Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
230/11.0TBSRE-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO
RECURSO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
RELAÇÃO DE BENS
INCIDENTE
RECLAMAÇÃO DE BENS
Data do Acordão: 04/01/2014
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA
Legislação Nacional: ARTS. 691, 1396 CPC
Sumário: 1 - Atenta a data de instauração do processo de que esta reclamação constitui apenso (2011), ao presente processo de inventário é aplicável o regime emergente do Código de Processo Civil na redacção introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, mormente o respectivo artigo 1396.º, quanto ao regime dos recursos.

2 - A regra neste tipo de processos é a de que cabe recurso da sentença homologatória da partilha, devendo as decisões interlocutórias proferidas no âmbito do mesmo ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da sentença de partilha.

3 - A lei estabelece, porém, uma ressalva: tal regime de impugnação a final não se aplica nos casos previstos no n.º 2 do artigo 691.º, remissão que no caso dos autos, tem que considerar-se agora efectuada para o correspondentemente preceituado no artigo 644.º do CPC.

4 - Não estando expressamente prevista a decisão relativa à reclamação da relação de bens em processo de inventário, nos n.ºs 1 e 2 do artigo 644.º o recurso autónomo interposto daquela decisão não é admissível nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 644.º, como não o seria nos termos da h) do n.º 2 do artigo 691.º anteriormente vigente.

5 - Sendo pacífico que a reclamação contra a relação de bens configura um incidente do processo de inventário, existiam diferentes interpretações relativamente à questão de saber se a alínea j) do n.º 2 do artigo 691.º do CPC se referia a quaisquer incidentes processuais, e, como tal, incluía a decisão daquele incidente, ou se reportava apenas aos incidentes da instância.

6 - Ora, sob a epígrafe «Apelações autónomas», na alínea a) do n.º 1 do actual artigo 644.º o legislador referiu-se expressamente ao recurso da decisão que ponha termo a incidente processado autonomamente, afastando claramente a interpretação de que a alínea j) do n.º 2 se referia a qualquer incidente do processado e consagrando o entendimento daqueles que sufragavam que o recurso apenas era admissível para os incidentes autónomos.

7 - A nova lei veio claramente consagrar um regime que a própria jurisprudência já tinha considerado como sendo possível e adequado em face da lei antiga, pelo que devemos entender que a nova lei é interpretativa por acolher uma das soluções objecto da querela jurisprudencial, pelo que, o recurso interposto da decisão sobre a reclamação de bens também não pode ser admitido a subir imediatamente com fundamento na alínea a) do n.º 1 do artigo 644.º do CPC.

8 - Finalmente, a decisão interlocutória em questão também não pode ser enquadrada na actual alínea h) do n.º 2 do artigo 644.º, (correspondente à anterior alínea m) do n.º 2 do artigo 691.º), por não configurar decisão cuja impugnação com a decisão final seja absolutamente inútil, nos termos limitados que o uso do advérbio absolutamente impõe.

Decisão Texto Integral: Decisão sumária nos termos do artigo 643.º, n.º 4, do Código de Processo Civil[1].

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I - RELATÓRIO

1. C (…) e F (…), Interessadas nos autos supra referenciados, não se conformando com o despacho de 10/01/2014, refª. citius 858108, que não admitiu o recurso que haviam interposto em 18/11/2013, vieram do mesmo Reclamar para este Tribunal da Relação de Coimbra, ao abrigo do disposto no artigo 643.º do CPC, pedindo que a decisão reclamada seja revogada, substituindo-se a mesma por outra que admita o recurso de apelação tempestivamente interposto pelas Reclamantes e ordene a sua subida imediata para apreciação.

2. Notificados os demais interessados, não se pronunciaram.


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II. Apreciação da reclamação

1. Na presente reclamação a questão que importa sindicar é tão só a de saber se o despacho de indeferimento, por extemporaneidade, do recurso apresentado pelas interessadas relativamente à decisão proferida sobre a reclamação à relação de bens que haviam apresentado deve ou não ser mantido, não estando em causa a apreciação do mérito da decisão recorrida, independentemente da bondade da mesma[2].

