Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2296/17.0T8PBL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
LIVRANÇA PRESCRITA
AVAL
QUIRÓGRAFO
RELAÇÃO SUBJACENTE
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
FIANÇA
Data do Acordão: 09/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - ANSIÃO - JUÍZO DE EXECUÇÃO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.32, 70 LULL, 703 CPC, 458, 628 CC
Sumário: 1 – A reforma processual de 2013 suprimiu a regra da genérica exequibilidade dos documentos particulares (que antes constava do art. 46.º/1/c)); mas, quanto à ressalva/excepção estabelecida – possibilidade dos títulos de crédito poderem ser títulos executivos como quirógrafos – permanece válido o entendimento jurisprudencial/doutrinal antes firmado (em relação ao anterior art. 46.º/1/c)).

2 – Assim: o exequente tem o ónus de alegação no requerimento executivo dos factos constitutivos da relação subjacente; deve estar-se no domínio das relações imediatas; o negócio subjacente não pode ser solene; e, havendo oposição, o ónus da prova da existência da relação subjacente fica a cargo do exequente.

3 – Embora os negócios cambiários estejam rodeados por um conjunto mais ou menos complexo de relações obrigacionais extracartulares e tenhamos, via de regra, a relação subjacente/fundamental, o instrumental negócio cambiário e, “no meio”, a “explicar” a função económico-social desempenhada pelo negócio cambiário, a convenção executiva, não é sempre necessariamente assim.

4 – Efectivamente, no aval e nas subscrições de favor não há uma qualquer relação subjacente/fundamental: ao lado do negócio cambiário, existe apenas a convenção executiva.

5 – Assim, a alegação (por parte do exequente) dos executados, ao subscrever os contratos que prevêem os avales e ao avalizar as livranças, “pretenderam garantir pessoalmente a dívida de forma expressa e declarada e constituir-se verdadeiros fiadores”, não configura a alegação duma relação subjacente aos avales, mas sim a alegação duma fiança paralela, a reforçar a garantia cambiária (aval).

6 – Tal fiança paralela, a existir, não fica sequer demonstrada pela simples declaração cambiária do avalista aposta na letra/livrança; assim como depois, prescrita a obrigação cambiária do avalista, o aval não se transforma automaticamente em fiança, que precisa sempre de ser demonstrada por outros elementos, em obediência ao comando legal que determina que a vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada (art. 628.º/1 do C. Civil), no sentido em que a vontade de afiançar deve ser unívoca e clara.

7 – Decorrendo a obrigação principal da estrutura negocial duma garantia autónoma, tal fiança paralela (aos avales), em função da regra da acessoriedade da fiança quanto à forma (art. 628.º do C. Civil), não é um negócio consensual, devendo revestir a forma/documento escrito.

8 – Afirmando-se (nos depoimentos prestados em julgamento) que os embargantes sabiam que estavam a responsabilizar-se pessoalmente, não pode concluir-se e dar-se como provado que tinham a vontade de prestar fiança, quer por tais afirmações serem equívocas (sendo, como é o caso, eles avalistas, que é uma garantia pessoal), quer por não se poder esquecer que a lei impõe que a declaração de fiança seja expressa, ou seja, não pode ser tácita, nem deduzir-se de palavras ou escritos que não a manifestem directamente.

Decisão Texto Integral:






Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

J (…) e A (…)com os sinais dos autos, por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhes moveu  G (…) S.A., também id. nos autos – para haver deles (e de L (…), Lda.) a quantia de € 34.452,54 e juros vincendos (e respectivo I. Selo) – vieram deduzir embargos à execução, alegando, em síntese, a prescrição dos avales por eles prestados (nas duas livranças dadas à execução, ambas subscritas pela L (…), Lda. e ambas à ordem da exequente/G (…)), por se encontrar ultrapassado o prazo de 3 anos entre a data do vencimentos das livranças e a data da propositura da execução; a inexistência ou inexequibilidade do título executivo (por as livranças prescritas não constituírem título executivo contra os seus avalistas por, em tal hipótese, a atribuição de força executiva pressupor a existência de relação causal e o aval, pela sua natureza, não ter relação subjacente); a ineptidão do requerimento (por não se depreender a causa de pedir na exposição dos factos); e a violação do pacto de preenchimento.

Contestou a exequente, dizendo, em síntese e de mais relevante, que as livranças exequendas valem como quirógrafos e que, nesta veste, constituem, nos termos do art. 703.º/1/c) do CPC, título executivos válidos; que, “pese embora a qualificação como avalistas, os embargantes sempre assumiram a posição de fiadores[1], “tal significando que, no caso em concreto, a relação causal de aval mais não é do que uma fiança dada à obrigação assumida pela empresa L (…)[2]; e que alegou e provou “os factos constitutivos essenciais da relação causal que levaram à subscrição de ambas as livranças, de modo a identificar adequadamente essa relação causal subjacente[3].

Razões por que concluiu, tendo preenchido as livranças de acordo com o pacto, pela total improcedência da oposição.

Conclusos os autos – após a dispensa da audiência prévia – foi proferido despacho em que se julgaram improcedentes a ineptidão do requerimento executivo e a invocada inexistência ou inexequibilidade das livranças dadas à execução, tendo sido declarada a total regularidade da instância, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.

