Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2212/08.0PTAVR. C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FÉLIX DE ALMEIDA
Descritores: ESCOLHA DA PENA
PENA DE PRISÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 04/07/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: 40º, 43º,45º,50º.70º 71º, DO CP
Sumário: 1. A suspensão da execução da pena não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição quando o agente, pese embora as condenações anteriores por factos da mesma natureza, repetidamente conduz veículo automóvel sem estar legalmente habilitado para tal e em estado de embriaguez.
Decisão Texto Integral:
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Relator: Félix de Almeida.

Acordam, em Conferência, na secção criminal:
Nos autos em epígrafe, foi submetido a julgamento - J, filho de Se e G natural de Cabo Verde, nascido em ….1969, solteiro, carpinteiro e residente na Rua … Aveiro,
imputando-lhe a prática dos factos constantes da acusação de fls. 45 e 46, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, mediante os quais teria cometido, em autoria material, e em concurso real, um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p e p pelos arts. 69º n0 1 a) e 292º n0 1, ambos do Código Penal e um crime de condução sem habilitação legal p. e p. no art. 3º n0s 1 e 2 do DL 2/98, de 3 de Janeiro.
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Discutida esta causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 4 de …. de 2008, cerca das 02 horas e 30 minutos, o arguido J conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matricula ….LV, na Rotunda…. Aveiro, após ter ingerido bebidas alcoólicas e apresentando uma taxa de álcool no sangue de 2,16 g/l.
2. O arguido conhecia o seu estado e sabia que o mesmo não lhe permitia efectuar uma condução cuidada e prudente e lhe diminuía a capacidade de atenção, reacção e destreza, mas, ainda assim, quis conduzir o veículo automóvel, o que efectivamente fez.
3. Ao conduzir tal veículo automóvel, o arguido igualmente não estava habilitado para o efeito com a necessária carta de condução.
4. O arguido sabia que não era titular de carta de condução que o habilitasse a conduzir veículos automóveis, mas não se absteve de agir do modo descrito, o que quis e fez.
5. O arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta é punível por lei.
6. Confessou integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado e mostra-se arrependido.
7. Aufere mensalmente cerca de €800.
8. Vive só, em casa de renda mensal de cerca de 240.
9. Tem 5 filhos menores que estão a viver com a respectiva mãe em Cabo Verde, para quem envia mensalmente cerca €250.
10. Tem o 4º ano de escolaridade.
11. Do seu CRC constam a seguintes condenações a) em 14/02/2005, transitada em julgado em 01/03/2005, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 40 dias de multa à taxa diária de €4 (P0 Abreviado n0 …/04.4GTAVR do 3º Juízo Criminal de Aveiro; b) em 06/10/2004, transitada em julgado em 06/05/2005, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 35 dias multa à taxa diária de E4 (Processo Sumário n0 …/04.9GDAVR do 1º Juízo Criminal de Aveiro; c) em 29/06/2005, transitada em julgado em 14/07/2005, por crime de condução sem habilitação legal, na pena de 150 dias multa à taxa diária de ~5 (Processo Comum n0 …/04.0TAAVR do 3º Juízo Criminal de Aveiro; d) em 17/05/2007, transitada em julgado em 01/05/2007, por crime de condução sem habilitação legal, na pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 ano (Processo Comum n0 ,,/06.8PTAVR do 3º Juízo Criminal de Aveiro; e) em 16/12/2008, transitada em julgado em 05/01/2009, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 100 dias multa à taxa diária de €7,50 (Processo Sumário n0 ../08.4PTAVR do 2º Juízo
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Não se provaram outros factos que estejam em contradição com os assentes e que tenham relevância para a decisão da causa.
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Indicação probatória.
O Tribunal, num juízo crítico de apreciação da prova produzida, formulou a sua convicção com base nos seguintes elementos:
a) nas declarações do arguido que, na integra e sem quaisquer reservas, confessou todos os factos de que vinha acusado; declarações do mesmo quanto á sua situação económica, familiar e habilitações literárias;
b) no teor dos seguintes documentos. talão do aparelho DRAGER ALCOTEST, de fls. 3; ofício do Instituto de Mobilidade e Transportes Terrestres, de fls. 33; bem como no teor do CRC de fls. 60 a 65.
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Face ao que se decidiu condenar o arguido:
I. Pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguês, p e p. pelo artº 292º do C. Penal na pena de 4 (quatro) meses de prisão,
II. Pela prática de um crime de condução sem habilitação legal previsto e punido no art. 3º n0 2 do DL n0 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
III. Tendo em conta a simultaneidade espaço-temporal dos factos e a personalidade do arguido supra referidos, operando o cúmulo jurídico das penas em harmonia com o disposto no art. 77º do Código Penal, condena-se o arguido na pena única de 8 (oito) meses de prisão, a qual se declara suspensa na sua execução por um período de 1 (um) ano.
IV. Condenar o mesmo arguido, nos termos do art. 69º n0 1 a) do Código Penal, na inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 7 (sete) meses.
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Inconformado, recorre o M.P. aduzindo a seguinte

CONCLUSÃO ÚNICA:
Não devera ser suspensa a execução da pena de prisão aplicada ao arguido condenado pelos crimes de condução em estado de embriaguez e de condução sem habilitação legal, depois de o mesmo haver já sido julgado e condenado pela prática, por cinco vezes, dos mesmos ilícitos penais.
