Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
85/20.3T8LMG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: VENDA DE COISAS DEFEITUOSAS
DENÚNCIA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
Data do Acordão: 11/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE LAMEGO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 342.º, N.ºS 1 E 2 E 343.º, AMBOS DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – Na compra e venda defeituosa a efectuação da denúncia constitui uma condição da acção, por constituir requisito necessário para que a acção seja julgada procedente.

II - O ónus da alegação da existência da denúncia e o ónus da alegação da sua realização tempestiva – isto é, não excedente, no caso de bens móveis, de dois meses, e no caso de bens imóveis, de um ano, a contar do conhecimento do defeito - compete ao autor, comprador decepcionado.

III – Também lhe compete o ónus da prova da efetivação da denúncia, nos termos do art 342º/1 CC.

IV – Já o ónus da prova do decurso do prazo de denúncia, compete ao vendedor demandado, nos termos do nº 2 do art 342º e também do nº 2 do art 343º, ambos do CC.

 V – O acima referido ónus de alegação por parte do autor da tempestividade da denúncia analisa-se num ónus de substanciação – o comprador tem conveniência de alegar factos de que resulte consubstanciada, com logicidade, a tempestividade da denúncia, sob pena de poder ver a acção improceder, mediante a alegação e prova pelo réu dessa intempestividade, com a consequente caducidade dos direitos que pretende exercer na acção.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – AA, intentou, em 10/1/2020, acção declarativa com processo comum, contra BB, invocando o disposto nos artigos 4º/1 e 5º do DL 67/2003 de 8/4, na redação dada pelo DL 84/2008 de 21/5 e do disposto no artigo 12º/1 da L 24/96 de 31/7, na redação dada pelo DL 67/2003 de 8/4, pedindo que este seja condenado, a:  

 a) reconhecer a resolução do contrato de compra e venda do veículo automóvel, que a R. com ele celebrou, sendo condenado na restituição do preço por ele pago no montante de 6.925,00€ (seis mil, novecentos e vinte e cinco euros)

b) pagar-lhe indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes do cumprimento defeituoso do contrato, nomeadamente custos e despesas que incorreu e terá ainda que incorrer, respeitantes ao crédito contraído para celebrar o contrato com o Réu, melhor referidos na presente petição inicial, cuja liquidação, nos termos do disposto nos artigos 569º CC e 358º e 609º do CPC, se relega para momento ulterior;

c) pagar-lhe o valor de 1.000,00€ (mil euros) a título de compensação pelos danos não patrimoniais decorrentes do cumprimento defeituoso do contrato.

Alegou, resumidamente, que o R., enquanto profissional de venda de automóveis, lhe vendeu um veículo, em Julho de 2018, que tinha 160.000Kms, como marcava no “conta quilómetros” e da folha de inspeção periódica, datada de 29/6/2018, que o R. lhe entregou (concretamente, 157 274 Kms). Menos de um ano depois, aquando da revisão do veículo, tendo sido então informado que o motor ostentava desgaste superior anormal para a quilometragem apresentada, deslocou-se ao IMT e solicitou certidão de todas as  inspeções efectuadas ao veiculo, tendo constatado que, em 27 de janeiro de 2017, o mesmo contava já com 388.514Kms, mais 200.000 do que quando lhe foi vendido. Denunciou esta situação ao vendedor, através de carta registada com aviso de recepção, enviada em  5/6/2019, tendo o mesmo alegado desconhecer a quilometragem real e, que, se existiu, não era da sua responsabilidade.

Entende o A. que a desconformidade entre aquilo que declarou comprar e o que lhe foi vendido lhe permite resolver o contrato, invocando ter tido danos patrimoniais com o recurso ao crédito e danos não patrimoniais.

O R. contestou, alegando que quando comprou o veículo, cerca de um mês antes de o ter vendido ao A., tendo-o feito a CC, o veiculo apresentava no respectivo painel 160.000 Kms aproximadamente, ignorando, em absoluto, quem possa ter alterado esses dados, já que lhe foi entregue também a última ficha de inspeção, realizada em Maio de 2018 com os mesmos quilómetros.  

Invoca ainda a exceção de caducidade, referindo que nunca foi interpelado pessoalmente pelo A. para tentar resolver a situação, referindo ainda que o A. - como o admite - teve conhecimento da existência da adulteração dos quilómetros do veiculo aquando da revisão que nele efectuou, a qual   ocorreu a 9 de fevereiro de 2019, e só procedeu à denúncia em junho de 2019.

Requereu a intervenção provocada do terceiro que lhe havia vendido o veículo.

 O Autor respondeu à exceção, invocando razões de direito, mas não alterou ou aditou a factualidade invocada na petição inicial (designadamente quanto ao momento da denúncia), concluindo, não se verificar a excepçâo de caducidade alegada pelo R..

 Referiu ainda que, caso assim não se entenda, se deve entender que a discussão nos autos se enquadra numa situação de responsabilidade contratual, aplicando-se o regime geral, sendo a pretensão do A. passível de ser reconduzida à previsão do art 227º CC, e ter aplicação o art 498º CC, iniciando-se a contagem do prazo de três anos aí referido a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe cabe .    

 Foi admitida a intervenção acessória do terceiro chamado para assegurar o direito de regresso, não tendo, no entanto, vindo a ser admitida a sua contestação.

Elaborou-se despacho saneador, fixando-se o valor da causa em € 7.925,00, e fixou-se o objeto do litigio e temas da prova.

 Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou procedente a excepção de caducidade invocada pelo R., absolvendo-o dos pedidos.

II – Do assim decidido, apelou o R que concluiu as respectivas alegações do seguinte modo:

I) ENQUADRAMENTO PRÉVIO

 A. O Autor intentou acção comum contra o Réu peticionando a sua condenação nos seguintes termos: Reconhecer a resolução do contrato de compra e venda do automóvel adquirido ao Réu e restituição do preço pago pelo Autor no montante de 6.925,00 € (seis mil novecentos e vinte e cinco euros); Pagar ao Autor indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes do cumprimento defeituoso do contrato, nomeadamente custos e despesas que incorreu e terá ainda que incorrer respeitantes ao crédito contraído para celebrar o contrato com o Réu, cuja liquidação se relega para momento ulterior; Pagar ao Autor o valor nunca inferior a 1.000,00 € a título de compensação pelos danos não patrimoniais decorrentes do cumprimento defeituoso do contrato. O Autor sustentou o seu pedido nos seguintes factos,

 B. Entre Autor e Réu foi celebrado um contato de compra e venda no dia 12 de Julho de 2018. O referido contrato teve por objecto o veículo automóvel da marca ..., modelo ....9 ... com matrícula ..-..-OZ. (conforme Documento nº 1 junto com a petição inicial).

C. O preço da venda foi de 6.925,00 € que o Autor pagou ao Réu, tendo contraído um empréstimo junto da 321 C... S.A. (conforme Documento nº 4 junto com a petição inicial).

 D. No momento da celebração do contrato o Réu entregou ao Autor uma folha de inspecção periódica com data de 29 de Junho de 2018. Desse documento (Conforme Documento nº 5 junto com a petição inicial) resultava eu o veículo possuía 157 274 Kms.

 E. Celebrado o Contrato e estando o veículo já na posse do Autor, este começou a utilizá-lo regularmente nas suas deslocações diárias. Passado algum tempo, tendo levado a uma oficina para fazer uma revisão de manutenção o Autor foi informado que o motor ostentava características de desgaste que, de acordo com a experiência dos mecânicos, não seriam “normais” para a quilometragem apresentada. Efectivamente o Autor já tinha notado algumas dificuldades e falta de potência no veículo.

 F. Mais tarde, de modo a tirar as suas dúvidas após se deslocar ao IMT o Autor confirmou, para grande surpresa sua, que o automóvel não teria os quilómetros publicitados pelo Réu, mas sim mais de 388 514 Kms. Portanto, dezoito meses antes da data em que Autor comprou o veículo este possuía pelo menos mais de 200 000 Kms do que aqueles que o Réu afirmou ter.

