Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
456/10.3TBTND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: SERVIDÃO DE AQUEDUTO
SERVIDÃO DE ESCOAMENTO
Data do Acordão: 03/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TONDELA 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.1557º E 1558º DO CC
Sumário: 1. A servidão de aqueduto, pressupondo o direito à água derivada, consiste fundamentalmente na sua condução para o prédio onde é utilizada (dominante), por meio de cano condutor, através de prédio alheio (serviente);
2. A servidão de escoamento, pressupõe a realização de obras que desviem o curso normal das águas sobejas, evitando que fiquem estagnadas no prédio dominante.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

    

Nesta acção declarativa com processo sumário, os AA alegam serem donos e legítimos possuidores de um prédio rústico que confina com um outro dos RR, encontrando-se ambos onerados com uma servidão de águas – o prédio dos AA com uma servidão de aqueduto e o dos RR com uma escoamento -  que provêm de um poço existente no prédio dos intervenientes. Sucede que o Réu tapou a extremidade do tubo por onde escorre a água, assim dificultando o escoamento das ditas águas, o que tem como consequência que o prédio dos AA fique empapado, o que é impeditivo do seu cultivo.

Em consequência, pedem a condenação dos RR:

a) A reconhecer que a obstrução do tubo causa prejuízos na fruição do prédio dos AA, nomeadamente as culturas de Inverno de que é susceptível;

b) Em consequência a abster-se de quaisquer actos que impeçam a drenagem das águas através do referido tubo para o seu prédio;

c) A repor o perfil de cimento que ladeava o rego a céu aberto, que os RR destruíram.

Os RR contestaram, impugnando a existência da servidão de escoamento alegada pelos AA, pelo que a acção deve improceder.

Na réplica os AA mantiveram a posição do articulado inicial.


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Pelo despacho de fls. 71 a 74 foi admitida intervenção dos chamados A... e mulher, os quais, citados, não nada disseram.

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No despacho saneador julgou-se válida a instância e condensou-se a matéria de facto, com fixação dos factos assentes e organização da base instrutória.

Feito o julgamento e dirimida a matéria de facto, foi proferida sentença que na parcial procedência da acção, condenou os RR:

a) A reconhecerem que a obstrução do tudo aludido na factualidade provada causa prejuízos no prédio dos AA, nomeadamente prejudicando as culturas de inverno de que é susceptível;

b) A absterem-se de quaisquer actos que impeçam a drenagem das águas através do tubo aludido em 19) e 20) para o prédio aludido em 8).

Inconformados, os RR apelaram com as seguintes conclusões:

1ª. Os AA carecem de legitimidade e fundamento legal para deduzirem os pedidos formulados na acção, já que os mesmos pressupõem a existência de uma servidão de escoamento e de uma servidão de aqueduto para as quais não possuem título e cujo reconhecimento não foi pedido.

2ª. O reconhecimento da existência da servidão de aqueduto, tal como a configuram os AA, pressupõe a existência da servidão de escoamento. Ora, não sendo os AA donos ou legítimos possuidores do prédio a favor do qual alegam existir a servidão de escoamento (art. 26º do CPC e 1287º do CC) não têm legitimidade para pedir o reconhecimento da sua existência – o que de resto não fazem, não estando o tribunal em condições de reconhecer esta, também aquela perde o seu fundamento legal.

3ª. Não estando o tribunal em condições de reconhecer a existência das servidões, causa de pedir na presente acção, cai por terra a fundamentação legal em que se baseiam todos os pedidos formulados pelos AA.

4ª. Relativamente à posse e propriedade do prédio a favor do qual alegadamente existiria a servidão de escoamento, nenhum facto se encontra provado quanto ao lapso temporal ou à forma de exercer a posse sobre o referido prédio ou sobre a água que alegadamente se pretende escoar; ora, tal prova, é condição prévia da aquisição por usucapião quer da servidão de escoamento quer da de aqueduto.

