Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1556/12.0TBTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: PLANO DE INSOLVÊNCIA
VOTAÇÃO
CRÉDITOS DA FAZENDA NACIONAL
CRÉDITO DA SEGURANÇA SOCIAL
Data do Acordão: 09/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TOMAR – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 17º-F, 211º, 214º E 216º DO CIRE; 30º, Nº 2 DA LGT.
Sumário: I – O prazo de votação fixado na lei – art.º 211º, n.º 1, ex vi do art.º 17º-F, ambos do CIRE – é um prazo peremptório, só relevando os votos apresentados dentro do mesmo, pois todos os votos são abertos em conjunto pelo administrador judicial provisório e pelo devedor, sendo de seguida elaborado um documento com o resultado da votação.

II - Apurados os votos emitidos está perfeita a deliberação de aprovação do plano, não podendo qualquer credor vir a alterar, sem mais, o seu voto ou a fazê-lo quando não o havia feito, restando-lhe os meios legais de impugnação da deliberação tomada.

III - Uma vez aprovado pelos credores, o plano de insolvência é sujeito a um controlo jurisdicional, necessitando de ser homologado por sentença judicial para que seja plenamente eficaz – art.º 214º a 216º do CIRE. A sentença de homologação apresenta-se, porém, limitada ao controlo da legalidade e não do mérito do conteúdo do plano aprovado pelos credores, o qual é livremente fixado por estes.

IV - A regra constante do artigo 30º, nº 2, da LGT, segundo a qual o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção, com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária, passou inequivocamente a valer no âmbito da insolvência.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

No processo especial de revitalização da Requerente o respectivo plano de revitalização foi, conforme consta da acta de abertura e contagem de 3.5.2013, aprovado por uma percentagem de 87,30%,[1] não tendo, no que a este recurso interessa, exercido o seu sentido de voto os credores Fazenda Nacional e Segurança Social.
Consta daquele Plano, quanto às dívidas à Fazenda Nacional e Segurança Social, representando 1,78% e 4,22%, respectivamente, da totalidade dos créditos reconhecidos, a seguinte forma de liquidação:
I – Fazenda Nacional
- pagamento do capital em 36 prestações nos termos do art.º 36º do CPT.
- vencimento da 1ª prestação no mês seguinte ao terminus do prazo previsto no n.º 5 do art.º 17º-D, do CIRE.
- pagamento de juros e coimas.
- considerando a impossibilidade de apresentação de garantia bancária e/ou hipoteca voluntária por inexistência de condições para a sua apresentação (face à situação da empresa todos os bancos recusam a emissão de garantias bancárias à A… e relativamente à hipoteca voluntária também não é possível dado que as instalações estão em regime de locação financeira), apenas pode ser apresentada como garantia o penhor mercantil de equipamentos.
II – Segurança Social
 - consolidação da dívida de capital à data do despacho de nomeação do administrador judicial provisório.
- perdão de 80% dos juros vencidos.
- garantia – penhor mercantil.
- taxa anual de juros de 4%.
- amortização da totalidade do capital em dívida, acrescido dos juros que resultarem dos valores fixados nos números anteriores, em 150 meses, vencendo-se a primeira prestação no mês seguinte ao da data da notificação do plano prestacional.
- fixação de prestações progressivas de acordo com o seguinte quadro:
Da 1ª à 6ª – 25% VP
Da 7ª à 12ª – 50% VP
Da 13ª à 24ª – 75% VP
A partir da 25ª – 100% VPR
Em que VP = valor da dívida/ n.º de meses autorizado
VPR = (valor em dívida – valor pago em progressividade) / n.º de meses remanescentes (sem progressividade).
Já depois do prazo fixado para a votação a Fazenda Nacional apresentou voto contra a aprovação do Plano.
A devedora opôs-se à consideração desse voto por extemporaneidade.
Veio a ser proferida decisão que, após considerações várias, julgou que, tendo a observância das normas que impedem a disponibilidade dos créditos de ser judicialmente fiscalizada, quer o credor público se tenha manifestado ou não, é irrelevante a alegada intempestividade do seu voto.
Posteriormente veio, quanto ao plano de recuperação, a ser proferida a seguinte decisão:
Termos estes em que, sem mais considerações, ao abrigo do disposto no artigo 17.º-F, n.º 5 e 6 do CIRE, se homologa, por sentença, o plano de recuperação conducente à revitalização da devedora A…, Lda., com exceção daquilo que se reporta aos créditos da Fazenda Nacional e da Segurança Social sobre tal entidade, relativamente aos quais o sobredito Plano é juridicamente ineficaz.
