Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
324/10.9TBCVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: INDEMNIZAÇÃO
OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
PRIVAÇÃO DO USO DO VEÍCULO
DANO BIOLÓGICO
INCAPACIDADE
Data do Acordão: 12/02/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COVILHÃ - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 566º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I. À luz do preceituado no art.º 566.º a indemnização em dinheiro tem carácter subsidiário, tendo lugar, nos termos deste artigo, apenas quando não seja possível a reconstituição da situação anterior à lesão, quando ela não repare integralmente o dano ou seja excessivamente onerosa para o devedor.

II. Não é qualquer excesso que justifica a exoneração do devedor, permitindo-lhe substituir a obrigação de restauração natural pela obrigação pecuniária, mas apenas aquele que se apresente como um encargo de todo injustificado (e injusto) no confronto com o interesse do lesado na reposição da situação que existiria caso o dano não tivesse sido produzido; a excessiva onerosidade não se apura no confronto do valor venal do bem com o custo da respectiva reparação, antes devendo ser aferida colocando face a face o valor da reparação com aquele que o bem danificado assume no património do lesado e que tem tradução nas utilidades que lhe proporciona, implicando assim uma avaliação casuística.

III. Afigura-se hoje maioritário o entendimento de que a privação do uso de um veículo em consequência de danos causados por acidente de viação importa para o seu proprietário a perda de uma utilidade, nomeadamente a de nele se deslocar quando e para onde entender, e que, em si mesma considerada, tem valor pecuniário. Constituindo assim o uso uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária é meramente consequente a conclusão de que a sua privação constitui um dano patrimonial indemnizável.

IV. Convergindo na caracterização do dano biológico, em que inequivocamente se traduz uma incapacidade genérica permanente, como a diminuição somático-psíquíca do indivíduo, o prejuízo “in natura”, com natural repercussão na vida de quem a sofre, têm os nossos Tribunais hesitado na sua integração numa ou outra das categorias tradicionais: danos patrimoniais de um lado, não patrimoniais do outro.

V. Com méritos enquanto categoria autónoma, atento o leque de situações que nele congrega, o dano biológico releva num e noutro planos, consoante, enquanto dano primário, se projecta depois negativamente no património do lesado, amputando-o, repercutindo-se, do mesmo passo, como ofensa na esfera dos seus valores imateriais (danos consequentes).

VI. A incapacidade genérica parcial de que o lesado ficou portador, traduzindo a perda de funcionalidades que detinha antes do evento danoso e que por ele ficaram irremediavelmente afectadas, configura um dano de cariz biológico, cuja ressarcibilidade, independentemente da categoria em que se inclua ou da sua consideração autónoma, é indiscutível.

Decisão Texto Integral:
I – Relatório
A..., viúvo, industrial de máquinas, a residir na (...)Orjais, veio instaurar contra B..., S.A., com sede na (...) Lisboa, acção declarativa de condenação, a seguir a forma ordinária do processo comum, pedindo a final a condenação da ré no pagamento da quantia de € 121 628,18 (cento e vinte e um mil, seiscentos e vinte e oito euros e dezoito cêntimos), respeitando € 30 128,18 a danos de natureza patrimonial e o restante a danos não patrimoniais, e ainda no montante a liquidar decorrente de eventuais danos que se vierem a apurar (decorrentes de eventual alteração do valor da reparação, agravamento da doença, sequelas, etc.), tudo acrescido de juros contados à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.
Em fundamento alegou, em síntese, ter ocorrido um acidente de viação no dia 17 de Junho de 2009, no qual intervieram o veículo da marca Mercedes, com a matrícula (...)BQ, propriedade do demandante, que o conduzia, e a viatura (...)IF, ligeiro de passageiros pertencente a F..., seu condutor na ocasião. O embate entre os veículos ficou a dever-se a conduta culposa deste último condutor que, por circular com excesso de velocidade e desatento à condução, foi embater com a frente na traseira da viatura BQ, que se encontrava então imobilizada no eixo da via, aguardando o aqui autor a passagem dos veículos que circulavam em sentido contrário, a fim de realizar a manobra de mudança de direcção à esquerda que com antecedência havia sinalizado.
Em consequência do descrito embate o veículo do autor sofreu estragos vários, cuja reparação foi orçamentada em €14 769,18, com um tempo estimado de reparação de 150 dias, reclamando pela privação do uso o montante indemnizatório de € 15 000,00, à razão de €100,00/dia.
Ainda em consequência do acidente, alegou ter sofrido lesões que lhe provocaram dores e cujas sequelas importam uma IPP de 34%, danos de natureza não patrimonial e patrimonial futuros para cujo ressarcimento reclama o montante de € 91 500,00.
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Regularmente citada, a ré apresentou a contestação de fls. 63 a 67 dos autos, peça na qual, aceitando ter o acidente ocorrido devido a culpa do seu segurado, impugnou, por excessivos, os montantes indemnizatórios reclamados, tanto mais que, disse, a reparação foi orçamentada em € 10 491,92, peritagem feita com o auxílio e aprovação de D..., o mesmo que agora apresenta um orçamento superior em 50%. Acresce que o autor aceitou receber o montante de € 6500,00 a título de indemnização pelos danos que lhe advieram da perda total da viatura BQ, a nada mais tendo direito.
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Teve lugar a audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo que da acta consta, no termo do qual foi proferida douta sentença que, na procedência parcial da acção, condenou a ré a pagar ao autor as quantias de €30.128,18 a título de danos patrimoniais e €17.000,00 para compensação dos danos de natureza não patrimonial, acrescidas dos juros que se vencerem desde a data da decisão e até integral pagamento.
Inconformada, apelou a ré e, tendo apresentado pertinentes alegações, rematou-as com as seguintes necessárias conclusões:
“1.ª- A recorrente não se pode conformar com o juízo do Tribunal “a quo” no que toca à quantificação dos danos patrimoniais, especificamente relativo ao valor da reparação do veículo sinistrado e da privação do seu uso.
2.ª- Deste modo, coloca-se em crise o ponto 9.º da base instrutória que foi dado como provado e, correlativamente, o ponto 30.º dado como não provado. Ainda tendo em conta a matéria de facto dado como provada, mormente os pontos 10.º a 13.º, outra deveria ser a decisão judicativa que implicaria a diminuição do “quantum” fixado a título da reparação do veículo e da privação do seu uso.
3.ª- O Tribunal a quo deu como provado que: “9.º Da base instrutória: A respectiva reparação implica serviço de mão-de-obra, pintura, bate-chapas e substituição de peças, sendo necessário despender 14.769,18 €.”
4.ª- Dos autos constam dois orçamentos elaborados: um por parte de C... e outro por D....
5.ª- Dos respectivos depoimentos prestados resultou:
a) C...: No que toca ao orçamento elaborado teve em conta o preço das peças de origem através de um programa que lhe fornecia tal indicação, o que veio ser confirmado, de grosso modo, pelo ofício remetido pela MERCEDES-BENZ, PORTUGAL, S.A. – cfr. depoimento 6m13s e 13m54s.
Confrontado com o orçamento elaborado por D... e questionado sobre os valores apresentados, afirmou que aquele estaria mal e que os valores apresentados no dele seriam os correctos – cfr. 12m44s e 14m07s do depoimento prestado.
Por último, questionado sobre o aumento do valor das peças num espaço de tempo de 9 meses afirmou assertivamente que não poderia existir alteração tão grande / grave do seu valor – cfr. 18m31s.
b) D...: Realizou orçamento à viatura sinistrada já em 22/02/2010, tendo o sinistro ocorrido a 17/06/2009. Afirmou que a reparação demoraria cerca de 15 dias e entende que era justificado o valor que apresentou.
Justifica a disparidade porque alegadamente o outro orçamento não teve em conta a mão-de-obra e muito provavelmente foi feito de acordo com o valor de peças da “concorrência”, já que ele (próprio) calculou o preço das peças fazendo uma “busca ao mercado” e, tendo em conta, a mão-de-obra necessária. Porém, questionado sobre a equivalência das peças danificadas indicadas nos dois orçamentos e sobre a discriminação da mão-de-obra no orçamento do perito não soube responder.
6.ª- Para o juízo correlativo ao ponto 9.º e 30.º da base instrutória mostra-se necessário socorrermo-nos dos dois orçamentos apresentados, do ofício à “MERCEDES-BENZ, PORTUGAL, S.A.” e das contradições nos depoimentos prestados (…)
7.ª- Do que vai dito resulta que a valoração primacial do depoimento da testemunha D... encontra-se infundada, pelo que nunca deveria ter sido preterido o depoimento prestado pelo perito C....
8.ª- Ademais, se o punctum crucis passa pela discriminação e valor da mão-de-obra, ali está ele no orçamento/peritagem elaborada.
9.ª- Andou mal o Tribunal a quo ao ter ajuizado este concreto ponto da matéria de facto, pelo que o ponto 30.º da base instrutória deveria ter sido dado como provado e correlativamente o ponto 9.º dado como não provado.
10.ª- Dos danos decorrentes da reparação do veículo:
Ajuizou o Tribunal a quo no sentido da reparação do veículo, com base na mobilização do princípio da restauração natural, na inexistência de excessiva onerosidade e, ainda, pelo facto da aqui Recorrente não ter encontrado viatura similar para entregar ao Recorrido.
11.ª- A Recorrente não se pode conformar com tal juízo, em verdade, resulta dos depoimentos prestados, mormente pelos peritos e empresários de automóveis, disparidades que não conduzem àquele resultado.
