Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5/23.3YRCBR
Nº Convencional: JTRC
Relator: PIRES ROBALO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
PRIVAÇÃO DO USO DE VEÍCULO
INDEMNIZAÇÃO DEVIDA PELA PRIVAÇÃO DO USO DE VEÍCULO
MOMENTO A PARTIR DO QUAL SÃO DEVIDOS OS JUROS DE MORA
Data do Acordão: 02/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CENTRO DE ARBITRAGEM CIMPAS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 483.º, 506.º, 562.º, 563.º, 566.º E 805.º, 1 E 3, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I. Inexiste inércia ilegítima do lesado, se este propõe a acção indemnizatória dilatadamente após o sinistro, no caso de inexistir acordo quanto à culpa.

II. O limite temporal a atender para a fixação da indemnização pela privação do uso de veículo, é a data da reparação, do recebimento da indemnização ou aquela em que o devedor coloca à disposição do credor o montante indemnizatório.

III. Se na sentença nada se refere acerca da actualização a que se alude no artigo 566.º, 2, do Código Civil, os juros de mora são devidos desde a citação.

Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra.

                        Proc.º n.º 5/23.3YRCBR.C1

                                    1.- Relatório

            1.1. – O reclamante AA, interpôs contra a reclamada Z... Plc, a presente ação pedindo a condenação desta no pagamento de € 15.334,77, a título de indemnização por danos patrimoniais (reparação + indemnização pelo privação de uso), bem como na indemnização pela privação do uso que ainda importa contabilizar até à reparação do veículo sinistrado, ambas acrescidas dos juros respetivos juros de mora.

Para tanto, alegou, em síntese, que no dia 1/11/2020, pelas 0h e 30m, no entroncamento entre o Itinerário Complementar n.º 2 (IC2), ao Km 151, junto ao entroncamento com a Rua ..., ocorreu um sinistro entre os ligeiros de passageiros com a matrícula ..-..-RV, propriedade do reclamante e conduzido por BB com o veículo de matrícula ..-MT-.., cuja responsabilidade civil se encontrava transferida para a reclamada através da apólice n.º ...35, conduzido por CC, e que o ..-..-RV já se encontrava em manobra de mudança de direção “com a frente posicionada sensivelmente no inicio da Rua ...” sendo que o condutor do ..-MT-.. iniciou manobra de ultrapassagem pela direita. Mais afirma que o condutor do ..-MT-.. “iniciou uma manobra pela sua direita, no momento em que o condutor do ..-..-RV iniciava a mudança de direcção também à direita, devidamente sinalizada”.

                                                           ***

1.2. - A reclamada, ora Recorrida, apresentou contestação, na qual manteve a posição de aplicabilidade do artigo 506.º, n.º 2 do CC, e assim, de divisão de responsabilidade na mesma proporção entre os intervenientes, em suma, pelo facto de ambos os condutores apresentarem versões divergentes quanto à manobra iniciada em primeiro lugar e quanto á realização da devida sinalização prévia das manobras pretendidas, bem como reiterou os valores propostos extrajudicialmente pois são os que correspondem á realidade dos danos sofridos pelo Recorrente, quer pela sua extensão, quer pela sua natureza situação, impugnando por excessivos os reclamados pelo ora Recorrente.

                                                           ***

1.3.- Realizou-se audiência de discussão e julgamento, tendo, a final, sido proferida sentença onde se decidiu julgar a ação parcialmente procedente e em consequência condenar a reclamada a pagar ao reclamante a quantia de €3.487,95, correspondente aos danos indemnizáveis sofridos pelo reclamante, incluindo o valor do IVA da reparação do ..-..-RV, mas quanto a este imposto apenas desde que comprovado o respetivo pagamento através da correspondente fatura / recibo.

                                               ***

1.4. - Inconformado com tal sentença recorreu o reclamante AA, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

“1 - O Recorrente, salvo o devido respeito por opinião contrária, não se conforma com a douta sentença proferido pelo Tribunal Arbitral, por entender que a acção deveria ter sido julgada totalmente procedente e a Seguradora condenada a pagar ao Recorrente a quantia reclamada, no montante de 15.334,77 €, a título de danos patrimoniais (reparação + indemnização pela privação do uso), bem como na indemnização pela privação do uso que ainda importe contabilizar até à reparação do veículo sinistrado, ambas acrescidas dos respectivos juros de mora, até efectivo e integral pagamento.

2 - Resulta dos presentes autos que:

“(…) 8. Para o efeito, o ..-..-RV iniciou uma manobra de mudança de direção à direita.

9. O local do embate é uma reta.

10. o embate dá-se entre a frente direita do ..-..-RV e a frente esquerda do ..-MT-...

11. Após o embate, o ..-MT-.. foi projetado para a Rua ..., tendo-se

imobilizado muito mais longinquamente do local do embate do que o ..-..-RV.

