Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
350/10.8T4AVR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO
REQUERIMENTO
ARTICULADOS
Data do Acordão: 03/21/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DO TRABALHO DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 63º, Nº 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO; 523º, Nº 1, E 535º DO CPC
Sumário: I – Nos termos do preceituado no artº 63º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho, é nos articulados que as partes devem juntar os documentos, apresentar o rol das testemunhas e requerer quaisquer outras provas.

II – Todavia o tribunal, ao ser confrontado com um requerimento de uma das partes para notificação da parte contrária ou de terceiros para juntarem documentos ao processo ao abrigo do disposto nos artºs 528º e 531º do CPC, no caso de se verificar que o mesmo não foi formulado nos articulados, como o impõe o artº 63º, nº 1, CPT, deve apreciá-lo no âmbito do regime da requisição de documentos regulado no artº 535º do CPC e no uso do seu poder-dever ali consignado, deferindo-o ou indeferindo-o em função da sua necessidade para o esclarecimento da verdade.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. A autora intentou contra a ré acção declarativa de condenação, na forma comum, pedindo que seja reconhecido o abandono de trabalho por parte da ré, com as consequências que indica.

Proferido despacho saneador, a mesma autora requereu designadamente o seguinte, indicando que se tratava de prova documental:

2. Mais Requer que a Demandada seja notificada para que, nos termos e com os efeitos previstos nos artigos 519º, 528º e 529º todos do Código de Processo Civil, venha aos autos juntar: 1) Cópia de todos os contratos de trabalho ou de prestação de serviços celebrados pela mesma entre Agosto de 2009 e a data em que for notificada pelo Tribunal para dar cumprimento ao agora requerido (com toda e qualquer empresa), com indicação especial para início e termo da vigência dos mesmos e para o horário de trabalho praticado durante essa vigência. Caso não constem de documento escrito deve a Demandada fornecer por escritos as informações solicitadas; 2) Cópia de todas as folhas de vencimento ou recibos emitidos (de ou para toda e qualquer empresa), relativo a trabalho prestado no mesmo período referido em 1), tudo para prova, entre outros, dos factos insertos nos artigos 26º a 32º da Petição Inicial.

3. Mais Requer que a sociedade comercial por quotas, “C..., com sede..., seja notificada para que, nos termos e com os efeitos previstos nos artigos 519º, 528º e 531º todos do Código de Processo Civil, venha aos autos juntar: 1) Cópia do contrato de trabalho ou de prestação de serviços celebrado com a Demandada R..., com indicação especial para inicio e termo (se for o caso) da vigência do mesmo e para o horário de trabalho praticado por esta durante essa vigência. Caso não conste de documento escrito deve a notificada fornecer por escritos as informações solicitadas; 2) Cópia de todas as folhas de vencimento ou recibos pela Demandada emitidos, relativo a trabalho prestado no período vai desde o inicio do contrato até à data em que for notificada pelo Tribunal para dar cumprimento ao agora requerido, tudo para prova, entre outros, dos factos insertos nos artigos 26º a 32º da Petição Inicial.

4. Requer-se, ainda, que sejam notificados o Instituto da Segurança Social de ... e o Serviço de Finanças de ..., para que, nos termos e com os efeitos previstos nos artigos 519º, 528º e 531º todos do Código de Processo Civil, venham aos autos juntar, respectivamente, o histórico dos descontos efectuados pela Demandada R... nos anos de 2009 e 2010, cópia da declaração de IRS do ano de 2009 apresentada pela mesma donde conste os rendimentos do trabalho por ela obtidos nesse ano para prova, entre outros, do vertido nos artigos 26º a 32º da Petição Inicial.”

Perante esse requerimento, o Sr. juiz proferiu despacho, no qual salientou que, nos termos do disposto no art° 63.° n° 1 do CPT, em processo laboral os meios de prova devem ser apresentados com os articulados e, admitindo a junção de documentos apresentados com o mesmo requerimento dizendo que o fazia por aplicação do artº 523º do CPC, indeferiu o requerido na parte acima reproduzida, sustentando que “o requerido é extemporâneo”.

 

É deste despacho que a autora vem agora recorrer apresentando, nas correspondentes alegações, as seguintes conclusões:

[…]

A ré não fez apresentação de contra-alegações.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, defendendo que o recurso deve ser julgado improcedente.


*

III.  As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objecto do recurso, não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.

Decorre do exposto que a questão que importa dilucidar e resolver é a da admissibilidade das provas requeridas no caso em apreço.

Vejamos:

Nos termos do preceituado no artigo 63º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, é nos articulados que as partes devem juntar os documentos, apresentar o rol das testemunhas e requerer quaisquer outras provas.

A apelante, posteriormente aos articulados, veio requerer a notificação da parte contrária e de terceiros para juntarem documentos “para prova, entre outros, do vertido nos artigos 26º a 32º da Petição Inicial.”

Defende que, tratando-se de prova documental, esta poderia ser indicada até ao encerramento da discussão em 1ª instância, atento o disposto no artigo 523º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável ao processo laboral por força da remissão operada pelo artigo 49º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho para as disposições do Código de Processo Civil.

