Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1876/08.9TBFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: INVENTÁRIO
RELAÇÃO DE BENS
MATRIZ PREDIAL
Data do Acordão: 07/03/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FIGUEIRA DA FOZ 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.1326, 1345 CPC, 12, 13, 78, 124 CIM (DL Nº 287/2003 DE 12/11)
Sumário: Por força do disposto nos artigos 12.º, n.º 1, 13.º, n.º 1, als. a) e c), 78.º, n.º 1 e 124.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro), quando os imóveis são relacionados no inventário – artigo 1345.º, do Código de Processo Civil –, a sua descrição deve coincidir com a descrição que consta da matriz predial ou, em caso de omissão na matriz, com a descrição que foi comunicada aos serviços competentes, sob pena do processo não poder prosseguir sem estar harmonizada a descrição no inventário com o teor da matriz predial.
Decisão Texto Integral: I. Relatório.

a) O recorrente é cabeça-de-casal no presente inventário por óbito dos seus pais, o qual corre termos na comarca da Figueira da Foz.

Apresentou uma primeira relação de bens e mais tarde apresentou uma segunda relação, corrigindo a primeira no que respeita a duas verbas, a n.º 10 e a n.º 26, tendo adicionado ainda as verbas n.º 27 e 28, bem como passivo relativo a benfeitorias efectuadas nas verbas n.º 10, 27 e 28.

Quanto a esta situação foi proferido o despacho recorrido cujo dispositivo é do seguinte teor:

«Pelo exposto, com cópia deste despacho, notifique o cabeça-de-casal para, em 10 dias, vir aos autos apresentar nova relação de bens respeitando o supra exposto, designadamente descrevendo os prédios em conformidade com a sua realidade jurídica e em conformidade com as respectivas descrições prediais e/ou matriciais, garantindo que a cada prédio corresponda uma só verba».

Esta decisão teve como fundamento o facto das referidas verbas, tal como estão descritas, implicarem um desmembramento parcial da área do prédio do artigo matricial x(...) (verba n.º 10) que cederia assim terreno para os prédios das verbas n.º 27 e 28. Entendeu-se em 1.ª instância, no despacho recorrido, que isso era proibido face ao disposto no artigo 1376.º do Código Civil, conjugado com a Portaria nº 202/70, de 21 de Abril, bem como perante o regime jurídico previsto no Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, que disciplina as operações de loteamento.

b) O cabeça-de-casal recorreu deste despacho e apresentou as seguintes alegações:

«a) – o recorrente apresentou, com justificação plausível, uma relação de bens corrigida;

b) – o herdeiro (…) reclamou nos termos do artigo 1348.º do CPC;

c) – recorrente e recorrido apresentaram meios probatórios para  ser produzida prova sumária;

d) – a relação de bens corrigida tinha por objectivo sanear a originária que indicava as verbas 10 (artigo x(...) rústico da freguesia de FN(...)) e 26 (artigo urbano y(...) da mesma freguesia), com os elementos coincidentes com as respectivas descrições matriciais, completamente adulteradas da realidade actual, pois que,

e) – na dita verba 10, em lote localizado no limite Norte com 1620 m2 de área e no limite Sul, com iguais dimensões, os herdeiros (…) e (…) em 1973/1974 levaram a efeito a construção das suas casas de habitação, com autorização de seus pais aqui inventariados, obtendo as respectivas licenças de construção e de habitabilidade, junto da C.M. da Figueira da Foz;

f) – estas casas de habitação foram declaradas na respectiva matriz da freguesia de FN(...), cabendo-lhe os artigos w(...) e z(...), respectivamente;

g) – nos elementos descritivos destes imóveis construídos naquele prédio rústico - artigo x(...) das heranças - e que configuram a natureza jurídica de benfeitorias úteis, por força das declarações prestadas, apenas consta como áreas de ocupação 303 m2 para o imóvel correspondente ao dito artigo w(...) e 301 m2 para o prédio correspondente ao referido z(...);