12. O ..-MT-.. circulava a uma velocidade superior à do ..-..-RV.(…)”.

3 - Mais consta da fundamentação no que concerne à responsabilidade pelo sinistro que:

“Contudo, a circunstância de o ..-MT-.. circular a uma velocidade superior à do ..-..-RV, faz com que o primeiro haja contribuído em maior medida para o risco de produção do acidente, sendo por isso inegável agravar a sua quota parte de responsabilidade, até porque daí resultou uma maior dificuldade ou até impossibilidade de imobilizar a viatura face aos obstáculos que pudessem surgir à sua frente”.

Assim sendo, fixa-se em 2/3 a quota parte de responsabilidade do ..-MT-.. pela produção do sinistro em apreço e em 1/3 a comparticipação do ..-..-RV, de acordo com o nº 1 do artº 506º do Código Civil.”

4 - Face à factualidade provada, não se aceita que exista uma divisão de responsabilidade na produção do sinistro.

5 – Na medida em que os factos apurados permitem, com a necessária segurança, dirigir ao condutor do ..-MT-.. um juízo de censura, pois pode-se afirmar que ele omitiu os deveres de cuidado impostos pelas normas de circulação rodoviária.

6 – A velocidade excessiva do ..-MT-.., além de não lhe permitir imobilizar a viatura de imediato, o que lhe teria possibilitado evitar o embate, só lhe viabilizou imobilizar a mesma numa rua paralela à da sua condução, a Rua ..., num sítio muito mais longínquo do local do embate.

7 – Ora, se ..-..-RV iniciou uma manobra de mudança de direcção à direita, circulava a uma velocidade muito reduzida e se não fosse a velocidade excessiva do outro condutor, também o próprio teria evitado o embate.

9 - Assim sendo, quem deu causa ao acidente foi o condutor do ..-MT-.., mais devendo a seguradora ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia peticionada.

10 - Por sua vez, no que diz respeito à indemnização a título de privação do uso do ..-..-RV, o Tribunal considerou que:

“A reclamada atribuiu 50 % de responsabilidade pela produção do sinistro a cada um dos condutores, disso dando conhecimento ao reclamante por carta datada de 21/12/2020, pelo que, partir dessa data, o reclamante ficou ciente da posição adotada pela reclamada.

Assim sendo, se a partir dessa data não procedeu à reparação do veículo, não tendo demonstrado sequer a impossibilidade económica de o fazer, constituiria um manifesto abuso do direito que pudesse reclamar qualquer indemnização a título de privação de uso a partir dessa data.

O dano de privação de uso é, de acordo com a jurisprudência consolidada do CIMPAS, um dano autonomamente indemnizável, desde que o reclamante faça prova da paralisação do veículo, bem como dos prejuízos daí advenientes para a sua esfera jurídica.

No que respeita à sua quantificação, deverá atender-se aos concretos prejuízos que da paralisação do ..-..-RV resultaram para a sua esfera jurídica, os quais, de acordo com a jurisprudência deste tribunal em casos idênticos, se fixam num valor diário de € 10, num total de 51 dias (desde a data do sinistro até 21/12/2020), num total de € 510.”

11 - O Recorrente peticionou a título de indemnização diária pela privação do uso a quantia de 20,00 € e Tribunal entendeu que a mesma se devia cifra em 10,00 €, sem qualquer justificação plausível.

12 – Contudo, por consulta às decisões proferidas pelos mais diversos Tribunais, os valores diários atribuídos têm oscilado e evoluído essencialmente dentro de uma margem que se situa entre os 10,00 € e os 20,00 €.

13 – A quantia de 20,00 € será a mais correcta, pois é proporcional e não ultrapassa os limites da justiça equitativa.

14 - Para calcularmos o montante arbitrado a título de privação do uso do ..-..-RV, é preciso ter em consideração a data em que a Seguradora colocou à disposição do Recorrente a respectiva indemnização.

15 - Só nesse momento é que o Recorrente passa a ter ao seu dispor a quantia para reparação do seu veículo, ou seja, para regularização dos danos provocados pelo acidente dos autos.

16 - A jurisprudência tem convergido no entendimento de que o termo final coincide com a data em que é disponibilizada a indemnização.

17 - No caso sub júdice, não obstante estar provado que, a 21/12/2020, a Seguradora informou o Recorrente que o ..-..-RV se encontrava em situação de perda total e que a respectiva indemnização teria por base o montante de 1.374,50 €, esse facto, por si só, é irrelevante com vista à cessação da obrigação de indemnização por privação do uso, visto que o Recorrente, por e-mail datado de 25/12/2020 (documento junto com a contestação), rejeitou a proposta apresentada.

18 – Não existe qualquer abuso de direito por parte do Recorrente, já que tinha o direito de não aceitar a indemnização proposta, como não aceitou.