 G. Perante tal desconformidade tão ostensiva o Autor interpelou o Réu no sentido de este propor uma solução ou oferecer uma alternativa que compensasse o Autor. Nessa interpelação o Autor solicitou ao Réu que explicasse a situação oferecendo-lhe a possibilidade de sugerir uma solução. (Conforme Documento nº 2 junto com a petição inicial).

H. Contudo, o Réu não apresentou qualquer pedido de desculpas, proposta de resolução ou demonstrou qualquer interesse na resolução do problema.

I. Perante tal falta de compromisso e vontade demonstrada pelo Réu em solucionar a questão, o Autor não teve outra hipótese que não fosse apresentar a acção que correu termos sob o número de processo 85/20.... no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local Cível ....

 J. Contestando, o Réu mencionou que quando comprou o veículo este tinha os quilómetros que constavam do painel e que ignorava em absoluto quem pudesse ter alterado esses elementos. Para sustentar essa posição referiu que lhe tinha sido entregue a última ficha de inspecção, realizada em maio de 2018 com os mesmos quilómetros.

K. Invocou ainda a excepção de caducidade, já que a revisão a que o Autor se refere ocorreu a 9 de Fevereiro de 2019 e a situação só foi denunciada em Junho de 2019.

 II) OBJECTO E DELIMITAÇÃO DO RECURSO

 L. O presente recurso tem como objecto a matéria de facto e de direito da Douta Sentença proferida nos presentes autos.

M. De facto, consideram os Recorrentes que foi incorrectamente julgada a matéria de facto dada como provada nas alíneas 16), 17), 18).

 N. Ademais, o Recorrente discorda ainda da matéria de Direito da Douta Sentença.

III)DO RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO

O. Resulta da fundamentação de facto que foi elaborada pelo Meritíssimo Tribunal “a quo”, resultaram como provados os seguintes factos dos alegados com relevância para a decisão da causa os factos enunciados no ponto 4.1) Factos Provados da Sentença recorrida,

DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA E IMPUGNAÇÃO DOS FACTOS DOS FACTOS QUE FORAM INDEVIDAMENTE DADOS COMO PROVADOS

P. Considera o Recorrente que o Tribunal na sua Sentença se por um lado, deu como provado factos que, salvo o devido respeito, não deveriam ter sido entendidos como provados, por outro, interpretou erradamente factos, ou seja, tirou conclusões que não resultam nem da prova documental nem da prova testemunhal. Pelo que a Sentença proferida a final encontra-se eivada de ilegalidade sendo assim necessária a sua substituição por outra decisão que, tendo em conta a factualidade efectivamente provada e não provada, faça verdadeira justiça.

Q. Para a formação da sua convicção relativamente à factualidade dada como provada, o Tribunal teve em consideração o teor dos elementos documentais e a prova testemunhal produzida.

 R. Por sua vez, o Tribunal a quo considerou também provados os factos constantes das alíneas 16) 17) e 18) da matéria de facto dada como provada na Douta Sentença que se passam as transcrever 16) Razão pela qual decidiu deslocar-se ao IMT e solicitar informações acerca de todas as inspecções técnicas efectuadas ao supramencionado veículo. 17) O que sucedeu, senão antes, em fevereiro de 2019, data em que o veículo foi novamente inspeccionado no IMT- confessado na p.i. e certidão junta. 18) Tendo verificado que o mesmo apresentava, em 27 de janeiro de 2017, a quilometragem de 388 514 Kms (trezentos e oitenta e oito mil, quinhentos e catorze quilómetros) - doc. 6 e prova testemunhal

 S. A formação da convicção do Tribunal a quo relativamente à factualidade dada como provada nestas alineas assentou na valoração conjugada da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, nomeadamente nos depoimentos das testemunhas DD e EE, assim como da prova documental junta com as diversas peças processuais.

T. Refere-se na Sentença que “O Tribunal valorou critica e conjugadamente os vários meios de prova, nomeadamente a prova por confissão e admissão por acordo na contestação, a documental e testemunhal, com recurso às regras da normalidade e da experiência comum, sempre tendo por base os princípios da livre convicção e da imediação.”

 U. Sustenta o Tribunal a quo a sua posição nas “conclusões” /factualidade que entendeu dar como provadas e acima transcritas.

V. Considera que “E do depoimento vago das testemunhas, pelo menos nesta parte, o tribunal não ficou com alguma certeza de que o Autor tenha contactado o R. ou vice-versa, com vista à solução do problema, antes do envio da referida carta, em junho de 2019. Contudo acredita-se que o mesmo tenha sabido da alteração dos quilómetros quando se deslocou ao IMT, o que, de acordo com a prova documental e testemunhal, ocorreu, pelo menos, em fevereiro de 2019” Na verdade, é o próprio A. que refere que soube do sucedido junto do IMT, sendo que a inspeção que por ele foi realizada após a compra foi justamente em fevereiro de 2019.”

 W. O Tribunal, considera o Recorrente, erradamente, entende que de uma folha de inspecção periódica (ou mesmo extraordinária) se tem acesso ao histórico dos quilómetros que o carro registava nas inspecções anuais realizadas. Isso é o que resulta quando o Tribunal na sua Sentença afirma que o Autor teve conhecimento dos quilómetros adulterados pelo menos em fevereiro de 2019, resultando tal dado do facto de nessa altura se ter dado uma inspecção técnica periódica. Tal conclusão não poderá ser acolhida na medida em que não corresponde à realidade.

X. De um documento de inspecção periódica (tal como se verifica, a título de exemplo, com o Documento nº 5 junto com a petição inicial) apenas constam os quilómetros que o automóvel tem na data, portanto, os quilómetros que constam do conta quilómetros, do mostrador, que estão marcados.

Y. É, portanto, impossível, numa inspecção periódica ter acesso ao histórico de quilómetros do veículo inspeccionado. Tal informação teria que ser solicitada, especificamente, ao IMT (tal como resulta do Documento nº 6 junto com a petição inicial).

Z. Assim, não é verdade, tal como concluiu o Tribunal que o Autor tenha tido conhecimento dos quilómetros na inspecção de fevereiro de 2019. Tal conclusão tida pelo Tribunal eivou a Sentença que acabou por ser proferida. Sustentando o seu aresto em factos que não ficaram provados e que o Tribunal não podia ter retirado dos elementos probatórios levados aos presentes autos, muito menos da prova testemunhal produzida em sede de audiência e julgamento.

AA. No que concerne à factualidade que poderá ser extraída da prova testemunhal e do que foi dito por cada uma das testemunhas, convém ver concretamente o que cada uma delas disse. Considera o Recorrente que a prova testemunhal foi indevidamente valorada pelo Tribunal o que consequentemente condicionou, de forma nefasta, a decisão proferida.

BB. Concretamente, referiu a testemunha EE, no que respeita aos factos, dados como provados pelo Tribunal a quo, constantes do seu depoimento, acima transcrito e evidenciado, concretamente entre os minutos 01:19 a 04:39

 CC. Do depoimento da Testemunha EE (nomeadamente nas declarações acima destacadas), considera o Recorrente, não resulta, de nenhum modo que, como entende o Tribunal, o Autor tenha tido conhecimento dos quilómetros adulterados antes de Fevereiro de 2019. Na verdade, os prazos temporais dados pela testemunha são muito distantes não havendo qualquer precisão no que aos factos aqui em discussão importa provar.

DD. Neste ponto, convém referir o seguinte. Estando em causa um eventual prazo de caducidade, ainda para mais, tão reduzido, o Tribunal para poder entender como verificada uma peticionada excepção de caducidade terá que ser preciso no seu entendimento, não pode ir lá por deduções ou suposições. Se nada resulta nem do que as Testemunhas afirmaram nem do que resulta dos documentos juntos pelas partes o Tribunal não poderia, como fez, ter considerado como verificada a excepção de caducidade.

EE. Além de que esse conhecimento não se deu, como julgou o Tribunal, antes de fevereiro de 2019. Tal não resulta da prova testemunhal muito menos documental.

 FF. Efectivamente é o próprio Tribunal a afirmar que os depoimentos foram vagos e imprecisos. (tal como acima transcrito) Continuando,

GG. Em nenhum momento a Testemunha afirma, de algum modo, que o Autor tenha tido conhecimento em Fevereiro de 2019, nem nada do que menciona ao longo da prova produzida faz tirar tal conclusão.

