Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
449/10.0TBTND-F.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
ADIAMENTO
Data do Acordão: 11/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TONDELA 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 9, 17, 138, 139 CIRE, 3-A, 155, 651 CPC
Sumário: 1. Atenta a natureza urgente do processo de insolvência, não tem aplicação o disposto no Art. 155º Nºs 1 e 2 do CPC às audiências de julgamento que devam ter lugar no âmbito de tal processo de insolvência e nos seus incidentes, entre as quais se conta a prevista nos Arts. 138º e 139º do CIRE.

2. Independentemente da natureza urgente ou do processo, não se aplica o disposto do Art. 155º Nº2 do CPC à marcação da audiência de julgamento feita na sequência do adiamento da mesma com fundamento na impossibilidade de comparência de advogado que comunicou antecipadamente essa impossibilidade se em alternativa à data designada não vier indicada uma outra por acordo de todos os intervenientes processuais.

Decisão Texto Integral: Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra

         I – RELATÓRIO

            1. Nos autos de reclamação de créditos, processados por apenso ao processo no qual foi declarada a insolvência de B (…), Lda., foi designada a audiência de julgamento a que aludem os Arts. 138º e 139º do CIRE para o dia 03.05.2013, sem que a Mma. Juiz titular do processo tenha providenciado pela marcação desta mediante acordo prévio com os mandatários judiciais, nos termos do Art.155º do CPC.

        

         2. Notificada da data assim designada para a referida audiência de julgamento veio a mandatária do credor Banco H (...,) apresentar requerimento, em 24 de Abril de 2013, com o seguinte teor C (…) Advogada do BANCO H (...), S.A., credor nos autos de insolvência de pessoa colectiva à margem referenciados, em que é insolvente B (…)LDA., notificada da data designada para julgamento ( 3 de Maio de 2013, pelas 9.30 horas ), vem, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 155º do C.P.C., requerer o adiamento da diligência, uma vez que no referido dia e hora encontrar-se-á a prestar depoimento no processo crime nº 750/11.6JAPRT, que corre termos pelos 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Gondomar.

         Após contacto telefónico com os Senhores Advogados (…), não foi possível obter datas próximas de comum acordo, pelo que requer-se que o Tribunal fixe nova data, de acordo com a agenda e disponibilidade da Meritíssima Juíza “

        

         3. Tal requerimento mereceu por parte da Mma. Juiz a quo o despacho, datado de 29.04.2013, com o seguinte teor:

         “Por requerimento que antecede, veio o mandatário do credor Banco H (...), comunicar a sua impossibilidade de comparecer na data designada para a audiência de julgamento, por motivos profissionais.

         Dispõe o artigo 155º, n º 1, do Código de processo Civil que “A fim de prevenir o risco de sobreposição de datas de diligências a que devam comparecer os mandatários judiciais, deve o juiz providenciar pela marcação do dia e hora da sua realização mediante prévio acordo com aqueles, podendo encarregar a secretaria de realizar, por forma expedita, os contactos prévios necessários”..

         E, nos termos do artigo 651º, nº 1, al. d) do citado diploma aplicável aos presentes autos ex vi artigo 139º do CIRE, constitui motivo de adiamento da audiência de julgamento, a falta de algum dos advogados, quando tenha comunicado a impossibilidade da sua comparência nos termos do n º 5 do artigo 155º.

         Assim, atento o disposto em tais normativos, e dado que a comunicação feita pelo ilustre mandatário implica o adiamento da audiência de julgamento designada nos autos, e considerando que nos termos do artigo 155º, nº 4 do Código de Processo Civil, dispõe que “Logo que se verifique que a diligência, por motivo imprevisto, não pode realizar-se no dia e hora designados, deve o tribunal dar imediato conhecimento do facto aos intervenientes processuais, providenciando por que as pessoas convocadas sejam prontamente notificadas do adiamento”, cumpre desde já proceder-se ao adiamento da audiência de julgamento.