19 – Impendia sobre a Seguradora o ónus de reparar o dano, para que o mesmo não se agrave.

20 - Face ao exposto, a douta decisão recorrida violou, entre outras disposições legais, o disposto no artigo 506º do Código Civil.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente ser a Seguradora condenada a pagar ao Recorrente a quantia reclamada, no montante de 15.334,77 €, a título de danos patrimoniais (reparação + indemnização pela privação do uso), bem como na indemnização pela privação do uso que ainda importe contabilizar até à reparação do veículo sinistrado, ambas acrescidas dos respectivos juros de mora, até efectivo e integral pagamento.

Só assim se decidindo se fará acostumada

Justiça!”

                                                           ***

1.5. - Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C. respondeu a reclamada - Z... Plc – Sucursal em Portugal – terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

“1. Como decorre do art.º 639º, n.º 1 do NCPC, resultante da revisão operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, são as conclusões que delimitam o objecto do recurso.

2. Manifesto é, assim, o irrepreensível rigor lógico das conclusões tiradas pelo Tribunal a quo, após apreciação de cada um dos elementos de prova carreados aos autos, tendo sido as declarações de parte, o depoimento testemunhal do condutor do veículo da ora recorrida, auto de ocorrência, e outros, valorados com atenção ao contexto em que foram proferidos e à coerência estabelecida entre eles e os demais elementos de prova apresentados, sendo assim possível acompanhar os vários passos do processo lógico-dedutivo seguido na decisão.

3. Recorde-se neste momento que, conforme alegado pelo recorrente, e assim nos termos do artigo 342.º do C.C. cabia-lhe o ónus de prova de tal alegação, que no dia 1/11/2020, pelas 0h e 30m, no entroncamento entre o Itinerário Complementar n.º 2 (IC2), ao Km 151, junto ao entroncamento com a Rua ..., ocorreu um sinistro entre o ..-..-RV e o ..-MT-.., porque pretendendo mudar de direção à direita, e após realizar o devido pisca para a direita, já após ter iniciado a pretendida manobra, é embatido pelo ..-MT-.. que, circulava à sua retaguarda, e que sem realização de pisca, realiza uma manobra de ultrapassagem pela direita!

4. Ora, atente-se que, face á matéria de facto não provada, e como bem fundamenta o douto Tribunal a quo, o recorrente não provou que iniciou a manobra de mudança de direção em momento anterior à desenvolvida pelo ..-MT-.., e bem assim não provou a sinalização, ou a falta dela, de qualquer das manobras!

5. Mas mais, salvo melhor opinião, perante a matéria de facto considerada como provada não resulta provada sequer a realização de qualquer manobra por parte do ..-MT-..! Resulta provada, sim, nos termos do ponto 12 a circulação a uma velocidade superior à do ..-..-RV, mas não a concretização de qualquer manobra causal do sinistro!

6. Ora, assim não colhe, por inverisímil, que, como alega o recorrente, o veículo seguro “omitiu os deveres de cuidado impostos pelas normas de circulação rodoviária que lhe teria permitido evitar o embate.”

7. No que respeita aos danos de privação de uso, consigne-se que, em consonância com a regra geral em matéria de repartição do ónus da prova prevista no artigo 342.º do CC, cabia ao recorrente provar os danos sofridos em consequência da imobilização do ..-..-RV. Ora, nesta matéria, compulse-se a douta sentença a quo para confirmação que nada ficou provado, que permita aferir – SEQUER - da utilização do MV pelo recorrente!

8. Ora, para além de não ter sido fixado como provado qualquer facto respeitante à utilização do ..-..-RV, também nada foi provado no que respeita à razão de, tendo o recorrente um orçamento de reparação datado de 17.12.2020 não providenciou pela efetiva reparação, quando alega que a ausência de utilização daquele veículo lhe causa prejuízos patrimoniais!

9. Ainda que assim não se entendesse, o que não se concebe nem se concede, sempre careceria de fundamento jurídico-factual a argumentação aduzida pelo Recorrente com o intuito de colocar em crise a douta sentença do Tribunal a quo.

Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, por improcedente in totum, assim se decidindo SERÁ feita JUSTIÇA!”

                                                           ***

1.6. - Foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor:

“Relativamente ao processo mencionado em epígrafe e na sequência do requerimento de fls apresentado por parte da Ilustre Mandatária do Reclamante, interpondo recurso da decisão arbitral proferida nos presentes autos, determino a admissão do mesmo, porquanto o recorrente possui legitimidade e se encontram preenchidos os demais pressupostos legais, bem como o seu encaminhamento para o tribunal competente.

O fundamento da sua admissibilidade reside no art.º 29.º, n.º 2, do Regulamento do CIMPAS.