 HH. Ou seja, além do tribunal confundir os elementos que constam de um documento de inspecção e de um histórico de quilómetros solicitado ao IMT, procura sustentar a sua posição, no que respeita a saber em que momento o Autor terá tido conhecimento dos quilómetros manipulados, em prova testemunhal que não foi produzida. As conclusões tiradas pelo Tribunal são assim, além de factualmente falsas, desprovidas de qualquer sustentação. Só podendo aceitar-se que tenha sido baseada numa incorrecta percepção e análise da prova documental e testemunhal. Havendo assim necessidade de rectificar a Sentença incorrectamente proferida.

 II. A confusão do Tribunal é tal que considerou que o Réu teve o carro “dois ou 3 meses e foram por as placas solares a ... e também foi com o BB, tendo o veículo circulado normalmente”, quando, nem foram colocadas quaisquer placas solares, mas sim peliculas, nem a Testemunha afirmou dois ou três meses, mas sim “2, 3 semanas” afirmando sempre que “não me recordo já ao certo …”, saltando à evidência a falta de minucia com que a prova, ou falta dela, foi analisada pelo Tribunal. Ainda,

 JJ. Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que das declarações da Testemunha EE resulta evidente que este além de não ter qualquer conhecimento directo dos factos (salvo os momentos em que se encontrava no stand), toda a informação que teria seria dada pelo Réu, o que, podemos afirmar, vinha já enviesada. Tal “desconhecimento” concreto do que efectivamente se passou resulta quando a Testemunha foi questionada se o Réu, informado pelo Autor dos quilómetros alterados, teria oferecido alguma solução extrajudicial.

 KK. Afirmando o já acima transcrito e evidenciado no depoimento entre os minutos 04:39 e 06:03 e 08:31 e 09:42

 LL. A Testemunha afirma inequivocamente que foi proposto pelo Réu a possibilidade de se chegar a um entendimento evitando-se assim que o problema chegasse a vias judiciais. Contudo, tal afirmação não tem qualquer adesão à realidade. Em nenhum momento o Réu ofereceu qualquer solução de resolução ou fez sequer alguma proposta para compensar o Autor. Tal resulta de forma cristalina do Documento nº 3 junto com a petição inicial, ou seja, da carta de resposta à interpelação feita pelo Autor após ter tido conhecimento dos quilómetros alterados.

MM.Fica assim demonstrado, ao contrário do que foi considerado provado pelo Tribunal, que a Testemunha, embora tendo conhecimentos acercas de algumas questões respeitantes ao caso sub judice, esse conhecimento foi sempre indirecto e apenas através das informações, obviamente parciais, dadas pelo Réu. Em nenhum momento resulta das declarações prestadas por FF que o Autor teve conhecimento dos quilómetros alterados, se não antes, em Fevereiro de 2019.

 NN. O depoimento da Testemunha é vago, impreciso e, considera o Recorrente, parcial, em face disso deveria ter sido apreciado tendo em conta estes pressupostos, não devendo, como tirou, o Tribunal ter dado como provado os factos que considerou.

OO. Considera o Tribunal na sua douta Sentença, quanto ao que considerou provado pelo depoimento da Testemunha EE que este “Acha que o BB foi apanhado nisto, porque ele tinha a inspecção do ano anterior e os quilómetros que lá constavam.

PP. Quando o comprou nunca falou com o Sr. CC sobre mudar o quadrante e os quilómetros coincidiam mais ou menos com o papel que estava na inspecção” (sublinhado nosso) 41

QQ. Para tal o Tribunal sustentou o seu entendimento nas seguintes declarações da Testemunha prestadas entre os minutos 06:02 a 08:30, acima transcritas e devidamente destacadas

RR. Tal como afirma a Testemunha na transcrição supra, no momento da aquisição do automóvel em causa pelo Réu ao seu anterior proprietário, este apenas apresentou documento da revisão periódica do ano anterior como prova dos quilómetros que efectivamente a viatura tinha.

SS. Ora, obviamente que naquele momento, pelo que se sabe hoje, os quilómetros já tinham sido adulterados, mas, evidentemente, o Réu e a Testemunha EE, contentaram-se com tal comprovativo, uma vez que este documento, (tal como o documento de inspecção de fevereiro de 2019) não mostra o histórico dos quilómetros que o carro marcava ao longo das diversas inspecções, mas apenas e só os quilómetros que o visor, chamemos-lhe assim, mostra no momento da inspecção. Assim, na verdade os quilómetros “batiam certo” para os compradores quando já estavam alterados.

TT. Como “batiam certo” em fevereiro de 2019, e como baterão certo se for inspeccionada a viatura neste momento. (a não ser que sejam novamente manipulados e corrigidos)

UU. Serve isto para demonstrar que, de modo algum resulta ou é possível, através da análise de um comprovativo de inspecção periódica ter acesso ao histórico de quilómetros, mas apenas aos quilómetros que estão marcados naquele momento. Tal como percepcionou a Testemunha e o Réu no momento da aquisição quando foram confrontados com o documento de inspecção e como percepcionou o Autor e, deveria ter igualmente assim entendido o Tribunal, quando levou o carro à inspecção em 2019.

 VV. Sendo, portanto, falso que o Autor tenha, de acordo com o Tribunal, tido conhecimento da quilometragem alterada em fevereiro de 2019, momento em que levou o carro à inspecção periódica.

WW.Em face do acima demonstrado, terá que concluir-se que, ao contrário do que erradamente julgou o Tribunal, não se podem considerar como estando provados, quer pela prova documental como da prova testemunhal, os seguintes pontos da fundamentação de facto tido em conta pelo Tribunal no seu aresto: 16) Razão pela qual decidiu deslocar-se ao IMT e solicitar informações acerca de todas as inspecções técnicas efectuadas ao supramencionado veículo. 17) O que sucedeu, senão antes, em fevereiro de 2019, data em que o veículo foi novamente inspeccionado no IMT- confessado na p.i. e certidão junta. 18) Tendo verificado que o mesmo apresentava, em 27 de janeiro de 2017, a quilometragem de 388 514 Kms (trezentos e oitenta e oito mil, quinhentos e catorze quilómetros) - doc. 6 e prova testemunhal

XX.Da conjugação da prova anteriormente referida, designadamente dos Documentos nº 5 e 6 juntos pelo Autor, do depoimento da Testemunha EE cujos excertos com relevância para a decisão foram transcritos e indicados, resulta inequivocamente que o Autor não pode ter tido conhecimento do facto de os quilómetros terem sido adulterados, tal como afirma o Tribunal, “… se não antes, em fevereiro de 2019, data em que o veículo foi novamente inspeccionado no IMT.”

 YY.Facto que, embora não corresponda à verdade nem possa resultar de qualquer documento junto ou da prova Testemunhal produzida, o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, incorrectamente considerou.

 ZZ.Ainda neste contexto, atente-se às declarações da Testemunha DD constantes do excerto entre o minuto 01:07 a 05:23 e 11:33 a 13:18

AAA. Analisadas o depoimento da testemunha DD, o Tribunal na sua douta Sentença considerou, nomeadamente, que a testemunha “Acha que foi mais tarde, talvez 3 meses depois de comprar, que foi ao IMTT. O AA foi ver os registos do IMTT e nada batia certo com os quilómetros apresentados. Ele depois, na viagem contou-lhe que nada estava certo.”

BBB. Ora, salvo melhor entendimento, tendo em conta as declarações da Testemunha acima devidamente assinaladas e identificadas, resulta de modo claro que aquela não tem, ou pelo menos isso não resulta das suas declarações, certeza quando é que o Autor teve conhecimento da adulteração dos quilómetros do veículo vendido pelo Recorrido. A Testemunha refere inclusive, que não se recorda do dia, referindo que terá sido uns três meses após a compra do veículo por parte do Recorrente, sendo que, mais adiante, confrontado pela Exma. Mandatária do Réu afirma que não consegue precisar quando é que o automóvel foi comprado pelo Autor ao Réu.

CCC. Além disso, a Testemunha afirma peremptoriamente que nunca viu os supostos papeis do IMT em que se demonstrava o histórico da quilometragem do automóvel em questão.