h) – no entanto, esses herdeiros utilizaram, desde as datas da conclusão das referidas construções, as áreas de 1317 m2 (artigo w(...)) e 1319 m2 (artigo z(...)) como logradouros dos respectivos imóveis;

i) – o que quer dizer que, logo na década de 70, os ditos herdeiros ocuparam e desintegraram do referido imóvel x(...) rústico de FN(...), um lote de 1620 m2 cada um, onde têm as já referidas casas de habitação e logradouros;

j) – a parte residual desse referido imóvel, correspondente ao artigo x(...) rústico de FN(...), após as desintegrações antes referidas, tem agora a área de 930 m2, e assim foi descrito na referida relação de bens corrigida, como a verba 10;

k) – na sequência destas desintegrações o cabeça de casal relacionou, adicionalmente, as verbas 27 e 28, correspondentes aos lotes desintegrados do dito artigo rústico x(...), cada um deles com a área de 1620 m2, portanto coincidentes com as casas de habitação e logradouros totais dos referidos herdeiros E... e F... (artigos urbanos w(...) e z(...) );

l) – também rectificou a verba n.º 26, que corresponde a um prédio urbano, que agora está em total ruína, corrigindo os elementos descritivos, de harmonia com a realidade e também a sua área de 166 m2 para 690 m2, uma vez que a primeira não corresponde à realidade;

m) – relacionou, também adicionalmente, como verbas 1 a 3 de passivo o correspondente aos custos relativos a benfeitorias desenvolvidas por herdeiros no citado imóvel artigo rústico x(...) de FN(...), onde se incluem as anteriormente referidas;

n) – o tribunal a quo tinha conferência de interessados marcada para 29 de Novembro de 2011, que desconvocou;

o) – não promoveu qualquer diligência tendente à produção de prova sumária do incidente provocado (relação de bens rectificada/reclamação/ resposta);

p) – indeferiu, liminarmente, a relação de bens corrigida apresentada, no âmbito das verbas 10, 26, 27 e 28, e concedeu 10 dias ao cabeça de casal para relacionar apenas as verbas 10 e 26 com os elementos coincidentes com os constantes nas respectivas matrizes, o que “obriga” o cabeça de casal a dizer o que não tem qualquer correspondência com a situação verificada desde a década de 70, consolidada mais tarde através de trato entre todos os herdeiros em partilha verbal efectuada em 1990.

q) – com o argumento de que as desintegrações efectuadas não são permitidas face ao disposto no artigo 1376.º do CC,

r) – por inobservância dos preceitos consignados nos artigos 49.º e 50.º, ambos do D.L. 555/99, de 16 de Dezembro,

s) – com remissão para o preconizado nos Dec. Lei 384/88, de 25 de Outubro e 103/90, de 22 de Março;

t) – Por manifesto lapso (pensa o recorrente) o tribunal a quo alvitra como solução a poder ser utilizada pelos herdeiros que executaram as benfeitorias, aplicar o artigo 116.º e ss do CRP (refere-se Código do Registo Civil) o que mesmo considerando o teor da abordagem legal corrigida para “Código do Registo Predial” propiciaria a aquisição originária de direitos, fora do inventário;

u) – resultaria da utilização deste expediente enriquecimento patrimonial dos herdeiros (…) e, em reciprocidade antídota, o empobrecimento do património dos demais;

v) – também alvitra o mesmo tribunal, no douto despacho proferido, a perspectiva da adjudicação da referida verba 10 – prédio rústico x(...) de FN(...), em com – propriedade, o que viria a trazer múltiplos problemas a dirimir, sendo esta figura jurídica pouco simpática e normalmente rejeitada nas correntes jurisprudenciais aplicadas a esta matéria;

w) – Salvo o devido respeito, é o presente inventário a sede própria para dirimir as situações suscitadas, até porque é um expediente jurisdicional que visa a partilha dos bens dos acervos das heranças dos inventariados, de modo tendencialmente justo e equitativo;

x) – As referidas verbas 10, 26, 27, 28 representam em si mesma a fatia mais valiosa das ditas heranças (únicos locais com propensão para utilização “aedificandi”, como se infere da própria realidade já abordada).

