Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
392/10.3PCCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA
Data do Acordão: 01/18/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - VARA MISTA (2ª SECÇÃO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 374º, N.º 2 E 368º, N.º 2, AL. D), DO C. PROC. PENAL
Sumário: A sentença que ignora toda a problemática da «legítima defesa» expressamente invocada, pelo arguido, em audiência, incumpre o dever de enumerar, como provados ou não provados, os factos resultantes da discussão da causa, relevantes para a estratégia da defesa e para a boa decisão da causa, nomeadamente, no que respeita à respectiva imputação penal, o que acarreta a sua nulidade (art.º 379º, n.º 1, al. a), do C. Proc. Penal).
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO
           
1. No processo comum colectivo n.º 392/10.3PCCBR da Vara Mista de Coimbra, por acórdão datado de 14 de Setembro de 2011,     
foi o arguido A… condenado, pela prática de um crime de  roubo previsto e punido pelo art. 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de três (3) anos e três (3) meses de prisão.

            2. Inconformado, o arguido recorreu do acórdão, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
            «1. Discorda-se da matéria de facto e de direito,
2. Discorda-se da matéria de facto dada como provada no n° 1, 2, 3, 4, 7 e 8 do
Douto Acórdão,

3. Pois, nem toda a prova produzida em audiência de julgamento foi tomada em consideração nem devidamente interpretada,
4. Relativamente os factos provados n° 1, 2 e 3, não foi tomado em consideração as declarações do arguido nem o depoimento da testemunha B...,
5. Começando logo pela divergência na identificação do local, presente na acusação,
6. Pois, o arguido começa logo no início das suas declarações pelo minuto 03:47 a dizer que: na rua onde ele diz que o abordei isso é mentira, não o abordei ai,
7. A testemunha B... no seu depoimento entre os
minutos 10:3 8 e 11:30 disse: Eu não sei o nome da rua, sei que foi ali na Baixa, na velha Baixa de Coimbra... Não sei a policia é que me disse na altura... Não foi no posto da polícia que com o mapa, indiquei mais ou menos onde era.

8. Assim parece-nos que não ficou provado em audiência de julgamento o local da prática do crime.
9. Relativamente aos factos provados no n° 4, isto é relativamente à quantia de 170 euros, também não foi tomada em consideração o depoimento do arguido e foi mal interpretado o depoimento da testemunha.
10. O arguido vem nas suas declarações a minutos 07:00 das suas declarações
afirmar que: entretanto na carteira estavam 60 euros e mais uns trocos... ele começou a chorar a dizer que tinha a filha na escola e que tinha que a ir buscar e que não tinha dinheiro nessa altura ainda mais essa, tirei 20 euros e

11. Assim o arguido fala em apenas 40 euros.
12. A testemunha B... não conseguiu no seu depoimento precisar o montante divergindo e contradizendo-se,
13. No minuto 04:00 a pergunta do Ministério Público sobre o dinheiro que tinha no bolso o mesmo respondeu: “A volta de 200 e tal 300 euros pelo menos, eu agora já não sei ao certo”.
14. A testemunha não consegui definir com exactidão o valor falando em 200, 300 euros, já o arguido relata apenas 40 euros. Não se tendo feito assim prova em audiência de julgamento o montante.
15. Também os factos provados nos n° 7 em que diz que O arguido agiu de forma livre, voluntaria e consciente, conhecedor de que actuava contra a vontade de B..., também não tiveram os juízes em consideração as declarações do arguido.
16. A minutos 05:50 das suas declarações vem o arguido esclarecer: e ele levantou-se e dirigiu-se a mim com a seringa na mão a dizer para eu lhe dar a carteira, nessa altura, no sentido de evitar que ele se aproxima-se mais com a seringa agredi-o com um pontapé na cabeça disse lhe para ficar ai quieto e não se chegar ele tentou vir outra vez para agarrar a carteira e eu nessa altura peguei lhe na mão da seringa para evitar qualquer tipo de golpe,
17. E mais tarde a minuto 08:24 veio novamente dizer: mas limitei-me a imobilizar, ele tinha uma seringa na mão.
18. Assim sendo, o arguido não agiu de forma livre, voluntaria e consciente,
por se encontrar em situação de legitima defesa.

19. No que diz respeito ao ponto n° 8, que relata que o arguido quis fazer seu o dinheiro pertencente a B..., mais uma vez não foi tomada em consideração as declarações do arguido quando o mesmo vem justificar a proveniência do dinheiro e justificando que o dinheiro já era seu e que foi ele que foi na realidade alvo de burla.
20. No minuto 03:47 até 05:28 o arguido explicou a burla de que foi alvo pela testemunha e a tentativa de recuperar o seu dinheiro.
21. A testemunha quando inquirida sobre o telemóvel, não oferece resposta satisfatória, oferecendo um testemunho confuso e pouco credível e também não consegue justificar o conhecimento do arguido sobre o dinheiro que detinha,
22. Por tudo parece nos que o que deveria ser provado em audiência de julgamento é que,
23. Na realidade, o arguido decidiu abordar B..., que encontrou numa travessa (local não provado nos autos), em Coimbra, a consumir estupefacientes, para lhe devolver um telemóvel que o mesmo lhe tinha vendido e que se encontrava defeituoso.
24. Aí o ofendido ameaçou o arguido com a seringa com a qual estava a consumir estupefacientes, e com intuito de se defender, de defender a sua integridade física, o arguido imobilizou através de um pontapé e um cabeçada na cabeça imobilizou o arguido.
25. Discorda-se também do Direito quanto ao decidido nesta matéria,
26. Pois, nos termos do artigo n° 1 do artigo 210° do Código Penal, comete crime de Roubo “Quem, com ilegítima intenção para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa,, ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de um a oito anos.”
27. Para que o crime de roubo esteja preenchido é necessário que haja uma subtracção ou constrangimento,
28. E para que o agente possa ser jurídico penalmente responsabilizado tem que praticar um facto típico, ilícito e culposo,
29. Ora, o arguido apenas agiu com violência numa situação de legitima defesa, como o afirmou o arguido em audiência de julgamento,
30. Excluindo assim a ilicitude do seu acto relativamente a violência utilizada.
31. A agressão foi provocada, tendo sido precedida de uma atitude de provocação (ameaça feita pelo agredido com uma seringa sobre o agressor.
32. Nos termos do artigo 32° do Código Penal, os requisitos da legítima defesa
estão todos preenchidos

33. Na existência de uma agressão actual e ilícita, o arguido usou meios necessários e proporcionais para repelir a agressão de interesses juridicamente protegidos.
34. O arguido apenas imobilizou B... pelo mesmo o ter ameaçado com uma seringa (a qual estava a usar para o consumo de estupefacientes) por temer pela sua vida.
35. Nos termos do artigo 21° da Constituição da Republica Portuguesa: “Todos
têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade.”