Inconformada com a decisão a Requerente interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
...
O Instituto da Segurança Social, I. P. – Centro Distrital de Santarém, apresentou resposta, pugnando pela improcedência do recurso.
1. Do objecto do recurso
Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas alegações da Recorrente, cumpre apreciar as seguintes questões:
a) O voto contrário à aprovação do plano de revitalização apresentado pelo Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, foi extemporâneo e, por isso, não deve ser considerado?
b) Não tendo a Fazenda Nacional e o Instituto da Segurança Social votado contra a aprovação do plano, não podia a sentença declarar a sua ineficácia quanto aos créditos destas entidades?
c) Mesmo a considerar-se que o plano aprovado comporta uma violação de normas imperativas, essa violação deve considerar-se negligenciável, não impedindo a homologação do mesmo?
2. Dos factos
Com interesse para a decisão deste recurso importa considerar a verificação dos factos acima descritos no relatório.
3. O direito aplicável
3.1. Do voto da Fazenda Nacional
A Requerente neste recurso começa por pretender que o voto da Fazenda Nacional deve ser considerado, por extemporâneo, como não emitido.
Conforme decorre dos autos o prazo para os credores votarem o plano de recuperação terminou em Maio de 2013, verificando-se, conforme consta do mapa anexo à acta de abertura e contagem de votos – pág. 203 e segs. – que a Fazenda Nacional e a Segurança Social não participaram nessa votação.
Em 17 de Julho de 2013 o Administrador Judicial Provisório dirigiu ao processo um requerimento no qual consta que a Fazenda Nacional, após o decurso do prazo de votação fez, chegar o seu voto, sendo o mesmo contra a aprovação do plano de recuperação.
Resulta dos autos que a Requerente se manifestou contra a admissão desse voto por ser extemporâneo, não tendo esta questão sido apreciada, por se ter entendido que atenta a natureza dos créditos em causa não apresentava relevância.
O prazo de votação fixado na lei – art.º 211º, n.º 1, ex vi do art.º 17º-F, ambos do CIRE – é um prazo peremptório, só relevando os votos apresentados dentro do mesmo, pois todos os votos são abertos em conjunto pelo administrador judicial provisório e pelo devedor, sendo de seguida elaborado um documento com o resultado da votação.
Resultando da votação efectuada a aprovação do plano de recuperação, o mesmo deve ser remetido pelo devedor ao tribunal, dispondo o juiz de 10 dias para prolação de decisão de homologação ou rejeição do mesmo.
A aprovação do plano de recuperação em processo de revitalização constitui um acto processual a praticar pelos credores, revestindo o modelo de acto colegial, através do qual se exprime uma declaração de vontade normativa, pautada pela maioria dos votos conformes exigida por lei.
Cada um dos credores ao votar exprime a sua vontade sobre o sentido que a deliberação deve ter em função da proposta submetida a sufrágio, segundo os seus interesses. Se no mesmo sentido tiverem sido expressos os votos necessários a formar-se a maioria de votos exigida por lei, é aprovada uma deliberação com esse sentido.
No processo formativo da deliberação distingue-se a fase de votação pro­priamente dita, em que os membros do colégio deliberativo exprimem o seu voto por escrito – art.º 17º-F, n.º 4, do CIRE –, da fase do escrutínio em que o administrador judicial provisório e o devedor apuram o resultado dos votos já emitidos.
Apurados os votos emitidos está perfeita a deliberação de aprovação do plano, não podendo qualquer credor vir a alterar, sem mais, o seu voto ou a fazê-lo quando não o havia feito, restando-lhe os meios legais de impugnação da deliberação tomada.
Assim, não tendo a Fazenda Nacional apresentado o seu voto dentro do prazo, o mesmo não podia ser considerado.
Contudo, conforme iremos verificar mais adiante e conforme a decisão recorrida também entendeu, a consideração desse voto é irrelevante, entendendo que o mesmo não era necessário para o apuramento da maioria necessária à aprovação do plano de revitalização.
3.2. Da indisponibilidade dos créditos tributários em processo de insolvência
Uma vez aprovado pelos credores, o plano de insolvência é sujeito a um controlo jurisdicional, necessitando de ser homologado por sentença judicial para que seja plenamente eficaz – art.º 214º a 216º do CIRE. A sentença de homologação apresenta-se, porém, limitada ao controlo da legalidade e não do mérito do conteúdo do plano aprovado pelos credores, o qual é livremente fixado por estes.