            Por tudo o exposto, e ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 155º, nº 5 e 651º, nº1, al. d) ambos do Código de Processo Civil, adia-se a audiência de julgamento designada nos autos e para a sua realização designa-se o dia 22 de Maio de 2013, pelas 14 horas.

         Notifique, desconvocando os intervenientes em conformidade. “.

        

         4. Notificada de tal despacho veio a mandatária da massa insolvente apresentar requerimento, em 5 de Maio de 2013, com o seguinte teor:

         I (…), Advogada, mandatária da massa falida vem, respeitosamente, nos termos do art.º 155, n.º 2, do CPC, e após ter contactado com todos os Ilustres mandatários da presente acção, dizer que, dos Ilustres Mandatários que manifestaram interesse em estar presente na audiência e discussão de julgamento, não foi possível indicar uma data alternativa, uma vez que o Ilustre Mandatário, Dr. Aníbal Simões não tem possibilidade nos dias em que todos os restantes mandatários têm, ou seja, no dia 30 e 31 de Maio de manhã, pelo que não consegue indicar uma data alternativa de comum acordo para a marcação da audiência e discussão de julgamento, uma vez que na data designada se encontra impedida em consequência de outros serviços judiciais, na Comarca do Baixo Vouga, Grande Instância Cível já, há muito marcados.

         Assim, uma vez que não foi possível indicar datas em conjunto até ao dias 7 de Junho, vem, desde já dizer que, nesse mesmo mês não pode nos dias 11, 13, 18, 20, 21,26, ( todo o dia) todos no mês de Junho por já ter diligências marcadas.”

         5. Tal requerimento mereceu por parte da Mma. Juiz a quo o despacho, datado de 07.05.2013, com o seguinte teor:

      “ Requerimento electrónico com a referência 406987:

         A Ilustre Mandatária da Massa insolvente veio requerer ao abrigo do disposto no n º2 do artigo 155º do CPC a marcação de nova data, em virtude de a mesma estar impossibilitada de comparecer na data agendada.

         Cumpre apreciar e decidir da admissibilidade de aplicação do citado normativo aos presentes autos.

         A este propósito diremos que o processo de insolvência caracteriza-se por uma especial celeridade, atentos os interesses em causa, encontrando-se uma manifestação dessa celeridade no artigo 138º do CIRE que determina expressamente dever ser a audiência marcada para um dos dez dias posteriores.

         Ora entendemos que a referida injunção normativa é incompativel com a aplicação do regime estabelecido no artigo 155º, n º2 do CPC, pelo que ela não pode ocorrer face ao disposto no artigo 17º do CIRE. Neste sentido, veja-se, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 31/03/2009, disponível, in, www.dgsi.pt.

         Pelo exposto, infere-se a requerida marcação de nova data, mantendo-se o agendamento efectuado.

         Notifique. “

         6. Inconformada com o decidido pelo aludido despacho datado de 07.05.2013, dele interpôs recurso a Massa Insolvente da B (…), cujas alegações remata com as seguintes conclusões:

         “ 1. Ao proferir o despacho em causa no presente recurso, o juiz a quo, violou o principio da imparcialidade e o principio da igualdade de tratamento das partes, uma vez que, perante o requerimento da mandatária da recorrente ao abrigo do 155º do CPC afirmou que este não se aplicava ao presente processo depois de o ter aplicado, no mesmo no mesmo processo, a uma das partes;

         2. Este direito ao processo justo encontra-se expressamente consagrado no art. 10º Declaração Universal dos Direitos do Homem, no art. 14º/1 Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e no art. 6º/1 Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pelo que a decisão em causa no presente recurso viola os referidos preceitos

         3. Ambas as partes devem possuir os mesmos poderes, direitos, ónus e deveres, isto é, cada uma delas deve situar-se numa posição de plena igualdade perante a outra e ambas devem ser iguais perante o Tribunal.