12.ª- Pois bem, se a diferença reside no desmontar ou não do veículo sempre se dirá, tendo em conta o resultado final das perícias, que a primeira é igual à segunda, o que significa e só pode significar que não haveria qualquer dano a justificar a subida do preço de reparação.
13.ª- Pelas razões aduzidas deveria ter prevalecido na decisão do Tribunal “a quo” tais elementos que indiciavam outra decisão.
14.ª- Relativamente à não apresentação de viatura semelhante por parte da Recorrente – critério mobilizado pelo Tribunal a quo – diga-se somente que a Recorrente não dispunha da indicação de que a substituição da viatura era a pretensão do Autor; ademais, apesar de não ter sido valorado e dado como provado, a única indicação de que a Recorrente disponha é que o Recorrido aceitaria o valor do salvado e o valor dado como perda total, vide pontos 31.º a 33.º da base instrutória dados como não provados.
15.ª- Relativamente aos critérios e princípios normativos mobilizados, ou seja, o princípio da restauração natural e o critério da excessiva onerosidade, pelo que precede, se for esse o sentido da mediação normativo-jurídica por parte do Tribunal a quo, a Recorrente deveria ter sido condenada ao pagamento de 10 491,92€, com iva incluído, e não o valor de 14 769,18€.
16.ª- Dos danos decorrentes da privação do veículo: o montante indemnizatório ajuizado pelo Tribunal a quo não vai ao encontro da prova produzida de que se socorreu para fundamentar o seu juízo. Isto porque a quantia peticionada de 15 000,00€ (resultante do valor de 100€/dia de paralisação e imobilização por correlação com o tempo estimado de reparação do veículo sinistrado) - cfr. art. 16.º. 22.º a 24.º da Petição Inicial – tinha por base o tempo estimado e alegado de 150 dias.
17.ª- Ora resulta dos autos que o douto Tribunal se alicerçou primordialmente no depoimento da testemunha D.... Este referiu que o tempo estimado de reparação seria somente de 15 dias (e não de 150), o que foi dado como provado, cfr. ponto 10.º da base instrutória.
18.ª- Logo, o valor a que a aqui Recorrente foi condenada teria sempre que ser inferior, com base nos argumentos avançados pelo Tribunal, especificamente 1500€. Trata-se certamente de um erro de cálculo e por certo involuntário por parte do julgador.
19.ª- O juízo de equidade deverá correlacionar-se com problemática do caso decidendo.
Assim, resulta dos autos que o veículo sinistrado não é o único pertencente ao Autor e que o veículo sinistro era, sobretudo, usado excepcionalmente, por questões sociais, familiares e, também, para visitar alguns clientes, sabendo que o Autor se socorria do outro veículo – um “Jeep” – na maioria das vezes.
20.ª- Mesmo que se aceite que a simples privação provoca um dano na esfera do património do Recorrido, ou seja, independentemente da existência de um dano e da sua indemnização, é necessário verificar se a privação do uso se traduz ou não numa diferença patrimonial palpável entre a situação que existiria se aquela não ocorre e a que existe por causa dela.
21.ª- Atendendo à disponibilidade do recurso a outra viatura, os danos eventualmente consequentes ao sinistro estariam sempre atenuados ou de escassa importância.
22.ª- Não se encontram justificados os limites pelos quais se quantificou o dano nem se logra compreender por que razão a excepcionalidade não foi tida em conta para aquela quantificação.
23.ª- Nesta senda, mobilizado o critério de equidade, vejam-se várias decisões judicativas em que frequentemente se quantificou tal dano (de privação de uso do veículo) em valores claramente inferiores, mormente pela quantificação média de um valor de 10€/dia (…)
24.ª- O Tribunal a quo deveria ter ponderado e adaptado ao circunstancialismo do caso decidendo, pois bem, nem o critério se encontra fundamentado (pelo valor em si manifestamente exagerado – 100€/ dia) nem tão-pouco aquele a ser usado leva ao montante fixado (pelo erro de cálculo referido)”.
Com tais fundamentos pretende a alteração da matéria de facto nos termos preconizados, com a consequente alteração das indemnizações fixadas, devendo a atribuída pela privação do uso do veículo ter como base o quantitativo diário de € 10,00/dia ou, quando assim se não entenda, deverá ser corrigido o montante fixado pelo Tribunal “a quo” tendo em conta os 15 dias de reparação necessários, para o valor total de € 1500,00.
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Contra alegou o autor, pugnando pela improcedência do recurso interposto pela ré e, discordando da sentença no que respeita ao valor fixado para compensação dos danos de natureza não patrimonial, apresentou recurso subordinado, tendo formulado afinal as seguintes proposições conclusivas:
“I – Como é jurisprudência pacífica, são devidos juros apenas após a data da sentença na 1.ª instância, já que se tem em conta que a indemnização foi calculada como referência a esse momento, e não a partir da citação. Ora,
II- Tal critério reporta-se aos danos não patrimoniais, não valendo para os danos patrimoniais, já previamente fixados ou determináveis. Assim,
III- Quanto à verba aceite de 359,00 € (ponto 16) deveria ter sido paga logo que apresentada, e até hoje não foi paga; quanto ao valor da reparação – a mesma foi fixada em 14.769,18 €, data da reparação (em 22.02.2010 – doc. 5 junto com a p.i.), e até hoje não foi pago; quanto à imobilização, embora fixada em sede de sentença, estava pré-determinada, com indicação na petição dos critérios base (valor dia e dias da imobilização), ou seja, aquando da citação a Ré, tinha todos os elementos referentes a tal dano.
IV- A citação serviu como interpelação da Ré, e não tendo pago tais valores, entrou em mora (artigo 805º, n.º 1 e 2, al. c) do Cód. Civil). Daí que, quanto aos danos patrimoniais, deve ser alterado a douta sentença, devendo-se ser devidos juros desde a citação, e não desde a decisão.
V- Quanto aos danos não patrimoniais fixados na douta sentença, como um todo (em bloco), entende o Recorrente que, segundo a última jurisprudência, deve haver uma autonomização, ou seja, alguns devem ser considerados danos patrimoniais, e outros, danos estritamente não patrimoniais, e devem ser autonomamente valorados.
VI- Assim, os danos referentes à incapacidade (total e ou parcial) e às consequências para a vida, enquanto trabalhador – já que tais danos constituem uma diminuição efectiva do ganho laboral – quer no presente, quer no futuro – devem ser tidos em conta e considerados como danos patrimoniais indemnizáveis, em separado – e, atenta a extensão dos mesmos, face à factualidade provada e assente (já que não impugnada pelo Recorrente) tal dano deve ser valorado em pelo menos 35.000,00 €.
VII- Os restantes danos (matéria também provada e não impugnada, e constante dos pontos 14, 15, 16, 17, 18, 23, 24, 25, 26, 27, 28 e 29) – devem ser, só estes, valorados e autorizados como danos não patrimoniais. Só que,
VIII- Estes, mesmo expurgados da verba indicada (danos patrimoniais, atrás autonomizada) foram mesmo assim valorados em quantia muito diminuta – pois, segundo a última jurisprudência, dada a extensão de tais danos, os mesmos não devem ser quantificada em menos de 20.000,00 € - valor que o Recorrente entende como justo e razoável.
A apelante contra alegou doutamente, pugnando pela improcedência do recurso subordinado.
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Assente que pelo teor das conclusões se define e delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões trazidas à apreciação deste Tribunal:
i. da modificação das respostas dadas aos art.ºs 9.º e 30.º da base instrutória;
ii. da excessiva onerosidade da obrigação de restauração natural e do dano decorrente da privação do uso;
iii. da indemnização pela incapacidade genérica parcial de que o autor ficou portador e danos de natureza não patrimonial sofridos
iv. do início da contagem dos juros.
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i. da impugnação da matéria de facto
Pretende a apelante que seja modificada a matéria de facto, com inversão do sentido das respostas dadas aos art.ºs 9.º e 30.º (conclusões 1.ª a 9.ª). Invoca para tanto os dois orçamentos em confronto, os testemunhos dos seus autores e o ofício remetido pela Mercedes Benz Portugal a solicitação do Tribunal, elementos que, criticamente apreciados, impõem, em seu entender, a prevalência do orçamento elaborado pelo perito por si nomeado, cujo teor foi pelo mesmo explicitado, e a consequente desconsideração do orçamento da responsabilidade da testemunha D... e declarações por este prestadas.
Perguntava-se nos aludidos artigos:
“9.º- A respectiva reparação implica serviço de mão-de-obra, pintura, bate-chapas, e substituição de peças, sendo necessário despender 14.769,18 €?
Provado.
30.º- A reparação do BQ orça em € 10.491,92, com IVA incluído?
Não Provado.”
A Mm.ª juíza “a quo” justificou as respostas dadas pelo seguinte modo:
C... que peritou a viatura após o acidente:
os danos da viatura eram superiores ao valor da mesma antes do acidente, valor dos danos e da reparação estimada (porque o veículo não foi desmontado) – 10.191,92 Euros, feita em D..., que estava presente; o programa informático que usa dá o preço das peças de origem da marca, com o preço da mão-de-obra da oficina.
Foi confrontado com:
doc. 5 junto com a pi – orçamento apresentado pela oficina,
doc. 1 da contestação – peritagem feita pela testemunha, justificou a diferença de valores para a reparação com a alteração do preço das peças, bem como porque ao desmontar a viatura podia a mesma apresentar outros danos, que não tratou de apurar logo que atingido o valor a injustificar a reparação.
Optaram por não mandar arranjar o veículo considerando o valor da viatura (7.500,00 Euros), dos salvados (1.000,00 Euros) e do arranjo.