2. A presente reclamação vem interposta do despacho da Mm.ª Juíza que indeferiu o recurso, e no qual se aduziu que:

«Com a revogação do processo especial de inventário (cfr. artigos 11.º e 12.º do DL n.º 303/07, de 24 de Agosto) o recurso das decisões interlocutórias dos incidentes processuais, como o da reclamação à relação de bens em processo de inventário são de apelação, "a interpor no recurso da decisão final (sentença homologatória da partilha) ou, no caso dela não haver recurso e tal decisão tenha interesse para o apelante independentemente da decisão final, a interpor, no prazo de 15 dias, após o trânsito desta, com efeito em princípio meramente devolutivo" (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08 de Março de 2012 e do Tribunal da Relação de Guimarães, disponível in www.dgsi.pt).

Deste modo, verifica-se que o recurso interposto pelas interessadas C (…) e F (…)não o foi em momento processual adequado, sendo pois - e fazendo apelo da expressão utilizada no supra referido Acórdão – “desatempado” -, pelo que não se admite o mesmo».

3. Este despacho foi proferido na sequência de requerimento de interposição de recurso apresentado pelas ora reclamantes, no qual aduziram:

«C (…) e F (…), Interessadas nos autos à margem referenciados'" (por representação de pai pré- falecido), não se conformando, em matéria de facto e de direito, com a, não obstante douta, decisão que antecede, pela qual foi determinado o relacionamento da verba n.º 9 como direito de superfície sobre o prédio urbano afecto a habitação inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Samuel sob o artigo 982°, vêm da mesma interpor RECURSO que, atento o disposto nos art°s. 1396°, nº 2 e 691°, nº2, aln. m), ambos do C.P.C. (artigo 644°, nº2, aln. h) do NCPC), vai desde já apresentado à razão da impugnação com o recurso da decisão final reverter em inutilidade absoluta (a definição da composição da verba n.º 9 a título de direito de propriedade ou de superfície, e, nesta última hipótese a sua correcta descrição enquanto tal, são de molde a condicionar as posições relativas das partes na conferência de interessados, quer quanto à primacial hipótese de composição de quinhões, quer quanto a eventuais licitações - art° 1353° do C.P.C.) e, ainda, por estarmos perante decisão que, saneando o processo para conferência de interessados sem lhe colocar termo, decidiu do mérito de reclamação à relação de bens (artº 691º,nº2 aln. h) do C.P.C., actual artº 644º, nº1, aln. b) do NCPC, por interpretação extensiva), com subida imediata e efeitos legais.»

4. A decisão recorrida foi proferida na sequência de reclamação à relação de bens apresentada pelas interessadas, ora Reclamantes, em processo de inventário, cumprindo, antes de mais afirmar que, atenta a data de instauração do processo de inventário de que esta reclamação constitui apenso, e em face do disposto no artigo 7.º da Lei n.º 23/2013, o novo regime do inventário que esta lei instituiu e que actualmente se encontra em vigor, não é aplicável aos processos de inventário que já se encontrassem pendentes à data da sua entrada em vigor, como acontece com o caso dos autos.

Assim sendo, ao presente processo de inventário é aplicável o regime emergente do Código de Processo Civil[3] na redacção introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, mormente o respectivo artigo 1396.º que estatuía relativamente ao regime dos recursos:

“1. Nos processos referidos nos artigos anteriores cabe recurso da sentença homologatória da partilha.

2. Salvo nos casos previstos no n.º 2 do artigo 691.º, as decisões interlocutórias proferidas no âmbito dos mesmos processos devem ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da sentença de partilha”.

Conforme é consabido, quer no regime de recursos emergente da alteração introduzida ao CPC pelo citado DL, quer na redacção ora vigente emergente da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto, e aplicável ao caso dos autos para efeitos de recurso[4], o legislador optou por um regime monista de recursos, que se encontra em vigor desde 1 de Janeiro de 2008, tendo introduzido importantes alterações nas modalidades de impugnação das decisões judiciais proferidas pela 1.ª instância perante o tribunal superior.

“Em primeiro lugar, traduz a absorção do anterior recurso de agravo pela apelação. Independentemente de a decisão incidir sobre o mérito ou sobre questões formais, a sua impugnação segue as regras unitárias previstas para a apelação, ainda que com sujeição de determinadas situações a regimes especiais.

Em segundo lugar, foi estabelecido um elenco taxativo de decisões intercalares que admitem recurso imediato, relegando-se para momento ulterior a impugnação das demais[5].