Designado e realizado julgamento, com observância do formalismo legal, a Exma. Juíza proferiu sentença, em que julgou a oposição totalmente improcedente, mandando prosseguir os termos da execução.

Inconformados, interpõem os executados/embargantes o presente recurso de apelação, visando a revogação do despacho saneador e da sentença e “julgada procedente a excepção da inexequibilidade das livranças dadas como títulos executivos”.

Não foi apresentada qualquer resposta.

Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


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II – Fundamentação de Facto

II – A - Factos provados:

A. A Exequente é uma sociedade anónima que se dedica à realização de operações de natureza financeira e a prestação de serviços conexos, que visem a melhoria das condições de financiamento de entidades do sector não financeiro.

B. No exercício da sua atividade, a Exequente celebrou com a L (…)Lda. dois contratos:

a. Contrato cujos termos constam de fls. 5 v.º a 11 v.º dos autos de execução e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, através da qual o Exequente prestou, em nome e a pedido daquela sociedade, uma garantia autónoma a favor do beneficiário Banco (…) S.A. com o número 2007.00438;

b. Contrato cujos termos constam de fls. 12 a 15 dos autos de execução e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, através da qual o Exequente prestou, em nome e a pedido daquela sociedade, uma garantia autónoma a favor do beneficiário B (…), S.A., com o número 2009.08238.

C. O contrato referido em B), al. a) foi outorgado pelos Embargantes na qualidade de legais representantes da sociedade L (…) e, também na qualidade de terceiros contraentes –avalistas.

D. O contrato referido em B), al. b) foi outorgado pela Embargante A (…) na qualidade de legal representante da sociedade L (…) e de ambos os Embargantes na qualidade de avalistas.

E. Ao outorgarem os contratos referidos em B) os Embargante avalistas pretenderam garantir pessoalmente, na qualidade de avalistas, a dívida da sociedade L (…)

F. Na sequência do incumprimento parcial e total por parte da referida sociedade das obrigações emergentes assumidas com os referidos beneficiários, estes resolveram os contratos declarando vencidas todas as prestações, tendo solicitado à Exequente, o pagamento total correspondente ao valor vivo das garantias na respetiva data em que foram executadas.

G. A Exequente pagou os montantes solicitados aos respetivos beneficiários.

H. Com o pagamento destas quantias, a Exequente ficou sub-rogada nos direitos dos beneficiários sobre a sociedade referida e seus avalistas, agora Embargantes.

I. De acordo com o disposto nas cláusulas dos contratos foram entregues à ora Exequente duas livranças em branco, avalizadas pelos Executados/Embargantes, com pacto de preenchimento de livrança.

J. A Exequente procedeu ao preenchimento das livranças referidas pelos montante(s) de € 16.984,49 e € 10.841,12, com data de vencimento de 2014-03-31, ora apresentadas como título executivo.

K. Os Embargantes foram interpelados para procederem ao pagamento da quantia aposta nas livranças.

L. No requerimento executivo, a aqui embargada alegou no ponto 12:

“Atenta a garantia pessoal prestada – aval - o(s) aqui Executado(s) (pessoas singulares) é(são) responsável(is) pelo pagamento do crédito da aqui Exequente quanto o é a também aqui executada L (…), LDA., sua avalizada, porquanto ao subscrever quer os contratos em causa (com reconhecimento presencial de assinaturas) quer as livranças propriamente ditas, pretenderam os avalistas assim garantir pessoalmente a dívida de forma expressa e declarada, manifestando dessa forma a sua vontade de se constituírem verdadeiros fiadores/garantes da dívida.”


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II – B Factos não provados:

Não se provou que:

a) Os embargantes, ao outorgarem os contratos referidos em B), se tenham pretendido constituir como fiadores da dívida da L (…), Lda..


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III – Fundamentação de Direito

A exequente, como resulta do relato inicial e dos factos provados, deu à execução duas livranças (na linha em que no requerimento executivo se manda identificar o título executivo, a exequente escreveu “livrança”), que lhe haviam sido entregues em branco, assinadas/avalizadas no verso pelos embargantes.

Tendo ambas as livranças a data de emissão de 31/03/2014 e tendo o requerimento executivo entrado tão só em 13/06/2017, vieram os embargantes invocar o decurso do prazo prescricional de 3 anos (como o dador do aval é responsável, nos termos do art. 32.º da LULL, da mesma maneira que a pessoa afiançada, o prazo da obrigação cambiária do avalista é de 3 anos – cfr. art. 70.º/§ 1.º da LULL).

Muito natural e compreensivelmente, uma vez que se o não tivessem feito – e toda a defesa deve ser deduzida na contestação (art. 573.º do CPC), sendo que a prescrição não é de conhecimento oficioso (art. 303.º do C. Civil) – teríamos por certo a exequente a chamar a atenção para a identificação do título executivo – “livrança” – que fez constar do requerimento executivo.

Sendo assim – tendo os embargantes invocado a prescrição das suas obrigações cambiárias, de avalistas – veio a exequente dizer, na contestação, que as livranças exequendas foram dadas à execução como quirógrafos e que, nesta veste, constituem, nos termos do art. 703.º/1/c) do CPC, títulos executivos válidos.

Passando a ser este o ponto de partida dos autos.

