Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
680/10.9GBCNT-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: PENHORA DE CRÉDITOS
OPOSIÇÃO À PENHORA
IRREGULARIDADE DA PENHORA DE CRÉDITO
Data do Acordão: 06/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (J L CRIMINAL DE CANTANHEDE)
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 216.º, 342.º, 343.º, 1722.º E 1723.º, DO C, ARTS. 732.º, 740.º, 773.º E 785.º, DO CPC
Sumário: I – A identificação do bem penhorado é essencial para conhecer, desde logo, se foram observados os requisitos legalmente exigidos no ato de penhora, que são diversos consoante o bem penhorado.
II - Considerando o teor dos requerimentos executivos temos que a exequente não requer a penhora do imóvel, cujo direito de propriedade atribui ao executado, mas sim a penhora das benfeitorias nele edificadas, que consistem nos anexos destinados a habitação.

III - Uma vez integradas no imóvel, o possuidor perde a propriedade sobre as benfeitorias, passando apenas a assistir-lhe o direito de crédito correspondente à sua integração.

IV - Resulta do auto de penhora de 15 de novembro de 2017, apenas e só, que o executado foi notificado da penhora da verba n.º 2, descrita no ponto n.º 4 dos factos dados como provadas; não há ali qualquer menção de que o crédito fica á ordem do agente de execução ou que o executado tenha prestado quaisquer declarações sobre o alegado direito de crédito por benfeitorias.

V - Não foi notificado nenhum terceiro devedor da penhora do crédito, nos termos do n.º 1, do art.773.º do CPC, pelo que se mostra irregular a penhora do alegado crédito.

VI - Sendo o imóvel propriedade da M… não pode este bem ser vendido ou adjudicado em execução contra o J…, a não ser que venha a ser reconhecido que a M… é devedora de benfeitorias a favor do executado, na sequência da sua notificação como devedora nos termos e para os efeitos do art. 773.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPC.

VII - Não se mostrando regularmente realizada a penhora do crédito a que o executado se opõe neste incidente, fica prejudicado o conhecimento da existência do direito de crédito do executado.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

           

     Relatório

            J…, ao abrigo do disposto nos artigos 784.º, nº 1, al. a) e 785.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, veio deduzir Oposição à Penhora levada a cabo em 15 de setembro de 2017, no processo de execução comum n.º 680/10.9GBCNT-A, que corre no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Juízo Local Criminal de Cantanhede, em que é exequente …, por si e em representação da filha menor …, no que concerne à “Verba Dois: imóvel - benfeitorias na edificação de anexos destinados a habitação, composto por cozinha, casa de banho, sala, quarto e currais, sem qualquer inscrição ou descrição predial”, pedindo que seja ordenado o levantamento da penhora sobre este bem. 

Alegou para o efeito e, no essencial, o seguinte:

- O executado não é proprietário das edificações construídas no prédio em equação, na Rua x (...) , n.º (...) , lugar de y (...) .

Este prédio foi adquirido por M…, ainda menor, por adjudicação nos autos de Inventários Obrigatórios instaurados por óbito de seus pais, …, falecida em 26-08-1962, e …, falecido em 22-10-1971, pelo que é um bem próprio da M…, que casou com o executado em segundas núpcias dela e sob o regime de comunhão de adquiridos, em 5-1-1994.

Antes de casar, em primeiras núpcias, a M… e o futuro marido … decidiram construir uma habitação no prédio herdado por aquela, tendo apresentado o pedido de licenciamento na Câmara Municipal de (...) , que deu origem ao processo nº … de 1978, instruindo-o com a respetiva planta da habitação a construir. Em tal planta, além do corpo da habitação a construir (a vermelho), também já estão identificadas duas construções anexas, que ainda hoje existem, sendo que uma corresponde à habitação atual do Executado.

O casal constituído pelo … e pela M… viveu em tais anexos e, após o falecimento daquele, esta continuou a residir naqueles, onde permaneceu a habitar com o aqui Executado.

