerente da gerência da sociedade resulte algum prejuízo para a sociedade, ou a intenção de a prejudicar e, muito menos, que faça parte de algum plano global para prejudicar a sociedade. Por outro lado, o facto de a deliberação que o destituiu como gerente o excluir da gerência (sem que o exclua da sociedade, uma vez que também é sócio) é, por si, como regra, considerado legítimo e sem necessidade de invocação de qualquer motivo, sendo que, o facto de a destituição prejudicar o requerente, pela perda de vencimentos que vai deixar de auferir, nunca poderia levar à sua anulabilidade pela via da al. b), do nº1 do artigo 58º, uma vez que tal prejuízo sempre seria compensado pela via da indemnização. Ou seja, o prejuízo causado ao sócio, para efeitos de tal alínea e de abuso de direito teria de ser outro e outro não é alegado. Por outro lado, tendo em conta que, nessa mesma assembleia, o aqui requerente, colocado, também ele, na ordem dos trabalhos, a demissão do BB, da gerência e de sócio, a materialidade expõe essencialmente um mau relacionamento entre sócios/gerentes (mau relacionamento este revelado pela factualidade exposta pelo sócio gerente BB, no requerimento em que invoca a nulidade da citação, de que não recebeu a correspondência porque só o aqui requerente tem acesso à sede social da requerida, que se situa nas instalações e sede das sociedades do requerente, L... e M..., conforme certidões de registo predial que junta aos autos). E, se dificuldades temos em ver preenchido algum dos pressupostos da al. b), do nº1 do art. 58º CIRE (propósito de conseguir vantagens especiais para si ou para terceiros, ou intenção de prejudicar a sociedade ou de outros sócios), as mesmas adensar-se-ão se olharmos tal norma à luz da figura do abuso de direito, previsto no art.º 334º do CC, segundo o qua ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. O abuso do direito, a ajuizar nos referidos termos, aponta de modo inequívoco para as situações concretas em que é clamorosa, sensível, evidente a divergência entre o resultado da aplicação do direito subjetivo, de carga essencialmente formal, e alguns dos valores impostos pela ordem jurídica para a generalidade dos direitos ou, pelo menos, dos direitos de certo tipo[4]. Manuel de Andrade e Adriano Vaz Serra, para definir ou caracterizar o instituto, falam em direitos exercidos em termos “clamorosamente ofensivos da justiça” e em “clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante”[5]. A factualidade em que o requerente baseia a verificação de abuso de direito na sua destituição não apresenta gravidade suficiente para que se possa afirmar que o direito à sua destituição sem invocação de justa causa tenha sido exercido em violação “clamorosa” do sentimento de justiça ou que exceda os limites da boa fé. A Apelação é, assim, de improceder. * IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a Apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida. Custas a suportar pelo Apelante. Notifique. Coimbra, 11 de novembro de 2025
V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7, do CPC. (…).
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