y) – Salvo sempre o devido respeito, a situação pode e deve ser resolvida, como perspectiva a dita relação de bens correctiva, assim o tribunal mande proceder à correcção dos elementos matriciais constantes erroneamente nas matrizes, no âmbito das referidas verbas 10 e 26;

z) – estas correcções não foram efectuadas no decurso do processo por uma questão de lealdade, aliás denunciada e justificada;

aa) – também a verba 27 podia ser alterada pelo herdeiro E(...)– artigo urbano w(...) de FN(...) – passando a sua área a incluir todo o logradouro utilizado há dezenas de anos, no total de 1620 m2, em vez dos 303 m2, que apenas correspondem à zona de implantação do edifício;

bb) – assim como a verba 28 podia ser alterada pelo herdeiro F(...)– artigo urbano z(...) de FN(...) – passando a sua área a incluir todo o logradouro utilizado, nas circunstâncias análogas às referidas no ponto anterior, no total de 1620 m2, em vez dos 301 m2, que apenas correspondem à zona de implantação do edifício, porque, de facto há dezenas de anos que, à semelhança do herdeiro anterior utiliza, integralmente, esta área de 1620 m2.

cc) - nos presentes autos, os terrenos referentes à implantação dos citados artigos urbanos w(...) e z(...) , com os respectivos logradouros, faziam e têm de se considerar como da herança a partilhar, cujos valores a avaliar em reporte às datas das respectivas sucessões, a corrigir pelos coeficientes da desvalorização da moeda previstos na lei, para propiciar uma partilha tendencialmente justa e equitativa entre todos os interessados concorrentes à mesma,

dd) – até porque os inventariados quando autorizaram a construção dos ditos edifícios urbanos que viriam a corresponder aos artigos matriciais w(...) e z(...), fizeram-no na perspectiva dos mesmos incluírem as legítimas dos ditos herdeiros e benfeitorizantes e nunca expressaram, de qualquer modo, a dispensa dos mesmos das regras da colação, em sede da actual partilha;

ee) – Ao decidir como decidiu nos autos, no que emerge do douto despacho, o tribunal a quo infringiu os preceitos legais prescritos nos artigos 302.º a 304.º, 1334.º, 1336.º, n.º 2, 1350.º, n.º 3 todos do CPC e artigos 1377.º, alínea c), 2108.º, 2113.º, n.ºs 1 e 2, todos do C. Civil; violou ainda e também os artigos 49.º e 50.º do D.L. 555/99, os normativos preconizados nos D.L. 384/88, de 25 de Outubro e D.L. 103/90, de 22 de Março, uma vez que a sua vigência é muito posterior à data da edificação das casas de habitação referenciadas como benfeitorias implantadas em lotes desintegrados para o efeito do imóvel correspondente ao artigo rústico x(...) da freguesia de FN(...); também violou o art.º 116.º e seguintes do C. do Registo Civil, por não terem qualquer aplicação na matéria emergente dos autos.

Nos termos expendidos e nos demais de direito sempre com recurso ao mui douto suprimento a promover por V. Ex.as, deve o presente e douto despacho do tribunal a quo ser revogado e substituído por outro a permitir a relação de bens recusada, com a descrição real dos mesmos, que é igual à verificada à data das transmissões, ainda que, previamente, se promovam as rectificações matriciais correspondentes às verbas 10, 26, 27 e 28.

Mais, deve o mesmo despacho a proferir pelo tribunal ad quem mandar ordenar que se promova à prova sumária, pois que daí poderá haver clarificação da matéria controvertida e, quem sabe, propiciar acordo para a partilha consensual ainda não atingido, fazendo-se, deste modo,…».

II. Objecto do recurso.

O objecto do recurso consiste, em primeiro lugar, em verificar se no processo de inventário podem ser relacionados bens imóveis cuja descrição não corresponda ao teor que consta da respectiva matriz.