- A beneficiação das construções existentes e a nova construção edificada, em consequência do referido pedido de licenciamento de 1978, foram levadas a efeito pela dita M…, ainda casada com o falecido marido … e após a morte deste, não tendo o executado comparticipado em qualquer obra de beneficiação ou de construção no prédio, que é bem próprio da sua esposa.

- Não existe, assim, qualquer crédito do executado, relativamente a tais construções, nomeadamente, sobre benfeitorias compostas de anexos conforme descrito no referido Auto de Penhora, nem o executado se arrogou ou arroga detentor de qualquer direito de crédito sobre a sua mulher relativo a benfeitorias executadas no prédio desta.

Juntou documentos e arrolou testemunhas.

            As exequentes deduziram contestação à oposição à penhora, impugnando os factos articulados pelo executado.

            Foram inquiridas as testemunhas arroladas.

O Tribunal a quo, por sentença proferida a 16 de novembro de 2018, decidiu julgar improcedente, por não provada, a oposição à penhora. 

Inconformado com a douta sentença, apelou o executado/oponente J… formulando as seguintes conclusões (transcrição):

A) Em 15-11-2017, por solicitação da Exequente, na Rua x (...) , nº …, em …, foi penhorado, como bem do Executado, a seguinte: «Verba Dois: imóvel – benfeitorias na edificação de anexos destinados a habitação, composto por cozinha, casa de banho, sala, quarto e currais, sem qualquer inscrição ou descrição predial (pintado de amarelo)».

B) Apesar da incorreta identificação da sua espécie (imóvel), não há dúvidas que, ao abrigo do disposto no art.773º do Código de Processo Civil e do art.216º, nº 1, do Código Civil, a Exequente penhorou um (alegado) direito de crédito do Executado, referente a benfeitorias realizadas no prédio urbano pertencente à sua esposa M….

C) Não sendo proprietário de qualquer imóvel, nomeadamente das edificações construídas na Rua x (...) , nº …, lugar de …, nem detentor de qualquer de crédito relativamente às construções existentes, o Executado/ Recorrente negou a existência desse alegado direito de crédito, logo no próprio ato da penhora e, oportunamente, apresentando o respetivo incidente de Oposição à penhora, requerendo o levantamento desta. D) A sentença recorrida dá como provados os seguintes factos:

«1. O Executado é casado com M….

 2. O prédio aqui em causa foi adquirido pela referida M…, ainda menor, por adjudicação nos autos de Inventários Obrigatórios instaurados por óbito de seus pais, , falecida em 26-08-1962, e…, falecido em 22-10-1971.

3. Aquando do casamento com o Executado, a referida M… encontrava-se no estado de viúva de …, com quem casara em 23-03-1981 e cujo casamento foi dissolvido em 30-07-1981, por óbito deste.

4. No âmbito da execução à qual a presente oposição se encontra apensada foi penhorada a Verba Dois: imóvel – benfeitorias na edificação de anexos destinados a habitação, composto por cozinha, casa de banho, sala, quarto e currais, sem qualquer inscrição ou descrição predial.

5. O Executado casou, civilmente, com M…, em segundas núpcias desta e sob o regime da comunhão de adquiridos, apenas em 05-01- 1994.

6. Ainda antes de casar, em primeiras núpcias, a dita M… o futuro marido …decidiram construir uma habitação no acima identificado prédio herdado por aquela.

7. Assim, apresentaram o respetivo pedido de licenciamento na Câmara Municipal de (...) , que deu origem ao processo nº … de 1978, instruindo-o com a respetiva planta da habitação a construir.

8. E em tal planta, além do corpo da habitação a construir (a vermelho), também já estão identificadas duas construções anexas, que ainda hoje existem, sendo que uma corresponde à habitação atual do Executado.