Situando-nos o caso dos autos no domínio do processo de inventário em que rege o supra citado preceito no que concerne ao regime dos recursos, podemos desde logo concluir que a regra neste tipo de processos é a de que cabe recurso da sentença homologatória da partilha, devendo as decisões interlocutórias proferidas no âmbito do mesmo ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da sentença de partilha.

A lei estabelece, porém, uma ressalva: tal regime de impugnação a final não se aplica nos casos previstos no n.º 2 do artigo 691.º, remissão que no caso dos autos, tem que considerar-se agora efectuada para o correspondentemente preceituado no artigo 644.º.

5. Devidamente enquadrado o regime processual em apreço é tempo de apreciar se o despacho que decide a reclamação à relação de bens deduzida em processo de inventário, se insere nalguma das alíneas do “elenco taxativo de decisões intercalares que admitem recurso de apelação imediato”, já que “[a]ctualmente a lei admite dois regimes diversos:

a)As decisões que ponham termo ao processo e cada uma das decisões tipificadas no n.º 2 do art. 691.º são passíveis de interposição imediata de recurso. Se este não for interposto, formarão caso julgado material ou formal, nos termos dos arts. 671.º e 672.º;

b)As restantes decisões, independentemente da sua natureza, podem ser impugnadas juntamente com o recurso da decisão final (n.º 3) ou, se não houver recurso da decisão final e a impugnação tiver interesse autónomo para a parte, em recurso único a interpor depois de a mesma transitar em julgado (n.º 4) [6].

Portanto, em face do regime recursório introduzido pelo DL 303/2007, e mantido pela Lei n.º 41/2013, o recurso de apelação cabe agora de toda e qualquer decisão do tribunal de 1.ª instância, quer a mesma seja final, quer se trate de decisão interlocutória, e independentemente de ter ou não decidido do mérito da causa. A distinção legal reporta-se apenas quanto ao respectivo momento de subida.

No caso em apreço, e visto o disposto no artigo 644.º do CPC, o recurso apenas pode ser admitido a subir neste momento processual, caso a situação se enquadre nos casos previstos no n.º 1 ou numa das alíneas do n.º 2 do referido preceitos, atenta a expressa ressalva efectuada pelo n.º 2 do artigo 1396.º do CPC.

Invocam as reclamantes que a situação tem acolhimento por via das alíneas h) e m) do artigo 691.º, n.º 2 do CPC, actualmente correspondentes à alínea b) do n.º 1 e à alínea h) do n.º 2 do artigo 644.º. Aduzem as reclamantes que o enquadramento na primeira das referidas alíneas se funda na sua semelhança com o despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa; e na segunda, porque a definição da composição da verba n.º 9 a título de direito de propriedade ou de superfície, é de molde a condicionar a posição das partes na conferência de interessados, quer quanto à composição dos quinhões quer quanto a eventuais licitações, daí a necessidade da sua imediata sindicância.

6. Comecemos, pois, pelo enquadramento desta reclamação na invocada alínea h) do n.º 2 do artigo 691.º - actual alínea b) do n.º 1 do artigo 644.º - que se refere à possibilidade de recurso com subida imediata relativamente ao despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa, equiparando esta situação à decisão da reclamação sobre a relação de bens, momento em que o juiz faz o saneamento do processo para a conferência de interessados, sem colocar termo ao processo de inventário, mas decidindo de mérito.

Ora, salvo o devido respeito pela invocação da similitude da situação, conforme se disse supra, os n.ºs 1 e 2 do artigo 644.º constituem um elenco taxativo de situações que o legislador consagrou como estando sujeitas a impugnação imediata, no caso do n.º 2, mesmo apesar de não ter havido ainda decisão que ponha termo ao processo, distinguindo-as precisamente das demais que ali não se encontram elencadas e que apenas podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final, nos termos previstos no n.º 3, porque a regra é precisamente que as decisões interlocutórias apenas admitam recurso com a decisão final.

Desta sorte, não estando ali expressamente prevista a decisão relativa à reclamação da relação de bens em processo de inventário, o recurso interposto não é admissível nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 644.º, como não o seria nos termos da h) do n.º 2 do artigo 691.º anteriormente vigente.