         4. Esta igualdade das partes, que deve ser assumida como uma concretização do princípio da igualdade consagrado no art. 13º CRP, é agora um princípio processual com expressão legal no art. 3º-A CPC, este preceito estabelece que o Tribunal deve assegurar, durante todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades

         5. Devem ser respeitadas todas as situações de igualdade formal entre as partes determinadas pela lei processual;

         6. O princípio da igualdade substancial não choca com o princípio da imparcialidade do Tribunal. Esta imparcialidade traduz-se numa independência perante as partes, mas, no contexto do princípio da igualdade, imparcialidade não é sinónimo de neutralidade: a imparcialidade impõe que o juiz auxilie do mesmo modo qualquer das partes necessitadas ou, dito de outra forma, implica, verificadas as mesmas condições, o mesmo auxílio a qualquer delas.

         7. O conteúdo negativo do princípio da igualdade substancial destina-se a impedir que o juiz crie situações de desigualdade substancial entre as partes

         8. O facto de se estar perante um processo urgente, não há em parte alguma do ordenamento jurídico a exclusão da aplicação das normas do artigo 155º do Código de Processo Civil, principalmente quando não foi cumprindo o n.º 1 desse mesmo artigo, ainda para mais quando a constituição de advogado é obrigatória e, quando a constituição de advogado num processo é o exercício de um direito consagrado constitucionalmente;

         9. E quando nunca, durante o decorrer de todo o processo, foram, com excepção das partes, respeitados os prazos, de acordo com a classificação do processo como urgente.

         10. Esta norma, o 155º do CPC, não é de aplicação exclusiva nos processo não urgentes e de constituição obrigatória de advogado, mas é de aplicação sempre que haja advogado constituído e sempre que não tenha sido cumprido o n.º 1 desse preceito por parte do Juiz a quo

         11. Ao não admitir a aplicação do 155º do C.P.C ao presente processo, depois de o já ter aplicado, quinze dias antes, está o juiz a quo a violar, entre outras já citadas a norma, do artº 54º do EOA, 2º 3º, 3º A , 32º, 155º do CPC, 2º, 13º e 20º da CRP e, ainda, art. 10º Declaração Universal dos Direitos do Homem, no art. 14º/1 Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e no art. 6º/1 Convenção Europeia dos Direitos do Homem

         12. Estava assim, o Meritíssimo Juiz que proferiu a douto despacho de que agora se recorre obrigado a reconhecer ,ao recorrente, tal como o vez anteriormente a outra parte, o direito de este se fazer acompanhar pelo seu advogado constituído, por si escolhido, e a aplicar o artigo 155º, consagração desse mesmo principio constitucional de “ Acesso ao Direito”

         Termina pugnando pelo provimento do recurso e pela revogação do despacho recorrido.

        

         7. Não foram apresentadas contra-alegações.

         - Dispensados os vistos legais cumpre apreciar a decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso ( Arts. 684º, nº 3, 685º-A e 660º, nº 2, do CPC ), são as seguintes as questões a decidir:

        I- saber se o despacho recorrido viola os princípios da imparcialidade e da igualdade no tratamento das partes.

        

III – FUNDAMENTAÇÃO

A) De Facto

A dinâmica processual que releva no recurso é a constante do relatório supra.

         B) De Direito

         A apreciação da questão suscitada pela recorrente nas conclusões do recurso passa, antes de mais, pela convocação dos normativos legais a ela subjacentes.

         São eles:

         O preceituado no Art. 3º-A do CPC, epigrafado de Igualdade das partes, que determina:

         “ O Tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais “.

          O dispositivo legal contido no Art. 155º do CPC, epigrafado de Marcação e adiamento de diligências, onde se estabelece o seguinte:  

         “ 1- A fim de prevenir o risco de sobreposição de datas de diligências a que devem comparecer os mandatários judiciais, deve o juiz providenciar pela marcação do dia e hora da sua realização mediante prévio acordo com aqueles, podendo encarregar a secretaria de realizar, por forma expedida, os contactos prévios necessários.

         2- Quando a marcação não possa ser feita nos termos do número anterior, devem os mandatários impedidos em consequência de outro serviço judicial já marcado comunicar o facto ao tribunal, no prazo de cinco dias, propondo datas alternativas, após contacto com os restantes mandatários interessados.