Quanto à prescrição das obrigações cambiárias, de avalistas, era inquestionável a razão dos embargantes, passando assim a situar-se a discussão dos autos no trecho do art. 703.º/1/c) do CPC em que se diz que, como meros quirógrafos, podem os títulos de crédito prescritos valer como títulos executivos, “desde que os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento os sejam alegados no requerimento executivo[4].

O que nos remete para a questão (relativamente recorrente antes da Reforma Processual de 2013) das letras/livranças/cheques, perdida a sua validade enquanto títulos cambiários, poderem valer, enquanto documentos particulares, como títulos executivos; questão que foi então bastante polémica na jurisprudência, o que impõe que a interpretação do actual art. 703.º/1/c) do CPC seja feita com algum cuidado e “à luz do património jurisprudencial[5] estabelecido.

Assim:

Antes da reforma processual de 2013, discutiu-se se não tendo o cheque/letra/livrança validade enquanto título cambiário – por, como é o caso, a execução haver sido intentada para além do prazo prescricional da obrigação cambiária – podia ainda assim, perdida a acção cambiária, ser considerado título executivo à luz do art. 46º/1/c) do CPC (redacção anterior ao NCPC), agora como simples quirógrafo – enquanto documento particular, assinado pelo devedor.
Questão em que, numa narrativa bastante sintética, se desenharam, em tese, três respostas.
Uma 1.ª, de sentido absolutamente negativo, dizendo que o título cambiário prescrito não cabe no referido art. 46.º/1/c) do CPC.
Uma 2.ª, de sentido relativamente positivo, dizendo que valem como título executivo do art. 46.º/1/c) do CPC, desde que o exequente invoque a relação jurídica subjacente e esta não constitua um negócio jurídico formal.
Uma 3.ª, de sentido absolutamente positivo, defendendo que o cheque prescrito vale sempre como título executivo do art. 46.º/1/c) do CPC, mesmo que o exequente não haja invocado a relação subjacente.
Questão em que – independentemente da estrita lógica jurídica, a nosso ver e com o devido respeito por opinião diversa, apontar para a 1.ª resposta (a absolutamente negativa)[6] – após alguma/muita polémica, a posição/tese defendida pela 2.ª resposta foi gradualmente fazendo vencimento doutrinal e jurisprudencial[7], afirmando-se que, depois de extinta a obrigação cambiária incorporada no título cambiário, este pode continuar a valer como título executivo, agora na veste de documento particular assinado pelo devedor, no quadro das relações credor originário/devedor originário e para execução da obrigação fundamental (subjacente); desde que o exequente alegasse no requerimento executivo (não na contestação à oposição) aquela obrigação (obrigação causal) e que esta não decorra dum negócio jurídico formal[8].
O que – a resposta doutrinal e jurisprudencial que fez vencimento – também representou a rejeição da 3.ª resposta, de sentido absolutamente positivo; ou seja, a rejeição da possibilidade do título cambiário, uma vez extinta a obrigação cartular e enquanto mero documento particular, poder valer como presunção de existência de uma dívida e ser reconduzível à previsão do art. 458.º do C. Civil, que determina ser o documento de reconhecimento de uma dívida presuntivo da causa, implicando a inversão do onus probandi da dívida (cuja inexistência deverá ser demonstrada pelo devedor).

Mais, a resposta que fez vencimento também exprimiu a “limitação” decorrente de, do texto do documento, só resultar a assunção duma obrigação de pagamento da quantia de que seja beneficiária a pessoa nele inscrita, não podendo deixar de reconhecer-se que, se e quando o título de crédito sai das relações imediatas, o documento já não poderá, como simples quirógrafo, servir de título executivo; daí o ter-se afirmado que continua a valer como título executivo, agora na veste de documento particular assinado pelo devedor, mas apenas no quadro das relações credor originário/devedor originário e para execução da obrigação fundamental (subjacente).

Ainda assim, firmada tal resposta doutrinal e jurisprudencial, a discussão não terminou[9]; um vez que a “jusante” se colocou nova questão.

Cientes da “resposta” que fez vencimento, os exequentes, portadores de títulos de crédito sem validade cambiária (normalmente, prescritos), passaram a pretende invocar no requerimento executivo – como a resposta dominante postulava – a relação/obrigação subjacente.

Porém, em face do conteúdo da resposta dominante[10], ficavam-se normalmente por uma invocação vaga e genérica da relação/obrigação subjacente, não indo ao detalhe da concreta e precisa alegação da relação/obrigação subjacente; ou seja, ao “preencherem” o campo do requerimento executivo destinado à exposição dos factos, dizem, via de regra, que o “cheque/letra/livrança foi entregue pelo executado ao exequente como garantia do pagamento de uma divida” e/ou que, “no exercício da sua actividade comercial, o exequente forneceu ao executado, a pedido deste, diversos produtos que não foram pagos e que motivaram a emissão do cheque/letra/livrança pelo executado” (por aqui se ficando em termos de relação subjacente).