36. Por tudo isso não se encontra preenchidos os pressupostos do crime de
Roubo do qual vem aqui condenado o arguido,

37. Por isso nos termos do artigo 31° n° 1 e n° 2 a) do Código Penal, o facto
praticado em legitima defesa não é punível por estar excluída a sua ilicitude,

38. Também não podemos deixar de tomar em consideração a Jurisprudência,
39. Acórdão da Relação de Coimbra 16/03/2011 e O Acórdão n° 97P1189 de
Supremo Tribunal de Justiça, 21 de Janeiro de 1998, que ambos nos ensinam que,

40. A legítima defesa é uma exclusão da ilicitude e que o principio in dubio
pro reo
deve ser aplicado nessas mesmas situações.
41. Assim e por tudo deve o presente recuso ser julgado procedente e provado,
42. Revogando-se a douta decisão recorrida,
43. Absolvendo-se o arguido,
44. Por estar em situação de legitima defesa,
45. Causa de exclusão da ilicitude.
Nestes termos, e nos mais de Direito, sempre com o Doutíssimo Suprimento de V. Exas, deve o presente Recurso ser julgado procedente e provado, revogando-se a Douta decisão recorrida, absolvendo-se o Recorrente da pratica do crime pelo qual vem condenado».

            3. A Exmª Magistrada do Ministério Público de 1ª instância também RESPONDEU, pedindo a improcedência do recurso, concluindo que:
«1. A matéria de facto assente — designadamente a que consta dos pontos referidos pelo recorrente — mostra-se consonante com a correcta apreciação da prova produzida, levada a cabo pelo Tribunal.
2. A prova atendível em sede decisória mostra-se, na verdade, criteriosamente apreciada, à luz do que dispõe o art. 127° do CPP e os factos que dela resultaram, considerados como provados, integram, sem dúvida, a previsão do art. 210°, n° 1 do CP.
3. Não se verificou qualquer situação de legítima defesa.
4. Embora o recorrente não o invoque, de todo o modo se dirá que a decisão recorrida não viola qualquer princípio e/ou norma jurídica».
           
4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador da República pronunciou-se, a fls. 124-125, no sentido de que o recurso não merece provimento, limitando-se a acompanhar a argumentação da Colega de 1ª instância.

            5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.

            II – FUNDAMENTAÇÃO
           
 1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
             Assim, balizados pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso[1], as questões a decidir consistem em saber se
· existe alguma nulidade oficiosa de sentença (acórdão);
· houve erro de julgamento, quanto aos FACTOS 1, 2, 3, 4, 7 e 8;
· houve uma situação de legítima defesa por parte do arguido.

            2. DO ACÓRDÃO RECORRIDO
            2.1. É o seguinte o elenco dos factos dados como provados no acórdão recorrido:
1. «Em 4 de Março de 2010, pelas 17h20, o arguido decidiu abordar B..., que encontrou na Rua do Arco do Ivo, em Coimbra e, com uso de violência, obrigá-lo a entregar-lhe o dinheiro que possuísse.
2. Caminhou, então, na direcção de B... e disse-lhe que entregasse o que tinha nos bolsos, dando a entender que lhe batia se não o fizesse.
3. Ouvindo B...dizer que só tinha uns trocos, o arguido fez menção de o atingir a pontapé e, logo de imediato, agarrou-o e desferiu-lhe cabeçada na face, junto ao nariz, que começou a sangrar abundantemente.
4. Depois, agarrou do chão o casaco de B... e, sem que este, esboçasse qualquer movimento, por temer novas represálias, o arguido pegou na carteira, que abriu, e de onde retirou € 170,00 que guardou consigo.
5. Na posse do dinheiro, o arguido, abandonou o local em direcção à zona da baixa de Coimbra.
6. Em resultado da conduta descrita, B..., beneficiário da Segurança Social n.º …, sofreu equimose no terço médio do dorso do nariz, medindo dois centímetros de diâmetro e edema do dorso do nariz com dor à palpação, lesões que demoraram para curar seis dias, todos com afectação da capacidade de trabalho geral e com afectação da capacidade de trabalho profissional.
7. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, conhecedor de que actuava contra vontade de B....
8. Quis fazer seu o dinheiro pertencente a B… não se coibindo para o obter de constranger e molestar o corpo e saúde de B... que por temer pela sua integridade física não logrou resistir.
9. Bem sabia o arguido que praticava acto proibido e criminalmente punido.
10. O arguido foi anteriormente condenado
a) na pena de 4 anos e 6 meses de prisão (decisão de 9 de Julho de 2010), pela prática, em 21 de Agosto de 2008, de um crime de roubo (1.º Juízo de Tondela);
b) na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo prazo de 1 ano (decisão de 27 de Out. de 2010), pela prática, em 21 de Março de 2007, de um crime de detenção de arma proibida (4.º Juízo Criminal de Coimbra);
c) na pena de 2 anos e 6 meses de prisão (decisão de 5 de Janeiro de 2011), pela prática, a 1 de Jan. de 2007, de 3 crimes de extorsão (1.ª Secção da Vara Mista de Coimbra).
11. O arguido encontra-se em cumprimento de uma pena de 6 anos de prisão, resultado do cúmulo efectuado relativamente às penas referidas em 10.
12.  O arguido tem o 10.º ano de escolaridade, sendo que à data da prática dos factos supra descritos vivia com a mãe e avó.
13. À data fazia serviços de segurança».