Seguidamente, cumpre verificar se a descrição conferida na relação de bens às verbas n.º 10, 26, 27 e 28 respeita as normas relativas à alteração da fisionomia dos prédios que impliquem alterações na matriz predial e se tal descrição respeita também os procedimentos administrativos relativos à proibição do fraccionamento de prédios rústicos e às operações de loteamento.

III. Fundamentação.

a) Matéria de facto.

1 – Da última relação de bens apresentada constam, entre outras, as seguintes verbas:

«10.º (verba rectificada)

O remanescente de uma terra de cultura com 1 poço, parcialmente demolido, com a área de 930 m2, sita em Q(...), a confrontar do Norte e Sul com bens da herança (parcelas facticamente desanexadas de 1600 m2 a Norte e a Sul, destinadas à construção urbana (constantes e descritas como verbas 27 e 28 da presente relação de bens), do Nascente com MM(...)e outros e do Poente com urbano da herança (artigo y(...) de FN(...)) inscrito na respectiva matriz sob o artigo x(...), omisso do registo predial, com o valor tributável de €:60,00, onde foram desenvolvidas benfeitorias pelo herdeiro e cabeça de casal (construção de muro no limite Nascente), a que se atribui o valor global de €:6.250,00 (onde se incluem as ditas benfeitorias avaliadas em €:1.250,00) sendo relevante para efeitos da partilha o valor atribuído ao imóvel rústico de €:5.000,00».

«26.º (verba rectificada)

Casa de habitação em ruínas, sem divisões visíveis e definidas, com pequeno logradouro, com a área de ocupação total de 690 m2, que confronta do Norte, Nascente e Sul com bens da herança e do Poente com actual Rua MM(...), inscrito na respectiva matriz sob o actual artigo n.º y(...) (anterior 702 da mesma freguesia), omisso do registo predial, com o valor patrimonial tributário de €:470,38 e valor atribuído de €:7.500,00».

«27.º

Lote de terreno, com a área de 1620 m2, desanexado facticamente do imóvel correspondente ao artigo rústico x(...) da freguesia de FN(...), onde foi edificada uma casa de habitação pelo herdeiro (…), de rés do chão, dependências, currais, poço para rega e muro - actualmente absorvendo todo o lote - a que corresponde a inscrição matricial urbana de FN(...) w(...) - (a que se atribui o valor de €:62.500,00), a confrontar do Norte com JB(...), do Sul com bens da herança, do Nascente com MF(...) e do Poente com a actual Rua 1.0 de Maio, pelo que o valor global atribuído ao lote é de €:75.000,00, sendo relevante para efeitos da partilha o valor do terreno, depois de expurgadas as benfeitorias, do montante de €:12.500,00».

«28.º

Lote de terreno, com a área de 1620 m2, desanexado facticamente do imóvel correspondente ao artigo rústico x(...) da freguesia de FN(...), onde foi edificada uma casa pelo herdeiro (…), de rés do chão, dependências e currais e muro - actualmente absorvendo todo o lote e a que corresponde a inscrição matricial z(...) da dita freguesia de FN(...), (a que se atribui o valor de €:46.250,00), a confrontar do Norte com bens da herança, do Sul com serventia, do Nascente com José Augusto Cação e outros e do Poente com a actual Rua MM(...), pelo que o valor atribuído ao lote é de €:58.750,00, sendo relevante para efeitos de partilha o valor do terreno, depois de expurgadas as ditas benfeitorias, do montante de €:12.500,00».

2 – Constam da última relação de bens apresentada, as seguintes verbas relativas ao passivo.

«II - DO PASSIVO

Encargos das heranças – benfeitorias em favor de terceiros – herdeiros.

1.º

O valor das benfeitorias, correspondente à casa de habitação de rés-do-chão, dependências, currais, poço para rega e muro, em favor do herdeiro (…) por este desenvolvidas no lote de terreno facticamente desanexado do imóvel rústico, correspondente ao artigo x(...) da freguesia de FN(...), conforme é referido na verba 27 do activo relacionado, no montante global de €:62.500,00.