Ora, da “resposta” jurisprudencial que fez vencimento, resultava que a causa de pedir da execução – em que o título “dado” é um cheque/letra/livrança sem validade cambiária (normalmente, prescrito) – é a relação subjacente, causal, existente entre exequente e executado, titulada no documento particular que o cheque/letra/livrança é (e não que a causa de pedir seja a relação abstracta e autónoma do saque, do endosso ou do aval); mas também resultava, na medida em que tal resposta se opôs e “venceu” a tese da equiparação (dos títulos cambiários “extintos”) ao reconhecimento de dívida do art. 458.º do C. Civil, que os títulos cambiários “extintos” não beneficiavam da inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental (inversão que o art. 458.º do C. Civil concede à promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida).

Entendeu-se na “resposta” que fez vencimento – repete-se – que o título cambiário, enquanto documento particular assinado pelo devedor, não cumprindo necessária e forçosamente a função de reconhecimento duma dívida, não podia ver-lhe aplicado o art. 458.º do C. Civil; o que significava (em “oposição” à tese do reconhecimento de dívida) que não era o devedor que, como acontece com o reconhecimento de dívida, tem que fazer a prova do contrário, isto é, numa execução em que o título seja integrado por um cheque/letra/livrança “extinto”, não é o devedor/executado que, para se eximir à obrigação, tem que provar que a obrigação não tem causa[11].

A “resposta” que fez vencimento permitia pois aos portadores de títulos cambiários “extintos”, desde que invocassem no requerimento executivo a relação/obrigação subjacente, recorrer desde logo à acção executiva, porém, havendo oposição e negando o executado a existência da relação subjacente, eramos como que devolvidos à “estaca zero”, em termos de definição do direito, uma vez que, dizendo-se que o exequente não goza da presunção do art. 458.º do C. Civil, era ele que, de acordo com os princípios gerais (342.º/1 do C. Civil), teria que provar os factos constitutivos do direito alegado/executado[12].

Enfim – segundo a interpretação que fazemos da resposta dominante[13] – ao dizer-se que um título de crédito (no nosso caso, uma livrança) cambiariamente extinto vale, enquanto quirógrafo, como título executivo, não significava que se esteja a presumir a existência e o reconhecimento duma dívida subjacente; significava apenas que se verifica um indício – mas não uma presunção – sobre a existência duma dívida subjacente, razão pela qual há fundamento para se dispensar uma prévia acção declarativa, podendo ir-se directamente para a acção executiva, onde, havendo oposição, o direito e a existência da dívida poderão sempre ser demonstrados pelo exequente.

O que – ficando-se os exequentes por uma invocação vaga e genérica da relação/obrigação subjacente – significaria que a dispensa da prévia acção declarativa (em que a livrança como simples quirógrafo seria utilizado como meio de prova da relação subjacente) se traduziria numa “mão cheia de nada” [14].

Vem tudo isto – todo este “património jurisprudencial” estabelecido antes da reforma de 2013 – a propósito de se dizer que tal “resposta dominante” se deve considerar como consagrada no art. 703.º/1/c) do CPC.

A reforma de 2013 suprimiu, é certo, a regra da genérica exequibilidade dos documentos particulares (que antes constava do art. 46.º/1/c)); mas, quanto à ressalva/excepção estabelecida – possibilidade dos títulos de crédito poderem ser títulos executivos como quirógrafos – permanece válido o entendimento jurisprudencial/doutrinal antes firmado (em relação ao anterior art. 46.º/1/c)).

Assim, sintetizando:

 - o exequente tem o ónus de alegação no requerimento executivo dos factos constitutivos da relação subjacente;

 - deve estar-se no domínio das relações imediatas;

 - o negócio subjacente não pode ser solene; e.

 - havendo oposição, o ónus da prova da existência da relação subjacente fica a cargo do exequente.

Isto dito, revertendo (e aplicando-o) ao caso dos autos/recurso:

Importa começar por notar que a obrigação exequenda não é a obrigação cambiária (aval) decorrente da assinatura que os embargantes colocaram nas livranças, mas a obrigação subjacente; ou seja, perdida a qualidade de título executivo enquanto título de crédito, pela extinção cambiária, as livranças passam a ser usadas enquanto quirógrafos da obrigação que lhe está subjacente; enfim, o “manto” da obrigação cambiária é usado tão só para servir de “manto” à obrigação subjacente.
E – é a questão – não constando das livranças “dadas à execução” a relação subjacente[15], o que é que a exequente alegou e provou em termos de relação subjacente?
Alegou (ao “preencher” o campo do requerimento executivo destinado à exposição dos factos) tão só (o que constar do ponto 12, ponto esse que agora transcrevemos na alínea L) dos factos provados deste acórdão) que “atenta a garantia pessoal prestada – aval – os aqui executados (pessoas singulares) são responsáveis (…) porquanto ao subscrever quer os contratos em causa (com reconhecimento presencial de assinaturas) quer as livranças propriamente ditas, pretenderam os avalistas assim garantir pessoalmente a dívida de forma expressa e declarada, manifestando dessa forma a sua vontade de se constituírem verdadeiros fiadores/garantes da dívida.

Alegação esta que, a nosso ver e com todo o respeito por opinião diversa, não configura, rigorosa e verdadeiramente, a alegação da relação subjacente e causal à “subscrição”, como avalistas, das livranças; que alude, é certo, a fianças, mas que, caso estas fossem/sejam os negócios subjacentes, seriam negócios solenes; e que, como no final se decidirá/explicará (caso se considerasse a devida alegação em termos de relação subjacente e as fianças não fossem solenes), não terão/riam logrado provar.