D..., empresário auto, elaborou o orçamento junto pelo A. e que confirmou, explicando-o com pormenor. A reparação demoraria cerca de 15 dias e entende que se justificava.
Face às justificações dadas, quer por esta testemunha, quer por E..., para as discrepâncias entre os dois orçamentos, entendo ser de valorar o que esta testemunha realizou.”
A Mm.ª juiz explicitou ter dado prevalência ao orçamento mais elevado, da responsabilidade da testemunha D..., porquanto, conforme resultou desde logo do depoimento da testemunha C..., que efectuou a peritagem a solicitação da ré, não procedeu então à desmontagem do veículo, tendo por isso admitido como possível que esta operação revelasse outros danos carecidos de reparação, sendo o aumento detectado nalgumas peças presentes em ambos os orçamentos explicável pelo tempo que mediou entre a elaboração de um e outro.
A tal motivação contrapôs a apelante que os valores referidos no orçamento desta última testemunha, ao invés do que ocorre com aquele que o Tribunal aceitou como bom, são os praticados pela própria marca; não há diferença entre as peças constantes de um e outro dos orçamentos, não sendo assim válido o argumento de que a desmontagem do veículo revelou danos não considerados nem contabilizados pelo C...; finalmente, foi por este peremptoriamente recusado que a diferença de valores relativamente a alguma das peças pudesse radicar nos cerca de 8 (e não 9) meses que distanciam a elaboração dos orçamentos em confronto.
Pois bem, aceitando-se como correcto que os valores das peças constantes do orçamento apresentado pelo perito nomeado pela ré correspondem aos preços praticados pela Mercedes -o programa utilizado é o disponibilizado pela marca, conforme a própria Mercedes Benz Portugal confirmou no seu ofício de fls. 164- já não é rigorosa a afirmação de que os orçamentos são iguais. Com efeito, confrontados os itens constantes de um e outro orçamentos, verifica-se constarem daquele que o autor apresentou diversas peças que o orçamento elaborado na sequência da peritagem ordenada pela ré não contemplou, a saber: um veio de transmissão, no valor de €387,96; vedantes e diversos, no valor de € 65,00; painéis traseiros esquerdo e direito nos valores de, respectivamente, € 287,98 e € 269,47; tubo de escape, no valor de € 178,34; apoios de escape no valor de € 78,56; apoios de motor no valor de € 128,74; e charriot traseiro no valor de € 487,56, a tudo acrescendo IVA então à taxa de 20%.
Decorre do que se deixou dito não ser rigoroso quanto alega a apelante no sentido do orçamento da responsabilidade do perito por si nomeado contemplar mais peças do que o apresentado pelo autor. Com efeito, surgindo no primeiro discriminadas, quando disso era caso, a peça do lado direito e a do lado esquerdo -até porque com frequência lhe correspondem preços diferentes- tal desdobramento implicou um maior número de parcelas do que as constantes do orçamento da responsabilidade da testemunha D..., no qual com frequência ambas as peças surgem agrupadas numa só parcela. Mas se assim é, a verdade é que da utilização desta técnica, cabe referi-lo, resultou igualmente com frequência aumento do custo das peças, uma vez que surgem ambas pelo preço mais elevado, como ocorreu com os farolins (a ré discriminou o farolim esquerdo, no valor de € 115,19 e o direito, este no valor de € 110,57, surgindo no orçamento elaborado pela testemunha D... os dois farolins pelo mesmo preço de € 115,19 cada), cavas das rodas traseiras (a ré discriminou os valores de €150,91 para a cava esquerda e €206,23 para a direita, ao passo que no orçamento apresentado pelo autor as duas cavas surgem com o mesmo valor de €206,23 cada), coberturas do painel (a cobertura superior surge no orçamento apresentado pela ré com o valor de € 75,37, a cobertura inferior com o valor de €17,55; no orçamento apresentado pelo autor surgem orçamentadas duas coberturas no valor de €75,37 cada) e revestimentos da bagageira (no orçamento da responsabilidade do perito nomeado pela ré surgem discriminados os valores para o revestimento do lado esquerdo e lado direito -€93,19 e €85,03- surgindo os mesmos revestimentos no orçamento da responsabilidade da testemunha D... pelo valor de €217,55, o que representa um acréscimo de €39,33).
Da análise atenta dos dois orçamentos ressaltam igualmente discrepâncias de preço muito dificilmente explicáveis pelo período temporal que mediou entre a elaboração de um e do outro. Sublinhe-se, a propósito, que a testemunha Costa, tendo admitido que os preços alguma variação pudessem ter sofrido, negou de forma peremptória que eventual alteração atingisse a ordem de grandeza que o confronto dos dois documentos evidencia. Acresce que, sendo diversas as peças cujos preços coincidem ao cêntimo, naquelas em que o preço varia -variação sempre para mais no orçamento da responsabilidade da testemunha D...- estamos perante a adição de quantias certas, indício que cremos seguro de inflacionamento artificioso do preço real sendo certo que, argumento este que se afigura decisivo, estamos perante valores que nem em 2013 algumas peças atingiram.
Ilustram o que vem de se dizer os preços orçamentados para a iluminação e suporte da matrícula (€11,96 por cada um no orçamento da ré, €18,96 no orçamento apresentado pelo autor, do que resulta um acréscimo de €14,00); traseira (€216,53 no orçamento apresentado pela ré, €286,53 no orçamento apresentado pelo autor, num acréscimo de €70,00); piso da traseira (€1232,52 no orçamento apresentado pela ré, € 1432,52 naquele trazido aos autos pelo autor, num acréscimo de €200,00) e ilhargas esquerda e direita (no orçamento da ré surgem pelos preços de €383,60 e €418,46, contra €393,60 e €428,46 no orçamento do autor, o que representa um acréscimo de €20,00).
Por outro lado, são ainda debitadas no orçamento apresentado pelo autor duas borrachas da mala, item que aparece singularmente contemplado no orçamento apresentado pela ré, do que decorre uma diferença para mais naquele primeiro no valor de €42,13, sendo ainda dificilmente explicável a diferença, igualmente para mais, do valor do friso que, custando € 17,55 no orçamento apresentado pela ré, surge pelo valor de € 127,55 naquele que a testemunha D... elaborou, numa diferença para mais de €110,00, sendo certo, como se disse, que os preços constantes do orçamento elaborado pela testemunha C... são os disponibilizados pela marca.
Finalmente, constando do orçamento apresentado pela ré o detalhe dos tempos gastos na realização de cada tarefa, ficamos sem saber a que se deve o acréscimo de 70% no tempo da pintura que consta do orçamento apresentado pelo autor, ou as 30 h mais de mão-de-obra de mecânica, electricista, estofador e bate chapa, uma vez que nada se encontra discriminado.
Ouvidos os depoimentos prestados pelas testemunhas em causa - C..., que efectuou a peritagem ao veículo acidentado a solicitação da ré, e D..., que elaborou o orçamento junto com a petição inicial a pedido do autor- coincidem quanto ao facto do primeiro orçamento corresponder de facto a uma estimativa, uma vez que a viatura não foi desmontada, tendo por isso o seu autor admitido que outros danos se viessem a revelar. Declarou no entanto o referido C... que os valores das peças constantes do orçamento da sua responsabilidade correspondiam aos fornecidos pela marca -o que, conforme se teve já o ensejo de referir, foi confirmado pelo ofício enviado a juízo pela Mercedes Benz Portugal- ao passo que o custo da mão-de-obra foi fornecido pela oficina, no caso a explorada pela testemunha D....
Quanto ao referido D..., explicou que os valores das peças constantes do orçamento por si elaborado foram, umas fornecidas pela marca, outras por diversos fornecedores que consultou (sem que tivesse conseguido distinguir entre umas e outras), justificando os valores superiores pelo facto de a ré ter recorrido a peças da concorrência, o que, como vimos, resultou frontalmente contrariado.
Pretendeu a mesma testemunha justificar o acréscimo do valor orçamentado pelo facto de a viatura não ter sido desmontada aquando da peritagem levada a cabo pela ré, o que teria conduzido à desconsideração de danos carecidos de reparação. A este respeito, cabe observar que se é um facto que o perito da ré, conforme reconheceu, não desmontou o veículo, parece que, afinal de contas, também a testemunha D... o não fez, sem prejuízo de o ter examinado mais cuidadosamente, tendo-o elevado para o efeito. De todo o modo, das diferenças por si apontadas em ordem a justificar o acréscimo de quase 50% entre o orçamento que apresentou e o anterior, comprova-se a por si referida inclusão da reparação de danos mecânicos sofridos, tendo mencionado o veio da transmissão e apoios do motor que, efectivamente, não se encontram reflectidos no orçamento da responsabilidade do perito nomeado pela ré. A par destas peças, surgem ainda mencionados no orçamento elaborado pela testemunha D... o charriot traseiro, os apoios do escape e o tubo de escape, componentes que terão ficado igualmente danificados, o que se aceita, atendendo a que, conforme destacou, o embate incidiu sobre a traseira da viatura, e de resto ficou demonstrado, atenta a resposta positiva que mereceu o art.º 8.º, não impugnado.
Mas quanto a trabalhos e materiais a mais que justifiquem um orçamento mais elevado por aqui nos ficamos, uma vez que não é verdade que o orçamento elaborado pelo perito da ré não contemple mão-de-obra -pelo contrário, discrimina-a com rigor, ao contrário do que ocorre com o apresentado pelo autor- ficando por explicar as 10h mais de trabalhos de pintura deste último constantes, não justificadas obviamente pelo acréscimo dos trabalhos de mecânica a que se referiu a testemunha D....