2.º

O valor das benfeitorias, correspondente à casa de habitação de rés-do-chão, dependências e currais e muro, em favor do herdeiro (…), por este desenvolvidas no lote de terreno facticamente desanexado do imóvel rústico, correspondente ao artigo x(...) da freguesia de FN(...), conforme é referido na verba 28 do activo relacionado, no montante global de €:46.250,00.

3.º

O valor das benfeitorias, correspondente à construção de um muro em alvenaria e betão, em favor do cabeça-de-casal e herdeiro (…), por este desenvolvidas no extremo nascente do imóvel rústico, correspondente ao artigo x(...) da freguesia de FN(...), conforme é referido na verba 10 do activo relacionado, no montante de €1 250,00».

3 – Relativamente ao artigo matricial rústico n.º x(...), consta da respectiva certidão de teor (cfr. fls. 161) que o mesmo se situa em Q(...), freguesia de FN(...), concelho de Figueira da Foz, confrontando do Norte com AS(...), do Sul com RR(...) e Outros, de nascente com MF(...) e Outros e de poente com estrada, com a área total de 0,374000 hectares, estando inscrito em nome de AJ(...) «inscrito sob o art.º 2503 antes do desdobramento da freguesia de FN(...)».

4 – Relativamente ao artigo matricial urbano n.º w(...), consta da respectiva certidão de teor (cfr. fls. 169) que o mesmo se situa em Q(...), freguesia de FN(...), concelho de Figueira da Foz, confrontando do Norte com AS(...), do Sul com AJ(...) de nascente com AJ(...)e de poente com estrada, com a área «SC: 83 m2», «Dep. 120m2. Log. 100m2», «estava inscrito sob o art.º urbano n.º 1450 antes do desdobramento da freguesia de FN(...)».

5 – Relativamente ao artigo matricial urbano n.º z(...), consta da respectiva caderneta predial urbana (cfr. fls. 170) que o mesmo se situa em Q(...), freguesia de FN(...), concelho de Figueira da Foz, confrontando do Norte com estrada, do Sul com o próprio, de nascente com AJ(...)e de poente com AF(...), com a área «SC: 61m2», «D.90 m2, L. 150 m2», «estava inscrito sob o art.º urbano n.º 1222 antes do desdobramento da freguesia de FN(...)».

6 – Relativamente ao artigo matricial urbano n.º y(...), consta da respectiva caderneta predial urbana (cfr. fls. 124) que o mesmo se situa em Q(...), freguesia de FN(...), concelho de Figueira da Foz, confrontando do Norte com MS(...), do Sul com herdeiros de AC(...), de nascente com vários inquilinos e de poente com caminho público, com a área «SC: 45m2», «P. 100 m2» e «Curral 21m2», «…inscrito anteriormente sob o artigo n.º 702 da mesma freguesia».

b) Apreciação das questões objecto do recurso.

1- Vejamos a primeira questão colocada que consiste em saber se no processo de inventário podem ser relacionados bens imóveis cuja descrição não corresponda ao teor que consta da respectiva matriz.

A resposta a dar é negativa, sob a consideração de que os prédios obtêm a sua identidade como coisas, distintas de outras coisas, designadamente dos prédios adjacentes, através da identificação matricial.

Vejamos se é assim.

A situação a considerar neste recurso, face à relação de bens apresentada, é a que se vai descrever de seguida.

Em termos matriciais existiram inicialmente, e ainda existem, dois prédios com os seguintes artigos matriciais:

O artigo x(...), a que corresponde a verba n.º 10;

E o artigo y(...), a que corresponde a verba n.º 26.

No artigo matricial x(...), dois dos filhos dos autores das heranças construíram, na década de 70 do século passado, as suas casas de habitação e a cada uma dessas habitações veio a ser atribuído um artigo matricial urbano, a saber, o artigo w(...) (verba 27) e o artigo z(...) (verba 28).

A verba n.º 10 é constituída pela área sobrante ou remanescente do artigo x(...).

Nos termos das descrições apresentadas neste inventário, através da relação de bens, as áreas das verbas 10, 26, 27 e 28 não correspondem às áreas dos artigos matriciais, x(...), y(...), w(...) e z(...), respectivamente, como mais facilmente se vê através deste quadro:

Artigo x(...)

