Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1381/13.1TBCLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
APOIO JUDICIÁRIO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
HONORÁRIOS
INCIDENTES
REMUNERAÇÃO AUTÓNOMA
Data do Acordão: 06/29/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO COMÉRCIO DE ALCOBAÇA DO TRIBUNAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: PONTOS 4.º, N.º 4, E 5.º DO ANEXO DA PORTARIA N.º 654/10, DE 11 DE AGOSTO
Sumário: Para além dos honorários pagos ao patrono oficioso nomeado no âmbito do processo de insolvência, o mesmo não tem direito, autonomamente, ao pagamento de honorários relativamente aos apensos de Reclamação de Créditos e de Qualificação da Insolvência em que tenha tido intervenção.
Decisão Texto Integral:






            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A Dr.ªA…, aqui apelante, foi nomeada como patrona oficiosa de  B… e mulher C… , já todos identificados nos autos, para, em nome destes, intentar acção de insolvência, o que veio a fazer e no seguimento do que, foi declarada a respectiva insolvência, por sentença já transitada e proferida em 08 de Julho de 2013.

No que ao presente recurso interessa, foi proferida decisão de encerramento do processo de insolvência, em 13 de Junho de 2017.

Conforme Apensos A e B (respectivamente de reclamação de créditos e de incidente de qualificação da insolvência), foi no primeiro proferida sentença de verificação e graduação de créditos, em 02 de Dezembro de 2013 e no de qualificação da insolvência, foi proferida decisão de qualificação (como fortuita), em 17 de Março de 2014.

Nenhuma destas decisões foi objecto de recurso e/ou reclamação.

A única intervenção que a ora apelante teve nestes dois Apensos foi a notificação que lhe foi efectuada de cada uma destas decisões.

Posteriormente, cf. requerimento de fl.s 390 a 392, entrado em juízo em 17 de Dezembro de 2020, a Ex.ma Patrona, veio requerer lhe fossem pagos os honorários a que tem direito, relativamente aos Apensos A e B, “os quais se encontram previstos no ponto 5 da Tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10/11”.

Alega para tanto que, logo em seguida à decisão de encerramento do processo de insolvência, submeteu o pedido de honorários ao SINOA, tendo-lhe os mesmos sido pagos, no dia 19 de Outubro de 2017 “nos termos do Ponto 4.4 (Insolvência) da Tabela anexa à Portaria n.º 1386/14, de 10/11” – cf. artigo 3.º do requerimento a que acima se aludiu.

Acrescenta que no Apenso A (reclamação de créditos), autuado em 27 de Agosto de 2013, foi proferida sentença que lhe foi notificada em 03 de Dezembro de 2013 – (artigo 4.º) do mesmo requerimento.

Razão pela qual em 12 de Dezembro de 2020, submeteu o respectivo pedido de honorários no SINOA, desta vez “nos termos do Ponto 5 (Incidentes Processuais)” da já referida Tabela (artigo 5.º).

O que, igualmente, fez, relativamente ao Apenso B, de qualificação da insolvência), autuado em 10 de Março de 2014, cuja sentença lhe foi notificada em 18 de Março de 2014 (artigo 6.º).

Em 14 de Dezembro de 2020, “os pedidos de honorários foram rejeitados por “Tipo de serviço errado – foi confirmado um pedido nos autos principais” (artigo 7.º).

Tendo sido informada que “o pagamento efectuado nos autos principais abrange todos os Apensos do mesmo e que como não teve intervenção nesses apensos, não há lugar a outro pagamento” (artigos 7.º e 8.º).

Mais alega que o apoio judiciário é extensivo a todos os processos apensos ao principal, decorre da nomeação e não da efectiva participação nos mesmos, citando, em abono de tal pretensão, a Decisão Singular proferida no Tribunal da Relação de Lisboa, proferida no Processo n.º 1295/13.5TBSCR-B.L1.

Aberta vista ao MP, este promoveu o seguinte:

“Promovo se indefira o requerido, porquanto, os incidentes objecto de remuneração autónoma são apenas os constantes no n.º 4 da Tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10/11.

Não estando aqueles apensos ali incluídos, como tal, se não deve entender como incidentes objecto de remuneração autónoma”.

Conclusos os ao M.mo Juiz, foi proferido o despacho de fl.s 398, datado de 12 de Fevereiro de 2021, (aqui recorrido), que se passa a reproduzir:

“Adiro na íntegra ao exposto pelo Digno Sr. Procurador da República, na promoção que antecede.

Com efeito, os incidentes objecto de remuneração autónoma são apenas os constantes do ponto 4.º da Tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro. Ora, a reclamação de créditos e o incidente de qualificação da insolvência, a que alude a Ilustre Sra. Advogada, não se subsumem ao referido ponto.

Pelo exposto, indefiro o requerido pela Ilustre Sra. Dra. A…”.

Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso, a Patrona Oficiosa, Dr.ª A…, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 411), apresentando as seguintes conclusões:

(…)

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.         

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se, para além dos honorários relativos ao processo de insolvência, que já peticionou e já lhe foram pagos, a Ex.ma Patrona tem, ainda, autonomamente, direito ao pagamento de honorários relativamente aos Apensos de Reclamação de Créditos e de Qualificação da Insolvência.

Os factos a ter em consideração são os que constam do relatório que antecede.

Se, para além dos honorários relativos ao processo de insolvência, que já peticionou e já lhe foram pagos, a Ex.ma Patrona tem, ainda, autonomamente, direito ao pagamento de honorários relativamente aos Apensos de Reclamação de Créditos e de Qualificação da Insolvência.

Como resulta do relatório que antecede e da alegação da recorrente, esta insurge-se contra a decisão recorrida, a qual, no seu entender, devia ter concedido, autonomamente, o pagamento de honorários pelos serviços prestados no âmbito dos referidos apensos, para além dos já pagos pela insolvência.