A homologação do plano de insolvência pode ser recusada pelo juiz, oficiosamente, “no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os atos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação” – art.º 215º do CIRE –, ou a solicitação dos interessados (devedor não proponente do plano, credor, sócio, associado ou membro do devedor), nas hipóteses previstas no art.º 216º, n.º 1, do CIRE, ou seja, quando o requerente demonstre em termos plausíveis que a sua situação ficará pior com o plano do que sem ele, ou que o plano proporciona a algum credor um valor patrimonial superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor de eventuais contribuições a que fique obrigado, sem prejuízo de, mesmo nestas circunstâncias, o juiz não poder recusar a homologação quando o plano cumpra as condições previstas no n.º 3, do art.º 216º, do CIRE
Conforme resulta do teor do art.º 217º do CIRE a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores constitui um requisito indispensável à sua eficácia, sendo ainda condição necessária e suficiente para que o mesmo produza certos efeitos. Ou seja, é a homologação do plano de insolvência que lhe confere um carácter vinculativo, produzindo-se as alterações dos créditos introduzidas no plano.
Assim, mesmo que o plano de insolvência possa ser perfeito em si mesmo após a sua aprovação por deliberação da assembleia de credores, apenas a sentença homologatória lhe confere a eficácia necessária para a produção de efeitos.
No caso em análise o plano de recuperação foi homologado com exceção daquilo que se reporta aos créditos da Fazenda Nacional e da Segurança Social sobre tal entidade, relativamente aos quais o sobredito Plano é juridicamente ineficaz.
Essa ineficácia resultou, segundo a decisão recorrida, de que a partir das alterações introduzidas pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, os créditos tributários são relativamente indisponíveis, mesmo em processo de insolvência, apenas podendo ser reduzidos ou extintos em conformidade com a legislação tributária vigente, o que não sucedia com os termos do plano aprovado.
Na verdade, até à entrada em vigor da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a jurisprudência vinha mantendo um entendimento largamente maioritário – com fundamento na ideia de que o art.º 197º, n.º 1, do CIRE, acima referido, tinha natureza supletiva e de que os art. 30º, n.º 2, e 36º, n.º 2 e 3, da LGT, tinham natureza imperativa apenas no domínio das relações entre a administração tributária enquanto tal e os contribuintes, mas não no âmbito do processo especial de insolvência –, no sentido de que, constituindo as disposições do CIRE legislação especial em relação às da LGT, era admissível que um plano insolvência que afectasse créditos tributários (por implicar a redução, extinção ou moratória desses créditos) fosse regularmente aprovado sem a concordância da Fazenda Nacional ou do Instituto da Segurança Social, viesse a ser homologado.
Entretanto, o art.º 123º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, aditou um n.º 3 ao artigo 30º da LGT, estabelecendo que o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, previsto no n.º 2 deste artigo, “prevalece sobre qualquer legislação especial”.
Esta alteração legislativa levou a que a jurisprudência tivesse também alterado a sua posição, passando a entender, maioritariamente, a exemplo do que acontece no caso dos autos, que a regra constante do artigo 30º, n.º 2, da LGT, segundo a qual o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção, com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária, passou inequivocamente a valer no âmbito da insolvência.
Assim, em princípio, a homologação do plano não poderá abranger a previsão de extinção ou redução de créditos tributários que contrarie os termos em que tais operações podem ocorrer segundo a legislação que regula tais créditos.
3.3. Do crédito da Fazenda Nacional
A decisão recorrida declarou a ineficácia do plano aprovado, relativamente aos créditos da Fazenda Nacional, por considerar que a constituição do penhor como garantia só era possível com a concordância do credor, o que não se verificava.
A Recorrente defende, em primeiro lugar, que a Fazenda Nacional, não se tendo pronunciado expressamente sobre a mesma, aceitou tacitamente a proposta de constituição do penhor, acrescendo que também não requereu, bem como nenhum dos demais credores, a não aprovação do plano nos termos consentidos pelo art.º 216º do CIRE.
O art.º 199º, n.º 1 e 2, do CPPT, na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, dispõe o seguinte, relativamente ao pedido de pagamento em prestações de crédito tributário:
“1 - Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.
2 - A garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações.”