Em suma, do confronto dos orçamentos e dos depoimentos dos seus responsáveis fica a convicção de ser mais rigoroso e credível o apresentado pela seguradora, ainda que incompleto, havendo assim que somar-lhe, à míngua de outros valores, os referidos no orçamento da responsabilidade da testemunha D... quanto às referidas peças, também elas carecidas de substituição -charriot, veio de transmissão, apoios de motor, tubo de escape, apoios de escape, vedantes e diversos, para lá dos painéis traseiros, estes igualmente omitidos naquele primeiro orçamento- no valor global de € 1 883,61 (mil oitocentos e oitenta e três euros e sessenta e um cêntimos).
Porque tal reparação implica necessariamente um aumento do tempo de trabalho de mecânica, constando do orçamento elaborado pela ré 9,3h serão de aceitar as 16h que constam do orçamento da testemunha D..., para o que será considerado o valor por hora que forneceu então ao perito da ré, inferior em 1€ ao praticado 9 meses depois, daqui resultando um acréscimo de € 160,80.
Em face do exposto, e procedendo em parte a pretensão da apelante, modificam-se as respostas dadas aos artigos da base instrutória objecto de impugnação, que passarão a ser as seguintes:
Art.º 9.º- Provado que a respectiva reparação implica serviço de mão-de-obra de mecânica, pintura, bate chapas e substituição de peças orçamentada que, com referência a Junho de 2009, tinha um custo de € 10 787,68 (dez mil, setecentos e oitenta e sete euros e sessenta e oito cêntimos), acrescido de Iva então à taxa de 20%.
Art.º 30.º- Provado o que consta da resposta ao art.º 9.º.
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II - Fundamentação
De facto
Estabilizada, é a seguinte a factualidade a ter em conta, agora lógica e cronologicamente ordenada:
1. No dia 17 de Junho de 2009, pelas 7:55 horas, na E.N. 18, ao km 30,800, em Orjais ocorreu um acidente, no qual foram intervenientes o veículo (...)IF, ligeiro de passageiros, e o veículo (...)BQ também ligeiro de passageiros (al. A).
2. O veículo (...)IF, na altura do acidente era conduzido por F..., seu proprietário que o conduzia no seu interesse (al. B).
3. O veículo (...)BQ era conduzido pelo Autor (resposta ao art.º 1.º).
4. Ambos os veículos transitavam no mesmo sentido de trânsito, no sentido Belmonte – Covilhã (resposta ao art.º 2.º).
5. O condutor do veículo (...)IF, ao chegar ao km. 30.800, deparou-se com o veículo (...)BQ, que seguia à sua frente e encostara ao eixo da via, com vista a mudar de direcção para a esquerda, manobra que sinalizava (resposta ao art.º 3.º).
6. Porém não a efectuara, porquanto, em sentido contrário, circulava um outro veículo, a que tinha que dar prioridade (resposta ao art.º 4.º).
7. O condutor do IF não conseguiu imobilizar o veículo que conduzia, nem sequer prosseguir a marcha pelo lado direito, embora no local existisse espaço bastante para tal (resposta ao art.º 5.º).
8. E acabou por embater com a parte da frente do veículo que conduzia, na parte traseira do outro veículo que se apresentava a mudar de direcção (resposta ao art.º 6.º).
9. O local do embate é constituído por uma recta com piso betuminosa, com marcas no pavimento separadores de sentido de trânsito, e na ocasião fazia bom tempo (resposta ao art.º 7.º).
10. Em consequência da mencionada colisão, o A. foi conduzido ao Hospital, onde foi examinado durante toda a manhã, tendo voltado a casa, após o que voltou, dias depois, a ser examinado no Hospital da Covilhã (resposta ao art.º 14.º).
11. Por instruções da ora Ré passou a ser acompanhado em Coimbra, nos Serviços da Clínica de Sanfil, onde passou a deslocar-se, saindo da Covilhã para Coimbra e vice-versa, sempre que solicitada a sua presença (resposta ao art.º 15.º).
12. O A. deslocou-se a Coimbra, aos serviços médicos indicados pela Ré, por diversas vezes, não lhe tendo sido pagas as duas últimas, no que despendeu a quantia de 359,00 € (resposta ao art.º 16.º).
13. Em consequência do embate e das lesões sofridas, o A. teve que realizar diversos exames, no Centro Diagnóstico da Covilhã e outras instituições médicas, nomeadamente à coluna vertebral (resposta ao art.º 17.º).
14. Foi comunicado ao A., por carta de 11/01/2010, que os serviços clínicos da Ré lhe haviam dado alta e atribuídos 7,5 pontos de G.G.I. (al. C).
15. Entre o acidente e esta comunicação já aqueles serviços haviam comunicado outra alta, mas face à reclamação do A. voltou novamente a exames e tratamentos, que só findaram com a comunicação de 10/01/2010 (al. D).
16. O A continua a ter dores, sendo-lhe difícil conduzir, fazer força, transportar ou levantar objectos, mesmo leves (resposta ao art.º 18.º).
17. Não consegue fazer esforços, não podendo estar parado/imobilizado muito tempo, tendo que se movimentar, continuando ainda em tratamento junto de médicos particulares com vista a debelar, ou pelo menos diminuir, as dores e o estado de depressão em que se encontra (resposta ao art.º 19.º).
18. O A., em resultado do acidente e por causa dele, teve um período de incapacidade total de 15 dias, um período de incapacidade temporária geral parcial de 10 %, de valor médio, em 170 dias, e um quantum doloris de 3 (resposta parcialmente positiva ao art.º 20.º).
19. Ficou ainda com uma incapacidade permanente geral de 4 pontos (resposta ao art.º 21.º).
20. Tendo ficado com perturbação da mobilidade cervical, rigidez da coluna lombar, enquadráveis em raquialgias residuais, funcionamento intelectual deficitário nas áreas do raciocínio não-verbal, atenção e integração visuo-motora enquadrável em síndrome pós-concussional (resposta parcialmente positiva ao art.º 23.º).
21. O A., que se reformara há cerca de dois anos, à data do acidente continuava a gerir toda a sua vida empresarial -aluguer de máquinas e terraplanagens-, contactando clientes, acompanhando os trabalhos e seu exercício e os trabalhadores, angariando novos clientes (resposta ao art.º 24.º).
22. Acompanhava a vida agrícola, desde a preparação das terras até a recolha dos frutos, vindimas e outros trabalhos (resposta ao art.º 25.º).
23. O A. era uma pessoa saudável, cheia de vida e muito dinâmico, alegre e trabalhador (resposta ao art.º 26.º).
24. Em consequência do acidente e das lesões, nomeadamente a nível do ombro esquerdo e da cervical, passou a viver desgostoso, com dificuldades em dormir e descansar, irritadiço e angustiado (resposta ao art.º 27.º).
25. Tal estado reflecte-se na vida familiar, com os amigos e no convívio, tendendo a afastar-se das pessoas, pois sente-se diminuído (resposta ao art.º 28.º).
26. Passou a viver desgostoso, triste e preocupado, pois deixou de acompanhar o cultivo e amanho das propriedades e deixou também de acompanhar a vida empresarial, que tem estado confiada aos filhos, mas que não têm a experiência e o saber do A (resposta ao art.º 29.º).
27. Em consequência do embate o veículo BQ ficou com a traseira danificada, nomeadamente, o pára-choques, mala, farolins, panela, tubo de escape, charriot, veio de transmissão, etc. (resposta ao art.º 8.º).
28. A respectiva reparação implica serviço de mão-de-obra de mecânica, pintura, bate chapas e substituição de peças orçamentada que, com referência a Junho de 2009, tinha um custo de € 10 787,68 (dez mil, setecentos e oitenta e sete euros e sessenta e oito cêntimos), acrescido de Iva (respostas aos art.ºs 9.º e 30.º).
29. Para a reparação são necessários 15 dias (resposta ao art.º 10.º).
30. O veículo BQ era estimado pelo A, que efectuava todas as reparações e revisões (resposta ao art.º 11.º).
31. O A. utilizava o carro para deslocações, nomeadamente para visitar clientes e fornecedores no âmbito da sua actividade, gerindo o negócio de aluguer de máquinas e terraplanagens, para além da sua vida agrícola (resposta ao art.º 12.º).
32. E utilizava o carro para visitar os filhos, familiares, amigos, na vida social e em lazer (resposta ao art.º 13.º).
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De Direito
Recurso principal
ii. da excessiva onerosidade da obrigação de restauração natural
Como se vê das conclusões que formulou, a ré, recorrente principal, manifesta a sua discordância com a decisão apelada quanto a dois aspectos essenciais: condenação na reparação do veículo sinistrado e indemnização fixada pelo dano da privação do uso.
Assente sem discussão a culpa do condutor do veículo seguro na apelante, dando origem à consequente obrigação de indemnizar o lesado a cargo daquela por força do contrato de seguro celebrado, não questiona igualmente a recorrente que, nesta sede, a lei privilegia a restauração natural, princípio plasmado no art.º 562.º do Código Civil[1].
Conforme resulta da disposição vinda de citar, “O fim precípuo da lei nesta matéria é o de prover à directa remoção do dano real[2]à custa do responsável, visto ser esse o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes.