Alega, para tal, como se referiu, que o apoio judiciário se estende aos apensos de um processo principal e como no caso, se trata de incidentes, o pagamento peticionado baseia-se e é justificado pelo disposto no Ponto 5 da Tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro.

Em abono da sua pretensão, cita o Acórdão da Relação de Guimarães, de 21 de Janeiro de 2021, Processo n.º 460/19.6TBVNF-A.G1, disponível no respectivo sítio do itij, no qual se decidiu que a reclamação de créditos num processo de insolvência configura um incidente do processo principal de insolvência e como tal os seus honorários também deverão ser calculados com referência ao ponto 5 da supra referida tabela.

Com o devido respeito a questão não está tanto na definição do que deve ser entendido como incidente processual de um processo de insolvência, mas sim, ao invés, qual a abrangência dos honorários a pagar a Patrono nomeado para intentar acção de insolvência.

Efectivamente, não se concebe um processo de insolvência em que não haja créditos reclamados, de outro modo, não haveria dívidas a reconhecer e graduar.

Do mesmo modo, sempre se terá de qualificar a insolvência como fortuita ou culposa, com maior ou menor complexidade processual (designadamente, se houver oposição à qualificação considerada).

Pelo que, a nosso ver e com todo o respeito pelas decisões em que se apoia a recorrente, o que é crucial e decisivo é o que deve ser considerado como “processo de insolvência”, no âmbito da atribuição de honorários a Patrono oficioso, por referência ao citado Ponto 4.4, incluído na categoria de “Processos especiais e outros … Insolvência”.

Quanto a esta problemática rege a Portaria n.º 654/10, de 11 de Agosto, que estabelece no seu artigo 25.º, n.º 1, que os valores devidos aos profissionais forenses pela nomeação para processo, são os estabelecidos na Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro.

Acrescentando-se no seu n.º 6 que “Nas nomeações isoladas para processos, o pagamento da compensação é efectuado quando ocorra o trânsito em julgado do processo ou a constituição de mandatário”, o que se repete no seu artigo 28.º, n.º 1, al. b).

Desde logo e em face do que aqui se dispõe, aliado ao facto de, em devido tempo, a Ex.ma Patrona ter pedido o pagamento de honorários pelo processo de insolvência, não se compreende, que a mesma, venha, agora, decorridos estes anos, solicitar o pagamento de honorários, autónomos, relativos aos supra referidos apensos.

Ainda assim e analisando o mérito da questão e desde já adiantando a solução, não vemos razões para alterar a decisão recorrida.

Efectivamente, como acima referido, a reclamação de créditos e a qualificação da insolvência fazem parte de todo e qualquer processo de insolvência, mais não constituindo do que incidências/fases processuais de uma insolvência, independentemente de, em termos formais, serem ou não processados por apenso.

E nem a tal conclusão obsta o que se acha disposto no artigo 303.º do CIRE, uma vez que este apenas estabelece o âmbito de um processo de insolvência para efeitos de tributação do mesmo e salvo o devido respeito por contrário entendimento, não se podendo extrapolar o que dele consta, para efeitos da fixação de honorários a Patrono, matéria, esta, que se acha regulada na citada Portaria n.º 654/2010.

Por outro lado, a regulamentação da atribuição do apoio judiciário e respectiva abrangência, é a que resulta da Lei 34/2004, de 29 de Julho, estabelecendo-se no seu artigo 18.º, n.º 4, que o apoio judiciário é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar, visando um tratamento unitário e não parcelar para a concessão do apoio judiciário, o que também aponta que a mesma visão unitária é de ter em conta para a fixação dos respectivos honorários.

Mas o que está em causa não é se o apoio se estende aos apensos, isso é indubitável, face ao disposto no supra citado artigo 18.º, n.º 4, mas sim e ao invés, como se fixam/quantificam os honorários a Patrono oficioso para intentar (e intentou) um processo de insolvência.

Ora, como acima já se referiu, quanto a tal, rege a Tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004, a qual no seu Ponto 4.4, fixa os honorários devidos pelos serviços prestados por Patrono no âmbito de um “Processo de Insolvência”.

Quer isto dizer que para estes efeitos, o processo de insolvência é visto como um todo, nele estando abrangidos todas as respectivas fases, quantificando-os em 20 Unidades de Referência. Se o legislador, para este efeito, quisesse autonomizar cada uma das fases processuais do processo de insolvência, tê-lo-ia dito e não usaria, como usou, a designação genérica de “Processo de insolvência”.

Por outro lado, o n.º 5 da referida Tabela reporta-se a “Incidentes processuais, procedimentos cautelares, meios processuais acessórios e pedidos de suspensão de eficácia do acto”, itens em que, salvo o devido respeito, por tudo o que acima se disse –carácter unitário do processo de insolvência, nos termos e para os efeitos do Ponto 4.4 da Tabela – não se enquadra a tramitação da reclamação de créditos e qualificação da insolvência, no âmbito de um processo de insolvência.

Assim, como entendido na decisão recorrida, os honorários peticionados e pagos à Ex.ma Patrona em Outubro de 2017, também incluem os serviços prestados nos referidos apensos.

Last but not least, os honorários a atribuir aos profissionais forenses visam compensar os serviços prestados a tal título.

No âmbito dos apensos de reclamação de créditos e de qualificação da insolvência, a única intervenção da Ex.ma Patrona foi receber a notificação das respectivas decisões, pelo que, também por este prisma, não se justifica a atribuição autónoma de honorários à apelante, para além dos que já lhe foram pagos.

Pelo que, improcede o recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas, a cargo da apelante.

Coimbra, 29 de Junho de 2021.