Entendemos, contudo, que o disposto no art. 523.º n.º 2, referido, se refere tão só ao oferecimento espontâneo de documentos pelas partes.

Alberto dos Reis, no seu Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, (anotação ao art.º 550.º) referia que a junção de documentos pode ter origem num destes factos: a) oferecimento espontâneo pelas partes; b) requerimento da parte interessada; b) requisição judicial; d) apresentação pelos peritos ou testemunhas.

Referia que aquele artigo anotado, equivalente ao actual art. 523.º do CPC, apenas regulava a primeira das situações. Já os casos de requerimento para junção de documentos em poder da parte contrária ou em poder de terceiro, estavam regulados nos artigos hoje equivalentes aos arts. 528.º e 531.º do CPC.

Não vemos motivos para divergir desse entendimento.

Uma coisa são os documentos apresentados por iniciativa das partes, outra são os demais referidos documentos, em poder da parte contrária ou de terceiros.

Os primeiros são de espontânea apresentação.

Mas atendibilidade do requerimento para junção dos documentos em poder da parte contrária ou de terceiros está sujeita à prévia avaliação do interesse dos factos que a parte pretende provar para a decisão da causa (538.º n.º 2 e 531.º).

Concluímos, assim, que este último requerimento não está sujeito ao regime do art. 523.º do CPC e, por isso, não lhe é aplicável.

Daí que se retire que o requerimento assinalado no caso dos autos não estava subtraído ao imperativo do art.º 63º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, estando, na disciplina processual, a apelante limitada à sua formulação no momento da petição inicial (o único articulado de que dispôs no processo).

O requerimento em causa nos termos em que foi formulado era assim, na verdade, extemporâneo.

Com esse apertado regime, está a apelante absolutamente impedida de conseguir obter os meios de prova que requereu?

Cremos que não. Na verdade, seria estranho que existisse a possibilidade de aditamento ao rol de testemunhas (art.º 63º, n.º 2 do CPT) e de posterior apresentação espontânea de documentos (523.º n.º 2 do CPC) e não existisse a possibilidade de, posteriormente aos articulados, requerer a junção de documentos em poder de outrem.

Esta possibilidade existe. Trata-se da possibilidade de requisição judicial de documentos prevista no art. 535.º do CPC.

Essa requisição justifica-se no princípio da cooperação para a descoberta da verdade em matéria probatória (519.º do CPC) e pode ter lugar a requerimento de qualquer das partes (não apenas por mera sugestão das partes, como sucedia na redacção anterior ao DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, na qual se acentuou o poder-dever do tribunal obter os documentos para a descoberta da verdade).

A requisição pelo tribunal, como é óbvio, pode ter lugar a todo o tempo até ao encerramento da discussão em 1ª instância e, por isso, também o requerimento de uma das partes para que ela ocorra pode ser feito a qualquer momento, com aquele limite.

Todavia, o requerimento para essa requisição só é atendível se ocorrer necessidade para o esclarecimento da verdade.

Por isso, entendemos que o tribunal ao ser confrontado com um requerimento de uma das partes para notificação da parte contrária ou de terceiros para juntarem documentos ao abrigo do disposto nos arts. 528.º e 531.º do CPC, no caso de se verificar que o mesmo não foi formulado nos articulados, como o impõe o art. 63.º n.º 1 do CPT, deve apreciá-lo no âmbito do regime da requisição de documentos regulado no art.º 535.º do CPC e no uso do seu poder-dever ali consignado, deferindo-o ou indeferindo-o em função da sua necessidade para o esclarecimento da verdade.

Assim, o despacho recorrido deverá ser substituído por outro que aprecie o requerimento da apelante em conformidade com essa conclusão.

Sumário (a que alude o artigo 713º nº 7 do C.P.C.):

I- Nos termos do preceituado nos artigos 63º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, é nos articulados que as partes devem juntar os documentos, apresentar o rol das testemunhas e requerer quaisquer outras provas.

II- Todavia, o tribunal ao ser confrontado com um requerimento de uma das partes para notificação da parte contrária ou de terceiros para juntarem documentos ao abrigo do disposto nos arts. 528.º e 531.º do CPC, no caso de se verificar que o mesmo não foi formulado nos articulados, como o impõe o art. 63.º n.º 1 do CPT, deve apreciá-lo no âmbito do regime da requisição de documentos regulado no art.º 535.º do CPC e no uso do seu poder-dever ali consignado, deferindo-o ou indeferindo-o em função da sua necessidade para o esclarecimento da verdade.


*


III- DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, delibera-se julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar despacho recorrido, na parte objecto do recurso, e determinar que o tribunal a quo o substitua por outro em que o aprecie, deferindo-o ou indeferindo-o, em função do regime previsto no art. 535.º do Código de Processo Civil.

Custas no recurso pelo vencido no final.


*
Luís Azevedo Mendes (Relator)
Felizardo Paiva
José Eusébio Almeida