2.2. Motivou-se assim tal decisão probatória, INEXISTINDO FACTOS NÃO PROVADOS:
«A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade: o juiz lança-se à procura do «realmente acontecido» conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o «agarrar» e, por outro, os limites que a ordem jurídica lhe marca, derivados da(s) finalidade(s) do processo (Cristina Libano Monteiro, "Perigosidade de inimputáveis e “in dubio pro reo", Coimbra, 1997, pág. 13).
A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção, salvo quando a lei dispuser diferentemente (art.º 127.º, CPP).
Livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica (Maia Gonçalves, "CPP anotado", 4ª ed., 1991, pág. 221, com cit. de A. dos Reis, C. de Ferreira, Eduardo Correia e Marques Ferreira).
Livre apreciação que não significa pura convicção subjectiva, mas sim “convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros” (F. Dias, D. Processual, p. 215).
“Uma tal convicção existirá quando e só quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável; não se tratará pois de uma mera opção voluntarista pela certeza de um facto e contra a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos à posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse” (F. Dias, mesma obra).
No caso dos autos a decisão emergiu do conjunto da prova produzida no seu conjunto, mormente:
· na admissão do arguido quanto às agressões efectuadas e apropriação de dinheiro (justificando o seu comportamento) com base no facto de B… anteriormente lhe ter vendido um telemóvel (pelo preço de € 100) que não funcionava e a recusa desta em restituir-lhe o dinheiro relativo a essa transacção) e demais declarações prestadas quanto à sua situação pessoal e familiar;
· no depoimento que se nos afigurou sério e isento de B…, o qual, em termos concordantes com o que resultou provado, narrou encontrar-se a consumir heroína, tendo-se o arguido dirigido a ele, agredido com uma cabeçada e levado o dinheiro que o mesmo tinha na carteira (quantia não inferior a € 170);
· auto de reconhecimento de fls. 26, sendo que em audiência B… confirmou ter sido o arguido a adoptar os comportamentos descritos;
· perícia médico-legal, cujo relatório figura a fls. 7 a 9;
· CRC junto aos autos».

3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

3.1. O arguido vem recorrer de FACTO e de DIREITO.
Antes de mais, urge verificar se estão correctas as conclusões apresentadas.
Incidindo este recurso sobre matéria de facto, nos termos do artigo 412º, n.º 3 do CPP, incumbe ao recorrente o ónus de especificar
a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c)- as provas que devam ser renovadas.
Acentua depois o n.º 4 desse normativo que “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do artigo 364º, n.º 2, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
O artigo 417º, n.º 3 do CPP (na versão revista de 2007, levada a cabo pela Lei n.º 48/2007 de 29/8) permite o convite ao aperfeiçoamento da respectiva peça processual se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 desse mesmo normativo.
Temos entendido o seguinte: se analisada a peça do recurso constatarmos que a indicação das especificações legais constam do corpo da motivação de forma assaz suficiente para se compreender o móbil do recorrente, não deveremos, assim, ser demasiado formalistas ao ponto de atrasar a tramitação de um processo quando existem conclusões e se consegue das mesmas deduzir, mesmo que parcialmente, note-se, as indicações previstas no n.º 2 e no n.º 3 do citado artigo 412º.
A este propósito, convém lembrar que as “conclusões aperfeiçoadas” têm de se manter no âmbito da motivação apresentada, não se tratando de uma reformulação do recurso ou da apresentação de um novo recurso - por outras palavras: o convite ao aperfeiçoamento, estabelecido nos n.º 3 e 4 do artigo 417.º, do C.P.P., pode ter lugar quando a motivação não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs. 2 a 5 do artº 412º do mesmo código, mas sempre sem modificar o âmbito do recurso.
Pelo que se o corpo da motivação não contém as especificações exigidas por lei, já não estaremos perante uma situação de insuficiência das conclusões, mas sim de insuficiência do recurso, insusceptível de aperfeiçoamento.
Contudo, no caso vertente, os recorrentes indicam no corpo da motivação as partes dos depoimentos gravados que crêem ter sido mal valorados pelo tribunal.
Como tal, e mesmo considerando que a peça das alegações de recurso não prima pela perfeição processual, entendemos que o recurso satisfaz as condições mínimas para poder passar pelo crivo inicial.
Ou seja, e em conclusão:
O recorrente impugna a MATÉRIA DE FACTO dada como provada, tendo sido cumprido – mesmo que deficientemente quanto à formulação das conclusões - o determinado nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412º do CPP.
Não nos ancoraremos em argumentos formais e ouviremos a prova gravada quanto ao RECURSO, se for caso disso.
E tal faremos até ancorados em recente e sábia decisão do STJ, datada de 1/7/2010 (Pº 241/08.2GAMTR.P1.S1).
Nesse aresto, assim se escreveu:
«O Tribunal da Relação, perante as falhas que apontou ao recurso quanto à impugnação da matéria de facto por confronto com as provas produzidas na audiência e documentadas em acta, falhas essas que revelariam um alegado mau cumprimento do disposto nos n.°s 3 e 4 do art.° 412.° do CPP, deveria ter mandado aperfeiçoar as conclusões do recurso antes de se pronunciar, corno tem sido jurisprudência constante deste STJ e do Tribunal Constitucional, para permitir um segundo grau de recurso em matéria de facto.
O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a considerar inconstitucional, por violação dos direitos a um processo equitativo e do próprio direito ao recurso, as normas dos n.°s 3 e 4 do art. 412.° do CPP na interpretação segundo a qual o incumprimento dos ónus aí fixados, conduz à rejeição do recurso, sem a possibilidade de aperfeiçoamento (cfr. Acs de 26-9-01, proc. n.° 2263/01, de 18-10-01, proc. n.° 2374/01, de 10-4-02, proc. n.° 153/00, de 5-6-02, proc. n.° 1255/02, de 7-10-04, proc. n.° 3286/04-5, de 17-2-05, proc. n.° 4716/04-5, e de 15-12-05, proc. n.° 2951/05-5).
Assim decidiu que “(5) se o recorrente não deu cabal cumprimento às exigências do n.° 3 e especialmente do nº 4 do art. 412º do CPP, a Relação não pode sem mais rejeitar o recurso em matéria de facto, nem deixar de o conhecer, por ter por imodificável a matéria de facto, nos termos do art. 431º do CPP. (6) Este último artigo, como resulta do seu teor, não toma partido sobre o endereçar ou não do convite ao recorrente, em caso de incumprimento pelo recorrente dos ónus estabelecidos nos n. s 3 e 4 do art. 412º, antes vem prescrever, além do mais, que a Relação pode modificar a decisão da 1ª instância em matéria de facto, se, havendo documentação da provei, esta tiver sido impugnada, nos termos  do artigo 412º, n.º 3,  não fazendo apelo, repare-se, ao n.º 4 daquele artigo, o que no caso teria sido infringido. (7)- Saber se a matéria de facto foi devidamente impugnada à luz do n.º  3 do art. 412º é questão que deve ser resolvida à luz deste artigo e dos princípios constitucionais e de processo aplicáveis, e não à luz do art. 431º, al. b), cuja disciplina antes pressupõe que essa questão foi resolvida a montante. (8) Entendendo a Relação que o recorrente não forneceu os elementos legais necessários para reapreciar a decisão de facto nos pontos que questiona, a solução não é “a improcedência”, por imodificabilidade da decisão de facto, mas o convite para a correcção das conclusões. (Acs de 7-11-02, proc. n.º 3158/02-5 e de 15-5-03, proc. n.º 985/03-5)”.
E que, face à declaração com força obrigatória geral da inconstitucionalidade da norma do art. 412.°, n.° 2, do CPP, interpretada no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas ais. a), b) e e) tem corno efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência (Ac. n.° 320/2002 do T. Constitucional, DR-IA, 07.10.2002), não pode manter-se a decisão da Relação que decidiu não tomar conhecimento dos recursos no que se refere à decisão de facto, por não terem os recorrentes dado cumprimento ao imposto nos n.° 3 e 4 daquele art. 412.°.
Em tal caso a Relação deve tomar posição sobre a suficiência ou insuficiência das conclusões das motivações e ordenar, se for caso disso, a notificação do recorrente para corrigir/completar as conclusões das motivações de recurso, conhecendo, depois, desses recursos. (Acs. de 12-12-2002, proc. n.° 4987/02-5, de 7-10-04, proc. n.° 3286/04-5, de 17- 2-05, proc. n.° 47 16/04-5, e de 15-12-05, proc. n.° 295 1/05-5).
Só não será assim se o recorrente não tiver respeitado, de todo, as especificações a que se reporta a norma legal em causa, pois o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite à correcção das conclusões da motivação (cfr. os Acs. do STJ de 11-1-01, proc. n.° 3408/00-5, de 8-1 1-01, proc. n.° 2453/01-5, de 4-12-03, proc. n.° 3253/03-5 e de 15-12-05, proc. n.° 295 1/05-5).
Mas, se o recorrente, como é o caso dos autos, tendo embora indicado os pontos concretos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa, com a indicação, nomeadamente, das testemunhas cujos depoimentos incidiram sobre tais pontos, que expressamente indicou (v.g., falta de vestígios de sangue na roupa, hora cm que ocorreu o homicídio e permanência do arguido no local de trabalho entre determinadas horas), só lhe faltando indicar “as concretas passagens das gravações em que funda a impugnação que imporia decisão diversa”, não se pode dizer que há uma total falta de especificações, mas, quanto muito, uma incorrecta forma de especificar. Tanto mais que, se o recorrente tem o ónus de indicar as concretas passagens das gravações, o tribunal tem o dever de atender a outras que considere relevantes para a descoberta da verdade (art.° 412.°, n.° 6, do CPP), sob pena do recorrente “escolher” a passagem que mais lhe convém e omitir tudo o mais que não lhe interessa, assim se defraudando a verdade material.
A Relação, ao proceder da forma como transcrevemos, não conheceu da impugnação da matéria de facto, já que a rejeitou por razões meramente formais e não deu oportunidade ao recorrente de corrigir os pequenos desvios em que, alegadamente, incorreu.
Portanto, omitiu pronúncia sobre questão de que deveria conhecer e incorreu na nulidade a que se reportam os art.°s 379.°, n.° 1, al. e) e 425.°, n.° 4, do CPP».