Se o dano (real) consistiu na destruição ou no desaparecimento de certa coisa (veículo, quadro, jóia, etc.) ou em estragos nela produzidos, há que proceder à aquisição de uma coisa da mesma natureza e sua entrega ao lesado, ou ao conserto, reparação ou substituição da coisa por conta do agente”, ficando a indemnização em dinheiro reservada para os casos em que “a reconstituição natural não é sequer possível, a par de outros em que não é meio bastante para alcançar o fim da reparação ou não é idóneo para tal.”[3]
À luz do preceituado no art.º 566.º, “A indemnização em dinheiro (…) tem assim carácter subsidiário. Ela tem lugar, nos termos deste artigo, apenas quando não seja possível a reconstituição da situação anterior à lesão, quando ela não repare integralmente o dano ou seja excessivamente onerosa para o devedor.”[4] A excessiva onerosidade implica, pois, a existência de uma flagrante desproporção entre o interesse do lesado na restauração natural e o correspectivo custo para o obrigado, de modo que a este seja inexigível tal esforço, ainda que com sacrifício do direito que ao primeiro primordialmente assiste.
Do que se deixa dito resulta que não é qualquer excesso que justifica a exoneração do devedor, permitindo-lhe substituir a obrigação de restauração natural pela obrigação pecuniária, mas apenas aquele que se apresente como um encargo de todo injustificado (e injusto) no confronto com o interesse do lesado na reposição da situação que existiria caso o dano não tivesse sido produzido. A avaliação da excessiva onerosidade terá assim que ser feita casuisticamente, relevando naturalmente “(…) factores subjectivos, respeitantes não só (mas primacialmente) à pessoa do devedor, e à repercussão do custo da reparação natural no seu património, mas também às condições do lesado, e ao seu justificado interesse específico na reparação do objecto danificado, antes que no percebimento do seu valor em dinheiro.”[5]
No caso em apreço, apurou-se com relevo que o veículo, Mercedes do ano de 1993, sofreu danos cuja reparação, tendo por referência Junho de 2009, ascendia a €10 787,68, acrescido de Iva (então à taxa de 20%), tratando-se de carro estimado pelo autor, seu proprietário, que efectuava todas as reparações e revisões, sendo por ele utilizado nas suas deslocações, quer de cariz profissional, quer de lazer.
Revelam ainda os autos que a ré ora apelante, face ao valor da reparação, considerou o mesmo veículo perda total, tendo proposto ao autor a entrega do valor de €6500,00, ficando este na posse dos salvados.
Sendo esta a factualidade relevante, afigura-se ser a mesma manifestamente insuficiente para suportar um juízo de excessiva onerosidade que isentasse a apelante de cumprir a obrigação de reposição. É que a excessiva onerosidade não se apura no confronto do valor venal do bem com o custo da respectiva reparação, antes devendo ser aferida colocando face a face o valor da reparação com aquele que o bem danificado assume no património do lesado e que tem tradução nas utilidades que lhe proporciona[6].
Com efeito, tal como vem sendo uniformemente afirmado pelos nossos Tribunais, quando chamados a pronunciar-se sobre esta questão, no caso de veículos usados, com notária depreciação devido ao desgaste e à desactualização, raras vezes existe equivalência entre o seu valor venal e as utilidades que proporciona ao seu dono, sendo certo que o dano a remover é precisamente a privação destas. Dito de outro modo, a atribuição de uma quantia correspondente ao seu valor venal será frequentemente inidónea para remover o dano, dada a sua insuficiência para restaurar no património do lesado as utilidades perdidas por via do evento danoso, ou seja, e para utilizar as palavras da lei, para “reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”[7].
De volta ao caso dos autos, sendo legítimo o interesse do autor na reparação da viatura, à qual, apesar dos anos, vinha providenciando adequada manutenção e de que fazia frequente uso nas suas deslocações, conforme dá conta o acervo factual apurado, não fez a autora prova de que a indemnização proposta -sendo certo que não demonstrou igualmente no processo qual o valor venal do veículo antes do acidente- fosse suficiente para que aquele adquirisse uma viatura idêntica, capaz de proporcionar as mesmas utilidades e satisfazer as mesmas necessidades.
Tal como se fez notar na sentença apelada, a restauração natural tanto tem lugar mediante a reparação do objecto danificado, como pela sua substituição por um outro idêntico[8], de modo que “(…) repondo-se o valor de uso e o valor comercial da coisa no património do lesado, ou seja, colocando aí uma coisa que tenha as mesmas características, com o mesmo valor de mercado e que satisfaça exactamente as mesmas necessidades de uso do lesado, então está conseguida a restauração natural, ainda que não se repare a coisa danificada”. Se assim é, e sendo a reposição natural consagrada no interesse de credor e devedor, nada obstava a que a ora apelante, em cumprimento da obrigação que sobre si impendia, a ser para tal suficiente o montante proposto, oferecesse antes ao autor viatura idêntica à sinistrada, não estando dependente de solicitação nesse sentido, como parece pressupor o teor da conclusão 14.ª[9] (sendo de todo irrelevante, neste contexto, o apelo a matéria de facto que, tendo sido alegada, conforme a própria recorrente reconhece, não resultou demonstrada). Não o tendo feito, e sendo, como se disse, merecedor de tutela o interesse do autor na reparação do veículo acidentado, indemonstrado que o respectivo custo excede de forma clamorosa o valor que as utilidades por tal bem proporcionadas assumem no património daquele, não poderá a apelante deixar de ser condenada a custear a respectiva reparação, tal como foi decidido, sem prejuízo da alteração do valor que resultou da modificação da matéria de facto.
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Do dano da privação do uso
Discorda ainda a apelante do montante indemnizatório fixado pela privação do uso do veículo, que pretende ver fixado no valor máximo de €1 500,00, estribando a sua pretensão recursiva na argumentação que assim se sintetiza:
- o montante de €15 000,00 fixado pelo Tribunal não vai ao encontro da prova produzida e convocada para sustentar a decisão, isto porque o valor peticionado -e na totalidade atribuído- pressupunha uma compensação à razão de €100,00 por dia pelo período de 150 dias, tempo estimado de reparação, conforme o autor alegou mas não provou;
- tendo ficado demonstrado que o tempo estimado de reparação da viatura são 15 dias, o montante arbitrado, mesmo seguindo o critério do autor, seria de €1 500,00, pelo que a fixação da indemnização em €15 000,00 radicará em erro de cálculo involuntariamente perpetrado pela Mm.ª juíza;
- a não se entender desse modo, não se encontram justificados os limites pelos quais foi o dano quantificado, nem o motivo pelo qual não foi atendido o facto da viatura ser excepcionalmente utilizada, considerando que o autor dispunha de outros veículos, tais como um jeep, de que se socorria na maioria das vezes;
- a considerar-se que a simples privação do veículo provoca um dano, nada justifica a fixação de um valor indemnizatório que ultrapasse os €10,00 por dia.
Vejamos, pois, da razão que assiste (ou não) à apelante.
Afigura-se hoje maioritário o entendimento de que a privação do uso de um veículo em consequência de danos causados por acidente de viação importa para o seu proprietário a perda de uma utilidade, nomeadamente a de nele se deslocar quando e para onde entender, e que, em si mesma considerada, tem valor pecuniário. Constituindo assim o uso uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária é meramente consequente a conclusão de que a sua privação constitui um dano patrimonial indemnizável[10].
Não questionando propriamente tal entendimento, tanto mais que, conforme se provou, o autor fazia uso da viatura acidentada (cf. pontos da matéria de facto 31. e 32.), o que sempre satisfaria os defensores da tese, mais exigente, de que "o dano da privação do gozo ressarcível é a concreta e real desvantagem resultante da privação do gozo e não logo qualquer perda da [mera] possibilidade de utilização do bem"[11] exigindo-se assim a prova, pelo lesado, de que ocorreu efectiva diminuição ao nível da satisfação das suas necessidades, globalmente consideradas[12], dissente a apelante do montante fixado.
Recuando aos fundamentos do pedido a este propósito formulado constata-se ter o autor alegado oportunamente que: a execução da reparação havia sido estimada em 150 dias, sem prejuízo de eventual atraso; não deu logo ordem de reparação por dificuldades financeiras e porque a ré se propôs pagar um valor (€6500,00) que não aceitou, pois não cobria o valor da reparação e muito menos da imobilização; utilizava o carro na sua actividade e deslocações de natureza particular, computando “o valor da imobilização dia, atento estes circunstancialismos, em 100,00 €; daí que, pelo período de imobilização previsível da reparação e deste tempo decorrido ascende a 15 000,00 €, que peticiona” (cf. art.ºs 16.º, 17.º e 22.º a 24.º da petição inicial).
De algum modo emendando a mão veio agora, em sede de resposta ao recurso interposto pela apelante, esclarecer que não existe qualquer lapso na sentença porquanto, diz, “pediu um valor de 100,00€/dia tendo em conta o tempo de imobilização e até à sua efectivação -e não apenas pelo período previsível para a sua reparação; se é certo que foi calculado um período de 15 dias para a reparação, também é certo que o acidente ocorreu no dia 17 de Junho de 2009 e o relatório de peritagem -que concluiu pela não reparação- só ocorreu em 26.06.2009; como a Ré decidiu não aceitar a reparação, o carro continuou imobilizado, vindo a ser peritado pelo reparador (…) em 22/02/2010 (…) e só a partir daí se poderiam iniciar os 15 dias necessários para a reparação”, para concluir que “Dada a atitude da Ré -que não aceitou a reparação, nem sequer concluindo a peritagem, por entender que havia perda total- o carro esteve imobilizado (…) entre 17/06/2009 e 22/02/2010, data da ordem da reparação, a que acrescem ainda mais 15 dias - o que totaliza 266 dias”.