9. Aliás, o casal constituído pelo … e pela M… viveu em tais anexos e, após o falecimento daquele, esta continuou a residir naqueles, onde permaneceu a habitar com o aqui executado.

10. M… depois de casar com o Executado continuou a residir nos anexos já existentes, uma vez que a habitação iniciada nunca foi terminada.».

E) Desta citada fundamentação de facto não resulta que o Executado tenha realizado quaisquer benfeitorias no prédio urbano situado na Rua x (...) , n.º …, em …, nem sequer que o casal, constituído por si e pela esposa M…, tenha realizado, na constância do respetivo matrimónio, ou fora dele, quaisquer obras no mesmo prédio.

F) Dos factos provados antes resulta, inequivocamente, que o anexo onde sempre residiu o Executado com a dita M…, bem próprio desta, já existia ao tempo do seu casamento e não foi objeto de quaisquer obras de beneficiação, desde a morte do primeiro marido da mulher (…).

G) Assim sendo, a sentença recorrida erra ao decidir que houve obras e beneficiação do prédio e que o Executado comparticipou na sua realização, por não demonstrar o contrário.

H) Na verdade, tendo a Exequente/Recorrida invocado a existência do alegado direito de crédito por parte do Executado e tendo este negado a sua existência, ao abrigo do disposto nos artigos 342º, nº 1, e 343º, nº1, ambos do Código Civil, cabia à Exequente o ónus de provar a realização concreta e específica de benfeitorias e a existência do direito de crédito do Executado.

I) Só que a Recorrida/Oponida não logrou provar a existência do alegado direito de crédito do Executado, nem sequer a realização de quaisquer benfeitorias realizadas na habitação na pendência do seu casamento, ou fora dele.

J) Assim, a sentença recorrida erra ao decidir que a penhora recaiu sobre bens comuns (art.740º do CPC), quando recai sobre um alegado direito de crédito (art.773º do CPC).

K) Por isso, andou mal a douta sentença recorrida ao julgar improcedente a Oposição deduzida pelo Executado/ Recorrente, fazendo, uma errada interpretação e aplicação, entre outras, das disposições contidas nos artigos 216º, 342º, 343º, 1722º e 1723º do Código Civil, e nos artigos 732º, 740º, 773º e 785º, do Código de Processo, devendo ser revogada, julgando-se procedente a Oposição e o consequente levantamento da referida penhora.

Nestes termos e nos demais de direito, cujo douto suprimento se invoca, deve dar-se provimento ao presente recurso, e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida, proferindo-se decisão que julgue procedente a Oposição e ordene o levantamento da penhora do alegado crédito de benfeitorias, por ser da Lei e de Justiça.

As exequentes, … e …, não responderam.

           

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

            A matéria de facto apurada e respetiva motivação constantes da sentença recorrida é a seguinte:

Factos provados:

1. O Executado é casado com M.

2. O prédio aqui em causa foi adquirido pela referida M…, ainda menor, por adjudicação nos autos de Inventários Obrigatórios instaurados por óbito de seus pais, …, falecida em 26-08-1962, e …, falecido em 22-10-1971

3. Aquando do casamento com o Executado, a referida M… encontrava-se no estado de viúva de …, com quem casara em 23-03-1981 e cujo casamento foi dissolvido em 30-07-1981, por óbito deste.

4. No âmbito da execução à qual a presente oposição se encontra apensada foi penhorada a Verba Dois: imóvel - benfeitorias na edificação de anexos destinados a habitação, composto por cozinha, casa de banho, sala, quarto e currais, sem qualquer inscrição ou descrição predial.

5. O Executado casou, civilmente, com M…, em segundas núpcias desta e sob o regime da comunhão de adquiridos, apenas em 05-01-1994.

6. Ainda antes de casar, em primeiras núpcias, a dita M… e o futuro marido …decidiram construir uma habitação no acima identificado prédio herdado por aquela.