3.2. DA NULIDADE DO ACÓRDÃO

3.2.1. Comungamos da tese, segundo a qual as nulidades do artigo 379º do CPP são de conhecimento oficioso.
Antes das alterações introduzidas pela Lei 59/98, não havia dúvidas de que as nulidades da sentença constantes das alíneas a) e b) (as únicas então existentes) do artigo 379º C P Penal, eram nulidades sanáveis e, portanto, dependentes de arguição (veja-se até que, no caso da nulidade prevista na alínea a) do art. 379º CP Penal, consistente na falta de indicação, na sentença penal, das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, ordenada pelo art. 374º nº 2, do mesmo diploma, decidiu o STJ, pelo Assento de 6.5.1992, in DR-I Série-A, de 6.8.1992, com dois votos de vencido, que tal nulidade não era insanável, por isso não lhe sendo aplicável a disciplina do corpo do artigo 119º CPPenal).
Nesse diapasão, foi também proferido o Acórdão n.º 1/94 do Plenário das secções criminais do STJ, in DR-I Série-A, de 11.2.1994, firmando jurisprudência no sentido de que as nulidades da sentença, previstas então nas alíneas a) e b) do artigo 379º C P Penal, poderiam ser ainda arguidas em motivação de recurso para o tribunal superior, à semelhança do que para o processo civil resulta da 2ª regra da 1ª parte do nº 3 do artigo 668º do CPCivil.
Acontece que o texto do artigo 379º/2 do CPP sofreu alterações pela Lei n.º 59/98 de 25/8, tendo-se aditando uma nova alínea c) ao nº 1, e mudado o nº 2, que passou a ter a seguinte redacção: "as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no art. 414º, nº 4".
Vislumbramos, assim que, se a nova alínea introduzida no nº. 1 do artigo 379º CPPenal, tem redacção semelhante à contida na alínea d) do nº 1 do artigo 668º CPCivil, já o novo nº. 2 do artigo 379º CPPenal corresponde a uma transposição parcial do nº 3 do art. 668º CPC e à adopção da doutrina contida no Acórdão 1/94, indo, porém, mais longe.
Enquanto no regime do CPCivil, a arguição das nulidades pode ser feita em sede de motivação de recurso, no nº 2 do artigo 379º, impõe-se essa arguição nessa altura, "as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso".
A parte final desta expressão só pode significar o conhecimento oficioso dessas nulidades, justificando-se o afastamento do regime previsto no processo civil, que diversamente do penal, é enformado pelo princípio da livre disponibilidade das partes processuais (neste sentido, cfr. Ac. STJ de 12.9.2007, relator Silva Flor, consultável no site da DGSI).
No sentido de que a nulidade do alínea a) do nº. 1 do artigo 379º C P Penal é do conhecimento oficioso, decidiram, entre outros, os Acs STJ de 12.9.2007, relator Raul Borges e de 17.10.2007» (cfr. Acórdão da Relação do Porto de 21/1/2009 (Pº6847/08 - 4ª Secção).
Para Paulo Pinto de Albuquerque, não obstante, a menção alternativa «ou conhecidas» mais não é do que uma referência ao poder de cognição do tribunal de recurso e não a consagração da oficiosidade do conhecimento desse nulidade do artigo 379º do CPP.
Não secundamos tal tese, contrária à nova letra de lei.
 