Não obstante:

5ª. Ficou provado que “o Réu, em data concretamente não apurada, tapou a extremidade do tubo aludido de 19º a 20º, colocando-lhe também uma lousa de suporte de arame de vinha na embocadura” (nº 23 da fundamentação de facto da sentença).

6ª. Ficou ainda provado que “com a conduta aludida em 23), o Réu impediu de aceder várias vezes e dificultou o escoamento das ditas águas…” (nº 24).

7ª. Bem como que “os RR trabalharam e residiram na Alemanha desde início dos anos 70, embora actualmente passem grandes temporadas em Portugal ainda se deslocam àquele país onde permanecem algumas temporadas” (ponto 25 da sentença).

8ª. Portanto, ficou provado que o R. exerceu medidas efectivas e concretas, visando quebrar a continuidade da posse, opondo à vontade do “possuidor”, uma outra vontade que lhe contesta o exercício daqueles poderes inerentes ao domínio qualificador da posse.

9ª. Ou seja, o R. exerceu – sempre que lhe foi possível – uma verdadeira oposição ao exercício do direito invocado pelos AA que, aproveitando-se da ausência dos RR no estrangeiro e de má fé (art. 1260º do CC), procuravam escoar do seu prédio para o prédio destes as águas sobejas.

10ª. Pelo que ficou provado não ter sido “manso e pacífico”, nem ininterrupto o exercício dos direitos invocados pelos AA.

11ª. Ora, não se tendo provado o exercício sem oposição e de forma ininterrupta, durante um período concreto de tempo (art. 1296º do CC), consubstanciador e qualificador da posse, quer dos AA quer dos legítimos possuidores do prédio a favor do qual alegadamente existiria a servidão de escoamento, de forma a possibilitar a aquisição por usucapião do direito à servidão de escoamento e aqueduto que aqui se invoca, jamais o tribunal a quo poderia ter considerado provada a sua constituição.

12ª. A matéria de facto indicada e a demais dada como provada, conduz à improcedência total da acção.

13ª. A decisão recorrida errou, quer na apreciação da prova, quer na determinação das normas contidas nos arts. 26º do CPC, 1258º a 1262º, 1287º e 1296º do C. Civil.

Contra alegaram os AA em defesa do julgado, tendo apresentado as seguintes conclusões:

1ª. A legitimidade das partes afere-se pelo seu interesse na acção, isto é, por aquilo que pretendem salvaguardar com o pedido ou pedidos que fazem ao tribunal.

2ª. Na presente acção, os AA não pedem a condenação dos RR a reconhecer a existência de qualquer servidão de escoamento a favor de prédios seus.

3ª. Pedem tão somente que o Tribunal reconheça que os RR lhes estão causando prejuízos por actos seus, na fruição do prédio deles, e invocam qual a causa desse prejuízo – a obstrução do escoamento das águas de prédio de terceiro para o prédios dos RR, fazendo com que a sua subida num poço lhe vá inundar o prédio deles, AA.

4º. Os pedidos dos AA não versam a condenação do reconhecimento de direitos reais, mas tão só a responsabilidade dos RR pelos prejuízos que causam.

5ª. A presença dos intervenientes legitima a discussão da servidão de escoamento, enquanto, pela violação desta, por parte dos RR, é causa de pedir dos AA.

6ª. A prática de um acto isolado não determinado no tempo violador da posse de alguém, não importa a interrupção da prescrição nem é motivo impeditivo do cômputo total da posse para usucapião.

Com dispensa de vistos, cumpre apreciar e decidir.


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Fundamentação.

Por não ter sido impugnada, nem se ver motivo para a sua alteração, remete-se para a matéria de facto da sentença recorrida – art. 713º, nº6 do CPC.

Recorda-se aqui apenas a que se mostra relevante para a decisão do recurso:

(…).

8. Encontra-se inscrito na matriz da freguesia de ..., sob o art. x ..., o prédio rústico sito em ..., composto de vinha com 7 oliveiras, com a área de 0,050000 (ha), a confrontar do norte C..., sul com caminho, nascente com ... e outro, e do poente com ..., inscrita a titularidade a favor de ....  