         3 - O juiz, ponderadas as razões aduzidas, poderá alterar a data inicialmente fixada, apenas se procedendo à notificação dos demais intervenientes no acto após o decurso do prazo a que alude o número anterior.

         4 - Logo que se verifique que a diligência, por motivo imprevisto, não pode realizar-se no dia e hora designados, deve o tribunal dar imediato conhecimento do facto aos intervenientes processuais, providenciando por que as pessoas convocadas sejam prontamente notificadas do adiamento.

         5 - Os mandatários judiciais devem comunicar prontamente ao tribunal quaisquer circunstâncias impeditivas da sua presença e que determinem o adiamento de diligência marcada “.

         A redacção dada a tal preceito legal pelo Dec. Lei 329-A/95, de 12.12, não é “mais do que um elementar dever de cortesia entre os intervenientes técnicos no processo (…) visa assegurar que as diligências se realizem nas melhores condições possíveis de participação de todos os que nela, a título principal ou acidental, devam intervir” – vide, neste sentido, Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado 1º vol, pag.274.

         Por seu turno, prescreve-se no Art. 651º do mesmo CPC, epigrafado de  Causas de adiamento da audiência, que:

         “ 1 - Feita a chamada das pessoas que tenham sido convocadas, a audiência é aberta, só sendo adiada:

         a) Se não for possível constituir o tribunal colectivo e nenhuma das partes prescindir do julgamento pelo mesmo;

         b) Se for oferecido documento que não tenha sido oferecido anteriormente e que a parte contrária não possa examinar no próprio acto, mesmo com suspensão dos trabalhos por algum tempo, e o tribunal entenda que há grave inconveniente em que a audiência prossiga sem resposta sobre o documento oferecido;

         c) Se o juiz não tiver providenciado pela marcação mediante acordo prévio com os mandatários judiciais, nos termos do artigo 155.º, e faltar algum dos advogados;

         d) Se faltar algum dos advogados que tenha comunicado a impossibilidade da sua comparência, nos termos do n.º 5 do artigo 155.º

         2 - No caso previsto na alínea a) do número anterior, se for impossível constituir o tribunal colectivo e alguma das partes tiver prescindido da sua intervenção, qualquer das partes pode requerer a gravação da audiência logo após a abertura da mesma.

         3 - Não é admissível o acordo das partes, nem pode adiar-se a audiência por mais do que uma vez, excepto no caso previsto na alínea a) do n.º 1.

         4 - Não se verificando o circunstancialismo previsto na parte final da alínea b) do n.º 1, a audiência deve iniciar-se com a produção das provas que puderem de imediato produzir-se, sendo interrompida antes de iniciados os debates, designando-se logo dia para continuar decorrido o tempo necessário para exame do documento, interrupção essa que não pode ir além dos 10 dias.

         5 - Verificando-se a falta de advogado fora das circunstâncias previstas nas alíneas c) e d) do n.º 1, os depoimentos, informações e esclarecimentos são gravados, podendo o advogado faltoso requerer, após a audição do respectivo registo, a renovação de alguma das provas produzidas, se alegar e provar que não compareceu por motivo justificado que o impediu de dar cumprimento ao disposto no n.º 5 do artigo 155.º

         6 - A falta de qualquer pessoa que deva comparecer será justificada na própria audiência ou nos cinco dias imediatos, salvo tratando-se de pessoa de cuja audição prescinda a parte que a indicou.

         7 - A falta de alguma ou de ambas as partes que tenham sido convocadas para a tentativa de conciliação não é motivo de adiamento, mesmo que não se tenham feito representar por advogado com poderes especiais para transigir.”

         Estipula-se no Art. 138º do CIRE, epigrafado de Designação de dia para a audiência, que:

         “ Produzidas as provas ou expirado o prazo marcado nas cartas, é marcada a audiência de discussão e julgamento para um dos 10 dias posteriores ”.