7. Assim, apresentaram o respectivo pedido de licenciamento na Câmara Municipal de (...) , que deu origem ao processo nº … de 1978, instruindo-o com a respectiva planta da habitação a construir.

8. E em tal planta, além do corpo da habitação a construir (a vermelho), também já estão identificadas duas construções anexas, que ainda hoje existem, sendo que uma corresponde à habitação atual do Executado.

9. Aliás, o casal constituído pelo … e pela M… viveu em tais anexos e, após o falecimento daquele, esta continuou a residir naqueles, onde permaneceu a habitar com o aqui Executado.

10. … depois de casar com o Executado continuou a residir nos anexos já existentes, uma vez que a habitação iniciada nunca foi terminada.

Factos não provados:

1. A beneficiação das construções existentes e a nova construção edificada, em consequência do referido pedido de licenciamento de 1978, foram levadas a efeito pela dita M…., ainda casada com o falecido marido … e após a morte deste.

2. O Executado não comparticipou em qualquer obra de beneficiação ou de construção no prédio, bem próprio da sua esposa.

Fundamentação:

Para a formação da convicção do Tribunal no que concerne aos factos provados foram essenciais os documentos juntos aos autos, designadamente certidão de inventário, assentos de nascimento e casamento e planta do prédio.

De salientar ainda as Declarações de Parte no âmbito das quais a exequente descreveu o teor da decisão condenatória que aqui se executa, a instauração de execução e penhora, designadamente, das benfeitorias aqui em causa. Precisou que executado e M… só depois de casados construíram aqueles anexos novos amarelos. Estiveram inicialmente a viver nuns anexos velhos e depois mudaram-se para os novos, onde agora habitam e foram estes últimos objecto de penhora.

O depoimento da testemunha … foi fundamental pois acaba por corroborar as declarações da exequente.

Relatou que conheceu … e andou a trabalhar nas obras da casa há cerca de 30 anos. O projecto era no sentido de fazer uma casa nova e, enquanto tal era realizado, eles viviam nuns anexos. Precisou que … estava no Luxemburgo quando teve o acidente e morreu, sendo que na altura estavam a fazer o telhado da casa e o que existe hoje é o que existia então, sendo que os terrenos eram dela (herança dos pais).

            Revelou desconhecer em que data … casou com a M… (todavia decorre do Assento junto que apenas estiveram casados meses) e aqui a testemunha perdeu a credibilidade ao afiançar que foram 10/15 anos.

Mais disse que sempre viveram nos mesmos anexos mas, instado, explicitou que o actual executado mudou-se se para os anexos novos amarelos, não sabe quanto tempo após o casamento e, logo aí se tornou evidente que, por um lado existem dois anexos e, ademais, que aqueles onde agora habitam sofreram obras mais recentes, não contemporâneas do falecido …, como pretendia demonstrar o executado.

Explicitou ainda a testemunha, assim clarificando este ponto, que naquele prédio existem dois anexos e uma vivenda por acabar. … e M… viveram nos anexos velhos enquanto construíam a casa e, entretanto esta casou com o executado e mudaram para os anexos novos amarelos.

M… casada com o executado precisou que o prédio onde vive era dos seus pais, à data era menor, quando eles faleceram, mais esclareceu que casou com 21 e tinha 23 quando faleceu, o que não coincide com o Assento junto aos autos e, confrontada manteve que estiveram casados dois anos em contradição com o documento, minou a credibilidade. Isto porque, bem se percebe que as obras não poderiam ter sido feitas em escassos meses.

Precisou que o então marido apresentou projecto para a casa nova e iniciaram uma nova construção, primeiro prepararam os anexos para viver e ainda permanece nos mesmos, atestando que nunca fez lá quaisquer obras com o executado, por não ter dinheiro, o que entra em contradição com o depoimento da testemunha anterior, que atesta que se mudou os anexos novos amarelos, com o executado.