 (Verba 10)

Artigo y(...)

(Verba 26)

Artigo w(...)

(Verba 27)

Artigo z(...)

(Verba 28)

Descrição matricial

3740 m2

166 m2

303 m2

301 m2

Descrição no inventário

930 m2

690 m2

1620 m2

1620 m2

De salientar que a soma das áreas das verbas 10 e 26 também (930 m2 + 690 m2) perfaz os 1620 m2, área igual à que na descrição se atribui a cada uma das verbas 27 e 28.

É esta a situação que cumpre considerar, como se disse.

2 – Vejamos a primeira questão, que consiste em verificar se no processo de inventário podem ser relacionados bens imóveis cuja descrição não corresponda ao teor que consta da respectiva matriz.

a) O processo de inventário, como se enuncia no n.º 1 do artigo 1326.º, do Código de Processo Civil, «…destina-se a pôr termo à comunhão hereditária ou, não carecendo de realizar-se partilha judicial, a relacionar os bens que constituem objecto de sucessão e a servir de base à eventual liquidação da herança».

Vê-se pelo teor desta norma, que nos indica as finalidades do inventário, que entre essas finalidades não se encontra a de gerar prédios novos e que passem a existir de novo na ordem jurídica como objectos de negócios jurídicos a partir da conclusão do processo de inventário.

Por outro lado, no n.º 3 do artigo 1345.º do mesmo Código, determina-se que a menção dos bens é acompanhada dos elementos necessários à sua identificação e ao apuramento da sua situação jurídica, o que nos mostra também que a identificação e a situação jurídica dos imóveis são dados preexistentes ao inventário, que se limita a recolhê-los.

b) Além das normas do Código de Processo Civil, verifica-se que interessam a esta questão diversas normas do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro), sendo de destacar o disposto no n.º 1 do artigo 12.º, onde se diz que «As matrizes prediais são registos de que constam, designadamente, a caracterização dos prédios, a localização e o seu valor patrimonial tributário, a identidade dos proprietários e, sendo caso disso, dos usufrutuários e superficiários».

E, no artigo 13.º do mesmo Código, o legislador indicou os casos que implicam o dever, a cargo dos proprietários ou outros destinatários da norma, de proceder à inscrição dos prédios na matriz ou, se já estão aí inscritos, de actualizar a matriz, contando-se entre estes casos a situação em que «Uma dada realidade física passar a ser considerada como prédio» – al. a) do seu n.º 1 – e aquela em que ocorreu uma modificação dos «…limites de um prédio» - al. c) do seu n.º 1.

Por sua vez, a competência para a organização e conservação das matrizes encontra-se atribuída, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º do mesmo Código, aos serviços de finanças com competência na área onde os prédios se encontram situados.

Por fim, a lei, através do disposto no artigo 124.º do mesmo diploma, determina às entidades públicas o seguinte:

«1 - As entidades públicas, ou que desempenhem funções públicas, que intervenham em actos relativos à constituição, transmissão, registo ou litígio de direitos sobre prédios, devem exigir a exibição de documento comprovativo da inscrição do prédio na matriz ou, sendo omisso, de que foi apresentada a declaração para inscrição.

2 - Sempre que o cumprimento do disposto no número anterior se mostre impossível, faz-se expressa menção do facto e das razões dessa impossibilidade, devendo comunicar-se tal facto ao serviço de finanças da área da situação dos prédios».

Este conjunto de normas mostra que é obrigatória (o artigo 13.º, n.º 1, al. f), deste código, estabelece a obrigação de comunicar aos serviços de finanças a existência de prédios omissos na matriz) a inscrição dos prédios na matriz, bem como as suas alterações, e que as entidades públicas, entre as quais figuram os tribunais, têm o dever de fiscalizar o cumprimento destes deveres e de não permitir que as respectivos actos possam produzir efeitos jurídicos sem se mostrarem regularizadas matricialmente as situações prediais.