         Contempla-se também no Art. 9º do mesmo CIRE, epigrafado de Carácter urgente do processo de insolvência e publicações obrigatórias, que:

         1- O processo de insolvência, incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos, tem carácter urgente e goza de precedência sobre o serviço ordinário do tribunal.

         ... “

         E, por fim, cumpre ainda trazer à colação o normativo contido no Art. 17º do mesmo CIRE, epigrafado de Aplicação subsidiária do Código de processo Civil, segundo o qual:

         “ O processo de insolvência rege-se pelo Código de Processo Civil, em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código “.

         Posto isto.

         Não restam quaisquer dúvidas que no caso em vertente aquando da marcação da audiência de julgamento prevista nos Arts. 138º e 139º do CIRE para o dia 03.05.2013 a Mma. Juiz a quo não providenciou pela obtenção do acordo prévio dos mandatários judiciais intervenientes no processo, nos termos do Art.155º Nº1 do CPC.

         Ainda que tal inobservância do disposto no Art. 155ºNº1 do CPC não venha propriamente posta em causa pela recorrente nas conclusões recursivas, sempre diremos que, a urgência que o legislador quis imprimir ao processo de insolvência, prevendo (entre outras regras, que ressaltam do CIRE, marcadas pelo mesmo desiderato – v. g. arts. 27º e 28º), que a audiência de julgamento seja designada para um dos 10 dias posteriores à produção das provas apresentadas ou à expiração do prazo de 20 dias fixado para esse efeito, não se coaduna com o cumprimento do Art. 155º Nº1 do CPC, apesar da aplicação subsidiária desse normativo, prevista no citado Art. 17º do CIRE, pois que, tal aplicação subsidiária do CPC é feita «em tudo o que não contrarie» as disposições do CIRE, sendo que a norma contida no Art. 138º do CIRE assume-se como uma norma especial que, salvo melhor opinião, não deve ceder perante o regime geral do Art. 155º do CPC, tanto mais que, regra geral, é elevado o número de intervenientes nos processos de insolvência na fase do aludido julgamento, por vários serem os credores que reclamam a verificação dos seus créditos, para além do insolvente, antevendo-se impossível a harmonização da agenda do tribunal com a desses vários intervenientes processuais por forma a obter, por acordo prévio do tribunal com estes, uma data consensual para a audiência de julgamento a realizar, como a lei impõe, nos 10 dias seguintes, vide, neste sentido, Maria José Esteves, Sandra Alves Amorim e Paulo Valério, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, 3ª ed., Vida Económica, 2013, pág. 80. e Ac. da Rel. de Lisboa, de 31-03-2009, disponível in www.dgsi.pt.

         A referida natureza urgente do processo de insolvência não arreda, porém, a admissibilidade do adiamento da audiência por falta do mandatário de uma das partes, tanto mais que de igual natureza urgente se revestem os procedimentos cautelares e esta não afasta neles, antes até se apresenta expressamente consagrada, a possibilidade desse adiamento no Nº 2 do Art. 386º do CPC.

            Posto que não seja unânime, na jurisprudência e na doutrina, a admissibilidade do adiamento da audiência em processo de insolvência em que o mandatário haja procedido à comunicação a que alude o artigo 155º, nº5 do Código de Processo Civil, esta é defendida para a audiência de julgamento a que alude o Art. 35º do CIRE que, segundo o mesmo, deve ter lugar nos cinco dias seguintes referidos em tal normativo legal, designadamente nos Acs. da Rel. de Coimbra, de 11-10-2011, da Rel. de Évora, de 22-11-2012 e de 30-10-2008,  da Rel. do Porto, de 26.01.2009 e da Rel. de Guimarães de 14.01.2008, entendimento esse que, a nosso ver, por maioria de razão, terá de estender-se à audiência de julgamento a que aludem os Arts. 138º e 139º do CIRE, desde logo porque apesar da natureza urgente do incidente da reclamação e verificação de créditos em processo de insolvência, é manifesto que tendo este lugar já depois da prolação da sentença a decretar a insolvência assume a respectiva decisão, posto que urgente, menor premência do que a sentença destinada a decidir da verificação ou não dos pressupostos para o decretamento da insolvência.