Assim, a tese de que ainda permanece nos anexos velhos entra em crise, por resultar da prova produzida que a depoente se mudou com o executado para uns anexos novos amarelos, que teriam sido objecto de obras recentes, efectuadas já em regime de comunhão com o executado.


*

            O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Face às conclusões da motivação do recorrente J… a questão a decidir é a seguinte:

- Se o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação, entre outras, das disposições contidas nos artigos 216.º, 342.º, 343.º, 1722.º e 1723.º do Código Civil e 732.º, 740.º, 773.º e 785.º, do Código de Processo, devendo ser revogada a decisão recorrida e, julgando-se procedente a Oposição, ser levantada a penhora sobre o bem identificado.

            Passemos ao seu conhecimento.


-

            O recorrente J… defende que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação, entre outras, das disposições contidas nos artigos 216.º, 342.º, 343.º, 1722.º e 1723.º do Código Civil e 732.º, 740.º, 773.º e 785.º, do Código de Processo, devendo ser revogada a decisão recorrida e, julgando-se procedente a Oposição, ser levantada a penhora sobre o bem identificado.

Apresenta para o efeito, no essencial, os seguintes argumentos:

- Apesar da incorreta identificação da sua espécie (imóvel), não há dúvidas que, ao abrigo do disposto no art.773º do Código de Processo Civil e do art.216º, nº 1, do Código Civil, a exequente penhorou um (alegado) direito de crédito do executado, referente a benfeitorias realizadas no prédio urbano pertencente à sua esposa M…;

- Dos factos dados como provados nos pontos n.ºs 2, 5, 6, 7 e 8 da sentença, conjugados com o art.1722.º do Código Civil, resulta que o imóvel e nomeadamente as edificações construídas na Rua x (...) , n.º …, lugar de …, é um bem próprio da mulher do executado M…, e que quando esta e o primeiro marido decidiram construir uma moradia, já existiam, no imóvel, os dois anexos, sendo que um continua a corresponder à habitação do executado e da sua mulher;     

- Daqueles pontos da factualidade dada como provada e dos pontos n.º 9 e 10, não resulta que o executado seja detentor de qualquer direito de crédito a benfeitorias e que tenha realizado quaisquer obras de beneficiação nos anexos onde habitava, pelo que há notória contradição na fundamentação da decisão  recorrida quando refere que « sendo o prédio urbano bem próprio da cônjuge, fazendo o mesmo parte do seu património ao tempo da celebração do seu casamento com o executado, com a qual é casada no regime da comunhão de adquiridos – cfr. ainda, art.1722º, nº 1, al. A) do CC, resulta inquestionável que as obras foram feitas na constância do matrimónio com o executado nos anexos amarelos, para os quais depois estes se mudaram», bem como ao invocar que «as benfeitorias realizadas no prédio da cônjuge do executado são, pois, bens comuns e, não tendo o executado provado, como lhe incumbia, que tais benfeitorias foram feitas com o dinheiro da sua cônjuge ou com os seus valores, nos precisos termos do citado art.1723º, al. C) – art.342º, nº 2 terá de improceder a presente oposição à penhora»

- Por outro lado, nos termos dos artigos 204.º, 216.º, 341.º e 343.º do Código Civil e 773.º, n.ºs 1 e 2 e 785.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, perante uma declaração negativa por parte do opoente/executado, competia à exequente a prova do invocado direito de crédito do executado, o que não logrou.

Vejamos.

Sendo a regra, a sujeição de todos os bens do devedor à execução, importa anotar que a penhora pode recair sobre bens imóveis, sobre bens móveis e sobre direitos.

O n.º1 do art.755.º, do Código de Processo Civil, estabelece que a penhora de coisas imóveis realiza-se por comunicação eletrónica do agente de execução ao serviço de registo competente, a qual vale como pedido de registo, ou com a apresentação naquele serviço de declaração por ele subscrita.

