Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
312/12.0TTCVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE LOUREIRO
Descritores: REUNIÃO DE TRABALHADORES
FUNCIONAMENTO
SERVIÇOS URGENTES E ESSENCIAIS
EMPREGADOR
ÓNUS DE SATISFAÇÃO
Data do Acordão: 10/17/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 420º, NºS 1 E 2, E 461º, Nº 1, AL. B) DO C. TRABALHO DE
Sumário: I – Resulta do disposto no artº 461º/1/b do CT/09, que a possibilidade de realização de reuniões gerais de trabalhadores no local e durante o horário de trabalho está condicionada pela satisfação da exigência de que esteja assegurado o funcionamento de serviços de natureza urgente e essencial do empregador.

II – Também dispõe o artº 420º/2 do CT/09 que “no caso de reunião a realizar durante o horário de trabalho, a comissão de trabalhadores deve apresentar proposta que vise assegurar o funcionamento de serviços de natureza urgente e essencial”.

III – Resulta desta última norma legal que o ónus de apresentação da proposta nela prevista é da comissão de trabalhadores ou da comissão sindical que convoca a reunião de trabalhadores a decorrer em horário e no local de trabalho, sendo que a proposta deve acompanhar a comunicação da convocação da reunião de trabalhadores.

IV – Caso a comissão sindical considere, com ou sem colaboração prévia da empresa, que não existem serviços urgentes e essenciais a assegurar, a mesma fará a comunicação prevista no artº 420º/1 do CT/09 sem qualquer proposta referente a serviços urgentes e essenciais

Decisão Texto Integral: I) Relatório

A Autoridade para as Condições do Trabalho, Unidade Local da Covilhã, condenou a recorrente A... , SA, com sede em (...), na coima de € 4.000, pela prática da contra-ordenação muito grave negligente prevista e punida pelos arts. 461º/1/b/4, 550º e 554º/4/b do CT/09.
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Inconformada, deduziu a arguida impugnação judicial, tendo a decisão da autoridade administrativa recorrida sido integralmente confirmada pelo Tribunal do Trabalho da Covilhã (fls. 88 a 95).
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Mais uma vez inconformada, recorreu a arguida para esta Relação, pugnando pela revogação da sentença recorrida e consequente absolvição da recorrente da contra-ordenação por cuja autoria foi condenada.
Apresentou as conclusões a seguir transcritas:
[…]
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Respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido, pugnando pela integral improcedência do recurso e manutenção do julgado.
Concluiu como a seguir se transcreve:
[…]
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Neste Tribunal da Relação, o Ministério Público entende que o recurso não merece provimento
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Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir.
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II) Questões a decidir
Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões a decidir:
1ª) se a reunião geral de trabalhadores recusada pela recorrente foi irregularmente convocada pela comissão sindical e se, por isso, a recorrente não estava obrigada a respeitar as obrigações legais decorrentes de uma regular convocação de uma reunião geral de trabalhadores;
2ª) se se registava uma situação de conflito de direitos que justificasse a recusa da recorrente autorizar uma reunião geral de trabalhadores no local e horário de trabalho;
3ª) se era inexigível à recorrente actuar em sentido diverso do da recusa de autorização da reunião geral de trabalhadores no local e horário de trabalho.
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III) Fundamentação

A) De facto.
Os factos dados como provados pela primeira instância são os a seguir transcritos:
[…]

B) De direito

Primeira questão: se a reunião geral de trabalhadores foi irregularmente convocada pela comissão sindical e se, por isso, a recorrente não estava obrigada a respeitar as obrigações legais decorrentes de uma regular convocação de uma reunião geral de trabalhadores.