E todas estes “imperfeições” e “faltas” estão interligados e decorrem dum mesmo e comum equívoco: o ter-se considerado que há sempre um negócio subjacente/causal aos avales e que tal negócio subjacente/causal é, como que por defeito, a fiança.

Expliquemo-nos:

Como é sabido, estabelecem-se à volta da emissão das letras e livranças, para além dos negócios jurídicos cambiários (e das consequentes relações jurídicas cambiárias), um conjunto mais ou menos complexo de relações obrigacionais extracartulares, geradas pelas chamadas convenções executivas e relações fundamentais.

Efectivamente, embora os negócios cambiários se esgotem num puro efeito de direito – seja a criação e/ou transmissão do crédito cambiário, seja a assunção de uma obrigação (principal ou de garantia), seja uma combinação de ambos – e não indiquem a respectiva causa (os efeitos jurídicos produzem-se com abstracção da sua causa), a verdade é que possuem uma causa, cujo conteúdo, porém, não consta do título (da declaração unilateral emitida), mas sim dum pacto ou dum acordo extra-cartular, expresso ou tácito, envolvendo os sujeitos da relação fundamental, pacto ou acordo que explica a função e a subscrição do título e que é normalmente designado por convenção executiva.

Assim, quando um litígio envolve letras ou livranças, temos, via de regra, a relação fundamental, o instrumental negócio cambiário e, “no meio”, a “explicar” a função económico-social desempenhada pelo negócio cambiário, a convenção executiva (que acaba por ser a causa próxima da negócio cambiário).

Porém, sendo esta a regra, não é sempre necessariamente assim.

Há efectivamente situações em que as partes se limitam a aproveitar as utilidades decorrentes do recorte jurídico das letras e livranças, em que, como sucede no aval[16] e nas subscrições de favor[17], ao lado do negócio cambiário, existe apenas uma convenção executiva[18]; e não também uma qualquer relação fundamental que envolva o avalista e o subscritor de favor e que sirva como “causa remota” da sua assinatura cambiária, existindo apenas a “causa próxima” – a função de garantia – plasmada na convenção executiva.

E sem prejuízo de não poder afastar-se a hipótese de, num determinado caso concreto, quem presta o aval se poder assumir, paralelamente, como fiador da obrigação fundamental extracartular, três coisas podem ser dadas como certas:

 - que a fiança, a existir, carece de ser demonstrada por outro meio que não a simples declaração cambiária do avalista aposta na letra/livrança; é necessário algo mais, ou seja, “a declaração do aval será apenas um entre os vários elementos a ter em conta pelo intérprete para apurar, dentro dos cânones hermenêuticos em vigor (art. 236.º do C. Civil), se, pelo seu comportamento, o sujeito pretendeu igualmente ficar vinculado enquanto fiador da obrigação fundamental. Requer-se, portanto que o credor alegue e prove os restantes elementos de onde resulte essa conclusão”;[19]

 - que a fiança, a existir, “não constitui a relação subjacente ao aval, e sim um plus, uma nova garantia ao dispor do credor, algo que vem reforçar a sua posição, acrescentando à garantia cambiária (o aval) uma garantia extracartular (a fiança)”;[20]

 - mais ainda, “estabelecido que o direito do credor portador do título contra o avalista prescreveu, é claro que o aval não pode transformar-se automaticamente em fiança (…). A existir, a fiança constituirá um negócio paralelo, que acresce ao aval e que carece de ser demonstrado por outro expediente que não a simples declaração cambiária do avalista aposta no título: é necessário algo mais. A imprescindibilidade desse quid, composto geralmente por dados extracartulares é reforçada pelo comando legal que determina que a vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada (art. 628.º/1 do C. Civil), no sentido em que a vontade de afiançar deve ser unívoca e clara”.[21]

E é justamente por tudo isto que começámos por afirmar que a alegação vertida no ponto 12 do requerimento executivo não configura, em rigor, a alegação duma relação subjacente aos avales.

O que a exequente no fundo (e fora de toda a dúvida, a nosso ver) diz é que os executados/embargantes quiseram em simultâneo prestar fianças – quando refere que, “ao subscrever quer os contratos em causa (com reconhecimento presencial de assinaturas) quer as livranças propriamente ditas, pretenderam os avalistas assim garantir pessoalmente a dívida de forma expressa e declarada, manifestando dessa forma a sua vontade de se constituírem verdadeiros fiadores/garantes da dívida” – e isto corresponde à alegação duma fiança paralela, à simultânea assunção como fiadores da obrigação fundamental[22]; e tais fianças, a existirem e a terem sido assumidas, repete-se a transcrição efectuada, “não constituem a relação subjacente ao aval, e sim um plus, uma nova garantia ao dispor do credor, algo que vem reforçar a sua posição, acrescentando à garantia cambiária (o aval) uma garantia extracartular.

Temos pois que a exequente não cumpriu o ónus de alegação (no requerimento executivo) dos factos constitutivos da relação subjacente aos avales[23].

E as fianças que procurou invocar – caso tais fianças fossem a relação subjacente aos avales (e não, como se referiu, assunções paralelas) – não seriam negócios consensuais, ou seja, não respeitariam o entendimento jurisprudencial/doutrinal supra referido do negócio subjacente (alegado nos termos do art. 703.º/1/c) do CPC) não poder ser solene.