Mais se clarifica que o recurso é tempestivo, uma vez que, para determinação do prazo de interposição de recurso, deverá atender-se às regras vigentes para o tribunal de recurso, ou seja, ao disposto no Código de Processo Civil, mormente no seu art.º 138.º.

Admitem-se, igualmente, por tempestivas e por se encontrarem preenchidos os demais pressupostos legais, as contra-alegações apresentadas pela Ilustre Mandatário da Reclamada.

Notifiquem-se as Partes”.

                                                           ***

1.7. – Com dispensa de vistos cumpre decidir.

                                                           ***

                                             2.- Fundamentação

Matéria dada como provada.

1. No dia 1/11/2020, pelas 0h e 30m, no entroncamento entre o Itinerário Complementar n.º 2 (IC2), ao Km 151, junto ao entroncamento com a Rua ..., ocorreu um sinistro entre os ligeiros de passageiros com a matrícula ..-..-RV, propriedade do reclamante e conduzido por BB e com a matrícula ..-MT-.., cuja responsabilidade civil se encontrava transferida para a reclamada através da apólice n.º ...35, conduzida por CC.

2. O IC2, junto ao local o embate, possui dois sentidos de trânsito, cada um com uma via de circulação.

3. A velocidade máxima permitida no local é de 60kms/hora.

4. Ambos os veículos circulavam no mesmo sentido (... - ...).

5. O ..-..-RV apresentava-se na dianteira do ..-MT-...

6. O ..-..-RV pretendia aceder à Rua ....

7. Entre o IC2 e a Rua ..., existe uma berma do lado direito do lado direito daquele IC2 (considerando o sentido de ambos os veículos)

8. Para o efeito, o ..-..-RV iniciou uma manobra de mudança de direção à direita.

9. O local do embate é uma reta.

10. O embate dá-se entre a frente direita do ..-..-RV e a frente esquerda do ..-MT-...

11. Após o embate, o ..-MT-.. foi projetado para a Rua ..., tendo-se imobilizado muito mais longinquamente do local do embate do que o ..-..-RV.

12. O ..-MT-.. circulava a uma velocidade superior à do ..-..-RV.

13. Após o embate, as autoridades policiais foram chamadas ao local pela reclamante, tenho elaborado uma participação de acidente, com o respetivo croqui.

14. O ..-..-RV foi peritado, por indicação da reclamada, em oficina por sugerida pelo reclamante.

15. A peritagem apurou um valor condicional de €6.254.

16. A reclamada considerou o ..-..-RV como perda total, avaliando o ..-..-RV em €5.175 e o respetivo salvado em €175.

17. A mesma oficina dispõe-se a reparar o ..-..-RV por €4.774,77.

18. A reclamada atribuiu 50% de responsabilidade pela produção do sinistro a cada um dos condutores, disso dando conhecimento ao reclamante por carta datada de 21/12/2020.

Factos não provados

Não se encontra provado, em face da versão divergente de ambos os condutores e da ausência outros factos concludentes, como melhor se exporá adiante:

i) qual o sentido em que o ..-MT-.. pretendia

ii) se o condutor do ..-..-RV sinalizou ou não a manobra de mudança de direção à direita e, em caso afirmativo, se antes de efetuar a referida manobra, sinalizou uma manobra de mudança de direção à esquerda;

                                                           ***

    3. Motivação

É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).

Constitui ainda communis opinio, de que o conceito de questões de que tribunal deve tomar conhecimento, para além de estar delimitado pelas conclusões das alegações de recurso e/ou contra-alegações às mesmas (em caso de ampliação do objeto do recurso), deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes, bem como matéria nova antes submetida apreciação do tribunal a quo – a não que sejam de conhecimento oficioso - (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. ed., Almedina, pág. 735.

No caso em apreço, a questão a decidir, consiste em saber - se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão que condene a reclamada no pedido formulado pelo reclamante.

            Segundo o reclamante a sentença recorrida errou de direito, desde logo, no que concerne à concreta dinâmica do embate, pois os factos apurados permitem, com a necessária segurança, dirigir ao condutor do ..-MT-.. um juízo de censura, pois pode-se afirmar que ele omitiu os deveres de cuidado impostos pelas normas de circulação rodoviária, que se observa-se lhe teria permitido evitar o embate, pelo que, lhe deve ser imputada a culpa no acidente.

Por outro lado, no tocante à indemnização a título de privação d o uso do veículo deveria a sentença recorrida ter condenado a reclamada no montante peticionado.

Opinião oposta tem a reclamada que pugna pela manutenção do decidido.

Vejamos.

Em primeiro lugar cabe referir que são quatro os pontos onde o recorrente coloca o assento tónico da sua pretensão.