         Dito isto, cumpre descer ao caso concreto.

            Ao determinar o adiamento da audiência de julgamento marcada pela primeira vez para o dia 03.05.2013, na sequência do requerimento apresentado pela mandatária do credor H (...) a requerer esse adiamento, dando conta da impossibilidade de a ela estar presente, nada há a apontar à decisão da Mma. Juiz a quo, visto que esse adiamento se enquadra na situação prevista no Art. 651º Nº1 d) do CPC, em virtude da ilustre mandatária requerente ter dado conta da impossibilidade de a ela comparecer, da mesma forma que nada há a apontar ao facto desse adiamento ter sido decidido em data anterior à agendada para essa audiência de julgamento, por forma evitar a deslocação desnecessária dos demais notificados para a mesma, como decorre do disposto no Art. 155º Nº4 do CPC.

         Dir-se-á, ainda, que também se nos afigura que nada haveria a censurar na hipótese da ilustre mandatária do credor H (...) ou qualquer outro mandatário dos demais credores e insolvente não terem requerido o adiamento antecipadamente e de algum deles não ter comparecido na data designada para a audiência de julgamento ( dia 03.05.2013 ) e de ainda, assim, nessa data, ter sido decidido o adiamento dessa audiência ao abrigo do disposto no Art. 651º Nº1 c) do CPC, pois o adiamento da audiência de julgamento por virtude de falta de comparência de algum ou de alguns dos mandatários das partes contemplado nesta alínea c), respeita à situação em que o juiz designa a data sem a diligência de acordo prévio com os mandatários, o que aconteceu no caso concreto.

         Questão diferente é a que se coloca na situação gerada pelo requerimento apresentado pela recorrente que deu azo ao despacho recorrido, porquanto, como deflui do que vem sendo explanado, a audiência de julgamento já tinha comportado um adiamento com base na impossibilidade de comparência do advogado de um dos credores que deu conta da impossibilidade de comparecer na primitiva data designada.

         Sendo assim, como efectivamente é, o requerimento apresentado pela mandatária da insolvente a dar conta de que não poderá estar presente na nova data designada para julgamento e de que não conseguiu encontrar por acordo com os mandatários dos demais intervenientes uma data alternativa, a obter procedência, como era seu desejo, desencadearia ou um segundo adiamento ( apesar deste não vir por ela requerido ) com base na falta de advogado impossibilitado de comparecer que comunica essa impossibilidade - o que se mostra inviabilizado pelo disposto no Nº3 do citado Art. 651º do CPC, ao determinar-se dele que não é admissível o acordo das partes, nem pode adiar-se a audiência por mais do que uma vez, excepto no caso previsto na alínea a) do n.º 1, ou seja, em caso de não ser possível constituir o tribunal colectivo e nenhuma das partes prescindir do julgamento pelo mesmo - ou, no caso de se não enveredar por esse segundo adiamento, levaria à alteração da nova data para uma outra a designar aleatoriamnete pela juiz titular do processo que ficaria sujeita à possibilidade de não servir a qualquer um dos demais advogados depois de notificados dela e de novamente vir a ser posta em causa  sem indicação de uma outra em alternativa por acordo de todos os intervenientes.

         Daqui já se vê que, ou a recorrente parte do pressuposto de que a audiência de julgamento não tinha comportado até então já um adiamento por impossibilidade de comparência de um advogado que comunicou essa impossibilidade – o que não é verdade, porque efectivamente esse adiamento com tal fundamento já tinha ocorrido e outro com igual fundamento não é permitido por lei – ou parte do pressuposto, igualmente errado em nosso entender, de que depois de ter ocorrido um adiamento com base na falta de advogado ainda é possível transferir a nova data designada para outra devido a impossibilidade de comparência de advogado que dá conta dessa impossibilidade sem que indique em alternativa aquela uma outra data por acordo de todos os intervenientes, o que a nosso ver não a lei não prevê, apesar de se admitirmos que essa alteração possa acontecer se por acordo de todos os interessados for indicada uma nova data em substituição da designada ( o que não se verificou na situação em apreço ), entendimento este que se aplica tenha ou não o processo natureza urgente.