De notar que no caso dos autos não se cai na hipótese do n.º 2 do artigo 124.º acima mencionado, porque não existe qualquer impossibilidade do cabeça-de-casal e herdeiros darem cumprimento ao dever mencionado no seu n.º 1, no sentido de promoverem as alterações matriciais necessárias e legalmente viáveis junto dos respectivos serviços de finanças.

Resumindo: as normas citadas exigem que as autoridades públicas quando pratiquem actos atinentes à constituição, transmissão ou registo de imóveis, ou dirimam litígios acerca de direitos sobre eles, exijam aos interessados a exibição de documento comprovativo da inscrição do prédio na matriz ou, sendo omisso, que foi apresentada a declaração para inscrição, mas, claro está, não se trata de uma qualquer exibição de documentos, mas sim de uma exibição que ateste a conformidade entre a situação apresentada e o cumprimento das normas do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, em especial as que ficaram mencionadas.

3 - Passando à segunda questão relativa à questão de saber se a descrição conferida às verbas n.º 10, 26, 27 e 28, na relação de bens, respeita as normas relativas à alteração da fisionomia dos prédios que impliquem alterações na matriz predial e se tal descrição respeita também os procedimentos administrativos relativos à proibição do fraccionamento de prédios rústicos e às operações de loteamento.

Do que ficou referido resulta, que, procedendo-se como vem indicado na relação de bens, as mencionadas verbas passariam a ter áreas que implicavam a prévia alteração das matrizes relativas aos respectivos artigos matriciais, pois o aumento e diminuição das áreas, dada a sua proporção em relação à realidade matricial existente, implica uma alteração dos «limites do prédio», situação, que, como já se indicou, determina a alteração correspondente na matriz.

Por conseguinte, se se permitisse neste inventário a composição e futura transmissão da propriedade dos prédios identificados nas aludidas verbas, estar-se-ia a agir contra as disposições legais que regulamentam precisamente os procedimentos a observar nessa matéria constantes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, o que não pode ser.

Além disso, colocam-se ainda, mais a jusante, as questões invocadas no despacho recorrido.

Não é claro que se apliquem ao caso as regras do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro), por não haver matéria que mostre claramente que estamos face a operações de loteamento, tal como vêm identificadas na al. i), do artigo 2.º, deste regime jurídico, definidas aí como «…as acções que tenham por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana e que resulte da divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento».

Com efeito, nas verbas 27 e 28 já se encontram construídas habitações há mais de 30 anos e a verba n.º 26 já respeita a um prédio urbano, sendo certo que a verba 10 respeita ao remanescente de um prédio cuja natureza não sofre qualquer alteração (apenas diminui a área).

Não é líquida, pelo exposto, qualquer infracção a este regime jurídico.

Porém, aplica-se ao caso a proibição de fraccionamento que resulta do artigo 1376.º do Código Civil, onde se dispõe, no seu n.º 1 que «Os terrenos aptos para cultura não podem fraccionar-se em parcelas de área inferior a determinada superfície mínima, correspondente à unidade de cultura fixada para cada zona do País; importa fraccionamento, para este efeito, a constituição de usufruto sobre uma parcela do terreno».

A área de cultura encontra-se definida na Portaria n.º 202/70, de 21 de Abril, sendo para a região da Figueira da Foz, incluída no distrito de Coimbra, de 2,00 hectares para a cultura arvense de regadio, bem como para as culturas de sequeiro, e de 0,50 hectares para as culturas hortícolas de regadio.

No caso, embora não se conheça a natureza dos terrenos, face às áreas mencionadas, o fraccionamento que resultaria da descrição efectuada na relação de bens seria inferior à área de cultura de menores dimensões a que alude a Portaria em questão, que é a de 0,50 hectares, ou seja, 5000 metros quadrados.

Por conseguinte, verifica-se que a pretensão do cabeça-de-casal também não pode ser acolhida pelo tribunal por ser contrária a estas disposições legais.

Mas, mesmo que o fraccionamento fosse igual ou superior à unidade de cultura, sempre se colocavam as questões que começaram por ser assinaladas relativamente à obrigatoriedade de proceder às alterações matriciais nos serviços públicos competentes, operação essa prévia à descrição de bens no inventário.