A saber:

i)-Se o sinistro ficou a dever-se à culpa do veículo segurado na reclamada.

            ii)- Se deve haver condenação pela privação de uso do veículo no montante peticionado.

            iii)- Se a indemnização pela privação do uso deve ser calculada até à reparação do veículo e não apenas até à data de 21/12/2020, como entendeu a sentença recorrida.

            iv)- Saber se são devidos juros de mora sobre ambas as quantias, reparação do veículo e indemnização pela privação do não uso do veículo

            Tendo presente que são quatro os pontos analisar, por uma questão de método, iremos apreciar cada um de per si.

            Assim,

i)-Que o sinistro ficou a dever-se à culpa do veículo segurado na reclamada.

Como se sabe o art.º 506.º, do C.C., aplicado na sentença recorrida, só é aplicável quando o acidente (rectius, colisão de veículos não tenha na sua base um ato ilícito e culposo (dos condutores ou de terceiro). Embora este normativo só pressuponha a ausência de culpa dos condutores, é certo que também a sua aplicação pressupõe que não haja culpa de terceiro. Pois se a colisão é determinada exclusivamente por ato delitual de terceiro, então não há que falar no risco emergente da circulação dos veículos. E se há culpa, aplicam-se então as competentes normas atinentes à responsabilidade civil delitual ( a começar pelo art.º 483.º do Código Civil, não havendo fundamento para falar em responsabilidade pelo risco. Neste caso responde pelos danos quem a ele tenha dado causa. O art.º 506.º, n.º 1, do citado código só rege quando não haja culpa na produção do acidente.

Da matéria de facto provada resulta que no dia 1/11/2020, pelas 0h e 30m, no entroncamento entre o Itinerário Complementar n.º 2 (IC2), ao Km 151, junto ao entroncamento com a Rua ..., ocorreu um sinistro entre os ligeiros de passageiros com a matrícula ..-..-RV, propriedade do reclamante e conduzido por BB e o veículo de matrícula ..-MT-.., cuja responsabilidade civil se encontrava transferida para a reclamada através da apólice n.º ...35, conduzida por CC, o  IC2, junto ao local o embate, possui dois sentidos de trânsito, cada um com uma via de circulação, que a velocidade máxima permitida no local é de 60kms/hora. Ambos os veículos circulavam no mesmo sentido (... - ...), o ..-..-RV apresentava-se na dianteira do ..-MT-.., o ..-..-RV pretendia aceder à Rua ..., entre o IC2 e a Rua ..., existe uma berma do lado direito do lado direito daquele IC2 (considerando o sentido de ambos os veículos), o ..-..-RV iniciou uma manobra de mudança de direção à direita, tendo o embate se dado entre a frente direita do ..-..-RV e a frente esquerda do ..-MT-.., que após o embate, o ..-MT-.. foi projetado para a Rua ..., tendo-se imobilizado muito mais longinquamente do local do embate do que o ..-..-RV, o ..-MT-.. circulava a uma velocidade superior à do ..-..-RV.

Tendo por base tais factos, não é possível, ao contrário do que o recorrente refere, atribuir a culpa a qualquer dos veículos, desde logo, por não ser possível dos fatos provados aquilatar quem deu causa ao acidente.

Assim, o que ficou efetivamente comprovado foi que ocorreu um embate entre os dois veículos, não sendo possível imputar o acidente a título de culpa a qualquer deles, pois apenas resulta que ambos foram batidos na parte da frente o IV na parte direita e o ..-MT-.. na parte esquerda, mas daqui não é possível apurar a culpa de qualquer deles, nem é possível recorrer a uma presunção de culpa, assim, como bem se refere na sentença recorrida, estamos em sede de responsabilidade objectiva ou pelo risco (artigo 506.º, número 1 do Código Civil).

Face ao exposto, nesta vertente, não assiste razão ao recorrente, quando afirma que a culpa do acidente ficou a dever-se ao ..-MT-...

Nos termos do artigo 506.º, número 2 do Código Civil, “ em caso de dúvida, considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores”.

Assim, no caso de colisão de veículos, como é o caso em apreço, teremos de apurar se a contribuição do acidente terá sido maior por algum dos intervenientes, pois se tal não for apurado e havendo dúvidas quanto à existência ou inexistência de culpa dos condutores, presume-se igual, por força do n.º 2, citado.

No caso em apreço, entendeu a sentença recorrida atribuir ao ..-MT-.. a quota de responsabilidade pelo sinistro em 2/3 por circular a uma velocidade superior à do ..-..-RV, desde logo, por tal fazer com que o primeiro haja contribuído em maior medida para o risco de produção do acidente, sendo por isso inevitável agravar a sua quota parte de responsabilidade, até porque daí poderia resultar uma maior dificuldade ou até impossibilidade de imobilizar a viatura face aos obstáculos que pudessem surgir à sua frente.

Nesta vertente, não vemos razão para alterar tal entendimento, até porque o recorrente não coloca em causa quota na produção do acidente, antes atribui a culpa do acidente ao ..-MT-.. e essa não se verificou, como já referimos in supra.