DDD. Entende o aqui Recorrente, que, ao contrário do que considerou o Tribunal, nem da prova documental (em que o Tribunal confunde a força probatória do documento de inspecção com o documento comprovativo do histórico de quilometragem nas diversas inspecções periódicas) por um lado, e da prova Testemunhal, por outro, é impossível demonstrar-se que o Autor tenha tido conhecimento dos reais quilómetros da viatura adquirida ao Recorrido, em data “nunca posterior a fevereiro de 2019”.

EEE. Tal conclusão é, de facto, impossível de ser corroborada quer pela documentação junta aos autos quer das declarações das testemunhas, concretamente as acima identificadas.

FFF. Os seus depoimentos, tal como chega a referir o Tribunal no seu aresto, são vagos e imprecisos no que concerne à eventual data em que o Autor terá tido conhecimento dos quilómetros adulterados, pelo que não poderiam ter sido valorados como acabaram por ser.

GGG. Da prova documental e testemunhal não resulta nem, salvo opinião diversa que muito se respeita, pode resultar que aqui Recorrente tenha tido conhecimento no inicio de 2019.

HHH. ASSIM, NOS TERMOS E PARA OS EFEITOS DA ALÍNEA A) DO NÚMERO 1 DO ARTIGO 640º DO CPC, O RECORRENTE CONSIDERA QUE OS PONTOS 16), 17) E 18) DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA NA DOUTA SENTENÇA NÃO FORAM CORRECTAMENTE JULGADOS. PELO QUE, NOS TERMOS E PARA OS EFEITOS PREVISTOS NA ALÍNEA C) DO ARTIGO 640º DO CPC, PELA IMPUGNAÇÃO DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS NOS PONTOS 16), 17) E 18) DA DOUTA SENTENÇA, COM A REAPRECIAÇÃO DA PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL PRODUZIDA E DA CONJUGAÇÃO DA PROVA ANTERIORMENTE REFERIDA, DESIGNADaENTE DOS DOCUMENTOS Nº 5 E 6 JUNTOS PELO AUTOR COM A PETIÇÃO INICIAL, DO DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA EE (EXCERTOS DE DEPOIMENTO CUJA REAPRECIAÇÃO SE REQUER: 00:34 A 01:18, 01:19 A 03:10, 03:11 A 04:38, 04:39 A 06:00, 06:02 A 08:30 E 08:31 A 09:52) E DA TESTEMUNHA DD (EXCERTOS DE DEPOIMENTO CUJA REAPRECIAÇÃO SE REQUER: 01:07 A 05:24 E 11:33 A 13:18) , CUJOS EXCERTOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO FORAM TRANSCRITOS E INDICADOS, A DECISÃO QUE DEVERÁ RECAIR SOBRE OS REFERIDOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS NOS PONTOS 16), 17) E 18) DA DOUTA SENTENÇA E QUE DEVERÃO SER OS MESMOS DADOS COMO NÃO PROVADOS, O QUE SE REQUER.

IV)DO RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO DA NÃO VERIFICAÇÃO DA EXCEPÇÃO DE CADUCIDADE

III. A douta Sentença Recorrida considerou “procedente a excepção de caducidade invocada pelo Réu, absolvendo-o dos pedidos” com fundamento no facto de, tendo dado como provado que o Autor terá tido conhecimento dos quilómetros adulterados “em data não anterior a fevereiro de 2019”, incumpriu o prazo de denuncia previsto no artigo 5º A nº 2 do Decreto-Lei 67/2003.

JJJ. Da conjugação da prova anteriormente referida, designadamente dos documentos nº 5 e 6 juntos pelo Autor/Recorrente com a petição inicial, do depoimento das Testemunhas anteriormente referidos cujos excertos com relevância para a decisão foram transcritos e indicados supra, salvo o devido respeito, resulta inequivocamente que não se verifica a invocada excepção de caducidade. Concretamente,

 KKK. Autor e Réu celebraram um contrato de compra e venda. De acordo com o artigo 874º do CC, a “Compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço.”

 LLL. Estabelece o artigo 879º do CC que, a compra e venda tem como efeitos essenciais: A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito; A obrigação de entregar a coisa; A obrigação de pagar o preço

MMM. Celebrado em 12.07.2018, tendo como objecto o veículo de matriculo ..- ..-OZ, este foi entregue pelo Réu ao Autor que pagou o preço de 6.925,00 €.

NNN. O automóvel identificado supra foi vendido pelo Réu como possuindo cerca de 160 000 Kms quando, cerca dezoito meses antes da aquisição do veículo pelo Autor já teria cerca de 390 00 Kms.

OOO. O Réu na qualidade de comerciante de automóveis, vendeu um bem destinado ao consumo de um particular, pelo que será aplicável ao caso a Lei de Defesa do Consumidor, bem como o regime da compra e venda celebrada entre profissionais e consumidores, instituído pelo Decreto-Lei 67/2003 de 8 de Abril.

PPP. Enquanto consumidor, o Recorrente tem direito, entre outos, à qualidade dos bens e serviços (artigo 3º nº 1 alínea a) da Lei 24/98), sendo que os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legitimas expectativas do consumidor. (artigo 4º da Lei 24/98)

QQQ. Presumindo-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se, entre outros factos, se verificar não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor (artigo 2º nº 2 alínea a) do mencionado DL)

RRR. Sendo que o vendedor, aqui Recorrido, é responsável perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento da entrega do bem. Para tal, deverá o consumidor denunciar a falta de conformidade num prazo de dois meses (cfr. artigo 5º A nº 2 do Decreto-Lei 67/2003).

SSS. Perante tal, veio o Recorrido, em sede de Contestação invocar excepção de caducidade, fundado a sua posição no facto de resultar “do documento nº 6 junto pelo próprio Autor com a citada PI que a mesma ocorreu a 09.02.2019” Ora,

TTT. Embora sem os mesmos fundamentos legais, uma vez que o Recorrido invoca o artigo 917º do CC, enquanto o Tribunal na sua sentença fundamenta a sua posição no supre mencionado artigo 5º-A nº 2 do Decreto Lei 67/2003, a verdade é que em ambos os casos partem de um pressuposto errado e que factualmente carece de ser demonstrado.

UUU. Tanto o Recorrido como o Tribunal consideram que o Autor terá tido conhecimento dos quilómetros adulterados, portanto, do defeito do automóvel, no momento em que fez a revisão periódica em Fevereiro de 2019. Contudo, tal como já se fez questão de demonstrar, não é possível aceder-se ao histórico da quilometragem dos anos anteriores quando o veículo é inspeccionado. O que  acontece tanto nas inspecções periódicas anuais como nas inspecções extraordinárias.

 VVV. Assim, a contagem do prazo de caducidade, tanto num caso como no outro, parte de um momento que não se encontra provado, nem pela prova Testemunhal, muito menos pela prova documental.

WWW. Aliás, tanto o Recorrido como o próprio Tribunal, confundem e misturam as informações e os elementos que uma inspecção periódica pode comprovar ao proprietário do veículo inspeccionado.

XXX. A confusão é tal que o Tribunal acaba por fundamentar a sua posição em argumentos dos quais, contrariamente ao decidido, terá que se concluir pela não verificação da excepção de caducidade. Vejamos,

 YYY. Refere o Tribunal a quo na sua decisão o seguinte: “Dos factos alegados e provados (até por confissão) resulta que o A. denunciou a desconformidade por carta de 5 de junho de 2019. Mas demonstra-se também que teve conhecimento da mesma, pelo menos, em fevereiro, quando o veículo esteve sujeito à inspecção do IMT, como resulta da fundamentação de facto. O decurso do prazo para que se verifique a caducidade é matéria de excepção, pelo que cabia ao Réu demonstrar que o prazo de dois meses supra referidos foi ultrapassado, atendo o disposto no nº 2 do artigo 342º do CCivil”

ZZZ. Para tal o Tribunal na sua decisão invoca o Ac. TRC de 11.01.2011, processo 1977/08.3TBAVR.C1, e o Ac. TRE de 10.04.2008, processo 340/08.3: “A matéria integradora dessa caducidade (incumprimento dos respectivos prazos de caducidade) constitui inequivocamente matéria de excepção pois trata-se matéria reconduzível ao conceito de “factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado” (artigos 342º nº 2 do C. Civil e 487º nº 2 do CPC). Nessa medida, a prova dos factos que consubstanciam a ocorrência dessa caducidade deve obedecer à regra do art.º 342º nº 2 do C. Civil (e não ao seu nº1). – Aplicando este princípio à situação prevista no art.º 916º do C. Civil, significa que cabe ao vendedor a prova do decurso do prazo de caducidade – e não ao comprador a prova do inverso. E, ressalvada qualquer situação diferentemente tratada na lei, deve sublinhar-se que essa solução não cede a dificuldade da respectiva prova”.