Atualmente, o registo da penhora é, pois, constitutivo da penhora; sem registo não se pode entender que haja penhora, sendo por isso nula, ainda que haja entrega do bem a um depositário.

No n.º1 do art.755.º, do Código de Processo Civil, estabelece-se que, tendo a penhora incidido sobre móveis não sujeitos a registo, a mesma realiza-se com a sua efetiva apreensão e a imediata remoção para depósitos, assumindo o agente de execução que realizou a diligência a qualidade de fiel depositário. Se incidir sobre móveis não sujeitos a registo, o n.º1 do art.768, do Código de Processo Civil, manda aplicar, com as devidas adaptações, o disposto no art.755.º, relativo à penhora de imóveis.

Por fim, prevê o art.773.º e seguintes, do Código de Processo Civil, a «penhora de direitos». Como bem esclarece o Prof. Rui Pinto, por penhora de direitos pretende o legislador referir-se à penhora de qualquer posição jurídica ativa que não seja tratada em sede de penhora de imóveis ou em sede de penhora de imóveis, sendo, pois uma categoria legislativa residual.[1]    

A pretensa existência de créditos do executado sobre um terceiro devedor, chega ao processo, regra geral, por meio de indicação do exequente ou executado, ou por conhecimento oficioso do agente de execução, podendo este, no âmbito dos atos preparatórios de penhora previstos no n.º1, do art.749.º do Código de Processo Civil requerer ao terceiro devedor as informações que considere úteis à individualização do crédito, como o montante e seu vencimento. 

De todo o modo, a penhora de créditos efetiva-se, nos termos do n.º1, do art.773.º do Código de Processo Civil, com a «… notificação ao devedor, feita com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime desta, de que o crédito fica à ordem do agente de execução». 

Por razões de segurança impõe-se que a penhora de créditos do executado sobre terceiro seja efetuada com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime desta, ou seja, através de carta registada com aviso de receção ou por meio de contacto pessoal.

Consumada a penhora do crédito através da notificação do terceiro devedor, várias atitudes podem ser tomada por este.

Assim, face ao estabelecido nos n.ºs 2 e 3 do art.773.º do Código de Processo Civil, cumpre ao devedor declarar se o crédito existe, quais as garantias que o acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à execução. Não podendo ser efetuadas no ato da notificação, as declarações referidas no número anterior são prestadas por escrito ao agente de execução, no prazo de 10 dias.

Por força do n.º 4 ainda desta art.773.º do C.P.C. se o devedor nada disser, entende-se que ele reconhece a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora.

Uma vez que o terceiro devedor, remetendo-se ao silêncio, só pode ser responsabilizado pela obrigação nos exatos termos em que a mesma lhe foi notificada, é medianamente claro que o exequente deverá indicar, para efeitos de notificação, sempre que possível, nomeadamente, o montante, a natureza e a origem da dívida, como decorre do n.º 3 do art.724.º do C.P.C.

«Não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente ou o adquirente exigir, nos próprios autos da execução, a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efetuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito» (n.º 3 do art.777.º do C.P.C.).

Se o terceiro devedor negar a existência do crédito, no todo ou em parte, o art.775.º do C.P.C. estabelece que são notificados o exequente e o executado para se pronunciarem, no prazo de 10 dias, devendo o exequente declarar se mantém a penhora ou desiste dela. Se o exequente mantiver a penhora, o crédito passa a considerar-se litigioso e, como tal, será adjudicado ou transmitido.

Neste último caso a pessoa que receber, por adjudicação ou venda, o crédito penhorado litigioso terá de suportar as despesas e os riscos de ação contra o terceiro devedor para o convencer judicialmente da existência da dívida e obter a condenação a pagá-la.[2]

Sendo este, em termos gerais, o regime de penhora de bens do executado, anotamos que o  recorrente J… começa por afirmar que existe uma incorreta identificação da espécie do bem penhorado – bem imóvel –, mas que não há dúvidas que, ao abrigo do disposto nos artigos 773.º do C.P.C. e 216.º, nº 1, do Código Civil, a exequente penhorou um alegado direito de crédito do executado, referente a benfeitorias realizadas no prédio urbano pertencente à sua esposa M….