Assim, face ao exposto, nesta vertente, não vislumbramos razão para alterar a sentença recorrida.

Visto este ponto passemos ao seguinte.

                                                           *

ii)- Se deve haver condenação pela privação de uso do veículo no montante peticionado.

Se os danos forem resultado da colisão de veículos vigora a disposição do artigo 506.º do Código Civil, devendo distinguir-se se pode ou não censurar-se o comportamento dos condutores, e se estiverem preenchidos os requisitos da responsabilidade por factos ilícitos censuráveis para ambos os condutores, ambos respondem pelos danos causados, na proporção das suas contribuições para os danos.

O mesmo se aplica para o caso de inexistir censurabilidade e a colisão for fruto exclusivo da concretização dos riscos inerentes à utilização dos veículos que colidiram, cada um participando na proporção do risco que criou para a produção da colisão, presumindo-se igual essa proporção na falta de prova em contrário.

Ora, de acordo com o disposto no artigo 562.º do Código Civil, existindo obrigação na reparação de um dano deve-se reconstituir a situação que existiria se não ocorresse a lesão, englobando-se nesta previsão todos os danos que tenham tido origem e nexo de causalidade com a situação em concreto (artigo 563º do Código Civil), e não sendo possível a reconstituição natural ou sendo excessivamente onerosa para o lesado, a indemnização deverá ser fixada em dinheiro, conforme dispõe o artigo 566.º, número 1 do Código Civil, bem como nos termos do artigo 562º do Código Civil.

No caso em apreço coloca-se-nos a questão de saber se deve haver lugar à condenação da reclamada no montante peticionado pelo reclamante quanto à privação de uso do veículo.

Sobre esta matéria escreve-se na sentença recorrida “A reclamada atribuiu 50% de responsabilidade pela produção do sinistro a cada um dos condutores, disso dando conhecimento ao reclamante por carta datada de 21/12/2020, pelo que, partir dessa data, o reclamante ficou ciente da posição adotada pela reclamada.

Assim sendo, se a partir dessa data não procedeu à reparação do veículo, não tendo demonstrado sequer a impossibilidade económica de o fazer, constituiria um manifesto abuso do direito que pudesse reclamar qualquer indemnização a título de privação de uso a partir dessa data.

O dano de privação de uso é, de acordo com a jurisprudência consolidada do CIMPAS, um dano autonomamente indemnizável, desde que o reclamante faça prova da paralisação do veículo, bem como dos prejuízos daí advenientes para a sua esfera jurídica.

No que respeita à sua quantificação, deverá atender-se aos concretos prejuízos que da paralisação do ..-..-RV resultaram para a sua esfera jurídica, os quais, de acordo com a jurisprudência deste tribunal para casos idênticos, se fixam num valor diário de €10, num total de 51 dias (desde a data do sinistro até 21/12/2020), num total de €510.

O total do dano indemnizável é, assim, de €4.774,77 + €510 = €5.284,77.

Considerando a definição de responsabilidades apuradas, o valor indemnizável corresponde a 66,6%, cor- respondente a 2/3 da responsabilidade imputadas ao condutor do ..-MT-.., ou seja €3.487,95”.

Ou seja, entendeu-se na mesma fixar tal indemnização em 10,00€ dia, pretendendo o recorrente que tal valor seja fixado em 20,00€ dia.

Tendo presente aos factos provados, desconhecendo-se, desde logo, a utilização dada ao veículo, de onde se poderia aquilatar os danos daí resultante, teremos de lançar mão das características do veículo em causa, um veículo ligeiro, e dos parâmetros de equidade, atendendo ao apurado nos autos, da matéria provada, temos para nós, não haver razão para alterar o valor fixado na sentença recorrida.

Assim, face ao exposto, também nesta vertente não há razão para alterar a decisão recorrida.

Visto este ponto passemos ao seguinte.

                                                           *

iii)- Se a indemnização pela privação do uso deve ser calculada até à reparação do veículo e não apenas até à data de 21/12/2020, como entendeu a sentença recorrida.

            Segundo o recorrente não existe abuso de direito por parte do Recorrente, em não ter procedido à reparação do veículo, desde logo, por ter o direito de não aceitar a indemnização proposta, como não aceitou. Aliás, impendia sobre a Seguradora o ónus de reparar o dano, para que o mesmo não se agrave.

Assim, a indemnização pela privação do uso deve contabilizar-se até à reparação do veículo sinistrado, acrescidas as respetivas indemnizações de juros de mora, até efectivo e integral pagamento.

Opinião oposta tem a recorrida que pugna pela manutenção do decidido.

Aliás, a recorrida afirma, desde logo, na contestação que o reclamante, não pode sob pena de abuso de direito, reclamar como danos decorrente do acidente prejuízos que competia ao mesmo mitigar.