9. Encontra-se inscrito na matriz da freguesia de ..., sob o art. y ..., o prédio rústico sito em ..., composto de terreno de centeio com 140 terreno de centeio com 140 videiras em cordão, com a área de 0,089000 (ha), a confrontar do norte com ..., sul e nascente com ... e outros, e do poente com ..., inscrita a titularidade a favor de cabeça de casal da herança de C....

10. Encontra-se inscrito na matriz da freguesia de ..., sob o art. z ..., o prédio rústico sito em ..., composto por terreno de centeio com 35 videiras em cordão, com a área de 0,046000 (ha), a confrontar do norte com ..., sul e nascente com C... e poente com ..., inscrita a titularidade a favor de B ....

11. O prédio aludido em 8) é pertença dos Réus.

12. No prédio aludido em 10) existe um poço de água.

13. Os RR adquiriram o prédio aludido em 8) por escritura pública de “compra e venda”, outorgada no dia 12-08-1998 no Cartório Notarial de Tondela (…).

14. Os AA, por si e antepossuidores, há mais de 20 e mesmo 30 anos, estão na posse do prédio aludido em 9), agricultando-o com leguminosas e videiras, à vista de toda a gente, sem oposição, ininterruptamente, ignorando lesar direitos de outrem, na convicção de que o mesmo faz parte das heranças deixadas por óbito de C... e D... , falecidos, respectivamente, em 11-12-2005 e 06-03-2004.

15. O prédio aludido em 10) é pertença de a ...e B ....

16. O poço aludido tem de profundidade cerca de 6,60 metros e de diâmetro cerca de 2,90, forrado a granito.

17. As nascentes do poço são extremamente abundantes, sobretudo no inverno e ainda mais nos anos de grande pluviosidade.

18. Os terrenos a nascente do local do poço são mais altos que aquele onde se situa e os confinantes são em sentido descendente, para o lado poente.

19. Do lado sul da vedação do poço, sai enterrado um tubo de plástico com cerca de 1,5 polegadas, numa extensão de cerca de 20,40m em linha recta e que se desenvolvem ainda no prédio referido em 10, prosseguindo numa extensão de mais de 32,40 metros até atingir o ângulo norte-nascente da confluência dos prédios aludidos em 9) e 8).

20. No canto ou ângulo aludido no número anterior, encontra-se visível e permanente a extremidade final do tubo.

21. No prolongamento do aludido em 20), no topo norte do prédio referido em 8) e dentro deste, junto à estrema sul do prédio referido em 9), pelo menos até 28-09-2010, encontrava-se visível e permanente um rego a céu aberto com pelo menos a largura de 20 cm, e outro tanto de profundidade, ladeado por um perfil de argamassa de cimento e areia que faz parte do prédio aludido em 9).

22. Desde há mais de 20 ou mesmo 30 anos, que os intervenientes e seus antepossuidores, através do tubo aludido em 19) e 20), e anteriormente através de rego a céu aberto, esgotam a água nascida no poço, acumulada acima da altura da implantação do tubo passa o prédio aludido em 8), à vista de toda a gente e sem oposição, ininterruptamente, ignorando lesar direitos de outrem, convictos de exercerem um direito próprio e para fazerem o enxugo do seu prédio de modo a fazer nele culturas de inverno.

23. O Réu em data não concretamente apurada tapou a extremidade do tubo referido em 19) e 20), colocou-lhe também uma lousa de suporte de arame da vinha na embocadura.

24. Com a conduta aludida em 23), o Réu impediu de aceder várias vezes e dificultou o escoamento das ditas águas o que levou a que o espaço do prédio aludido em 9) se empapasse de água vinda do poço, se tornasse um atoleiro, privou os AA de aí fazerem o cultivo de culturas de inverno, tais como leguminosas, couves, favas, ervilhas, beterrabas, entre outras.

25. Os RR trabalharam e residiram na Alemanha desde o início dos anos 70,  actualmente passam grandes temporadas em Portugal, deslocando-se por vezes àquele país onde permanecem algum tempo.