Resulta do ponto n.º 4 dos factos provados, que «No âmbito da execução à qual a presente oposição se encontra apensada foi penhorada a Verba Dois: imóvel - benfeitorias na edificação de anexos destinados a habitação, composto por cozinha, casa de banho, sala, quarto e currais, sem qualquer inscrição ou descrição predial.».

A identificação do bem penhorado é essencial para conhecer, desde logo, se foram observados os requisitos legalmente exigidos no ato de penhora, que como vimos são diversos consoante o bem penhorado.

Analisando o processo de execução verificamos que no requerimento executivo que dá início à execução, a exequente …, por si em nome da sua filha menor, nomeou à penhora o direito ao salário do executado e diversos bens móveis e bens imóveis.

Após diversas vicissitudes, veio requerer a folhas 280 “a penhora como benfeitorias correspondentes às construções pelo mesmo [executado] edificadas “, as quais se localizam na rua x (...) , n.º …, …, “num imóvel da sua propriedade, o qual não tem inscrição matricial, bem como registral”.      

Por requerimento de folhas 339, a exequente refere que “ o executado J… é proprietário de uns anexos, compostos de cozinha, casa de banho, sala e quarto, cor amarela, e currais, local onde reside” pelo que “requer a penhora de tais benfeitorias, uma vez que não existe inscrição matricial e/ou descrição predial de tais construções/edificações.”   

No auto de penhora de 15 de setembro de 2015, a Sr.ª funcionária consignou, nomeadamente,  que não procedeu à penhora dos anexos uma vez que não existe inscrição matricial e/ou descrição predial de tais construções/edificações , pelo que requer ao exequente que “venha especificar que penhora de benfeitorias requer…”.

Em resposta, por requerimento de folhas 356, de 27 de setembro de 2016, veio a exequente referir que “ as benfeitorias identificadas no auto de penhora constituem um direito de crédito do executado, aplicando-se as regras do preceituado nos artigos 778.º e 783.º, ambos do CPC”, pelo que, “deverá elaborar-se novo auto de penhora, agora corrigido, de onde conste que são penhoradas as benfeitorias traduzidas na edificação de anexos destinados a habitação, compostas por uma cozinha, casa de banho, sala, quarto e currais para animais, sitos na rua x (...) , s/n, no lugar do …, união de freguesias de … e …, benfeitorias sem qualquer inscrição ou descrição predial, a que se atribuem o valor de 7.500,00 euros”.    

Por requerimento de 1 de setembro de 2017 insistiu a exequente pela concretização da penhora.

Por auto de 15 de novembro de 2017, procedeu-se à penhora descrita no ponto n.º 4 dos factos dados como provados, que dá lugar ao incidente de oposição de penhora ora em apreciação.

Anotamos aqui alguma imprecisão na descrição da verba n.º 2 do auto de penhora, pois enquanto a exequente, nos seus requerimentos executivos, faz corresponder as benfeitorias às construções edificadas pelo executado no imóvel, que considerava ser do executado, no auto faz-se menção a benfeitorias na edificação de anexos destinados a habitação, o que poderia remeter para a realizar de obras nos anexos.

Em suma, considerando o teor dos requerimentos executivos consideramos que a exequente não requer a penhora do imóvel, cujo direito de propriedade atribui ao executado, mas sim a penhora das benfeitorias nele edificadas, que consistem nos anexos destinados a habitação.

O art.216.º do Código Civil estabelece que «Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa».

São benfeitorias as despesas de construção, reparação ou melhoramento de edifício, quando feitas por terceiro.