7. Apesar de não ter sido invocada pelas Reclamantes, a alínea que aparentemente poderia aplicar-se, considerando a redacção do artigo 691.º, n.º 2, seria a alínea j) que se referia ao despacho que ponha termo ao incidente.

De facto, é pacífico que a reclamação contra a relação de bens configura um incidente do processo de inventário[7], no âmbito do qual as provas devem ser apresentadas com os requerimentos de reclamação e respectivas respostas - cfr. artigos 1348.º, 1344.º, n.º 2, ex vi do artigo 1349.º, n.º 3, e ainda o artigo1334.º que remete para o disposto nos artigos 302.º a 304.º do CPC.

Por isso mesmo, já foi defendido que o despacho que decide a reclamação contra a relação de bens põe termo ao incidente, sendo imediatamente recorrível[8].

A questão que se coloca nesta sede é a de saber se os incidentes a que a alínea j) do n.º 2 do artigo 691.º se refere são quaisquer incidentes processuais - como, por exemplo, a decisão da reclamação contra a relação de bens - ou apenas os incidentes da instância.

De facto, já no domínio do referido preceito entendíamos[9] que para efeitos da referida alínea apenas seriam de considerar os incidentes da instância e não os meros incidentes processuais[10], sendo este o único entendimento que nos parecia consentâneo com a clara excepção das situações elencadas que admitiam recurso imediato, e das quais decorria, sem margem para grandes dúvidas, que essa admissibilidade excepcional se prendia, em regra, com o facto de as mesmas serem decisões que punham termo à concreta questão decidenda.

E, deste entendimento já decorria que em face do regime de recursos instituído pelo DL n.º 303/2007, as decisões tomadas no incidente de reclamação contra a relação de bens em processo especial de inventário (previsto nos artigos 1348º e 1349º do Código de Processo Civil), só podiam ser impugnadas com o recurso que viesse a ser interposto da decisão final do incidente.

Acontece, porém, que no confronto entre a redacção do artigo 691.º e a alteração introduzida pela Lei n.º 41/2013, vertida no artigo 644.º dúvidas não podem restar que o legislador, ciente das divergências de interpretação que algumas alíneas do n.º 2 do artigo 691.º suscitaram, veio clarificar duas situações, mudando inclusivamente a sua localização no preceito para que não possam já subsistir alguns entendimentos antes defendidos. Referimo-nos à inclusão, logo na alínea a) do n.º 1, referente às decisões que ponham termo à causa, da decisão relativa a procedimentos cautelares ou incidentes processados autonomamente, juntamente com a admissibilidade de recurso da decisão proferida em primeira instância que ponha termo à causa.

De facto, sob a epígrafe «Apelações autónomas», na alínea a) do n.º 1 do artigo 644.º o legislador referiu-se expressamente ao recurso da decisão que ponha termo a incidente processado autonomamente, afastando claramente a interpretação de que a alínea j) do n.º 2 se referia a qualquer incidente do processado e consagrando o entendimento daqueles que sufragavam que o recurso apenas era admissível para os incidentes autónomos.

Trata-se claramente duma alteração efectuada com consciência do legislador quanto à divergência nas interpretações a que a anterior redacção do preceito levou, razão pela qual consideramos que, neste aspecto, as alterações introduzidas configuram lei interpretativa.

            Efectivamente, lei interpretativa “[é] aquela que intervém para decidir uma questão de direito cuja solução é controvertida ou incerta, consagrando um entendimento a que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado”[11], o que, como ficou suficientemente demonstrado supra chegou a ocorrer, decidindo alguma jurisprudência no sentido ora consagrado.

            Na verdade, “[p]ara que a lei nova possa ser interpretativa são necessários dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei.

            Se o julgador ou o intérprete em face de textos antigos não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a lei nova veio a consagrar, então a lei é inovadora”[12].
Ora, como vimos no caso que nos ocupa, a nova lei veio claramente consagrar um regime que a própria jurisprudência já tinha considerado como sendo possível e adequado em face da lei antiga, pelo que devemos considerar que a nova lei é interpretativa por acolher uma das soluções objecto da querela jurisprudencial.

Pelo exposto, o recurso interposto também não poderia ser admitido a subir imediatamente com fundamento na alínea a) do n.º 1 do artigo 644.º do CPC.