Acrescentou ainda que “Por outro lado, como consta do relatório médico, nomeadamente do doc. 23, junto com a petição, e da factualidade provada (ponto 20 da matéria provada) e ainda da alta dada pela própria Ré, em 11/01/2010 (doc. 10 junto com a petição) o Autor não podia conduzir e o carro, mesmo que reparado, teria que estar imobilizado[13]. Ou seja, conforme alegou, inicialmente esteve convencido de que a Ré reparava o carro, e só depois, após a decisão final desta de não aceitar a reparação, é que optou pela reparação, tendo decorrido assim mais de 266 dias (…); contudo, não pediu dias, em concreto, da imobilização, tendo formulado um pedido total de 15.000,00 € relativo a todo este período de tempo, a que é alheio, e cuja demora só à Ré é imputável (…)”.
Com pertinência para a questão que nos ocupa, foi dada como assente a seguinte factualidade:
“27. Em consequência do embate (ocorrido em 17 de Junho de 2009) o veículo BQ ficou com a traseira danificada, nomeadamente, o pára-choques, mala, farolins, panela, tubo de escape, charriot, veio de transmissão, etc.;
28. A respectiva reparação implica serviço de mão-de-obra de mecânica, pintura, bate chapas e substituição de peças orçamentada que, com referência a Junho de 2009, tinha um custo de € 10 787,8 (dez mil, setecentos e oitenta e sete euros e sessenta e oito cêntimos), acrescido de Iva;
29. Para a reparação são necessários 15 dias;
31. O A. utilizava o carro para deslocações, nomeadamente para visitar clientes e fornecedores no âmbito da sua actividade, gerindo o negócio de aluguer de máquinas e terraplanagens, para além da sua vida agrícola;
32. E utilizava o carro para visitar os filhos, familiares, amigos, na vida social e em lazer”.
Tendo por base os factos vindos de transcrever, a Mm.ª juíza “a quo”, após citação de jurisprudência pertinente, concluiu que “Recorrendo aos critérios jurisprudenciais que têm vindo a ser seguidos em casos como o dos autos em que a indemnização devida ao lesado pela paralisação diária de um veículo deverá ser ponderada à luz de critérios de equidade (de que constituem exemplos também o Ac. do STJ de 09.03.2010, da Relação de Coimbra, de 02.03.2010, e, ainda, o Ac. da Rel. de Coimbra de 06-03-2012, todos eles disponíveis em www.dgsi.pt) entendo adequada a quantia peticionada”.
Face a tal fundamentação, e afirmando-se que nada evidencia a existência de lapso aritmético no texto da decisão, não podemos, todavia, deixar de concordar com a apelante quando alega não terem sido “justificados os limites pelos quais se quantificou o dano”, sendo certo que, consoante preceitua o convocado n.º 3 do art.º 566.º, “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados” (é nosso o destaque).
Analisado o pedido formulado pelo autor não há dúvida ter peticionado para reparação deste específico dano o montante de €15 000,00, coincidente com a indemnização que lhe foi concedida.
Ora, o pedido, na sua vertente substantiva, corresponde ao efeito jurídico pretendido pelo autor. Todavia, este efeito pode -deve- ser interpretado com recurso aos fundamentos da acção, à causa de pedir portanto. E nesta sede o autor alegou efectivamente que o tempo estimado de reparação eram 150 dias, termos em que, tendo avaliado o seu prejuízo em €100,00 diários, liquidou a indemnização nos reclamados €15 000,00. Se assim é, e sendo igualmente incontornável que se apurou ser o tempo estimado de reparação de apenas 15 dias, pareceria que só este período temporal poderia ser considerado.
Não obstante quanto vem de se referir, a verdade é que, conforme resulta dos termos da alegação, apesar de ter concluído pelo pedido de condenação da ré [apenas][14] nos referidos € 15 000,00, a verdade é que o autor invocou como fundamento da pedida indemnização, não só o período previsto para a reparação, mas todo o tempo decorrido até então (cf. o transcrito art.º 24.º da petição inicial). Deste modo, e apesar do cálculo efectuado na petição, atendendo ao quantitativo diário que o próprio apelado atribuiu ao dano, respeitar apenas ao período de 150 dias que disse ser o necessário à reparação, nada obsta a que, enquanto se contiver nos limites do pedido formulado, seja atendido o período que mediou entre a data do acidente e a data do orçamento elaborado pela oficina reparadora, a que acrescem os 15 dias que se apurou serem os necessários à reparação, num total de 266 dias, período que invocou corresponder à privação da viatura. É certo que os autos são omissos quanto à data em que o veículo foi reparado, e designadamente se o autor deu ordem de reparação no dia 22 de Fevereiro de 2010 conforme agora refere nas suas alegações[15]. Todavia, atendendo a que, a manter-se a imobilização para lá do período invocado e pretendendo ser ressarcido dos danos daí decorrentes, competiria ao autor ter alegado o facto (ainda que em articulado superveniente) ou reclamado a indemnização pelos danos futuros, o que não fez, só aquele período temporal será considerado.
No que respeita ao valor do dano, haverá que atender às características da viatura e uso que pelo lesado lhe era dado, fazendo ainda operar a compensação com os gastos que a imobilização evita -combustível, desgaste, eventuais portagens.
No caso em apreço estamos perante uma viatura ligeira de passageiros da marca Mercedes do ano de 93, conforme resulta dos documentos juntos aos autos, contando portanto 16 anos de idade à data do acidente, sendo utilizada pelo autor nas suas deslocações profissionais, familiares e de lazer. Neste conspecto, não podemos assim validar a alegação da apelante, quando pretende que se tratava de uma utilização excepcional -o que os factos apurados contrariam- havendo ainda de ser atendida a circunstância do autor dispor de outros veículos, nomeadamente um jipe, do qual se socorria o que, ainda a ser verdade, não consta do elenco factual apurado, não podendo por isso ser tido em conta.
Deste modo, atendendo primordialmente às características da viatura e apurado uso que dela era feito, afigura-se equitativo o quantitativo diário de €10,00 para reparação do dano da privação do respectivo uso[16], sendo devida a este título indemnização no montante de €2 660,00 (dois mil, seiscentos e sessenta euros).
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Do recurso subordinado
iii. Da indemnização pela incapacidade genérica parcial de que o autor ficou portador e danos de natureza não patrimonial sofridos
Tendo alegado que do acidente resultaram outros danos, nomeadamente no seu corpo e saúde, que lhe acarretam uma incapacidade permanente geral de 34%, acrescendo-lhe a título de dano futuro 5% mais (cf. art.ºs 25.º e 39.º da petição inicial), concluiu o autor ter sofrido “danos não patrimoniais avultados (…) (dores, inquietações, incapacidade, que se traduzem em danos biológicos, danos morais complementares e danos patrimoniais futuros) que num critério modesto se calculam, de forma global em 91.500,00 €” (cf. art.º 50.º da mesma peça), quantitativo que a este título reclamou.
Com fundamento nos factos apurados com pertinência para este segmento do petitório, e fazendo relevar tais danos na categoria dos danos não patrimoniais, fixou a Mm.ª juíza “a quo” a indemnização destinada a compensá-los no montante de €17 000,00.
Discordando, pretende agora o autor que estamos perante danos não patrimoniais mas também patrimoniais que, como tal, deveriam ter sido autonomamente valorados, estes na medida em que se traduziram em perda da capacidade de ganho, pretendendo a este título o montante indemnizatório de €35 000,00, devendo ser elevado para €20 000,00 aqueloutro destinado a compensar os danos de natureza não patrimonial.
A ré, apelada neste recurso, defendeu a propósito não ser devida indemnização por danos patrimoniais na vertente de lucros cessantes por perda de rendimentos decorrente da incapacidade temporária, já que não foi feita prova desse dano; que o Tribunal “a quo” esteve bem ao valorar o dano biológico decorrente da IPG de 4 pontos apenas na sua vertente não patrimonial, já que, não resultando dessa IPG qualquer esforço acrescido para o lesado exercer a sua profissão, tal dano não se reflecte na sua esfera patrimonial; a decisão proferida está, de resto, conforme ao alegado pelo recorrente, que expressamente qualificou o dano da sua incapacidade como dano não patrimonial (cf. art.º 50.º da petição).
Começando por este último ponto, não é exactamente rigoroso que o autor tenha qualificado o dano em causa apenas como dano de natureza não patrimonial porquanto, embora de forma pouco clara, reconhece-se, não deixou de englobar no montante peticionado -aqui sem destrinça- os “danos biológicos (…) e danos patrimoniais futuros” (cf. o aludido art.º 50.º, sendo nosso o destaque). Seja como for, tendo o autor alegado a factualidade pertinente, afigura-se que não constitui violação relevante do princípio do contraditório a diversa qualificação que venha a ser feita do dano em causa.
Por outro lado, importa precisá-lo, não vem reclamada qualquer quantia a título de perda de rendimentos verificada durante o período de incapacidade temporária, questão esta igualmente arredada dos autos, estando em causa apenas e só, nesta vertente de dano patrimonial, a perda da capacidade de ganho decorrente da incapacidade genérica parcial de 4 pontos percentuais atribuída ao ora recorrente, a par da assinalada discordância com a quantia fixada a título de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial.
Relevam para as questões assim suscitadas os factos apurados vertidos nos pontos 10. a 26., dentre eles avultando que o autor, em resultado do acidente e por causa dele, teve um período de incapacidade total de 15 dias, um período de incapacidade temporária geral parcial de 10% de valor médio de 170 dias, e um “quantum doloris” de grau 3, tendo ficado portador de uma incapacidade permanente geral de 4 pontos -longe portanto dos 34% invocados- e sem prova de qualquer previsível futuro agravamento.