3.2.2. Analisemos o acórdão proferido, à luz do artigo 379º/1 a) do CPP.
Rezam assim os artigos 374º e 379º do CPP:




Artigo 374.º
Requisitos da sentença



1 - A sentença começa por um relatório, que contém:

a) As indicações tendentes à identificação do arguido;

b) As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis;
c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido;
d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada.

2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.


3 - A sentença termina pelo dispositivo que contém:


a) As disposições legais aplicáveis;

b) A decisão condenatória ou absolutória;
c) A indicação do destino a dar a coisas ou objectos relacionados com o crime;
d) A ordem de remessa de boletins ao registo criminal;
e) A data e as assinaturas dos membros do tribunal.

4 - A sentença observa o disposto neste Código e no Regulamento das Custas Processuais em matéria de custas.



Artigo 379.º
Nulidade da sentença




1 - É nula a sentença:

a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º
ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;

c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º.


                Sérgio Poças, já Presidente de uma das Secções Criminais desta Relação, e hoje Juiz Conselheiro, doutrina de forma exemplar sobre o assunto (cfr. REVISTA JULGAR, Da Sentença Penal – fundamentação de facto, 2007, pg 24 e sgs):
«2.1. O tribunal, como resulta nomeadamente do disposto nos artigos 339.º, n.º 4, 368.º, n.º 2, e 374.º, n.º 2, do CPP, deve indagar e pronunciar-se sobre todos os factos que tenham sido alegados pela acusação, pela contestação ou que resultem da discussão da causa e se mostrem relevantes para a decisão.
Ou seja, ainda que para a solução de direito que o tribunal tem como adequada para o caso, se afigure irrelevante a prova de determinado facto, o tribunal não pode deixar de se pronunciar sobre a sua verificação/não verificação — o que pressupõe a sua indagação —, se tal facto se mostrar relevante num outro entendimento jurídico plausível.
É que em impugnação por via de recurso pode vir a ser considerado pelo tribunal ad quem que o facto sobre o qual o tribunal a quo especificadamente não se pronunciou por entender ser irrelevante, é afinal relevante para a decisão, o que determinará a necessidade de novo julgamento, ainda que parcial, com todas as maléficas consequências consabidas.
Sejamos claros: indagam-se os factos que são interessantes de acordo com o direito plausível aplicável ao caso; dão-se como provados ou não provados os factos conforme a prova produzida.
A pronúncia deve ser inequívoca: em caso algum pode ficar a dúvida sobre qual a posição real do tribunal sobre determinado facto.
Na verdade, se sobre determinado facto não há pronúncia expressa (o tribunal nada diz), pergunta-se: o tribunal não se pronunciou, por mero lapso?
Não se pronunciou porque não indagou o facto? Não se pronunciou porque considerou o facto irrelevante? Não se pronunciou porque o facto não se provou?
Face ao silêncio do tribunal todas as interrogações são legítimas.
Das duas, uma: ou o facto é inócuo para a decisão e o tribunal, com fundamentação sintética, di-lo expressamente e não tem que se pronunciar sobre a sua verificação/não verificação, ou, segundo um entendimento jurídico plausível, é relevante e nesse caso deve pronunciar-se de acordo com a prova produzida.
(…)
Como é consabido, na produção e depois na valoração da prova do que se trata é de um confronto de provas e não uma hierarquia ou de precedência de provas. Um depoimento merece credibilidade, não por se tratar de uma prova indicada pela acusação ou pela defesa, mas porque pelas suas características convence o tribunal que o que narra corresponde à realidade dos factos, «ao realmente acontecido». (É claro que, não raras vezes, na contestação, são alegados factos inócuos para a decisão. Neste caso, como acima se disse, o tribunal não tem que se pronunciar sobre a sua verificação/não verificação, mas deve declarar expressamente, fundamentando sucintamente, a manifesta irrelevância daquela matéria para a decisão).
(…)
Relativamente à enumeração da matéria de facto não provada, cumpre ainda dizer:
Ou seja, e repetindo, no respeito da norma, não devem restar quaisquer dúvidas que o tribunal indagou e se pronunciou sobre todos os factos relevantes para a decisão, designadamente os alegados pela defesa.
Assim as expressões: «não resultaram não provados quaisquer factos ou: «factos não provados: nenhuns», só dão cumprimento ao normativo se resultaram provados todos os factos constantes da acusação, da contestação e os que resultaram da discussão da causa, porque, se, v. g., alguns dos factos alegados na contestação - factos relevantes, como é óbvio —  não constarem na enumeração dos factos provados, o tribunal, com aquelas formulações, não dá cumprimento à norma do n.° 2 do artigo 374.º do CPP.
(…)
Sejamos claros: uma coisa é dizer que «se não provaram quaisquer outros factos», outra é especificar os concretos factos que se não provaram. Quando o tribunal diz que se não se provou o facto A, há a certeza que se debruçou especificadamente sobre as provas produzidas sobre ele — há uma inequívoca reflexão/decisão sobre a questão — certeza que não é tão nítida, como se reconhecerá, numa mera declaração genérica.
A questão da exigência de enumeração dos factos provados e não provados não pode ser vista como uma mera formalidade formal.
De facto, trata-se de uma garantia, designadamente para os sujeitos processuais, de que o tribunal, num processo equitativo, teve em atenção de igual modo, os factos, as provas e os argumentos da acusação e da defesa, e indagou e apreciou todos os factos».