O art.1273.º do Código Civil consagra o princípio de que o possuidor de boa como de má fé, tem o direito de ser indemnizado pelo titular do direito das benfeitorias necessárias que haja feito, bem como das benfeitorias uteis que não possam ser levantadas sem detrimento da coisa. 

Uma vez integradas no imóvel, o possuidor perde a propriedade sobre as benfeitorias, passando apenas a assistir-lhe o direito de crédito correspondente à sua integração.

Em princípio, nada obsta a que as benfeitorias se possam traduzir nas construções ou anexos edificadas no prédio sito na rua x (...) , s/n, no lugar do …, união de freguesias de … e …, e a que atribui o valor de € 7.500,00, se este prédio onde foram realizadas as benfeitorias não for propriedade do executado.

No caso, a exequente requer a penhora das benfeitorias feitas pelo executado em imóvel, cuja propriedade atribui ao próprio executado.

Salvo o devido respeito, se a construção dos anexos foi realizada pelo executado num imóvel do próprio executado, tendo-se os anexos destinados a habitação integrado neste imóvel, temos como medianamente claro que o executado não tem qualquer direito de crédito sobre si próprio; o executado não é simultaneamente terceiro devedor e credor de si mesmo.

Resulta do auto de penhora de 15 de novembro de 2017, apenas e só, que o executado foi notificado da penhora da verba n.º 2, descrita no ponto n.º 4 dos factos dados como provadas; não há ali qualquer menção de que o crédito fica á ordem do agente de execução ou que o executado tenha prestado quaisquer declarações sobre o alegado direito de crédito por benfeitorias.

Ou seja, não foi notificado nenhum terceiro devedor da penhora do crédito, nos termos do n.º1, do art.773.º do Código de Processo Civil, pelo que se mostra irregular a penhora do alegado crédito.

Dos pontos n.ºs 2, 3 e 5 a 10 da factualidade dada como provada, na decisão recorrida, resulta ainda, por um lado, que o imóvel onde foram edificados os anexos é um bem próprio da M…, atual mulher do executado, por esta o haver adquirido por herança quando ainda era menor e, por outro lado, que as duas edificações anexas, que ainda hoje existem, já existiam aquando do primeiro casamento da M…, tendo residido nesses anexos o casal …e M… e neles continuam a habitar o executado e a M….

Sendo o imóvel propriedade da M… não pode este bem ser vendido ou adjudicado em execução contra o J…, a não ser que venha a ser reconhecido que a M… é devedora de benfeitorias a favor do executado, na sequência da sua notificação como devedora nos termos e para os efeitos do art.773.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Código de Processo Civil.

Dito de outro modo, a manter-se a penhora, tal como foi realizada, a mesma é irrelevante para efeitos de obtenção do pagamento à exequente, uma vez que quem foi notificado da penhora das benfeitorias descritas na verba n.º 2 como edificação de anexos destinados a habitação, foi o executado e não a eventual terceira devedora (M…), que é quem, reconhecendo a dívida ou sendo condenada a reconhecê-la deve entregar ao agente de execução a prestação em dívida.

Não se mostrando regularmente realizada a penhora do crédito a que o executado se opõe neste incidente, fica prejudicado o conhecimento da existência do direito de crédito do executado.

       Decisão

 

              Nestes termos, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação, em conceder provimento à apelação do opoente, embora por fundamento diverso do por este invocado e, em consequência, revogar, a decisão recorrida, levantando a penhora da verba n.º 2 irregularmente realizada.

             Custas pelas exequentes.


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             (Certifica-se que o acórdão foi  processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.ºs 2 e 3 do C.P.P.). 

                                                                      


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  Coimbra, 5 de junho de 2019

  Orlando Gonçalves (relator)

  Alice Santos (adjunta)

  


[1] , “A ação Execução”, AAFDL, 2018, pág. 578.
[2] Cf. Prof. Alberto dos Reis, “Processo Executivo”, Coimbra Ed., vol. 2.º, pág. 197