A legislação tributária exige como condição para o deferimento do pedido de pagamento em prestações de crédito tributário o oferecimento de garantia idónea, estando a constituição de penhor sujeita à concordância da administração tributária.
A declaração é tácita quando se deduz dos factos que, com toda a proba­bilidade, a revelam – art.º 217º, n.º1, do C. Civil.
Para haver declaração tácita basta que o declarante tenha praticado factos dos quais se possa deduzir, com segurança, a vontade provável de ele emitir certa declaração. Os factos de que a vontade se deduz, na declaração tácita, chamam-se factos concludentes ou significativos.
Sendo a declaração a expressão objectiva da vontade do autor do acto, os factos concludentes devem revelar, com probabilidade plena, a vontade do decla­rante. Na declaração tácita, a partir daqueles factos, deduz-se uma vontade e dá-se como verificada uma declaração imputável a certa pessoa, existindo entre aqueles factos e a declaração um nexo de presunção, juridicamente lógico-dedutivo.
A declaração não é formada pelos factos concludentes, deduz-se deles, cabendo ao julgador apurar se, de certo comportamento, se pode deduzir, de modo indirecto, mas com toda a probabilidade, certa vontade negocial.
O facto da Fazenda Nacional não ter votado nem ter requerido a fiscalização do plano de recuperação, nos termos do art.º 216º do CIRE, não é concludente, isto é, não tem um significado inequívoco, não se podendo configurar a mesma como uma declaração negocial tácita, nos termos do art.º 217º, n.º 1, do C. Civil, não permitindo, assim, deduzir inequivocamente que aquela quis aceitar a garantia proposta no plano, razão pela qual não se pode considerar a mesma como aceite.
Os credores, face ao plano de recuperação, podem tomar uma de três posições: votar favoravelmente, votar desfavoravelmente ou não votar.
Deste último comportamento é contraditório extrair a probabilidade do mesmo reflectir o primeiro, uma vez que o mesmo constitui precisamente uma não pronúncia sobre uma questão, a qual pode ter como justificação “mil razões”, mas que impede que dessa abstenção se possa retirar qualquer posição de concordância ou discordância quanto à questão colocada. Desse comportamento apenas se pode concluir que o seu autor não quis ou não conseguiu pronunciar-se.
Quanto ao facto da Fazenda Nacional não ter requerido a não aprovação do plano nos termos previstos pelo art.º 216º do CIRE, também não é possível extrair uma concordância com a garantia prevista naquele plano, uma vez que essa faculdade tem como pressuposto as situações aí tipificadas, relativamente às quais a prestação de garantia pode ser perfeitamente indiferente, pelo que a sua não utilização em nada revela a posição da Fazenda Nacional quanto à aceitação da referida garantia.
Contudo, apesar de não se ter apurado a concordância da Fazenda Nacional com a constituição do penhor constante do plano aprovado pela Assembleia de Credores, isso não impede a sua homologação pelo juiz no que respeita a esse crédito.
Na verdade, estando na disponibilidade da administração tributária a aceitação do penhor oferecido, não nos encontramos na área de indisponibilidade que impede que um plano de insolvência evite as leis que regulam a redução e a extinção dos créditos tributários, pelo que poderá ser homologado um plano de insolvência que preveja a constituição de um penhor, sem a concordância da administração tributária, dado que estamos perante a aplicação de legislação especial, relativamente à regra geral constante do art.º 199º, n.º 2, do CPPT.
Não tem aqui aplicação o disposto no n.º 3 do artigo 30.º da LGT, que estabelece que o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, previsto no n.º 2 deste artigo “prevalece sobre qualquer legislação especial”, após a alteração efectuada pelo art.º 123.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, mantendo-se, neste pormenor, a tese que vinha sendo adoptada pela jurisprudência anteriormente à aprovação deste diploma, segundo a qual, constituindo as disposições do CIRE legislação especial em relação às da LGT, era admissível que um plano insolvência que afectasse créditos tributários que fosse regularmente aprovado sem a concordância da Fazenda Nacional, viesse a ser homologado.
No processo de insolvência a posição da administração fiscal dilui-se na soma dos votos, valendo a vontade da maioria.
Daí que se tenha considerado irrelevante para a decisão da causa a admissibilidade do voto extemporaneamente apresentado pelo Ministério Público no sentido da não aprovação do plano de insolvência.