3.2.3. Tem-se entendido que a fundamentação da sentença penal, como decorre desta norma do artigo 374º/2 do CPP, é composta por dois grandes segmentos:
· Um, que consiste na enumeração dos factos provados e não provados;
· Outro, que consiste na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.
A enumeração dos factos provados e dos factos não provados, mais não é do que a narração de forma metódica, dos factos que resultaram provados e dos factos que não resultaram provados, com referência aos que constavam da acusação ou da pronúncia, da contestação, e do pedido de indemnização, e ainda dos factos provados que, com relevo para a decisão, e não constando de nenhuma daquelas peças processuais, resultaram da discussão da causa.
É esta enumeração de factos que permite concluir se o tribunal conheceu ou não, de todas as questões de facto que constituíam o objecto do processo.
A exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão deve ser completa mas tem que ser concisa, contendo e enunciação das provas que serviram para fundar a convicção alcançada pelo tribunal – o que não exige, relativamente à prova por declarações, a realização de assentadas tendo por objecto os depoimentos produzidos em audiência –, bem como a análise crítica de tais provas.
Esta análise crítica deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada.
Sabemos que não são todas as alegações do arguido que têm de ser indagadas pelo tribunal, mas somente aquelas que revistam interesse para decidir, num dos sentidos admitidos juridicamente como possíveis.
Não basta fazer constar da sentença que não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a causa, sendo necessário dar uma breve explicação do porquê.
Ou seja:
Factos provados e não provados, nos termos do art. 368º, 2 do CPP, são todos os factos submetidos à apreciação do tribunal e sobre os quais a decisão terá de incidir, isto é, os constantes da acusação ou da pronúncia e da contestação que sejam substanciais, quer instrumentais ou acidentais, bem como os não substanciais que resultem da discussão da causa e sejam relevantes para a decisão e também os substanciais que resultarem da discussão, quando aceites nos termos do art. 359º, 2, - Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 1994, pg. 288.
A exigência legal de enumeração destina-se a substituir a necessidade de formulação de quesitos sobre a matéria de facto consignada no Código pré-vigente e a permitir que a decisão, em processo penal, demonstre que o tribunal considerou especificadamente toda a matéria de prova que foi trazida à apreciação e que tem relevo para a decisão, por ter sido incluída na acusação ou na pronuncia e na contestação – A. A. Tolda Pinto, A Tramitação Processual Penal, 2ª ed., pg. 953. (v. tb. os Acs. STJ, de 5-6-91, CJ, S, XVI, 3, pg. 29; e de 18-12-97, BMJ, 477, pg. 185.
Como resulta do nº 4 do artigo 339.º do CPP, a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia, tendo em vista as finalidades a que se referem os artigos 368.º e 369.º.
Finalmente, ter-se-á de reconhecer que a actividade de fiscalização e de controle por parte dos tribunais superiores, relativamente às decisões proferidas em 1ª instância, designadamente a prevista no preceito do nº 2 do art. 410º, só pode ser válida e eficazmente exercida se, em sentença, se relacionarem um a um quer os factos provados, quer os não provados, para além de que só uma indicação minuciosa daqueles revela uma apreciação e julgamento completos, isto é, a certeza de que todos os factos objecto do processo foram efectivamente considerados e conhecidos pelo tribunal com o indispensável cuidado e ponderação – A. A. Tolda Pinto, ob. cit., pg. 954 - (v. tb. Ac. STJ, de 16-10-97, CJ, S, V, 3, pg. 210)[2].

3.2.4. No caso vertente, esteve sempre em cima da mesa, durante o julgamento, a questão da «legítima defesa», como causa da exclusão da ilicitude do comportamento do arguido, sendo mais do que expectável o recurso por parte deste, lançando mão dessa figura (o recurso intentado, de facto, é apoiado na defesa da tese da legítima defesa).
Contudo, o tribunal «a quo» nem uma só referência faz a essa figura[3], afastando-a expressamente e invocando as razões para tal – veja-se a motivação da matéria de facto: nem uma palavra para afastar a tese do arguido, apresentada em julgamento (não obstante não constar da peça escrita da contestação).
Estamos perante factos que, com relevo para a decisão, não constam de nenhuma peça processual, antes tendo resultado da discussão da causa. E, POR ISSO, com direito a serem discutidos em sentença.
É verdade que há quem opine não se deva colocar no elenco dos factos não provados o acervo factual conducente à legítima defesa (cfr. Acórdão da Relação do Porto de 16/6/1999, Pº 9810901).
Não estamos com essa tese.
Não obstante, sempre deveria constar uma referência explícita no exame crítico da prova produzida em sede de texto do acórdão, explicitando a razão pela qual não lhe mereceu crédito a versão do arguido, alegando legítima defesa, antes lhe merecendo credibilidade o depoimento da testemunha B….
É certo que se diz que o depoimento desta testemunha foi sério e isento.
Mas isso não basta para explicar a razão pela qual não se convenceu o Colectivo de Coimbra da situação de exclusão de ilicitude alegada em julgamento – o respeito pela forma como a Exmª defensora oficiosa conduziu a sua defesa a tal obrigava.