Por outro lado, se é verdade que nada se disse quanto a eventual rebate profissional dessa incapacidade, ele resulta todavia evidente dos factos assentes, maxime dos vertidos nos pontos 20., 21. e 26.
Pressuposto da existência de responsabilidade civil é a existência do dano ou prejuízo a ressarcir, sendo este “toda a ofensa de bens ou interesses protegidos pela ordem jurídica”[17].
Dentre as várias classificações do dano, avulta a distinção entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, consoante sejam ou não susceptíveis de avaliação pecuniária, ou seja, “os primeiros, porque incidem sobre interesses de natureza material ou económica, reflectem-se no património do lesado, ao contrário dos últimos, que se reportam a valores de ordem espiritual, ideal ou moral”[18].
Convergindo na caracterização do dano biológico, em que inequivocamente se traduz uma incapacidade genérica permanente, como a diminuição somático-psíquíca do indivíduo, o prejuízo “in natura”, com natural repercussão na vida de quem a sofre, têm os nossos Tribunais hesitado na sua integração numa ou outra das referidas categorias tradicionais[19], não faltando quem o reconheça como categoria autónoma[20], relevando num e noutro planos, consoante, enquanto dano primário, se projecta depois negativamente no património do lesado, amputando-o, repercutindo-se, do mesmo passo, como ofensa na esfera dos seus valores imateriais (danos consequentes)[21].
Ora, face à incapacidade genérica parcial de que o autor ficou portador, traduzindo a perda de funcionalidades que detinha antes do evento danoso e que por ele ficaram irremediavelmente afectadas, estamos sem dúvida perante um dano de cariz biológico, cuja ressarcibilidade, independentemente da categoria em que se inclua ou da sua consideração autónoma, é indiscutida. Resulta ainda do elenco factual que tal incapacidade genérica, traduzindo-se em perturbação da mobilidade cervical, rigidez da coluna lombar, défice de funcionamento intelectual nas áreas do raciocínio não verbal, atenção e integração visuo-motora, implicou diminuição da sua capacidade produtiva -ao que resulta dos autos, o autor deixou mesmo de acompanhar o cultivo e amanho das suas propriedades e os seus negócios como vinha fazendo até então, a despeito de se encontrar reformado há dois anos (tendo por referência a data do acidente).
É certo que nada se apurou -tal facto não foi sequer alegado- no sentido do apelante ter sofrido qualquer quebra no seu rendimento. No entanto, tal circunstância não elimina o dano sofrido, traduzido na perda, ainda que parcial -neste conspecto, apenas poderá ser considerada a IGP de 4% que lhe foi fixada- da sua capacidade de angariar proventos pela força do seu trabalho, dano que, nesta vertente, por susceptível de avaliação pecuniária, se afigura ter natureza patrimonial. Tratando-se de um dano futuro previsível, a sua ressarcibilidade está prevista no art.º 564.º, n.º 2, devendo o valor da indemnização respectiva, por indeterminado, ser equitativamente fixado, nos termos do n.º 3 do art.º 566.º. Critério jurisprudencialmente adoptado, e do qual não vemos razão para nos afastarmos, tem sido o do achamento de um capital produtor do rendimento que o lesado seria capaz de angariar com a força de trabalho perdida e que se extinga no fim da vida provável da vítima, susceptível de garantir, durante essa vida, as prestações periódicas correspondentes ao rendimento perdido. No entanto, porque o dano de que aqui e agora se cura é o da perda da capacidade de ganho consequente à incapacidade genérica de que ficou portador, afigura-se que o tempo a considerar será aquele durante o qual, previsivelmente, o lesado seria capaz de desenvolver a sua actividade produtiva. De outro lado, porque não ficou demonstrada uma situação de efectiva perda de rendimento, o montante encontrado terá que ser corrigido por defeito, sob pena de enriquecimento indevido do lesado.
No caso em apreço, alegou o autor que se encontrava reformado havia dois anos à data do acidente, contando portanto 67 anos de idade -nasceu em 6 de Junho de 1942, conforme a documentação clínica informa-  tendo ficado portador de uma IPG de 4% que se repercutiu, como vimos, na sua capacidade de ganho. É desconhecido o rendimento que percebia da actividade que desenvolvia -aluguer de máquinas de terraplanagem, acompanhamento do cultivo e amanho das propriedades- facto este cuja alegação igualmente omitiu. Todavia, considerando a natureza de tal actividade, de rendibilidade incerta conforme lhe é inerente, e prevendo, em juízo de razoabilidade, que a conseguisse desenvolver durante cinco anos mais, tendo em consideração os 4% percentuais de incapacidade, em juízo de equidade atribui-se a título de compensação pela incapacidade permanente genérica de que ficou portador, na sua específica vertente de perda da capacidade de ganho, o montante indemnizatório de € 3500,00 (três mil e quinhentos euros), já actualizado.
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Do quantum indemnizatório pelos danos de natureza não patrimonial
Tendo-lhe sido atribuída na sentença impugnada indemnização no montante de €17 000,00 para compensação dos danos de natureza não patrimonial, pretende o autor ser tal quantia insuficiente, atendendo aos danos sofridos, requerendo a sua majoração para €20 000,00.
No caso em apreço, não se questiona a gravidade dos danos sofridos, requisito essencial à tutela dos danos desta natureza (cf. art.º 496.º, no seu n.º 1).
Por outro lado, e conforme se deixou já intuir, a indemnização pelos danos futuros decorrentes da incapacidade física de que o lesado ficou portador, na específica vertente de perda da capacidade produtiva, não englobou os danos de natureza não patrimonial que essa mesma incapacidade igualmente gerou, traduzidos no desgosto, tristeza, preocupação e angústia, com afectação do seu quotidiano, que podem -devem- ser adequadamente compensados como dano de natureza não patrimonial que inequivocamente constituem, vertente em que, de resto, foram ponderados na decisão apelada.
A este respeito haverá ainda que ter na sua justa consideração o tempo de doença sofrido pelo apelante -15 dias de incapacidade total, 170 dias de incapacidade temporária geral parcial de 10% de valor médio, num total de cerca de 6 meses-, o “quantum doloris” de grau 3. e as sequelas de que ficou portador, com dificuldade em dormir e descansar.
A indemnização atribuída pelo dano não patrimonial não tem a virtualidade de colocar o lesado na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse tido lugar, conforme impõe o art.º 562.º, destinando-se a compensá-lo pela ofensa sofrida através da atribuição de uma indemnização pecuniária que, por indicação da lei, é determinada por apelo à equidade (cf. n.º 4 do art.º 496.º).
Por expressa remissão da lei, os critérios a atender na determinação do dano de cálculo são o grau de culpa do lesante -ter actuado com dolo ou negligência- situação económica de lesante e lesado, que pode reconduzir-se a uma ideia de proporcionalidade, e outras circunstâncias do caso, aqui podendo ser ponderada a natureza do bem jurídico violado, género e idade da vítima e natureza da lesão (cf. art.º 494.º).
De todo o modo, e em qualquer caso “a ponderação sobre a gravidade do dano não patrimonial e, correspondentemente, do valor da sua reparação deve ocorrer sob o signo do princípio regulativo da proporcionalidade – de harmonia com o qual a danos mais graves deve corresponder uma indemnização mais generosa – e numa perspectiva de uniformidade: a indemnização deve ser fixada tendo em conta os parâmetros jurisprudenciais geralmente adoptados para casos análogos (art.º 8 nº 3 do Código Civil)[22].
E dentro dos assinalados parâmetros, tendo em conta as decisões citadas na decisão apelada e os considerandos aí expendidos, para que se remete, adequado e equitativo se afigura o montante de €17 000,00 ali fixado, tanto mais que aqui se indemnizou de forma autónoma o dano decorrente da perda da capacidade de ganho[23].
Improcede, pois, nesta parte, o recurso subordinado.
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iv. Do início da contagem de juros
Impugnou o recorrente subordinado a sentença proferida ainda no segmento em que determinou que a contagem dos juros de mora se iniciasse na data da decisão sobre a totalidade do montante indemnizatório, defendendo que são devidos desde a data da citação, conforme peticionou, sobre as quantias destinadas a reparar os danos de natureza patrimonial, casos do dispêndio em deslocações, valores da reparação da viatura e compensação pela privação do uso.
Tem razão o apelante.
Pese embora a teoria da diferença constitua a regra fundamental de responsabilização do devedor no caso de mora no cumprimento (cf. n.º 2 do art.º 566.º), e que vale para a generalidade das obrigações, no caso das obrigações pecuniárias a reparação do dano sofrido pelo credor pelo retardamento da prestação é feita através da atribuição do juro de mora, indemnização fixada “a forfait”, específica das obrigações desta natureza (vide art.ºs 804.º, n.ºs 1 e 2 e 806.º, n.º 1). E esta indemnização pela mora vale ainda para a obrigação de indemnização por equivalente, uma vez fixado em dinheiro o débito do valor (na medida em que o dinheiro é o sucedâneo do objecto inicial da prestação). Deste modo, o dano decorrente do atraso no cumprimento dessa obrigação confere ao credor o direito de exigir do devedor a indemnização correspondente aos juros legais, e ainda que se trate de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, a faculdade de demonstrar que a mora lhe causou dano superior ao juro, legal ou convencionado (art.ºs 805 n.º 3 e 806 nº 3). Por assim ser, a obrigação de reparar o dano sofrido pelo atraso no cumprimento da obrigação de indemnização é exigível, em princípio, desde o momento em que o devedor se considera constituído em mora, o que ocorre com a sua citação para a acção (art.ºs 804 nºs 1 e 2, 806 n.º 1 e 805.º, n.º 3.)[24].