 AAAA. Perante tal, o Tribunal a quo considerou que “Essa prova foi feita, na medida em que de fevereiro a junho decorreram mais de dois meses para a denúncia. Conclui-se, destarte, que o A. não cumpriu um dos prazos a que estava legalmente obrigado para poder exercer os seus direitos, designadamente o prazo de 2 meses para a denúncia da desconformidade …  Não vemos, por isso, como não julgar procedente a excepção de caducidade invocada, com a consequente improcedência da acção, devido ao lapso de tempo decorrido em que o A. tomou conhecimento da desconformidade do bem e a sua reacção, tendo por base a legislação em vigor, a que se deve obediência” Posto isto,

BBBB. ao contrário do que decidiu o Tribunal, em nenhum momento o Réu conseguiu demonstrar que o Autor teve conhecimento em Fevereiro de 2019 dos defeitos do veiculo (o documento que refere não faz aquela prova, como acima melhor se expôs), não estando preenchido o ónus de alegação e prova que caberia ao Réu, nos termos do disposto nos artigos 342º nº 2 do CC, 487º nº 2 do CPC e 916º do CC.

 CCCC. Sem prejuízo do mencionado, conforme acima melhor explicitado, em nenhum momento, quer do depoimento das testemunhas quer dos documentos juntos no processo, decorre que o Autor tenha tido conhecimento que os quilómetros que o carro marcava não correspondiam aos quilómetros reais, em data anterior a Fevereiro de 2019.

DDDD. ASSIM, O DOUTO TRIBUNAL DEVERIA TER CONSIDERADO NÃO VERIFICADA A EXCEPÇÃO DE CADUCIDADE INVOCADA PELO RÉU, AO DECIDIR COMO DECIDIU A SENTENÇA RECORRIDA VIOLOU OS ARTIGOS 342º Nº 2 DO CC, 487º Nº 2 DO CPC E 916º DO CC DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA

 EEEE. A nulidade das decisões judiciais por omissão de pronúncia, prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), primeira parte, do Código de Processo Civil "quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar" - constitui cominação ao incumprimento do disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º do citado Código, segundo o qual "o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras".

 FFFF. O Autor em resposta à excepção invocada pelo Réu, alegou nomeadamente: “ 41. Nos termos dos artigos 4º e 5º-A do Decreto Lei 67/2003, o A. sempre estaria protegido pela garantia dos 2 anos para exercer os seus direitos, nomeadamente direito à resolução do contrato, a contar da denúncia da situação ao R. 42. Pelo que, em face do exposto e concretamente quanto à excepção de caducidade alegada pelo R. esta não tem aplicação ao caso concreto, tendo em conta o regime mais protector decorrente do Decreto Lei supra-referido e que confere protecção adicional ao consumidor, neste caso A. Caso assim não se entenda e por mera cautela de patrocínio, 43. Tendo em conta o contrato de compra e venda celebrado entre A. e R, e tratando-se de um incumprimento sempre estaríamos no âmbito da responsabilidade civil contratual, aplicando-se dessa forma o regime geral. 44. Fundando-se a pretensão do A. nos termos expostos e não postos em causa pelo R. na sua douta contestação estes sempre se reconduziriam à previsão normativa do artigo 227º do CC emergindo esta da falta de cumprimento dos deveres emergentes do contrato celebrado pelas partes. 45. Podendo nestes termos a causa de pedir ser reconduzida à responsabilidade contratual, regendo-se esta nos termos previstos no artigo 498º do CC, iniciando-se a contagem do prazo de três anos a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe cabe. Face ao acima exposto,

GGGG. Requer-se a V. Exa que se digne a aceitar o presente requerimento, considerando totalmente procedente os argumentos acima indicados, nomeadamente:

a) Não se encontrar verificada a excepção de caducidade alegada pelo R. tendo em conta o circunstancialismo da discussão e a aplicação concreta das disposições legais do Decreto Lei 67/2003 de 8 de Abril;

b) Caso assim não se entenda, deve entender-se que discussão nos presentes autos se enquadra uma situação de Responsabilidade Contratual aplicando-se em consequência os termos gerais;

c) Relativamente à intervenção de 3º esta apenas terá interesse quanto ao eventual direito de regresso que o R. terá nos termos do artigo 7º/1 do Decreto Lei nº 67/2003 de 8 de Abril. Termos em que deverá ser o presente requerimento ser julgado totalmente procedente e em consequência improcederem os argumentos deduzidos pelo R. na sua douta Contestação”

 HHHH. O Tribunal a quo nada disse acerca destas questões levantadas pelo Autor / Recorrente em sede de resposta à excepção invocada pelo Réu.

 IIII.As causas de nulidade de Sentença (ou de outra decisão) estão taxativamente enumeradas no artigo 615º do CPC e visam o erro na construção do silogismo jurídico e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão ou a não conformidade dela com o direito aplicável.

JJJJ.A nulidade consiste na omissão de pronuncia ou no desrespeito pelo objecto da acção e verifica-se quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada.

KKKK. A expressão “questões” prende-se com as pretensões que os litigantes submetam à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os 48 fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia.

 LLLL. É em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões do Recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver.

MMMM. Padece de nulidade por omissão de pronuncia a Sentença que não conhece de todas as questões que devia conhecer, não as resolvendo.

NNNN. Tal como supra mencionado, não tendo a Sentença recorrida conhecido das questões que lhe competia apreciar, concretamente a resposta às excepções apresentada pelo Autor, incorre em nulidade por omissão de pronuncia por não ter respondido, um a um , a todos os argumentos do Recorrente ou por não ter apreciado questões com conhecimento prejudicado pela solução dada à questão.

OOOO. DESTE MODO, A SENTENÇA RECORRIDA VIOLA O DISPOSTO NOS ARTIGOS 608º E 615º DO CPC, ASSIM SENDO, O DOUTO TRIBUNAL DEVERIA TER TOMADO CONHECIMENTO DAS QUESTÕES LEVADAS A JULGAMENTO PELO AUTOR, AQUI RECORRENTE, NOMEADAMENTE NA SUA RESPOSTA ÀS EXCEPÇÕES INVOCADAS PELO RÉU, NÃO O FAZENDO A SENTENÇA PROFERIDA NO ÂMBITO DO PRESENTE PROCESSO E DA QUAL AQUI SE RECORRE ENCONTRA-SE EIVADA DE NULIDADE POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 608 Nº 2 E 615º Nº 1 ALÍNEA D) DO CPC.

PPPP. Ademais a vinculação do tribunal à matéria de facto alegada e só a esta, mas não ao seu enquadramento jurídico pelo que se o Venerando Tribunal ad quem entender que a solução jurídica do caso, em face dos concretos factos alegados e provados, é diferente da propugnada pelas partes, deve decidir conforme assim entender

QQQQ. em conclusão e atento o exposto, deverá o Venerando Tribunal ad quem revogar a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue a acção totalmente procedente, por provada.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO E REVOGADA A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, QUER PELA IMPUGNAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS, REAPRECIAÇÃO DA PROVA, NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS OU PELO ERRO DE JULGAMENTO QUANTO AOS FACTOS E DIREITO APLICÁVEL, SUBSTITUINDO-SE POR OUTRA QUE JULGUE A ACÇÃO TOTALMENTE PROCEDENTE, POR PROVADA.

O R. apresentou contra-alegações em que não formulou conclusões, pugnando pela manutenção do decidido.