3.2.5. O dever de fundamentação[4] das decisões judiciais é uma realidade, ainda que com contornos variados, imanente a todos os sistemas de justiça que nos são próximos, mesmo que sejam detectáveis variáveis do grau de exigência em função das matérias em causa, do tipo de decisão ou da tradição histórica e cultural de cada povo.
Afirmando-se progressivamente como verdadeira conquista civilizacional a partir da Revolução Francesa, o dever de fundamentação das decisões judiciais constitui, nos modernos Estados de Direito, um dos pressupostos do chamado “processo equitativo” a que aludem o artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem[5], o artigo 7º da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e, por exemplo, o artigo 20º nº 4 da Constituição da República Portuguesa.
Dispõe a Constituição, no nº 1 do artigo 205º, que "as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei". Este texto, resultante da Revisão Constitucional de 1997, veio substituir o nº 1 do artigo 208º, que determinava que "as decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei". A Constituição revista deixa perceber uma intenção de alargamento do âmbito da obrigação constitucionalmente imposta de fundamentação das decisões judiciais, que passa a ser uma obrigação verdadeiramente geral, comum a todas as decisões que não sejam de mero expediente, e de intensificação do respectivo conteúdo, já que as decisões deixam de ser fundamentadas "nos termos previstos na lei" para o serem "na forma prevista na lei".
A alteração inculca, manifestamente, uma menor margem de liberdade legislativa na conformação concreta do dever de fundamentação.
Como refere Rui Pereira[6], a fundamentação jurídica das decisões pode ser analisada em três níveis. “O primeiro respeita à própria escolha das normas aplicáveis, segundo a regra da conveniência, regra essa que constitui o primeiro passo no sentido de garantir que a decisão judicial será uma decisão justa. O segundo refere-se à demonstração da própria legalidade lógica (ou lógico-valorativa) do silogismo judicial (subsunção). O terceiro envolve a demonstração da justiça da solução encontrada, garantindo, nomeadamente, que é feita uma interpretação normativa de acordo com as normas e princípios constitucionais ou, no caso de tal não ser possível, recusando a aplicação de normas infra constitucionais que lograram passar pelo crivo da regra da conveniência”.
A sentença é, por definição, a decisão vocacionada para a solução definitiva do problema concreto que foi colocado ao Tribunal.
Como tal, porque representa a definição do direito do caso concreto deve ser, um “documento de fácil leitura, simples, claro, logicamente ordenado, enxuto e esgotante”.
A sentença penal começa por um relatório que mais não é do que, como ensinava o Prof. Alberto dos Reis relativamente à sentença cível, um “resumo simples e lúcido da questão, elaborado de modo a que, quem o leia, apreenda sem esforço os termos essenciais da controvérsia”.
Adaptando tal ensinamento ao processo penal importa então identificar o objecto do processo, a parte acusadora, o arguido e o crime que lhe é imputado e fazer um breve resumo da contestação contendo a posição do arguido sobre os factos.
Seguem-se já no contexto dos fundamentos, a descrição dos factos provados (e não provados), a qual, para ser facilmente compreensível, deve obedecer à lógica própria de quem descreve um episódio concreto da vida real.
Em apoio dos factos considerados provados deve então a sentença passar a expressar a justificação da respectiva decisão, isto é, fazer a análise crítica da prova produzida, esclarecer quais os meios de prova que conduziram à convicção anteriormente enunciada.
Sem pretender ser exaustivo, a motivação da convicção do juiz no âmbito da análise crítica da prova implica que o Tribunal indique expressamente:
· quais os factos provados que cada testemunha revelou conhecer;
· quais os elementos que dos mesmos depoimentos permitem inferir a interpretação e conclusão a que o tribunal chegou;
· quais as razões que o levam a valorar determinado meio de prova em detrimento de outro ou outros meios de prova com ele contraditório;
· quais as razões porque não foi dada relevância a determinada prova ou meio de prova;
· quais as razões porque julgou relevantes, ou irrelevantes, certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória a prova resultante de documentos particulares, ou retirou certas conclusões da inspecção ao local, etc.
Finalmente, segue-se o enquadramento jurídico-penal da matéria de facto apurada na qual o juiz vai analisar todos os factos apurados em ordem a concluir se o arguido cometeu ou não o crime de que vem acusado, se existem causas de exclusão da ilicitude da conduta ou da culpa do mesmo.
E é este o momento que, por vezes, alguns juízes aproveitam para tecer largas considerações sobre os tipos legais de crime em análise, ou sobre os institutos regulamentados na parte geral do Código Penal, nem sempre, adiante-se, com muito a propósito.
Também aqui colhe o ensinamento do Prof. Alberto dos Reis: na sentença o juiz não deve dizer nem mais nem menos do que é preciso, em especial no que se refere à argumentação de carácter jurídico em que assenta a decisão, sob pena de, como escrevia o Prof. Alberto dos Reis a sentença se tornar num “estendal pretensioso de doutrina e opiniões alheias” e instrumento de “alarde pomposo e inteiramente desnecessário, de erudição fácil”.
Tendo concluído que o arguido praticou um facto punível seguir-se-á na sentença a escolha e a determinação da medida concreta da pena.

3.2.6. Quais são, então, os factos relevantes para a discussão da causa, tanto no prisma do preenchimento dos tipos de ilícito em apreciação, como no prisma do doseamento da pena, em caso de se concluir pela condenação.
O dever de fundamentação de uma sentença exige a enunciação como provados ou não provados de todos os factos relevantes para a:
- imputação penal;
- determinação da sanção;
- responsabilidade civil,
constantes da acusação ou pronúncia e do pedido de indemnização civil e das respectivas contestações, ou que tenham resultado da discussão em julgamento.
Em que casos existe, então, um dever de expressa pronúncia?
Trata-se de aspecto que encontra regulamentação legal em disposição que enumera de forma taxativa e, sem margem para dúvidas, a natureza e origem dos factos relevantes para a decisão e aos quais – e só a esses – haverá que atender na fixação da matéria de facto.
Referimo-nos ao nº 2 do art. 368º do CPP.
Tais factos são os que tiverem sido alegados pela acusação e pela defesa e ainda os que resultarem da discussão da causa, relevantes para as questões de saber:
a) Se se verificam os elementos constitutivos do crime;
b) Se o arguido praticou o crime ou nele participou;
c) se o arguido actuou com culpa;
d) Se se verificou alguma causa que exclua a ilicitude ou a culpa;
e) Se se verificaram quaisquer outros pressupostos de que a lei faça depender a punibilidade do agente, ou a aplicação a este de uma medida de segurança;
f) Se se verificaram os pressupostos de que depende o arbitramento da indemnização civil.

Indagar, neste caso, se o arguido agiu em legítima defesa – V.G. ARTIGO 368º, N.º 2, ALÍNEA D) - é relevante para a imputação penal que acaba ATÉ por condenar alguém a uma pena efectiva de prisão.
Voltemos ao Juiz Conselheiro Sérgio Poças:
«Em nossa opinião, como resulta do acima exposto, relativamente aos factos que resultarem da discussão da causa relevantes para a decisão, o tribunal também se deve pronunciar expressamente sobre eles quando resultam não provados e como tal devem ser enumerados.
Outro entendimento não permite, salvo melhor entendimento, o disposto nos artigos 339°, n.° 4, e 368°, n.° 2, do CPP.
Se o presidente submete a deliberação e votação os factos que resultarem da discussão da causa relevantes para a decisão, é óbvio que nesse momento - antes da deliberação e votação - não se pode falar em factos provados e não provados; se depois, alguns daqueles factos, sujeitos a deliberação e votação, resultam não provados, é evidente que devem ser declarados não provados e como tal enumerados na matéria de facto.
Vejamos este caso: o arguido está acusado da prática de um crime contra a integridade física e não apresenta contestação.
No entanto, em audiência de julgamento invoca factos concretos integradores de uma causa justificativa da conduta, no que é acompanhado por uma testemunha.
O tribunal na sentença não enumera tais factos, seja na matéria de facto provada, seja na matéria de facto não provada.
Como nos parece claro, trata-se de um procedimento ilegal.
Se aqueles factos resultaram provados, ainda que de acordo com o princípio do in dubio pro reo, o tribunal estava obrigado a enumerá-los na matéria de facto provada; se não resultaram provados, necessariamente, tinham de ser enumerados na matéria de facto não provada.
Sendo, como são, tais factos inquestionavelmente relevantes para a decisão, o tribunal tinha de expressamente pronunciar-se sobre eles, e não é pelo facto de não terem sido expressamente alegados na contestação que altera a substância das coisas.
Como é óbvio, o tribunal não tem que se pronunciar sobre uma qualquer alegação, uma qualquer expressão, uma qualquer verbalização de inconformismo proferidas pelo arguido (ou por uma testemunha, adiante-se) em audiência de julgamento, mas tem de se pronunciar quando o que é invocado constitui matéria relevante para a decisão.
Importa deixar claramente dito: quando se defende que o tribunal se deve pronunciar (positiva ou negativamente) sobre os factos que resultarem da discussão da causa relevantes (verdadeiramente relevantes, note-se) para a decisão, nos termos acima expostos, como é óbvio, esta pronúncia é feita no respeito do princípio da vinculação temática do tribunal e sem prejuízo do regime aplicável à alteração dos factos (se é verdade que o tribunal deve pronunciar-se sobre tudo o que pode, deve pronunciar-se sobre o que pode)».