26.  Com a aquisição aludida em 13), o prédio referido em 8) passou a fazer parte do quintal e terrenos contíguos à casa de habitação edificada pelos RR há mais de 30 anos.

27. Os RR possuem uma casa de habitação, cujo quintal é também constituído pela vinha aludida em 8), sendo que o acesso dos RR ao prédio referido em 8) faz-se pela parte da frente do terreno da casa habitação dos RR, que confronta com caminho público.

28. O prédio aludido em 8), composto de vinha, também confronta a sul com caminho público, sendo que nessa confrontação é delimitado por muro com grades, que limita o terreno situado à frente da casa de habitação dos RR e que confina com o caminho público.

O direito.

Sendo o âmbito do recurso determinado pelas conclusões da alegação do recorrente – artigos 684º, nº3 e 685º-A, nº1 do CPCivil – visto as conclusões dos Apelantes são as seguintes as questões a apreciar:

- Legitimidade dos Autores;

- Constituição por usucapião do direito a servidão de escoamento e de aqueduto.

Apreciemos então cada uma das enunciadas questões.

Da legitimidade:

Começam os Recorrentes por dizer que os Autores carecem de legitimidade para deduzirem os pedidos formulados na presente acção, os quais pressupõem a existência de uma servidão de escoamento e de uma servidão de aqueduto para as quais não possuem título e cujo reconhecimento não foi pedido.

Vejamos se têm razão.

Dispõe o art. 26º do CPCivil:

1. O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer;

2. O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção; o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha.

3. Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.

A actual redacção do 26º, resultante da reforma do processo civil de 1995 (DL 329-A/95 de 12.12), consagrou o entendimento segundo o qual a legitimidade para a acção deve ser aferida pela relação jurídica, tal como o autor a configura. Como se escreveu no douto acórdão do STJ de 26-03-1998, BMJ 475, pag. 571:

A legitimidade resulta da posição que as partes ocupam na relação material controvertida, tal como é invocada pelo autor e afere-se pelo seu cotejo com os fundamentos do pedido.

A relação material controvertida tem, pois, a configuração subjectiva com que o autor a apresenta em tribunal.”

Importa assim saber, perante o teor da petição inicial introduzida em juízo, em que termos os AA configuram o direito que se arrogam e a posição que eles e os RR, perante a causa de pedir e o pedido formulado, têm na relação material controvertida por eles apresentada.

Alegam os AA que são os únicos herdeiros de C... e de D..., de cujas heranças faz parte o prédio rústico inscrito na matriz sob o art. y ..., o qual está onerado com uma servidão de aqueduto a favor de um prédio dos intervenientes a ...e mulher, e que os RR estão a impedir o escoamento das águas que chegam ao seu prédio através da referida servidão, o que faz com que a água empape o prédio dos AA, impedindo o seu cultivo. Pedem a acção a condenação dos RR a absterem-se de qualquer acto que impeça a drenagem da água.

Trata-se, portanto, de uma acção de defesa do direito de propriedade de um imóvel que integra heranças ainda não partilhadas, e de acordo com a lei  – artigo 2091º do Cód. Civil –  os direitos relativos à herança são exercidos conjuntamente por todos os herdeiros, em litisconsórcio necessário (Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil anotado, VI, p. 152), .

 Visto os pedidos formulados e a causa de pedir invocada, os  AA dispõe de   legitimidade para a acção.


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Alegam os Recorrentes no essencial que, “não estando o tribunal em condições de reconhecer a existência das servidões – de aqueduto e de escoamento – causa de pedir na acção, cai por terra a fundamentação legal em que baseiam os AA baseiam os seus pedidos.”

Contrapõem os Recorridos, que apenas pretendem que se reconheça que os RR lhes estão a causar prejuízos, em consequência da obstrução do escoamento de águas de prédio de terceiro para o prédio dos RR e que se condenem a absterem-se de o fazer.

Que dizer?