8. Finalmente, para aquilatar se o recurso interposto pelas interessadas ora reclamantes pode ser admissível neste momento, importa apreciar se a decisão interlocutória em questão deve ser enquadrada na actual alínea h) do n.º 2 do artigo 644.º, (correspondente à anterior alínea m) do n.º 2 do artigo 691.º), por configurar decisão cuja impugnação com a decisão final seja absolutamente inútil.

Para definir o que seja a absoluta inutilidade a que se refere o preceito, devemos socorrer-nos quer do contributo da doutrina quer dos inúmeros acórdãos proferidos a respeito do momento da subida imediata ou deferida do recurso de agravo, em face do que anteriormente previa o artigo 734.º, n.º 1, alínea c), do CPC.

Assim, podemos considerar pacífico que o uso do advérbio absolutamente “marca bem o nível de exigência imposto pelo legislador, em termos idênticos ao que anteriormente se previa no art. 734º, nº 1, alínea c), para efeitos de determinar ou não a subida imediata do agravo.

Deste modo, não basta que a transferência da impugnação para um momento posterior comporte o risco de inutilização de uma parte do processado, ainda que nesta se inclua a sentença final. Mais do que isso, é necessário que imediatamente se possa antecipar que o eventual provimento do recurso não passará de uma “vitória de Pirro”, sem qualquer reflexo no resultado da acção ou na esfera jurídica do interessado”[13].

De facto, “a inutilidade … há-de produzir um resultado irreversível quanto ao recurso, retirando-lhe toda a eficácia dentro do processo, não bastando, por isso, uma inutilização de actos processuais para justificar a subida imediata do recurso”[14].

Dito de outro modo: “o significado deste preceito não pode ser outro senão o de que a aplicação do n.º 2 do art.º 734 do CPC só pode ter lugar quando a retenção do recurso o torna absolutamente inútil para o recorrente, e não por qualquer outra razão, como a economia processual ou a perturbação que possa provocar no processo onde o mesmo recurso foi interposto”[15].

Volvendo ao caso dos autos e analisando-o à luz destes ensinamentos, urge concluir que a interposição do recurso pelas interessadas apenas com a decisão final, não tornaria o mesmo absolutamente inútil, isto é, sem finalidade alguma para as mesmas e sem qualquer reflexo na sua esfera jurídica, não podendo concluir-se que a retenção produziria “um resultado irreversivelmente oposto ao efeito que se quis alcançar”[16].

 Efectivamente, o que a eventual procedência do recurso a final determinaria seria a anulação de todos os actos subsequentemente praticados no processo de inventário, mas, como é jurisprudência pacífica, a economia processual não é o critério pelo qual se afere o comando legal concernente à avaliação da absoluta inutilidade do recurso.

Termos em que, improcedem todas as conclusões da presente reclamação, sendo de manter o despacho que indeferiu a interposição de recurso autónomo contra a decisão proferida sobre a reclamação à relação de bens.


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III.3 – Síntese conclusiva:

I - Atenta a data de instauração do processo de que esta reclamação constitui apenso (2011), ao presente processo de inventário é aplicável o regime emergente do Código de Processo Civil na redacção introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, mormente o respectivo artigo 1396.º, quanto ao regime dos recursos.

II - A regra neste tipo de processos é a de que cabe recurso da sentença homologatória da partilha, devendo as decisões interlocutórias proferidas no âmbito do mesmo ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da sentença de partilha.

III - A lei estabelece, porém, uma ressalva: tal regime de impugnação a final não se aplica nos casos previstos no n.º 2 do artigo 691.º, remissão que no caso dos autos, tem que considerar-se agora efectuada para o correspondentemente preceituado no artigo 644.º do CPC.

IV - Não estando expressamente prevista a decisão relativa à reclamação da relação de bens em processo de inventário, nos n.ºs 1 e 2 do artigo 644.º o recurso autónomo interposto daquela decisão não é admissível nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 644.º, como não o seria nos termos da h) do n.º 2 do artigo 691.º anteriormente vigente.

V - Sendo pacífico que a reclamação contra a relação de bens configura um incidente do processo de inventário, existiam diferentes interpretações relativamente à questão de saber se a alínea j) do n.º 2 do artigo 691.º do CPC se referia a quaisquer incidentes processuais, e, como tal, incluía a decisão daquele incidente, ou se reportava apenas aos incidentes da instância.