Impõe a lei (art. 628.º/1 do C. Civil) que a declaração de fiança seja expressa e que adopte a forma exigida para a obrigação principal; sendo que o facto de ser expressa não implica que a declaração do fiador esteja sujeita a quaisquer “fórmulas sacramentais, mas que a vontade de prestar fiança tem que decorrer de forma directa daquela”.

No caso, a obrigação principal (a cargo da L (…) Lda.) decorria da estrutura negocial das duas garantias autónomas.

Estrutura essa em que se costumam distinguir três relações contratuais:

 “O contrato principal, ou seja, aquele donde decorrem as obrigações garantidas e que é concluído entre o credor garantido e o devedor/ordenante. O contrato entre o devedor e o garante, em regra um banco, pelo qual este último se vincula, mediante uma remuneração (comissão do banco), a celebrar com o credor o contrato de garantia autónoma. E, por fim, o contrato de garantia autónoma em si, celebrado entre o banco/garante e o credor (garantido do qual decorre a obrigação autónoma.[24].

Sendo que, no caso, a obrigação principal e alegadamente afiançada decorria do contrato referido em segundo lugar (de que foram celebrados dois contratos e de que foram juntas as respectivas cópias com o requerimento executivo), em que se prevê o dever de reembolso à G(…)/exequente em caso de execução das garantias autónomas que esta prestou (ao (…)), as condições em que tal reembolso se faria, bem com as garantias do eventual e futuro direito da G(…)/exequente, sendo exactamente neste ponto – das garantias do eventual e futuro direito de reembolso da G(…) – que entram os avales e as invocadas fianças.

Sendo que de tais contratos juntos (com o requerimento executivo) constam a obrigação de prestar os avales em livranças (subscritas pela L (…), Lda.) entregues em branco, mas nada é dito quanto à prestação ou não de fianças por parte dos aqui embargantes.

E embora a garantia autónoma seja um negócio atípico, entende-se, em face do risco que envolve, que não prescinde dum documento escrito[25], pelo que, em função da regra da acessoriedade da fiança quanto à forma (art. 628.º do C. Civil), era tal documento escrito que as alegadas fianças deviam revestir, por ser essa “a forma exigida para a obrigação principal”.

Não satisfazendo tal documento escrito, a alegação da exequente dos embargantes, “ao subscrever quer os contratos em causa (com reconhecimento presencial de assinaturas) quer as livranças propriamente ditas, (…) manifestarem a sua vontade de se constituírem verdadeiros fiadores/garantes da dívida”

Como se referiu, a lei impõe (art. 628.º/1 do C. Civil) que a declaração de fiança seja expressa e sendo certo que tal não implica “fórmulas sacramentais”, a verdade é que a vontade de prestar fiança tem que decorrer de forma directa da declaração do fiador, tem que ser “unívoca e clara”; o que claramente não decorre nem dos dois contratos juntos e muito menos das livranças (que não servem de “manto” formal às invocadas fianças).

Seja como for, o que mais releva é que as fianças invocadas – caso tais fianças fossem a relação subjacente aos avales (e não, como se explicou, assunções paralelas) – não seriam negócios consensuais, pelo que não poderiam ser invocadas como negócio subjacente, para os efeitos e nos termos do art. 703.º/1/c) do CPC.

Além de tudo isto (e de certa maneira em harmonia com tudo isto), o certo é que – caso se considere/asse a alegação como a devida em termos de relação subjacente e caso as fianças invocadas não fossem solenes – tais fianças não se teriam/terão provado.

Efectivamente, têm os apelantes/embargantes toda a razão na impugnação (da decisão de facto) que fazem ao que se deu como provado na alínea E) dos factos provados da sentença recorrida[26].

Está em causa o trecho de tal alínea E) em que se deu como provado que “os embargantes, ao outorgarem os contratos referidos em B), se pretenderam constituir como fiadores da dívida”.

Tendo-se expendido, como atinente motivação, o seguinte:

“ (…)

A palavra “avalista” apostas nos contratos não foi usada no seu sentido literal pois que não sendo aposta num título cambiário, não podia ter o significado de “aval” mas o significado de uma garantia pessoal equivalente à da fiança, o que os Embargantes, sendo pessoas do mundo dos negócios, não podiam deixar de saber.

Assim, os Embargantes não pretenderam responsabilizar-se apenas por uma relação cambiária pois que, para além de avalizarem dois títulos de crédito – livranças – garantiram negócios jurídicos concretos e individualizados, titulados pelos contratos em análise.

Pelo que os Embargantes pretenderam garantir e responsabilizar-se da relação subjacente à emissão das livranças que avalizaram.

O que se entende pois os Embargantes não são alheios à sociedade “ L (...) ”; são os seus legais representantes, pelo que, às garantias que prestam é indissociável o beneficio e/ou proveito económico irão tirar. (…)”

Com todo o respeito, não podemos concordar.

Diz-se que a palavra “avalista” apostas nos contratos não é usada no seu “sentido literal”, porém, é exactamente com tal sentido que ela é usada, uma vez que só é referida na cláusula 4.ª de ambos os contratos[27], cláusula essa em que se alude justamente à entrega de livranças em branco subscritas pela L (…) Lda. e avalizadas pelos aqui embargantes.