A sentença não condenou os RR a reconhecerem a existência da servidão de escoamento e bem, porque se o fizesse incorreria em nulidade por condenar em objecto diverso do pedido – art. 668, nº1, alínea e) do CPCivil – mas apenas a não obstruírem o escoamento das águas que chegam ao seu prédio através do tubo subterrâneo.

É certo que na fundamentação se diz que “face à factualidade apurada, resultou provada a constituição da servidão voluntária de escoamento sobre o prédio aludido em 8 (o prédio dos Réus), e a favor do prédio aludido em 10 (prédio dos intervenientes) e bem assim servidão de aqueduto sobre o prédio aludido em 9 (prédio dos AA) e a favor do prédio aludido em 8).”

Vejamos.

Do disposto no art. 1543º do C. Civil, vê-se que a servidão predial é um encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente: diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia.

Acrescenta o art. 1544º “podem ser objecto da servidão quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, susceptíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo que não aumentem o seu valor.”

Nas servidões de águas, o Código Civil contempla as seguintes modalidades de servidões: de aqueduto, de escoamento, de presa, de aproveitamento de água para uso domésticos (art. 1557º) e de aproveitamento de água para fins agrícolas (art. 1558º).

Para o caso, interessam-nos as duas primeiras.

Segundo Mário Tavarela Lobo, Manual do Direito de Águas, II, a servidão de aqueduto, “pressupondo o direito à água derivada, consiste fundamentalmente na sua condução para o prédio onde é utilizada (dominante), por meio de cano condutor, através de prédio alheio (serviente)”; a servidão de escoamento, pressupõe a realização de obras que desviem o curso natural das águas sobejas, evitando que fiquem estagnadas no prédio dominante.

Não é inequívoco que o prédio dos AA esteja onerado com uma servidão de aqueduto. É que esta pressupõe que a condução da água – através do prédio serviente – seja feita em benefício do prédio dominante, o que não parece ocorrer no caso dos autos.

Conforme esclarece, Tavarela Lobo, obra citada, pag. 372, “por vezes o aqueduto é constituído para a condução de águas particulares com a possibilidade de derivar as mesmas para onde o proprietário entender. Não é neste caso constituído em benefício de prédios determinados ou para utilidades que só mediante esses prédios possam ser fruídas. Faltando este requisito, embora o aqueduto constitua um encargo excepcional sobre o prédio serviente, não existe servidão em sentido técnico ou servidão propriamente dita.”

Seja como for, estejam ou não os prédios de Autores e Réus onerados com servidões  de aqueduto e de escoamento, respectivamente, tal diz respeito às relações entre os titulares daqueles prédios e o titular do prédio dominante (os intervenientes A ... e mulher).

Alegam os Recorrentes que nunca aceitaram que os Autores escoassem para o seu prédio “as águas sobejas” (conclusões 9ª e seguintes).

Sucede que não são os AA que têm necessidade de escoar as suas águas,  não são eles os titulares do prédio dominante; os titulares do prédio dominante são os intervenientes, pelo que é contra estes que os Recorrentes devem reagir se entendem não ter de suportar o escoamento das águas excedentes do poço que existe no prédio daqueles.

A situação dos AA é apenas a de alguém cujo prédio, em consequência de uma acção  dos RR – ao taparem a extremidade do tubo que conduz a água (nº23) – ficou empapado, um atoleiro, o que foi impeditivo do seu normal cultivo.

Ora, os prédios apenas estão sujeitos a sofrerem o escoamento natural das águas (art. 1351º do C. Civil), - “os prédios inferiores estão sujeitos a receber as águas que, naturalmente e sem obra do homem, decorrem dos prédios superiores…”.

Não é esta a situação dos autos.

O prédio dos AA ficou empapado com água vindo do poço, em consequência de um acto dos RR, o que é um facto ilícito, que não têm de suportar.

Com o que improcedem a totalidade das conclusões dos Apelantes.

Decisão.

Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação e confirma-se a sentença recorrida.

Custas pelos Recorrentes.

Ferreira Lopes (Relator)

Freitas Neto

Carlos Barreira