III – A - O Tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

1) O Autor, residente em ..., carecia de um veículo automóvel para efetuar as deslocações inerentes à sua vida pessoal e profissional.

2) Por sua vez, o Réu dedica-se ao comércio de veículos motorizados em ..., onde possui um stand automóvel, tendo como atividade profissional a compra e venda de automóveis usados. (confessado na contestação)

3) No exercício da sua atividade profissional de compra e venda de veículos automóveis, em 12 de julho de 2018, o Réu vendeu ao Autor o veículo automóvel da marca ..., modelo ....9 ... e matrícula ..-..-OZ, emitindo e entregando ao Autor a respetiva declaração de venda (confessado na contestação e declaração de venda junta sob doc....)

 4) Em 4 de julho de 2018 foi requerida a inscrição do veículo a favor do R. BB, através da Ap ...51 – doc 4.

 5) O veículo era do ano de 2000, de 5 portas, cor preta, e combustível diesel -documento único automóvel.

6) E como salientado pelo Réu / Vendedor, possuía à data da compra 157.274 Kms (cento e cinquenta e sete mil, duzentos e setenta e quatro quilómetros no mostrador (conta-quilómetros) característica essa ostentada no interior do veículo na parte do visor habitualmente designada por “conta quilómetros –– confessado na contestação e prova testemunhal.

7) O preço pago pelo A. ao R. foi de 6.925,00€ (seis mil, novecentos e vinte e cinco euros).

8) Integralmente pago com recurso a financiamento, sendo o montante global do mútuo de 7.028,88€ – doc junto e restante prova.

9) Dividido em 60 prestações mensais de 150,96€ cada uma.

10) E que o A. tem pago – docs juntos e prova testemunhal

11) Da ficha de inspeção técnica do IMT, realizada em 25/05/2018, dava conta que o veículo tinha 155.2... – vide doc 5

12) E que a próxima inspeção seria em 2019/02/08 – doc.5

 13) Em 29/06/2018 o R. solicitou uma inspeção extraordinária ao IMT, da qual resultou a quilometragem referida em 6), tendo entregue essa ficha de inspeção ao Autor aquando da compra e venda do veículo– docs. 6 e 3 e confessado pelo A. na p.i.

 14) Na sequência da compra do veículo automóvel, o Autor começou a utilizar o mesmo nas suas deslocações.

15) Após uns meses da compra, o Autor desconfiou que o veículo ostentava características de desgaste que, de acordo com a experiência, não seriam “normais” para a quilometragem apresentada. (prova testemunhal)

16) Razão pela qual decidiu deslocar-se ao IMT e solicitar informações acerca de todas as inspeções técnicas efetuadas ao supramencionado veículo.

17) O que sucedeu, senão antes, em fevereiro de 2019, data em que o veículo foi novamente inspecionado no IMT - confessado na p.i e certidão junta.

 18) Tendo verificado que o mesmo apresentava, em 27 de janeiro de 2017, a quilometragem de 388 514 Kms (trezentos e oitenta e oito mil, quinhentos e catorze quilómetros) – doc 6 e prova testemunhal.

19) Ou seja, cerca de dezoito meses antes da data da compra o veículo possuía já mais de 200 000 Kms (duzentos mil quilómetros) a mais do que o ostentado no momento da aquisição – Idem.

20) Por carta registada com AR datada de 5 de junho de 2019 o Autor, através de Il Advogado, interpelou o R. dando-lhe conta de que lhe foram transmitidas informações falsas e relevantes para o negócio, nomeadamente quanto ao valor do mesmo, pelo que deveria informar, em 10 dias, o que pretendia fazer, sob pena de recurso aos meios judiciais – doc. 2 da petição e confissão do A. quanto ao prazo da denúncia.

21) Respondeu o R., por carta de 11 de junho (embora por lapso se tenha escrito julho porque recebida pelo A. a 17 de junho), dizendo que comprou o veículo em 24 de junho de 2018 e que lhe foi entregue a folha de inspeção de maio desse de onde constava a quilometragem de 155.259 Kms e que depois, devido à homologação de peliculas para os vidros, mandou fazer outra inspeção, em 29 de junho de 2018 onde constava os quilómetros de 157.274Kms e que entregou ao comprador, pelo que nenhuma responsabilidade teve na alteração da quilometragem – doc 3.

 22) Ficando conhecedor de que a quilometragem do veículo tinha sido adulterada em mais de 200 000 Kms, o Autor sentiu-se enganado e angustiado.

23) Agravando-se ainda esta perturbação pelo facto de ter sido forçado a recorrer ao crédito ao consumo de modo a pagar a referida quantia, por um bem que não tem o valor nem as qualidades que justificadamente esperava que tivesse.

 24) Se pretender liquidar integralmente a quantia mutuada pela financeira, terá uma penalização de 0,5% do capital amortizado antecipadamente – doc. 4.

25) O A. sentiu bastante desconforto quando se deslocava na referida viatura, com a preocupação de que a mesma deixasse de funcionar – prova testemunhal e regras da experiência comum.

26) Viu-se forçado a comprar um veículo novo, igualmente com recurso a crédito – prova testemunhal.

27) O veículo comprado ao R. ultimamente e desde data não apurada tem estado parado – idem.

28) O Réu BB, através de Il Advogada, elaborou uma carta datada de 16 de fevereiro de 2020, com a menção registada com AR, tendo como destinatário o interveniente CC, a quem havia adquirido o veículo supra identificado menos de um mês antes de o ter vendido ao A., dando-lhe conta da situação relatada pelo A. e que havia sido demandado judicialmente sem ter conhecimento ou envolvimento na alteração dos quilómetros e solicitando-lhe explicações sobre o ocorrido - doc. 2 da contestação

 29) Quando Autor e Réu celebraram o contrato de compra e venda, em 12-07-2018, o Réu colocou umas películas no automóvel e deu a indicação ao Autor para se deslocar ao IMT para homologação das mesmas – prova testemunhal, em conjugação com a documental.

III - B – O Tribunal da 1ª instância julgou não provado que o A. tenha dificuldade em repousar, padecendo de perturbação do sono.

IV – Do confronto entre a decisão recorrida e as conclusões das alegações, operação de que resulta, numa primeira linha, o objecto do recurso, resulta serem as seguintes as questões a apreciar:

- saber se houve erro na apreciação da prova no tocante aos pontos 16,17 e 18 da matéria de facto;

-  dando-se como não provada a matéria de facto constante dos aludidos pontos de facto, se a excepção da caducidade deveria ter sido julgada improcedente e procedente a acção;

 - de todo o modo, se a sentença se mostra nula por omissão de pronúncia, relativamente à questão invocada na resposta à contestação referente à aplicação, na situação dos autos, da responsabilidade civil obrigacional, ex vi do art 227º CC, aplicando-se a norma do art 498º CC, de que sempre resultaria não estar prescrito o direito do A.

O Tribunal da 1ª instância julgou provado, respectivamente, nos pontos 16), 17) e 18) da matéria de facto:

 Razão pela qual decidiu deslocar-se ao IMT e solicitar informações acerca de todas as inspecções técnicas efectuadas ao supramencionado veículo.

 O que sucedeu, senão antes, em fevereiro de 2019, data em que o veículo foi novamente inspeccionado no IMT- confessado na p.i. e certidão junta.

Tendo verificado que o mesmo apresentava, em 27 de janeiro de 2017, a quilometragem de 388 514 Kms (trezentos e oitenta e oito mil, quinhentos e catorze quilómetros) - doc. 6 e prova testemunhal.

Sem prejuízo da menção aos meios de prova específicos que o Exmo Juiz fez constar nos pontos referidos (confessado na p. i. e certidão junta, e doc 6 e prova testemunhal), foi, essencialmente, a seguinte, a motivação do Tribunal a quo, no que respeita aos factos em causa:

«Vem alegado pelo próprio A. que a denúncia ao R. da desconformidade da quilometragem foi denunciada por carta de 5 de junho, o que se demostrou.

Em parte alguma da petição e da resposta se refere denúncia anterior, ainda que verbal.