Vejamos

Refere o recorrente não se verificar o invocado abuso de direito, opinião oposta tem a recorrida, tanto assim, que na contestação, afirma desde logo, que o reclamante não pode reclamar prejuízos que lhe competia mitigar.

Em tese, e quanto aos danos evolutivos que se agravam com o decorrer do tempo, a conduta do credor deve ser considerada no sentido de se poder concluir, ou não, ser-lhe exigível uma atuação no sentido da eliminação ou mitigação dos danos.

Podendo assim considerar-se a existência de culpa do lesado se ele mantiver uma insustentável atitude de inércia ou passividade, não adotando as medidas oportunas para evitar a continuação do prejuízo (vg.,e no que para o caso interessa, mandando reparar a viatura e depois peticionando indemnização pelos respetivos custos).

Na verdade, o titular de um direito deve exercê-lo não desmedida, arbitraria e, quiçá, atribiliáriamente, mas antes moderada e comedidamente, não podendo agravar, injustificadamente, a posição do devedor.

Os magnos princípios da boa fé e do abuso do direito são travões que, em ultima análise ou ratio, e se norma concreta inexistir, podem ser chamados à colação para obstar ou tornar ineficaz uma atuação desmedida e desconsiderante do accipiens por banda do solvens.

A inércia em propor a ação, a qual apenas é instaurada muito tempo após o sinistro para, depois, se pedir vultuosa indemnização pela privação do uso do veículo, pode configurar uma situação de iniquidade e, destarte, ser ilícita ou ilegítima.

Porém, tal, somente assim pode ser taxada em situações de inequívoca prova nesse sentido de factos concretos que tal possa clamar.

Tais factos podem ater-se ao impetramento de um valor a este título que seja exorbitante, desmedido e desproporcional, designadamente por comparação com o valor dos demais danos, vg. a reparação.

Ou quando o desacordo entre o lesado e a ré – p. ex. segurador – apenas se reporta aos danos e a diferença quantitativa que os separa não é relevante ou acentuada, mas minudente.

Ou quando o lesado, no decurso das negociações, assume uma atuação omissiva ou não colaborante, retardando o definitivo conhecimento das posições das partes, e, depois, perante este e não concordando, instaura a ação após o decurso de largo lapso de tempo: largos meses ou até anos.

Mas já não constitui uma inercia ilegítima quando o autor propõe a ação dilatadamente no tempo após o sinistro se inexiste acordo quanto a culpa do sinistro e à responsabilização pelo mesmo.

Ou a diferença de posições quanto aos danos indemnizáveis se reporta a valores significativos.

Ou as negociações se prolongam no tempo sem que o lesado tenha tido atitude laxista, não colaborante ou leonina.

Ou quando o tempo seja necessário para o lesado coligir prova ou organizar a defesa da sua futura posição processual.

Assim, pode dizer-se que, por via de regra:

«… a indemnização pela privação do uso de um veículo acidentado deverá ter como limites temporais, por um lado, a ocorrência do sinistro e, por outro, o pagamento efectivo da indemnização» - Ac. do STJ de 16.04.2013, proc.º n.º 7002/08.7TBVNG.P1.S1, citado no Ac. desta Relação, de , 16/3/2016, proc.º n.º 288/14.0T8LRA.C1, relatado por Carlos Moreira

«O facto objetivo de o lesado pedir indemnização pela privação do uso de veículo sinistrado algum tempo depois do sinistro não é suficiente para se considerar que tal atuação constitui um facto culposo que concorre para o agravamento dos danos traduzidos nos custos decorrentes da privação do uso (art. 570.º do CC)» - o Ac. do STJ de 28.11.2013, p. 161/09.3TBGDM.P2.S1.

E sendo certo que a seguradora que invoca a inercia ilegítima do lesado dela beneficia, tem ela o ónus de provar os factos que tenham virtualidade e força bastante para a consubstanciar.

No caso sub judice e quanto a esta matéria, provou-se que:

a)- O acidente ocorreu no dia 1/11/2020.

b)- A reclamada atribuiu 50% de responsabilidade pela produção do sinistro a cada um dos condutores, disso dando conhecimento ao reclamante por carta datada de 21/12/2020.

            Ora estes factos apurados não podem alicerçar que o reclamante teve uma inação culposa, censurável ou consubstanciadora de abuso de direito, desde logo, por da missiva nada ser referido quanto ao valor da indemnização pela privação de uso, e também na mesma se aludir a uma repartição de responsabilidades de 50%, quando o reclamante entendia que a culpa na produção do acidente ocorreu por culpa exclusiva da veículo segurado pela reclamada.

Assim, a reclamada não provou, como lhe competia, factos com força e dignidade bastantes para poderem alicerçar a referida imputação ao reclamante de abuso de direito.

Designadamente que ele recusou a reparação sem motivos, ou sem motivos atendíveis e relevantes, porque minudentes.