Em todo o caso, no que diz respeito à questão (de facto) de saber/decidir se os embargantes quiseram ou não prestar fiança, há que ter presente que não se pode perder de vista que a lei impõe (art. 628.º/1 do C. Civil) que a declaração de fiança seja expressa, ou seja, que não pode ser tácita, que não pode deduzir-se de palavras ou escritos que não a manifestem directamente (como já se referiu, a vontade de afiançar deve ser unívoca – não equívoca – e clara).

Ora, nada é extraível, dos dois contratos juntos, que exprima e corresponda a uma vontade unívoca e clara de prestar fiança por parte dos embargantes; e também nada – rigorosamente nada – foi dito, com tal sentido, no depoimento de parte do representante da exequente ((…)

Alias, em todo o seu (muito breve) depoimento – nas perguntas e respostas – não foi utilizada sequer uma única vez a palavra fiança ou palavras e expressões fora de toda a dúvida com sentido equivalente.

O depoente – Director de Risco da exequente – não conhece ou sequer contactou pessoalmente com os embargantes, limitando-se a dizer que “pediram o aval aos sócios” e falando sempre, sem qualquer excepção, em “aval” e “avalistas”; terminando, a instâncias do mandatário da exequente, a dizer que “para a G (…) os devedores são a empresa e os avalistas” e que “são todos devedores no contrato”.

Em face disto, com todo o respeito, de modo algum se podia ter dado como provado que “os embargantes, ao outorgarem os contratos referidos em B), se pretenderam constituir como fiadores da dívida”.

Como supra referimos, tudo nos autos está interligado e decorre dum mesmo e comum equívoco: o ter-se considerado que há sempre um negócio subjacente/causal aos avales e que tal negócio subjacente/causal é a fiança.

Terá sido também este o equívoco em que laborou a decisão de facto, parecendo partir-se do princípio de que por trás e subjacente ao aval há sempre uma fiança implícita, pelo que, como que por defeito (e na ausência de qualquer contraprova), provado o aval, fica provada a vontade de prestar fiança.

Porém, como supra se explicou – e não vamos aqui repetir – não será assim; mais, sendo o aval uma garantia pessoal, não é por se afirmar (perguntar/responder) que os embargantes sabiam que estavam a responsabilizar-se pessoalmente que pode/deve concluir-se e dar-se como provado que tinham a vontade de prestar fiança, tanto mais que, importa não esquecer, não se discute que não se tivessem obrigado pessoalmente como avalistas, o que, evidentemente, torna equívocas[28] – não claras e unívocas – tais afirmações.

Enfim, é por tudo isto que começámos por afirmar que as fianças invocadas – para além de não corresponderem à alegação da relação subjacente e de serem solenes – não se provaram, razão pela qual, julgamos neste ponto procedente o recurso da decisão de facto, tendo, em consequência, procedido à modificação da redacção da alínea E) dos factos provados e colocado o trecho retirado nos factos não provados.

Em conclusão final:

A causa de pedir da presente execução – “extinta” a obrigação cambiária, por prescrição – não é a relação abstracta e autónoma dos avales, mas a relação subjacente/causal existente entre a exequente e os embargantes.

Relação subjacente/causal que exequente não alegou, uma vez que as fianças invocadas seriam assunções paralelas e não as relações subjacentes aos avales.

Fianças essas (as invocadas) que deviam constar de documento escrito (em função da regra da acessoriedade da fiança quanto à forma – cfr. art. 628.º do C. Civil), pelo que, sendo negócios solenes (e não existindo tal documento escrito), não poderiam ser invocadas como negócio/relação subjacente.

Fianças essas (as invocadas) que a exequente não provou; ónus que pertencia à exequente, uma vez que não sendo aplicável o art. 458.º/1 do C. Civil, havendo oposição à execução, era a exequente a ter que provar todos os factos constitutivos do direito (causal/subjacente) invocado.
Enfim, tudo razões que impõem que se julgue a presente apelação procedente (por falta de alegação e prova dos factos constitutivos da obrigação exequenda, ou seja, dos factos constitutivos da relação subjacente); mostrando-se prejudicado o conhecimento/apreciação de quaisquer outras questões suscitadas na apelação[29].


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IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida que se substitui por decisão a julgar procedente a oposição por embargos e a determinar a extinção da execução em relação aos embargantes.

Custas, em ambas as instâncias, pela exequente.


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Coimbra, 10/09/2019

Barateiro Martins ( Relator )

Arlindo Oliveira

Emídio Santos



[1] Art. 29.º da oposição.
[2] Art. 30.º da oposição.
[3] Art. 32.º da oposição.
[4] Embora se deva observar que a exequente não pode basear a execução no título de crédito e depois “convolar” a execução, uma vez que a invocação da relação subjacente, em substituição da relação cambiária, configura a invocação de uma causa de pedir diferente da inicial.
[5] Rui Pinto, In Manual da Execução, pág. 205.
[6] Principalmente, quando estavam em causa cheques.
[7] Neste sentido, na doutrina,, J. P. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum, p. 70 a 74, e Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 7ª ed., p. 34 a 36; na jurisprudência: Ac. do STJ, de 29 de Janeiro de 2002, CJ STJ, Ano X, Tomo I. p. 64; Ac. do STJ, de 16 de Março de 2004, www.dgsi.pt.