 E do depoimento vago das testemunhas, pelo menos nesta parte, o tribunal não ficou com alguma certeza de que o Autor tenha contactado o R. ou vice-versa, com vista à solução do problema, antes do envio da referida carta, em junho de 2019.

Contudo, acredita-se que o mesmo tenha sabido da alteração dos quilómetros quendo se deslocou ao IMT, o que, de acordo com a prova documental e testemunhal, ocorreu, pelo menos, em fevereiro de 2019.

Na verdade, é o próprio A. quem refere que soube do sucedido junto do IMT, sendo que a inspeção que por ele foi realizada após a compra foi justamente em fevereiro de 2019.

 E muito embora na p.i, tenha referido revisão, em vez de inspeção, reportando-se ao conhecimento da adulteração da quilometragem, só pode tratar-se de lapsus linguae já que a revisão mecânica não permite aferir desses dados, mas apenas de alguma anomalia mecânica.

De todo o modo, como resulta da normalidade das coisas e da experiência comum, o veículo é habitualmente levado à oficina para revisão antes da inspeção, para que “passe nesta” e evite sanções, e não depois. Aliás, não raras vezes existem acordos entre o proprietário dos veículos e as oficinas que fazem a revisão do veículo para que sejam estas a levar o veículo para ser inspecionado, depois de se verificar a inexistência de anomalias, com ou sem intervenção no motor e outros componentes.

Por outro lado, é o próprio quem diz, e com verdade, diga-se, que soube dessa situação pelo IMT.

Acresce que companheira do A. disse que a desconfiança quanto ao comportamento do veículo começou a surgir logo um mês depois, mas foi na ida ao IMT que questionou sobre a quilometragem.

De igual modo, a testemunha do A., que foi com o mesmo ao IMT disse, espontaneamente, que foi na viagem de regresso de ... a ... que o A. comentou consigo a situação, revelando sentimento de ter sido enganado na compra.

E a testemunha balizou temporalmente essa ida ao IMT pouco tempo depois da compra do veículo, cerca de 3 meses depois, ou seja, em data próxima daquele negócio.

A certidão do IMT só foi solicitada em outubro 2019 para instruir o processo, já depois do envio da carta de junho denunciar a situação, o que significa que o A. obteve informalmente essa informação anteriormente.

Assim, da conjugação destes elementos de prova deu-se por assente que, pelo menos em fevereiro de 2019, o A. soube da referida desconformidade entre o que o que lhe foi declarado vender e o que efetivamente comprou»

A verdadeira dissensão do A./apelante relativamente a esta matéria de facto, reporta-se, como é óbvio, à do ponto 17, por ser desse ponto de facto que se retira o momento do conhecimento pelo mesmo relativamente à  adulteração da quilometragem do veiculo que comprara.

Tanto assim é, que, na impugnação à pretendida matéria de facto, nada refere, afinal, que contrarie o constante do ponto 16, que se relaciona com ao anterior ponto 15, e de que resulta que, o que levou o A. a deslocar-se ao IMT e solicitar informações acerca de todas as inspecções técnicas efectuadas ao veículo  foi a circunstância, referida no ponto 15, de, «após uns meses da compra, ter desconfiado que o veiculo ostentava características de desgaste que de acordo com a experiencia não seriam “normais” para a quilometragem apresentada».

È certo que o A. na petição relaciona essa sua desconfiança com a  revisão do carro, que alega ter feito «decorrido menos de um ano depois da compra» - expressão que, em rigor, apenas significa que ainda não tinha passado um ano sobre a compra do veículo ocorrida em 12/7/2018 – tendo sido nessa inspecção que o teriam informado  desse desgaste do motor superior ao normal para a quilometragem apresentada .

Desde o momento em que não situou no tempo a efectuação dessa  revisão – o que não lhe teria sido difícil, se o tivesse querido fazer, por ter naturalmente fatura da mesma, ou podendo obtê-la junto da oficina onde a realizou – não releva o motivo especifico em função do qual o A. passou a ter a referida desconfiança.

O que releva, é que, em função dela, e como se diz nesse ponto 16, deslocou-se ao IMT e solicitou informações acerca de todas as inspecções técnicas efectuadas ao supramencionado veículo.

Repare-se que o que o Tribunal a quo respondeu a este ponto de facto é menos do que o que o próprio A. alegou no art 25º da petição, de onde o mesmo foi extraído, e onde diz ter-se deslocado ao IMT e ter requerido certidão de todas as inspecções técnicas efectadas ao supramencionado veiculo.

Tendo sido o próprio autor a referi-lo, deve entender-se que o que pediu quando se deslocou ao IMT foi a referida certidão e não meras informações.

Pelo que, se houvesse que alterar o ponto 16, seria apenas para precisar que, o que, o A., nessa altura, requereu ao IMT, foi a certidão de todas as inspecções técnicas efectadas ao supramencionado veiculo e não meramente informações a esse respeito.

Diga-se de passagem que a testemunha DD, amigo do A.  que o acompanhou ao IMT, não sabia se o A. tinha obtido uma certidão ou não, soube apenas o que ele lhe relatou na viagem de vinda para ... – que tinha sabido que a quilometragem do veiculo tinha sido adulterada.

 Mas o A. sabia, obviamente, que tinha obtido uma certidão – por isso o referiu no art 25º da petição -   facto este, que, porque em seu desfavor, não pode deixar de relevar como confissão.

Relativamente ao ponto 18º - de que consta, recorde-se, que «tendo verificado que o mesmo apresentava, em 27 de janeiro de 2017, a quilometragem de 388 514 Kms», também não se vê motivo para a respectiva impugnação, visto que o mesmo decorre do art 26 da petição, onde o A. alegou que, «qual não foi o seu espanto quando verificou que o mesmo apresentava  em 27/1/2017 a quilometragem de 388 514 Kms».

Na sequência do que o A. alegou, só pode concluir-se que ele verificou essa circunstância da certidão que então lhe foi fornecida.

 Toda a questão do presente recurso se situa no ponto 17º que tem a ver com o momento em que o A. se deslocou ao IMT e nele obteve a referida certidão.

O A. não o alegou e, decerto, não o fez por acaso, não desconhecendo a importância que esse facto tinha para se apurar a tempestividade da denúncia.

Veja-se que a acima referida testemunha DD referiu a esse respeito, «Acho que foi para aí 2/3 meses depois da compra, para aí » .

Obviamente, uma resposta vaga, mas passível de melhor se concretizar em função, afinal, da informação constante da certidão do IMT, datada  de 9/10/2019 , utilizada pelo A. para a propositura da acção e que se mostra junta a fls 39 dos autos. Dessa certidão resulta – como resultaria daquela outra que o A. obteve quando se deslocou ao IMT -  que a inspecção subsequente a 12/7/2018 – data da compra e venda do veiculo – teve lugar em 9/2/2019.

Por isso, o Tribunal a quo, com base no alegado pelo próprio A., no referido pela mencionada testemunha e na certidão a que se acabou de fazer referência, concatenando todos esses elementos, respondeu - e bem  - o que fez constar do ponto 17: que o A. se deslocou ao IMT, «senão antes, em Fevereiro de 2019, data em que o veiculo foi novamente inspecionado no IMT» .

Nem diga a apelante que o Tribunal confunde a função de uma inspecção com o o histórico de quilómetros do veículo inspeccionado. Sabe bem o Tribunal que através de uma inspecção periódica não se tem acesso ao histórico de quilómetros do veículo inspeccionado. Tal informação teria que ser solicitada, especificamente, ao IMT (tal como resulta do Documento nº 6 junto com a petição inicial). Por isso mesmo, nada exclui que o A. tivesse obtido uma primeira certidão logo 2/3 meses depois da compra e venda, quando se deslocou ao IMT com a testemunha DD, logo aí tendo tido conhecimento da sabotagem na quilometragem a que pretende reagir, e que apenas em Fevereiro de 2019 tenha feito inspecção ao veículo.

Todas as conjecturas a esse respeito são possíveis, sendo que o que resulta seguro, foi o que o Tribunal evidenciou nesse ponto 17: o A.  deslocou-se  ao IMT, «senão antes, em Fevereiro de 2019, data em que o veiculo foi novamente inspecionado no IMT».