Decorre do que se deixou dito que ao valor da indemnização pelos danos de natureza patrimonial apontados (não se incluindo o atribuído a título de reparação pela perda da capacidade de ganho, que foi objecto de actualização) devem acrescer juros contados da citação da recorrida para a acção, à taxa supletiva legal de 4% fixada na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
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III – Decisão
Em face a todo o exposto acordam os juízes da 1.ª secção cível deste Tribunal da Relação de Coimbra em:
A. julgar procedente em parte a apelação da ré e, em consequência, alterar a sentença recorrida no que respeita aos montantes indemnizatórios fixados pela reparação da viatura e dano de privação do uso, condenando-a a pagar ao autor apelado as quantias de, respectivamente, € 12 945,22 (doze mil, novecentos e quarenta e cinco euros e vinte e dois cêntimos) e € 2 660,00 (dois mil seiscentos e sessenta euros);
B. julgar parcialmente procedente a apelação do autor e, em consequência, condenar a ré a pagar-lhe a título de indemnização pela perda da capacidade de ganho o montante indemnizatório de €3 500,00 (três mil e quinhentos euros), sendo ainda devidos juros de mora contados da citação sobre o montante de € 15 964,22 (quinze mil, novecentos e sessenta e quatro euros e vinte e dois cêntimos) e até integral pagamento, mantendo-se, quanto ao mais, a decisão apelada.
Custas nesta e na 1.ª instância a cargo de autor e ré na proporção dos seus decaimentos.
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Maria Domingas Simões (Relator)
Nunes Ribeiro
Helder Almeida


[1] Diploma ao qual pertencerão as demais disposições que vierem a ser citadas sem menção da sua origem.
[2] “Entende-se por dano real o prejuízo que o lesado sofreu em sentido naturalístico (“in natura”), que pode analisar-se nas múltiplas formas possíveis de ofensa de interesses alheios juridicamente protegidos, de ordem patrimonial ou não patrimonial” por contraposição ao dano de cálculo, consistente “na expressão pecuniária de tal prejuízo” (Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 4.ª edição, pág. 390).
[3] Prof. Antunes Varela, “Direito das Obrigações”, 4.ª ed., vol. I, pág. 876, e também Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, vol. I, 9.ª edição, pág. 891, segundo o qual “Da articulação destas duas normas [562.º e 566.º] resulta uma clara primazia da reconstituição “in natura” sobre a indemnização em dinheiro, o que quer dizer que é primordialmente através da reparação do objecto destruído ou da entrega de outro idêntico que se estabelece a obrigação de indemnização.”.
[4] ../../../../../../Documents and Settings/fa00140/Os meus documentos/Jurisprud├¬ncia/C├¡vel/1┬¬ Sec/Dr┬¬ Maria Domingas Sim├Áes/Apela├º├úo 503-09.doc - _ftnref9Pires de Lima e A. Varela, CC anotado, anotação ao art. 566.º.
[5] Do aresto do STJ de 5/7/2007, processo n.º 07B1849, acessível nas Bases jurídico-documentais do IGFEJ, também citado na sentença apelada.
[6] Assim, acórdão do STJ de 19/3/2009, processo n.º 09B0520, também na referida base de dados.
[7] V., neste sentido, de forma desenvolvida, recente acórdão desta mesma Relação de Coimbra de 16/9/2014, processo n.º 1594/11.0TBFIG.C1, disponível no identificado sítio.
[8] Citando Vaz Serra, BMJ n.º 84, pág. 131, segundo o qual “A reposição natural não supõe necessariamente que as coisas são repostas com exactidão na situação anterior: é suficiente que se dê a reposição de um estado que tenha para o credor valor iguale natureza igual ao que existia antes do acontecimento que causou o dano. Com isto, fica satisfeito o seu interesse.”
[9] A recusa injustificada do lesado na aceitação do bem de substituição importa a exoneração do devedor.
[10] V. neste sentido, os acórdãos do STJ de 5/7/2007, processo n.º 07B1849 antes citado, e de 8/5/2013, processo 3036/04.9 TVVLG.P1.S1, no qual se considerou que “A privação do uso de um veículo é, em si mesma, um dano indemnizável, desde logo por impedir o proprietário (ou, eventualmente, o titular de outro direito, diferente do direito de propriedade, mas que confira o direito a utilizá-lo) de exercer os poderes correspondentes ao seu direito”. No mesmo sentido Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 9.ª edição, pág. 348.
[11] Paulo Mota Pinto, “Dano da Privação do Uso”, em Estudos de Direito do Consumidor nº 8, 229 e segs., estudo extraído da tese Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo – Vol. I.
[12] V. recentes acórdãos desta mesma Relação de 6/3/2012, processo n.º 86/10.0T2SVV.C1, e de 8/4/2014, processo n.º 1091/12.7 TBCBR.C1, ainda no identificado sítio.
[13] Esta argumentação, assim tardiamente trazida a juízo, para lá do facto de não favorecer a pretensão do alegante (não obstante, porque não nos encontramos no âmbito dos articulados, e vistos os termos restritos da procuração outorgada a favor do Il. Mandatário, não se trata de matéria confessada - cfr. art.º 356.º, n.º 1 do CC) não se afigura totalmente válida porquanto, podendo a viatura ser conduzida por um terceiro a solicitação do autor, ainda que incapaz de conduzir poderia este ver satisfeitas através dela as -ou, pelo menos algumas das- suas necessidades de deslocação. V., neste preciso sentido, ac. STJ de 29/4/2010, processo 344/04.2GTSTR.S1

[14] Diz-se “apenas” tendo em vista a lógica do alegante.
[15] Ao que resultou do depoimento da testemunha D..., e tanto quanto era do seu conhecimento, à data em que foi inquirida ainda a viatura se encontraria por reparar.
[16] Idêntico montante foi adoptado nos arestos do STJ de 5/7/2007 (processo n.º 07B1849) e desta mesma Relação de Coimbra de 6/3/2012 (processo n.º 86/10.0 T2SVV.C1) e de 10/9/2013 (processo n.º 438/11.8 TBTND.C1) com recenseamento de diversas decisões, todos no identificado sítio.
[17] Almeida e Costa, “Direito das Obrigações”, 9.ª Ed., págs. 542-543.
[18] Idem.
[19] Afirmando a sua natureza patrimonial, o ac. STJ de 29/4/2010, processo 344/04.2 GTSTR.S1 sintetizou: “O dano biológico traduz-se numa diminuição somático-psíquica clara, com natural repercussão no padrão de vida do indivíduo, cuja afectação física, desde logo, determina uma imediata e quase sempre irreversível perda de faculdades físicas e bem-estar psicológico, progressivamente notados, de resto, em tese geral, com repercussão necessária desfavorável na sua qualidade de vida, assim se analisando, mais apropriadamente, dada aquela determinante afectação da actividade vital, em “dano patrimonial”.  
[20] Cf. ac. STJ de 20/5/2010, processo n.º 103/2002.L1.S1- no qual se considerou que “O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial”. No mesmo sentido ac. também do STJ de 20/1/2011, processo n.º520/04.8 GAVNF.P2.S1.
Negando relevância à conceptualização desta categoria que, no entendimento expresso, não veio “tirar nem pôr ao que, em termos práticos, já vinha sendo decidido pelos Tribunais, quanto a indemnização pelos danos patrimoniais de carácter pessoal ou compensação pelos danos não patrimoniais”, ainda o STJ, em acórdão de 6/12/2011, processo n.º 52/06.0 TBVNC.G1.S1. Em sentido diverso, reconhecendo méritos à conceptualização deste dano, o exaustivo acórdão desta Relação de Coimbra de 21/3/2013, processo 793/07.4TBAND.C1, todos em www.dgsi.pt .
[21] Admitindo a dupla relevância deste dano, o que não equivale obviamente à indevida duplicação de indemnização, o Ac. STJ de 17/12/2009, processo n.º 340/03.7 TBPNH.C1.S1, de que se destaca o seguinte ponto do sumário: “O denominado dano biológico provocado no lesado num acidente de viação, é o dano “in natura” por ele sofrido, cuja repercussão o atinge quer em termos patrimoniais quer não patrimoniais”.
Neste sentido ainda o aresto do STJ de 21/3/2013, processo 565/10.9TBPVL.S1, assim sumariado “I - O dano biológico, dano corporal lesivo da saúde, está na origem de outros danos (danos-consequência) designadamente aqueles que se traduzem na perda total ou parcial da capacidade de trabalho. II - Constitui dano patrimonial a perda de capacidade de trabalho permanente geral de 15 pontos que impõe ao lesado esforços acrescidos no desempenho da sua profissão a justificar, nos termos do art. 564.º, n.º 2 do CC, indemnização correspondente ao acrescido custo do trabalho que o lesado doravante tem de suportar para desempenhar as suas funções laborais.
III - Este dano é distinto do dano não patrimonial (art. 496.º do CC) que se reconduz à dor, ao desgosto, ao sofrimento de uma pessoa que se sente diminuída fisicamente para toda a vida.


[22] Cf. citado aresto desta Relação de Coimbra de 21/3/2013 (processo 793/07.4TBAND.C1)
[23] Cf. o arbitramento de montante idêntico em caso com grandes similitudes o aresto da Relação de Lisboa de 2/3/2010, processo 7265/04.7TVLSB.L1-7
[24] Não já assim no tocante aos danos não patrimoniais, dado que o seu cálculo da compensação é feito de forma actualizada, pelo que a indemnização moratória apenas é devida da prolação da decisão actualizadora, nos termos do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ n.º 4/2002, de 9 de Maio de 2002.