Aliás, cumpre ter em consideração ainda o seguinte:

Se porventura se prosseguisse com o inventário e fossem adjudicadas as verbas em questão aos herdeiros, tal como estão descritas na relação de bens, estes não conseguiriam, por exemplo, registar tais bens, por não existir harmonização entre o título (adjudicação em inventário) e a matriz predial, para efeitos do disposto no artigo 28.º do Código de Registo Predial, onde se dispõe:

«1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, deve haver harmonização, quanto à localização, à área e ao artigo da matriz, entre a descrição e a inscrição matricial ou o pedido de rectificação ou alteração desta.

2 - Na descrição dos prédios urbanos e dos prédios rústicos ainda não submetidos ao cadastro geométrico, a exigência de harmonização é limitada aos artigos matriciais e à área dos prédios.

3 - Nos títulos respeitantes a factos sujeitos a registo deve haver harmonização com a matriz, nos termos dos n.º 1 e 2, e com a respectiva descrição, salvo se quanto a esta os interessados esclarecerem que a divergência resulta de alteração superveniente ou de simples erro de medição».

Face ao teor deste n.º 3, quando fosse apresentada nos serviços do registo predial a relação de bens e a sentença de adjudicação dos prédios (título), verificar-se-ia que as respectivas matrizes prediais estavam em desarmonia com a descrição constante do título de aquisição, o que impediria o registo.

E, como resulta do já exposto, a eventual sanação do vício a posteriori (harmonização da matriz com o título, já que não seria possível alterar o título) não seria possível, porque isso violaria a proibição de fraccionamento, nos termos do artigo 1376.º do Código Civil, no que respeita ao prédio correspondente ao artigo matricial x(...), pelo que os serviços teriam de recusar a harmonização, caso formalmente a tivessem considerado viável.

4 – Face ao que fica exposto, afigura-se que o recurso não pode proceder.

O que ficou referido supra sob o ponto «2» basta para mostrar que o cabeça-de-casal ou relacionava os bens tais como constavam das matrizes ou, em conjunto com os restantes herdeiros, procedia previamente à alteração das matrizes junto dos serviços de finanças competentes, nos termos previstos no mencionado Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.

O que não pode ocorrer no inventário, face ao que ficou mencionado, é a desarmonia entre a matriz predial e a descrição do prédio que é feita na relação de bens e posterior adjudicação de prédios formados à revelia dos procedimentos legais previstos e fora dos serviços administrativos competentes.

Resumindo: por força do disposto nos artigos 12.º, n.º 1, 13.º, n.º 1, als. a) e c), 78.º, n.º 1 e 124.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro), quando os imóveis são relacionados no inventário a sua descrição deve coincidir com a descrição que consta da matriz predial ou, em caso de omissão na matriz, com a descrição que foi comunicada aos serviços competentes, sob pena do processo não poder prosseguir sem estar harmonizada  a descrição no inventário com a matriz predial, o que ocorre no caso concreto em relação às quatro verbas que vêm sendo mencionadas.

Por outro lado, no caso concreto, não se poderia autorizar também a composição das verbas n.º 10, 27 e 28, tal como vêm relacionadas, devido ao facto de ocorrer infracção ao disposto no n.º 1 do artigo 1376.º do Código Civil.

Cumpre apenas assinalar, para terminar, citando Jorge Seabra de Magalhães, quando chama à atenção para a importância da correspondência entre a realidade física, jurídica e registral, nos seguintes termos: «E, daí, que a protecção registral venha a servir de bem pouco ao credor hipotecário que, tendo em vista a descrição (e de quem espera afinal, senão do registo, informação mais apropriada e idónea?), suponha o seu crédito garantido por uma quinta, quando o prédio hipotecado não passa de um pequeníssimo quintal ou, pior ainda, nem sequer passa do texto descritivo…» - Estudos de Registo Predial, Almedina/1986, pág. 66/67.

IV. Decisão.

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.


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Alberto Ruço ( Relator )

Judite Pires

Carlos Gil