 Por isso, se mantém a matéria de facto impugnada, improcedendo a respectiva impugnação.

O A. propôs a presente acção, mencionando no intróito da petição fazê-lo ao abrigo do  disposto nos artigos 4º/1 e 5º do DL 67/2003 de 8/4, na redação dada pelo DL 84/2008 de 21/5 e do disposto no artigo 12º/1 da L 24/96 de 31/7, na redação dada pelo DL 67/2003 de 8/4, não desconhecendo, pois, o conteúdo do art  5º-A/3 do DL n.º 67/2003, de 8.04, norma aditada pelo DL 84/2008, de 21/05,  onde se refere, sob a epigrafe, “Prazo para o exercício de direitos”, no respectivo nº 2, que «para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detectado».

A denúncia é uma declaração de vontade unilateral, válida independentemente da forma que revestir (art. 219º do CC) e, sendo receptícia, apenas se torna eficaz quando chega ao poder do vendedor ou é por ele conhecida (art. 224º/1 CC).

Já que viu que a sua falta leva a que o comprador perca todos os direitos decorrentes da prestação defeituosa[1]. É que a falta de reclamação do credor equivale a uma aceitação da desconformidade.

Costuma afirmar-se que a efectuação da denúncia constitui uma condição da acção, pois, como é sabido, o prazo para a propositura da acção para efectivação de qualquer dos direitos conferidos ao comprador - resolução, reparação/substituição, ou redução do preço – conta-se da data da denúncia, como resulta do nº 3 do referido art 5º- A, constituindo tal prazo o de dois anos, no caso de bens móveis, e de três, no caso de imóveis.

A denúncia constitui-se, pois, como requisito necessário para que a acção seja julgada procedente.

O ónus da alegação da existência da denúncia e o ónus da alegação da sua realização tempestiva – isto é, não excedente, no caso de bens móveis, que é o que aqui nos interessa, de dois meses a contar do conhecimento do defeito - compete ao autor, comprador decepcionado.

Também compete a este, o ónus (não já da alegação, mas) da prova da efetivação da denúncia, nos termos do art 342º/1 CC.

Já o ónus da prova do decurso do prazo de denúncia, compete ao vendedor demandado, nos termos do nº 2 do art 342º e também do nº 2 do art 343º, ambos do CC. Ali, ligado como está à caducidade do direito substantivo (cfr nº 2 do art 298º  CC) - resolução, reparação/substituição ou redução do preço – aqui, ligado como está à propositura da accão dentro de um certo prazo, consequentemente, à caducidade do direito de acção, que tem a ver com o accionamento em juízo para a obtenção do direito que se pretende exercer.

Ora, porque a caducidade, num caso e noutro, está estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, ela não é de conhecimento oficioso - art 303º, ex vi do nº 2 do art 333º- carecendo, para ser eficaz, de ser invocada por aquele a quem aproveita, que é, manifestamente,  na situação dos autos, o R. vendedor.

A R. defendeu-se com a caducidade do direito do A. a obter a resolução do contrato em função da  denúncia intempestiva, valendo-se, para assim concluir, dos parcos factos que o A. optou por trazer à acção, e dos quais decorre, como acima já se viu, que o mesmo teve conhecimento da falta de qualidade do veículo, em função da adulteração da quilometragem de que o mesmo foi objecto anteriormente à sua aquisição,  «senão antes, em Fevereiro de 2019, data em que o veiculo foi novamente inspecionado no IMT» , do que decorre que a denúncia a que procedeu em Junho de 2019 foi  intempestiva. 

Situações como a dos presentes autos ,demonstram que, apesar de ao autor neste tipo de acções, só lhe caber o ónus da prova da existência de denúncia, acaba por lhe caber, antecedentemente, não apenas o ónus da alegação dessa denúncia ter sido tempestiva, mas também o ónus da substanciação  dessa tempestividade. Isto é, tem conveniência de alegar factos de que resulte consubstanciada, com logicidade, a tempestividade da denúncia, sob pena de poder ver a acção improceder mediante a alegação e prova pelo réu dessa intempestividade, com a consequente caducidade dos direitos que pretende exercer na acção.

 Pretende a apelante que a sentença é nula por omissão de pronúncia, por não ter  resolvido a questão da prescrição dos direitos do autor á luz do disposto no art 498º/1 CC, questão que refere ter colocado  na resposta às excepções, onde defendeu  estar em causa a responsabilidade advinda do disposto no art 227º CC, norma cujo nº 2 refere, efectivamente,  que «a responsabilidade prescreve nos termos do  art 498º».

È certo que a sentença se não pronunciou sobre esta questão.

Mas é muito evidente o desacerto do A. em coloca-la.

Por um lado, porque na norma do art 498º está em questão a prescrição do direito de indemnização, que não se confunde com a caducidade dos direitos substantivos e processuais a que atrás se fez referência.

Como é expendido no Acordâo Uniformizador do STJ, nº 2/97, de 4/12/1996, «a caducidade tem por objectivo evitar o protelamento do exercício de certos direitos por lapsos de tempo dilatados, levando-os a que se extingam pelo decurso do prazo fixado. Prevalecem considerações de certeza e de ordem pública, no sentido de ser necessário que, ao fim de certo tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Estão em causa prazos peremptórios de exercício do direito. Por seu turno na prescrição avulta a ideia de negligência do titular do direito ao não exercê-lo durante certo tempo tido como razoável pelo legislador, e em que seria de esperar o seu exercício se nisso estivesse interessado, mas a extinção do direito verifica-se sem prejuízo de se manter a possibilidade do seu cumprimento como um dever de justiça, não podendo ser repetida a prestação. Trata-se de prazo a partir do qual o devedor se pode opor por não ser razoável o exercício do direito, embora seja possivel exercê-lo (cfr. por ex. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 1996, págs 544 e 555). É certo que tanto a prescrição como a caducidade, têm pontos em comum, pois ambas se baseiam na inércia do titular do direito, e são institutos que têm a ver com o tempo e a sua repercussão nas relações juridicas. Mas a verdade é que, quando um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição, assim como são aplicáveis ao não uso de um direito, as regras da caducidade, na falta de disposição em contrário (artigo 298 ns. 2 e 3), pelo que não se encontra regra geral que faça prevalecer o regime da prescrição na falta do da caducidade. Acresce que, tendo a caducidade por objectivo conferir certeza às situações jurídicas e solucionar com brevidade os conflitos, não pode deixar de se concluir que os prazos a ela respeitantes, incluindo os do direito de acção, são normalmente curtos».

Em todo o caso, é descabido chamar à colação o regime que decorre do art 227º CC, para, através dele, se invocar a não prescrição do direito da acção, fazendo-o relativamente a um contrato perfeito, cuja anulação não vem pedida, e quanto ao qual o A. não fez sequer valer na petição os requisitos legais da anulabilidade por erro ou dolo (não tendo alegado a essencialidade do erro e a cognoscibilidade por parte do vendedor da essencialidade para o comprador do elemento sobre que incidiu o erro), e quando o que está em causa na presente acção, não é a caducidade (adjectiva) desta, mas, previamente, a caducidade (substantiva) dos direitos do A. na compra e venda defeituosa.

Acresce ainda, que nenhum sentido faz que o A. na resposta à excepção de caducidade com que a R. se defendeu, venha alegar em seu favor a não verificação da excepção da prescrição do direito de indemnização que lhe adviria de uma situação enquadrável - de forma que não explicou – no regime da responsabilidade pré contratual, desde logo, porque, fazendo-o, está a alterar a causa de pedir, sem que processualmente o possa fazer.

Há, pois, que concluir como o fez a 1ª instância, julgando-se procedente a excepção de caducidade invocada pelo R., com a inerente sua abolvição dos pedidos formulados na acção.

V – Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar improcedente a apelação e confirmar o decidido na 1ª instância.

Custas pelo apelante.  

Coimbra, 9 de Novembro de 2022


(Maria Teresa Albuquerque)
(Falcão de Magalhães)
(Pires Robalo)





               [1] - Com exceção dos que respeitam à indemnização dos danos sequenciais, os quais estão sujeitos ao regime geral da responsabilidade civil (neste sentido, Romano Martinez, «Cumprimento…», p. 372).