 VI - Ora, sob a epígrafe «Apelações autónomas», na alínea a) do n.º 1 do actual artigo 644.º o legislador referiu-se expressamente ao recurso da decisão que ponha termo a incidente processado autonomamente, afastando claramente a interpretação de que a alínea j) do n.º 2 se referia a qualquer incidente do processado e consagrando o entendimento daqueles que sufragavam que o recurso apenas era admissível para os incidentes autónomos.
VII - A nova lei veio claramente consagrar um regime que a própria jurisprudência já tinha considerado como sendo possível e adequado em face da lei antiga, pelo que devemos entender que a nova lei é interpretativa por acolher uma das soluções objecto da querela jurisprudencial, pelo que, o recurso interposto da decisão sobre a reclamação de bens também não pode ser admitido a subir imediatamente com fundamento na alínea a) do n.º 1 do artigo 644.º do CPC.

VIII - Finalmente, a decisão interlocutória em questão também não pode ser enquadrada na actual alínea h) do n.º 2 do artigo 644.º, (correspondente à anterior alínea m) do n.º 2 do artigo 691.º), por não configurar decisão cuja impugnação com a decisão final seja absolutamente inútil, nos termos limitados que o uso do advérbio absolutamente impõe.


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IV - Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente a reclamação, confirmando o despacho de indeferimento do recurso, por extemporaneidade, proferido pela Mm.ª Juiz de primeira instância.

Custas pelas reclamantes.


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                                                                           Coimbra, 1 de Abril de 2014 [17]

                                                                                 

                                  

                                                                         Albertina Maria Gomes Pedroso ( relatora )


[1] Doravante abreviadamente designado CPC.
[2] Na verdade, “[p]or mais clamoroso ou gritante que possa ser o erro da decisão em causa, nada justifica, no silêncio da lei a tal respeito, que esta «queixa» se transmute numa antecipada reponderação da decisão de mérito” – cfr. Decisão sumária de 16-10-2009, proferida no TRL, processo 224298/08.4YIPRT-B.L1-8, disponível em www.dgsi.pt.
[3] Doravante abreviadamente designado CPC.
[4] A decisão recorrida foi proferida já após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil.
[5]  Cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª Edição Revista a Actualizada, Almedina 2010, págs. 194 e 195.
[6] Cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª Edição Revista a Actualizada, Almedina 2010, página 195.
[7] Cfr. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, vol I, 4.ª edição, pág. 543.
[8] Assim se decidiu, por exemplo, no recente Acórdão do TRP de 20.01.2014, processo 1008/10.3TBCHV-A.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[9] À semelhança do que foi considerado, por exemplo, nos Acórdãos deste TRC de 8/3/2012, processo n.º 136/09.2TMCBR-B.C1 e TRG de 26/09/2013, e na decisão sumária deste TRC de 10/12/2013, processo n.º 123/13.6TBGRD-B.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[10] A este propósito, refere Abrantes Geraldes, na nota 325, a págs. 206, que “[c]om recurso ao elemento histórico extraído do anterior art. 739.º deve concluir-se que apenas estão incluídos nesta alínea os “incidentes da instância”, e não qualquer incidente processual.”
[11] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, nota l ao art. 13°.
[12] Cfr. J. Baptista Machado, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, 1983, pág. 247.
[13] Cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª Edição Revista a Actualizada, Almedina 2010, página 211. Também Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 3.º, 2008, pág. 81, se pronunciam no mesmo sentido, referindo que “a jurisprudência formada sobre o anterior art. 734.º, n.º 2, que previa a subida imediata do agravo cuja retenção o tornaria absolutamente inútil, era muito restritiva: considerava-se que a eventual retenção deveria ter um resultado irreversível quanto ao recurso, não bastando uma mera inutilização de actos processuais, ainda que contrária ao princípio da economia processual”.
[14] Cfr. Ac. STJ, de 21-05-1997, BMJ 467.º, pág. 576.
[15] Cfr. Ac. STJ, de 27-11-1997, Processo n.º 771/97 - 2.ª Secção, disponível em www.stj.pt, Sumários de Acórdãos.
[16] Cfr. Ac. TRC de 14-01-2003, in CJ, tomo I, pág. 10.
[17] Data de entrega no TRC.