 
               
3.2.7. Não andou bem o Colectivo de Coimbra ao ignorar na sua peça sentencial, corolário do processo, toda a problemática da «legítima defesa», expressamente invocada pelo arguido em audiência e com toda a certeza invocada em sede de alegações pela Exmª defensora oficiosa.
No nosso caso, para a rejeitar (atenta a condenação sentenciada), explicando porquê.
Ficou por completar o criterioso exame crítico da prova produzida em julgamento e a própria enumeração nos factos não provados da matéria atinente à exclusão da ilicitude avançada pelo arguido em julgamento (uma fórmula abrangente como esta seria aceitável: «Não se provaram quaisquer outros factos que estejam em contradição com os dados como provados, nomeadamente, que o arguido tenha agido em defesa da sua própria integridade física, agredido pelo ofendido B...Sequeira»).
Qual a sanção para este vício?
Estipula a lei que é a nulidade da sentença [artigo 379º, n.º 1, alínea a) do CPP].
Equivale isto a dizer que a sentença incumpriu o dever de enumerar, como provados ou não provados, os factos resultantes da discussão da causa, relevantes para a estratégia da defesa e para a boa decisão da causa, como lhe ordena o normativo do nº 2 do artº 374º do C.P.Penal – tal, face ao disposto na al. a) do nº1 do artº 379º do mesmo diploma legal, acarreta a sua nulidade e determina a prolação de nova decisão, expurgada do apontado vício (NÃO sendo caso de anulação do julgamento ou de aplicação do disposto no artigo 715º/1 do CPC e no artigo 379º/2, 2ª parte do CPP).
Urge, pois, «baralhar e dar de novo», colmatando as omissões detectadas e assinaladas, dali retirando as consequências jurídico-penais que se tiverem por convenientes.

3.3. Se assim é, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões aduzidas no recurso (artigo 660º do CPC, ex vi artigo 4º do CPP).




            III – DISPOSITIVO
           
Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação em: 
- Anular o acórdão recorrido, que deverá ser substituído por outro que colmate as lacunas apontadas, decidindo em conformidade.
Sem tributação.

Paulo Guerra (Relator)
Cacilda Sena


[1] Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões»).
[2] Só a enumeração concreta e especificada dos factos alegados na acusação ou na pronúncia e, eventualmente nos casos em que existam, na contestação criminal, no pedido cível deduzido e na contestação a este, ou noutra forma de comunicação de factos relevantes, como, v. g., a apresentação pelo arguido de documentos comprovativos de pagamentos referentes a reparação do mal do crime, permite ao tribunal superior, em recurso, determinar se certo facto foi efectivamente apreciado e considerado provado ou não provado, ou se, pelo contrário, nem sequer foi considerado.
A jurisprudência do STJ firmou-se, de há muito, no sentido de que a decisão deve conter a enumeração concreta, feita da mesma forma, dos factos provados e não provados, com interesse e relevância para a decisão da causa, sob pena de nulidade, desde que os mesmos sejam essenciais à caracterização do crime em causa e suas circunstâncias, ou relevantes juridicamente com influência na medida da pena, desde que tenham efectivo interesse para a decisão, mas já não no caso de factos inócuos, excrescentes ou irrelevantes para a qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, mesmo que descritos na acusação e/ou na contestação, ou a matéria de facto já prejudicada pela solução dada a outra.
Como refere Raul Borges, «o acórdão de 11-05-1994, processo n.º 46160, BMJ n.º 437, pág. 382, o desejo da lei é criar a certeza, especialmente para o Tribunal de recurso, de que os factos, todos os factos, foram considerados, sofreram votação do colectivo. Não esclarecendo o acórdão recorrido os factos que não foram provados, impõe-se que o mesmo seja declarado nulo.
O tribunal no cumprimento da obrigação de fundamentação “completa”, há-de apresentar uma fundamentação que permita uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão, com referência ao que adquirido foi e o não foi em termos da facticidade apurada, se possível com explicitação diferenciada do que resultou da acusação, ou do que adveio da contestação e do que emergiu da discussão em audiência, com reporte ao modo de aquisição, permitindo a “transparência do processo e da decisão”, tendo que deixar bem claro que foram por ele apreciados todos os factos alegados, com interesse para a decisão, incluindo essa apreciação os que não foram considerados provados».
A exigência legal constante do n.º 2 do 374.º do CPP, no sentido da enumeração dos factos provados e não provados, visa garantir o desempenho da exaustiva cognição dominada pelo princípio da verdade material, de modo a abranger a totalidade do tema a apreciar, a assegurar que o tribunal contemplou, ou considerou especificadamente todos os factos que foram submetidos à sua apreciação.
[3] Curiosamente, quem o faz é a Exmª Procuradora da República, em sede de resposta a este recurso, como se comprova com o doutamente expresso no 3º parágrafo do ponto II dessa peça.
[4] Seguimos aqui muito de perto as sábias considerações de Manuel Aguiar Pereira no «Manual sobre Fundamentação dos actos judiciais», CEJ.
[5] «1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.
2. Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.
3. O acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos:
a) Ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada;
b) Dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa;
c) Defender-se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem;
d) Interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação;
e) Fazer-se assistir gratuitamente por intérprete, se não compreender ou não falar a língua usada no processo».
[6] “A fundamentação das sentenças em processo penal”