Resulta do disposto no art. 461º/1/b do CT/09, que a possibilidade de realização de reuniões gerais de trabalhadores no local e durante o horário de trabalho está condicionada pela satisfação da exigência de que esteja assegurado o funcionamento de serviços de natureza urgente e essencial do empregador.
Por outro lado, dispõe o art. 420º/2 do CT/09, aqui aplicável por força da remissão contida no art. 461º/2, do CT/09, que “No caso de reunião a realizar durante o horário de trabalho, a comissão de trabalhadores deve apresentar proposta que vise assegurar o funcionamento de serviços de natureza urgente e essencial.
Resulta desta última norma legal que o ónus de apresentação da proposta nela prevista é da comissão de trabalhadores ou, em situações como a dos autos, da comissão sindical que convoca a reunião de trabalhadores a decorrer em horário e no local de trabalho, sendo que a proposta deve acompanhar a comunicação da convocação da reunião de trabalhadores – neste sentido, Júlio Gomes, Do direito de reunião dos trabalhadores no local de trabalho, Revista do Ministério Público, n.º 130, p. 121.
Ao invés do que parece estar subjacente à convocação que está documentada a fls. 6 dos autos e à posição do sindicato que está dada como provada no ponto 6º) dos factos provados, no sentido de se cometer à recorrente a fixação dos serviços de natureza urgente e essencial, não cabe à entidade empregadora, uma vez confrontada com a comunicação da convocação de uma reunião de trabalhadores por parte da comissão sindical, definir e indicar-lhe quais os serviços urgentes e essenciais a decorrerem à hora da reunião e cujo funcionamento importe assegurar.
Atente-se em que as comissões sindicais são constituídas por delegados sindicais (art. 442º/1/g do CT/09), ou seja, por trabalhadores da empresa (art. 442º/1/f do CT/09) que, por isso mesmo, têm ou devem ter uma visão mínima sobre o funcionamento global da empresa e, naturalmente, do que nela representem serviços urgentes e essenciais.
Evidentemente que não está de todo excluída a possibilidade e mesmo a necessidade dos delegados e comissões sindicais se socorrerem da colaboração da empresa no sentido da identificação e delimitação do que sejam os ditos serviços urgentes e essenciais, casos em que, ao abrigo da boa-fé que em geral deve presidir ao relacionamento entre as partes numa dada relação jurídica, a empresa deve prestar, de forma expedita, a colaboração que lhe seja solicitada e que para aquele efeito se revele necessária.
Porém, dado que o ónus de apresentação da supra citada proposta é, em situações como a dos autos, da comissão sindical e uma vez que a proposta tem de acompanhar a comunicação prevista no art. 420º/1 do CT/09, aquela mesma boa-fé impõe que a colaboração da empresa seja solicitada antes da realização da referida comunicação, indicando-se à empresa a data e hora prováveis para a pretendida realização de uma reunião de trabalhadores e solicitando-se-lhe, em determinado prazo, necessariamente curto, que informe quais os serviços urgentes e essenciais que considere deverem ser assegurados durante a realização da reunião.
Na posse da resposta da empresa, a comissão sindical poderá fazer a sua própria avaliação e, em função dela, fazer ou não, com a comunicação prevista no art. 420º/1 do CT/09, uma proposta de serviços urgentes e essenciais.
Assim, caso a comissão sindical considere, com ou sem colaboração prévia da empresa, que não existem serviços urgentes e essenciais a assegurar, a mesma fará a comunicação prevista no art. 420º/1 do CT/09 sem qualquer proposta referente a serviços urgentes e essenciais; caso considere que existem serviços urgentes e essenciais e entenda que pode por si só fazer a referida proposta, deve elaborá-la e remetê-la à empresa acompanhando aquela comunicação; caso não saiba se existem serviços urgentes e essenciais ou não esteja em condições de os definir unilateralmente, deve solicitar prévia colaboração da empresa, que a deve prestar expeditamente, após o que decidirá sobre se e em que moldes faz uma proposta de serviços urgentes e essenciais a assegurar durante a reunião dos trabalhadores.
No caso em apreço, tanto quanto resulta de fls. 6 e do que se deu como provado no ponto 6º) dos factos provados, a comissão sindical não considerou que não existissem serviços urgentes e essenciais, antes admitiu que pudessem existir; a comissão sindical também não tratou de indagar, por si ou com recurso à colaboração da recorrente, previamente à comunicação prevista no art. 420º/1 do CT/09, sobre se existiam ou não serviços dessa natureza.
A comissão sindical marcou unilateralmente os dias, as horas e a duração das reuniões de trabalhadores que pretendeu levar a efeito, fez as comunicações previstas no citado art. 420.º/1, mas lançou sobre a recorrente o ónus de definir os serviços urgentes e essenciais a assegurar, invertendo assim, completamente, o ónus que sobre ela impendia nessa matéria.