[8] Resposta corroborada, em certa medida, pelo DL 38/2003, que veio consagrar, legalmente, no art. 810, nº 3, al. b), do CPC, tal resposta “dominante”, ao impor que, no requerimento executivo, se exponham, ainda que sucintamente, “os factos que fundamentam o pedido, quando estes não constem do título executivo”.

[9] Sinal porventura da resposta que foi construída não conduzir, em termos práticos, a uma solução simples e facilmente assimilável.
[10] Em que, via de regra, apenas se aludia à “invocação” da relação jurídica subjacente.

[11] E mesmo o 458.º C. Civil – é hoje entendimento maioritário no STJ (Acórdão de 07/07/2010, proferido no P. 373/08.7TBOAZ-A.P1.S1; de 15/09/2011 (relator Granja da Fonseca); e de 07/05/2014 (Relator Lopes do Rego) – apenas estabelece um regime de “abstracção processual”, ou seja, apenas dispensa a prova da relação fundamental, mas não dispensa (quem o invoca) de alegar os factos constitutivos da relação fundamental e que, no caso, constituiria a verdadeira causa de pedir da execução.

Entende-se que, quem se dirige ao tribunal (a exigir o cumprimento dum direito de crédito) tem que expor a fonte/causa de tal crédito e os negócios unilaterais – que é o que a referida declaração é – não valem como fonte autónoma de obrigações, ou melhor, a declaração/negócio unilateral só é reconhecida como fonte autónoma de obrigações nos casos especialmente previstos na lei, como é o caso do testamento, dos títulos de crédito, da procuração e da promessa pública do art. 459.º do C. Civil.

Em síntese, o art. 458º do C. Civil apenas dispensa o credor do ónus de provar a relação fundamental subjacente ao negócio unilateral aí previsto, mas já não do ónus de alegar tal relação..
[12] Cfr. v. g. os Ac. desta Relação de 16/11/2010 e de 21/12/2010, in CJ, ano 2010, Tomo V, pág. 17 e 47.
[13] Em que, insiste-se mais uma vez, foi afastada a aplicação da presunção do art. 458.º do C. Civil.

[14] Bastaria para tal, repete-se, que houvesse oposição, uma vez que, como é bom de ver, os exequentes só irão conseguir provar, em termos de relação subjacente/causal/fundamental aquilo que, previamente, hajam alegado; e, caso se tenham ficado por uma invocação/alegação vaga e genérica da relação/obrigação subjacente, poderão já não estar a tempo para a corrigir e completar [a oposição à execução segue, “sem mais articulados, os termos do processo sumário” (cfr. 817.º/2 do CPC = 732.º/2 do NCPC); o que significa, não admitindo réplica a oposição à execução, que a causa de pedir (na falta de acordo) não pode ser ampliada ou alterada (cfr. 273.º do CPC = 265.º do NCPC)].
[15] Das livranças consta tão só “titulação da garantia autónoma”.
[16] Cfr. Ac. desta Relação de 12/06/2018 e de 28/11/2018, in ITIJ.

[17] Nas subscrições de favor (que podem ser o saque e o aceite), o favorecente subscreve o título para que a sua responsabilidade cambiária se adicione à (eventual) responsabilidade cambiária do favorecido, reforçando o crédito cambiário em proveito directo do titular activo. Mas aqui, ao contrário do que sucede no aval, a causa ou função económico-social de garantia está estruturalmente separada do negócio cambiário e localizada na convenção executiva, conhecida por convenção de favor.

[18] O aval apresenta ainda a especificidade de não ser omisso quanto à causa, uma vez que a assunção da obrigação cambiária pelo avalista destina-se explicitamente a garantir o pagamento da quantia inscrita na letra ou livrança (art. 30.º da LU); não se mostrando, portanto, necessário que a convenção executiva estabeleça a concreta função económico-social do aval.
[19] Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, pág. 159.
[20] Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, pág. 157.
[21] Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, pág. 159
[22] Da obrigação fundamental assumida pela L (…), Lda. no âmbito da estrutura negocial das relações contratuais das garantias autónomas.

[23] Devendo, todavia, dizer-se que a exequente estava colocada perante uma espécie de “impossibilidade objectiva”, uma vez que, não havendo no aval relação subjacente, o aval extinto por prescrição não dá verdadeiramente lugar à utilização do título de crédito (que o contenha) como quirógrafo, nos termos e para os efeitos do art. 703.º/1/c) do CPC, uma vez que este exige a alegação de algo – relação subjacente – que no aval não existe.
[24] Pestana de Vasconcelos, in Direito das Garantias, pág. 127.
[25] Cfr. Menezes Leitão, in Garantias das Obrigações, pág. 145.
[26] Também impugnam a alínea H), mas não há nada em tal alínea de que eles discordem e que lhes seja desfavorável.
[27] A alusão feita nas cláusulas 1.ª refere-se a outro contrato (ao contrato com os Bancos).

[28] Neste contexto, a evidente equivocidade está no seguinte: quando se fala (nas perguntas/respostas) de “responsabilização pessoal”, está a falar-se exactamente de quê? de avales? de fianças? de ambos?
[29] Designadamente, das nulidades de sentença, que “tabelarmente” são suscitadas.