Assim, assiste razão ao reclamante/recorrente quando refere não haver abuso de direito.

 Assim, neste quadro não vemos que o reclamante tenha agido com abuso de direito, até por não se vislumbrar má fé, nem da matéria de facto tal resulta.

Dito isto, cabe perguntar qual o limite temporal a ter presente para fixar a indemnização pela privação de uso.

Atendendo ao supra exposto e ao defendido no Ac. desta Relação, supra citado, até à data do recebimento da indemnização ou do momento em que o devedor (reclamada) coloca o montante indemnizatório à disposição do credor (reclamante).

Assim, nesta vertente a pretensão do recorrente procede como supra referido, pelo que, a reclamante terá de suportar a percentagem fixada da sua responsabilidade, 66,6€, (2/3), sobre o valor de 10,00€ dia, desde a data do acidente, até ao dia em que a reclamada efetue o pagamento ou disponibilize, o valor, da sua responsabilidade, devido pela reparação do veículo (66,6%), do valor fixado na sentença recorrida na totalidade. 

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iv)- Saber se são devidos juros de mora sobre ambas as quantias, reparação do veículo e indemnização pela privação do não uso do veículo.

Quanto a esta matéria, cabe referir, que muito embora, a sentença recorrida, nada tenha dito, este Tribunal tomará posição sobre a mesma, até por solicitada no requerimento inicial (P.I.) pelo reclamante.

Sobre esta matéria diremos algo.

Defende o recorrente que a recorrida deve ser condenada em juros quer sobre o valor da reparação, quer sobre o valor da indemnização fixado pela privação do não uso do veículo.

Apreciemos.

O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir – artº 805º nº1 do CC.

Sendo que, tratando-se por responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor, salvo tratando-se de crédito ilíquido e a falta de liquidez lhe for imputável, constitui-se em mora desde a citação – artº 805º nº3, do mesmo diploma.

Porém, o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002, de 9 de Maio (Diário da República I Série, de 27 de Junho de 2002 e www.dgsi.pt, proc. nº 01A1508), no qual se observa expressamente não haver que distinguir, para o efeito em causa, entre danos patrimoniais e não patrimoniais, fixou o seguinte entendimento, tendencialmente obrigatório:

«Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação».

Tal Acordão:

«…assenta na ideia de uma decisão actualizadora da indemnização em razão da inflação no período compreendido entre ela e o momento do evento danoso, decisão que, tendo em conta a motivação daquele Acórdão, tem que ter alguma expressão no sentido da utilização, no cálculo da indemnização ou da compensação, do critério da diferença de esfera jurídico-patrimonial a que se reporta o nº. 2 do artigo 566º do Código Civil, incluindo a menção à desvalorização do valor da moeda.

Se na sentença apelada nada se expressou sobre a impropriamente designada actualização à luz do nº. 2 do artigo 566º do Código Civil, designadamente à consideração da desvalorização da moeda entre o tempo do evento danoso e o da sua prolacção, queda na espécie inaplicável a interpretação da lei decorrente daquele Acórdão.» - Ac. do STJ de 13.07.2004, p. 04B2616; cfr, ainda, Acs. do STJ de 17.11.2005 e de 03.04.2014, ps. 05B3167 e 436/07.6TBVRL.P1.S1.

In casu, e no atinente à indemnização pelo custo da reparação do veículo, não se vislumbra como se pode entender que ela foi atualizada, desde logo, pelo simples facto, de nada dizer sobre esta matéria.

Já no atinente ao quantum pela privação do uso também não dimana da sentença qualquer atualização por reporte ao fenómeno inflacionista ou da desvalorização da moeda.

Assim, nesta medida assiste razão ao recorrente quando pede a condenação em juros de mora, os quais são vencidos, desde a data da citação até efetivo pagamento.

                                                           ***

                                                      4. Decisão

Face ao exposto decide-se julgar parcialmente procedente o recurso, e nesta medida:

a)- Manter a quota de responsabilidade, fixada na sentença recorrida, a cada um dos veículos.

b) Manter o valor total da reparação do veículo, fixado na sentença recorrida, bem como manter o valor de 10,00€ diários pela indemnização de perda do uso do veículo, fixados na sentença recorrida.

c)- Revogar a sentença recorrida quando fixa a data de 21/12/2020, como data limite, de indemnização de perda de uso do veículo e por consequência decidir que a indemnização, será devida, até que a reclamada pague ou coloque à disposição do reclamante o montante, da sua responsabilidade, 66,6€ dos valores globais da reparação e da indemnização pela perda do uso do veículo, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efetivo pagamento, ou disposição, de tais valores, ao reclamante.

Custas a cargo do recorrente e recorrida na proporção do decaimento.

Coimbra, 7/2/2023

Pires Robalo (relator)

Sílvia Pires (adjunta)

Henrique Antunes (adjunto)