Ora, como supra exposto, consideramos que se a comissão considerava que não existiam serviços daquela natureza, deveria tê-lo referido explicitamente nas suas comunicações ou, em alternativa, deveria ter-lhes omitido qualquer menção, sinal implícito de que os considerava inexistentes – em qualquer desses casos, as comunicações não teriam de ser acompanhadas de qualquer proposta atinente aos serviços em causa. Se, pelo contrário e como resulta explícito do teor de fls. 6 e do ponto 6º) dos factos provados, não sabia se existiam serviços urgentes e essenciais ou qual a dimensão dos mesmos, deveria ter-se abstido de fazer as comunicações da data e hora das reuniões, sem previamente ter diligenciado pela sua identificação e delimitação, ainda que socorrendo-se da colaboração da empresa, após o que, sendo caso disso e se fosse esse o seu entendimento, faria acompanhar a comunicação da reunião de trabalhadores da proposta que entendesse fundada sobre os serviços urgentes e essenciais a assegurar.
Não foi nenhum desses, como visto, o caminho trilhado pela comissão sindical, que preferiu abster-se de cumprir obrigações próprias e lançar sobre a recorrente um ónus que não lhe cumpria minimamente satisfazer.
 Por outro lado, resulta dos factos provados, a nosso ver à evidência, que a recorrente tinham em curso, desde 5 de Novembro 2011, um regime de tempo de trabalho de particular intensidade, com regime de adaptabilidade de 9 horas de trabalho diário e de prestação de trabalho suplementar em todos os sábados anteriores às férias de Natal, tendo em vista, designadamente, satisfazer um número de encomendas de trabalho a que não conseguia dar resposta em regime normal de tempo de trabalho, com especial relevo para uma encomenda que tinha impreterivelmente de estar concluída e entregue até aos finais de Novembro – pontos 13º a 16º e 18º dos factos provados.
Neste enquadramento, facilmente podem admitir-se alguns serviços urgentes e essenciais a assegurar, designadamente os que estivessem relacionados com a satisfação da encomenda a entregar até finais de Novembro de 2011 e cujo prazo de entrega não podia sequer ser dilatado.
Por outro lado, em tese, admite-se que numa empresa de confecções do tipo da recorrente existam diariamente serviços que não devam ser interrompidos durante um período diário de laboração e que, por isso, revistam aquela natureza urgente e essencial: pense-se, por exemplo, numa dada linha de produção em cadeia de um determinado produto que seja insusceptível de interrupção em qualquer dos seus pontos da cadeia sob pena de toda ou parte substancial da produção diária ficar comprometida; pense-se, também a título de exemplo, num sistema de abastecimento contínuo de uma determinada matéria-prima cuja interrupção de laboração meramente temporária possa implicar a paralisação de toda a laboração da empresa durante uma parte importante de tempo e em termos de poder comprometer uma parte substancial daquilo que deveria ser a produção diária da empresa; pense-se, ainda a título de exemplo, num determinado serviço de entrega de produtos finais ou de recepção de matérias-primas a ocorrer necessariamente num dado momento, após o qual essa entrega ou recepção já não poderá realizar-se em tempo útil.
Tudo para concluir, assim, que as comunicações das reuniões de trabalhadores levadas a efeito pela comissão sindical, não excluindo, expressa ou implicitamente, antes admitindo, a possibilidade de existirem serviços urgentes e essências a assegurar, mas lançando sobre a recorrente o ónus que impendia sobre a comissão sindical de proceder à sua indicação, violaram o disposto no art. 420º/2 do CT/09.
Ora, “… só com o recebimento da convocatória e da proposta de serviços de natureza urgente e essencial (…) é que surge o dever do empregador previsto no n.º 3 do art. 420.º.” - Júlio Gomes, Do direito de reunião dos trabalhadores no local de trabalho, Revista do Ministério Público, n.º 130, p. 121.
Por isso mesmo, tendo a comissão sindical desrespeitado em relação a ambas as comunicações que fez sobre reuniões de trabalhadores que pretendia efectuar no tempo e local de trabalho, o ónus que sobre si impendia de apresentar uma proposta de serviços urgentes e essenciais, lançando em ambos os casos sobre a recorrente um ónus que sobre ela não impendia de fixação desses serviços, não estava a recorrente obrigada a acatar aquelas comunicações e a admitir, no local e tempo de trabalho, a realização das reuniões de trabalhadores convocadas.
Não estando obrigada a acatar tais comunicações, ao não ter permitido a realização das reuniões convocadas no tempo e local de trabalho, não cometeu a recorrente a contra-ordenação pela qual foi sancionada.
Deve, pois, sem necessidade de outras considerações, ser absolvida.
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IV) Decisão

Termos em que deliberam os juízes que compõem esta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar o recurso procedente, com a consequente revogação da decisão recorrida e absolvição da recorrente da contra-ordenação pela qual foi condenada.
Sem custas.
Coimbra, 17/10/2013.

 (Jorge Manuel Loureiro - Relator)
 (Ramalho Pinto)