Face a esta conclusão fica prejudicada a apreciação da questão suscitada pela Recorrente, segundo a qual estaríamos perante uma violação negligenciável de regras imperativas, devendo o recurso ser julgado procedente nesta parte, estendendo-se a homologação do plano à parte em que incide sobre o crédito da Fazenda Nacional.
 3.4. Do crédito da Segurança Social
No que respeita ao crédito da Segurança Social o plano prevê o seguinte:
- consolidação da dívida de capital à data do despacho de nomeação do administrador judicial provisório.
- perdão de 80% dos juros vencidos.
- garantia – penhor mercantil.
- taxa anual de juros de 4%.
- amortização da totalidade do capital em dívida, acrescido dos juros que resultarem dos valores fixados nos números anteriores, em 150 meses, vencendo-se a primeira prestação no mês seguinte ao da data da notificação do plano prestacional.
- fixação de prestações progressivas de acordo com o seguinte quadro:
Da 1ª à 6ª – 25% VP
Da 7ª à 12ª – 50% VP
Da 13ª à 24ª – 75% VP
A partir da 25ª – 100% VPR
Em que VP = valor da dívida/ n.º de meses autorizado
VPR = (valor em dívida – valor pago em progressividade) / n.º de meses remanescentes (sem progressividade).
O art.º 190º do CRCSPSS, na redacção conferida pela Lei n.º 20/2012, de 14 de Maio, que rege as situações excepcionais para a regularização das dívidas à Segurança Social dispõe o seguinte:
1 – A autorização do pagamento prestacional de dívida à segurança social, a isenção ou redução dos respetivos juros vencidos e vincendos, só é permitida nos termos do presente artigo, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte e das regras aplicáveis ao processo de execução fiscal.
2 – As condições excepcionais previstas no número anterior só podem ser autorizadas quando, cumulativamente, sejam requeridas pelo contribuinte, sejam indispensáveis para a viabilidade económica deste e desde que o contribuinte se encontre numa das seguintes situações:
a) Processo de insolvência, de recuperação ou de revitalização…”.
Mas essa autorização, mesmo no âmbito do processo de insolvência, especialmente previsto na transcrita a), conforme dispõe o n.º 6, do mesmo artigo, é concedida por deliberação do conselho directivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I. P. (IGFSS, I. P.).
Daí que, apesar de se encontrar na disponibilidade da Segurança Social a autorização para o pagamento em prestações, nas condições referidas nos art.º 80º e 81º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de Janeiro, assim como a isenção e redução dos juros vencidos e vincendos e, portanto, não ser também aqui aplicável o disposto no n.º 3 do art.º 30º da LGT, o próprio regime especial do processo de insolvência, quanto aos créditos da segurança social, já não permite a substituição da autorização dada pelo respectivo credor pela vontade da maioria expressa na Assembleia de Credores, exigindo o disposto no artigo 190º, n.º 1, n.º 2, a) e n.º 6, do CRCSPSS, que, mesmo existindo processo de insolvência, tais medidas, sejam autorizadas pelo conselho directivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I. P. (IGFSS, I. P.), não sendo suficiente a sua aprovação em Assembleia Geral de Credores.
Assim, quanto à modificação do crédito da Segurança Social, não tendo este credor se manifestado quanto à aprovação ou rejeição do plano e não estando provado que tenha sido concedida especial autorização para essa modificação, nos termos previstos no art.º 190º, n.º 1, n.º 2, a) e n.º 6, do CRCSPSS, revela-se correcta a decisão recorrida de considerar juridicamente ineficaz o plano de insolvência quando a este crédito, nos termos do art.º 215º do CIRE, dado que não se mostram autorizadas pela entidade competente as modificações nele operadas, não podendo essa falta de autorização ser considerada uma inobservância não negligenciável, atenta a dimensão das alterações produzidas (consolidação da dívida à data da nomeação do administrador, perdão de 80% dos juros vencidos, fixação da taxa dos juros em 4% ao ano, e amortização da totalidade do capital em dívida, acrescido dos juros que resultarem dos valores fixados nos números anteriores, em 150 meses).
Por estas razões improcede o recurso interposto nessa parte.
Decisão
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida apenas na parte em que julgou juridicamente ineficaz o plano homologado na parte respeitante ao crédito da Fazenda Nacional.
Custas do recurso na proporção de ½ pela Recorrente.


Relatora: Sílvia Pires
Adjuntos: Henrique Antunes
               Artur Dias


[1] Conforme correcção efectuada posteriormente como decorre de fls. 376.