         Não há, por isso, para reputar de parcial a decisão do tribunal recorrido que deferiu o adiamento da audiência de julgamento requerido pelo credor H (...) pelo facto do mandatário deste comunicar a sua impossibilidade de estar presente na primeira data para o efeito agendada, quando cotejada com a decisão recorrida que indeferiu a pretensão da recorrente de ver marcada uma nova data para a audiência de julgamento diferente da já agendada na sequência do adiamento que esta já tinha sofrido com o referido fundamento e sem que venha indicada por acordo de todos os intervenientes uma nova data em alternativa à designada, porquanto se tratam de situações que apresentam contornos completamente distintos e a merecer, por isso, tratamento jurídico também diferente, não se verificando, por tal razão, qualquer violação do princípio da igualdade das partes que deve subjazer a todas as decisões judiciais, em obediência ao preceito com consagração constitucional no Art. 13º da CRP e contemplado no Art. 3º-A do CPC.  

         É certo que o despacho recorrido se estriba apenas na incompatibilidade da aplicação do disposto no n º2 do artigo 155º do CPC à audiência de julgamento prevista no Art. 138º do CIRE, pelo facto do processo de insolvência se caracterizar pela celeridade que lhe deve ser imprimido dada a sua natureza urgente e porque da aplicação do regime contemplado nesse Art. 155º Nº2 se apresenta incompatível com a realização dessa audiência de julgamento num dos dez dias posteriores expressamente consignado na lei, deixando de fazer qualquer menção ao facto de a audiência de julgamento ter sofrido já uma adiamento por impossibilidade de comparência de uma advogado que comunicou tal impossibilidade.

         Apesar disso, somos de opinião que é de manter o indeferimento nele decidido pelo facto dos autos terem já comportaram um adiamento com fundamento na impossibilidade de comparência de um advogado que tinha comunicado a sua impossibilidade e de não poderem sofrer novo adiamento com o mesmo fundamento e de não ser possível a alteração da nova data designada pelo facto de, em alternativa a esta, não vir sugerida uma outra por acordo de todos os intervenientes.

         Na verdade, uma alteração da nova data designada sem indicação de uma outra em alternativa àquela por acordo de todos os interessados – como pretende a recorrente – deixaria aberta a possibilidade que outras e sucessivas alterações vierem a ser requeridas pelos demais intervenientes processuais por impossibilidade de comparência na nova data sem indicação de datas alternativas por acordo de todos os interessados, protelando a realização da audiência de julgamento num processo que o legislador quis que obedecesse a andamento urgente.

        

         IV- SUMÁRIO ( Art. 713º Nº7 C.P.C. )

         1. Atenta a natureza urgente do processo de insolvência, não tem aplicação o disposto no Art. 155º Nºs 1 e 2 do CPC às audiências de julgamento que devam ter lugar no âmbito de tal processo de insolvência e nos seus incidentes, entre as quais se conta a prevista nos Arts. 138º e 139º do CIRE.

         2. Independentemente da natureza urgente ou do processo, não se aplica o disposto do Art. 155º Nº2 do CPC à marcação da audiência de julgamento feita na sequência do adiamento da mesma com fundamento na impossibilidade de comparência de advogado que comunicou antecipadamente essa impossibilidade se em alternativa à data designada não vier indicada uma outra por acordo de todos os intervenientes processuais.

         V- DECISÃO

         Assim, em face do exposto, acorda-se em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela apelante, confirmando-se em consonância com as razões que se deixam aduzidas, o indeferimento decidido no despacho recorrido.

         Custas pela apelante.

                                                        Coimbra, 2013.11.05

 

                                                        Maria José Guerra ( Relatora)

                                                        Carvalho Martins 

                                                         Carlos Moreira