Termos em que se entende, salvo o devido respeito, dever ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que condene o arguido em pena de prisão, suspensa na sua execução, mas sujeita a determinadas obrigações, conforme dispõe o art. 52~ do Código Penal ou sujeito a regime de prova, nos termos do art. 53º do mesmo diploma legal ou, em ultimo caso, em pena de prisão efectiva, ainda que em qualquer um dos regimes consagrados nos artºs 44º, 45º e 46º todos do Código Penal, desde que verificados os respectivos pressupostos.
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Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Os antecedentes criminais, designadamente também pela prática de similares crimes de condução sem habilitação legal e sob o efeito do álcool, e para a qual as anteriores (6) e posterior condenação neste domínio. uma delas já também com pena privativa da liberdade, embora suspensa na sua execução, revelam que não foram bastantes para o demover de reiterar essas condutas, frustrando assim a expectativa e sentido ressocializador dessas anteriores penas.
Com efeito, constando da matéria de facto provada que o arguido, por similares tipologias de crimes de condução ilegal e sob a influência do álcool, já anteriormente havia sido condenado por mais seis vezes, sendo agora com uma TAS de 2,16 g/l, outra conclusão não permite extrair-se de tal comportamento que não seja a de que só uma medida ainda mais dura e efectivamente privativa da liberdade poderá obstar e convencer o arguido, não só a conformar-se com os valores jurídico-penais estabelecidos, mas ainda, particularmente, de que não poderá conduzir sem para tal estar habilitado, ou depois de consumir bebidas alcoólicas.
De facto, nos termos do artº 70º do Código Penal, sendo o crime punido com pena de prisão ou com pena de multa, o tribunal deverá dar preferência à pena não detentiva, “sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição “.
Ora, face à especial gravidade da conduta criminal anterior e posterior do arguido. tendo em atenção as suas referidas anteriores condenações por factos similares, incluindo já com condenação em pena de prisão, embora suspensa, torna-se manifesto que só uma pena de prisão efectiva será adequada para cumprir as finalidades da pena, impondo-se assim a aplicação de uma pena privativa da liberdade, mais a mais sendo por demais conhecidas as exigências de prevenção e necessidades de reprovação deste tipo de condutas, atentos ainda os elevados índices de sinistralidade das nossas estradas.
Com efeito, para além das demais condenações por outros distintos factos, as indicadas condenações por similares comportamentos constantes da matéria de facto entretanto já sofridas, não podem deixar de ser consideradas, ampliando-se assim a personalidade do arguido, não só para esses efeitos da escolha da pena nos termos do art.0 70º do C.P., mas também para efeitos da sua exacta medida, de acordo com os critérios do artº 71º do mesmo Diploma, designadamente este seu comportamento, o qual revela destemor e indiferença às reacções criminais, mas bem também às insistentes campanhas de sensibilização contra a condução anti-regulamentar, numa atitude de perfeito desprezo pelas proibições que lhe são impostas, não interiorizando minimamente a censura ético-social do seu comportamento anti-jurídico, o que faz supor para o caso “sub judice ‘, não só a inadequação da pena de multa, antes sim a de prisão, mas também a efectividade desta.
É pois notório que, perante as exigências de prevenção dos valores da vivência em Comunidade, não só relativos à defesa dos demais utentes das estradas deste tipo de condutores, mas também do próprio arguido, face ao seu comportamento e personalidade, a pena de multa não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, como se exige no art.0 70º do Código Penal.
Como se decidiu no acórdão do S.T.J. de 1403 01 (Col. Jur., Acs. S.T.J., Tomo 1. 245):
“Na escolha entre uma pena privativa da liberdade e outra nau privativa, deve optar—se por aquela, sempre que a conduta do arguido revele uma particular censurabilidade e a sua personalidade se mostre desajustada aos valores da sociedade”.
Por isso, atentas as exigências de prevenção geral e especial, tendo em atenção nesta a personalidade, destemor e indiferença do arguido perante as decisões dos tribunais, parece-nos que a pena de prisão não deveria ter sido suspensa.
Com efeito, o arguido tem reiteradamente vindo a demonstrar insensibilidade e destemor perante a administração da justiça, pois que continua a mostrar o seu afrontamento e soberba aquelas advertências, numa ascensão a que urge pôr cobro, já que a anterior ameaça de prisão não surtiu qualquer efeito.
De facto, visto o disposto no art.0 50.º n.0 1 do C. P., parece-nos que deveria estar fora de qualquer cogitação a possibilidade de lhe suspender de novo a pena, já que o arguido, pelo seu comportamento e postura, comprova de forma categórica e indesmentível, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pois que já em anteriores situações de sério aviso, esta medida não se mostrou ser bastante e suficiente para o afastar da prática de novos factos similares, frustrando assim as expectativas criadas, e não satisfazendo desse forma as necessidades de prevenção e reprovação do crime.
É ainda certo também que, pelas mesmas razões, igualmente estará fora de hipótese, quer a sua substituição da pena de prisão aplicada por multa nos termos do art.0 43º do C.P., quer o cumprimento dessa pena de prisão em regime de permanência na habitação com controlo à distância, nos termos do art.0 44º n.0s 1 e 2, quer a sua substituição por trabalho em favor da comunidade, nos termos do art.0 58º nº 1 do C.P., pois que se torna manifesto que por essas formas também não se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Afigura-se-nos pois que, perante este comportamento temerário de afrontamento às reacções criminais, como manifesto que outra pena que não a da prisão não será de facto adequada para cumprir as finalidades da pena, impondo-se assim a aplicação de uma pena privativa da liberdade. Excepcionalmente, só se compreenderia que o cumprimento dessa pena de prisão possa ser equacionada para ser cumprida em dias livres ou em regime de senti-detenção, nos termos dos artºs 45º e 46º do C.P. e 487º do C.P.P., se o arguido estiver inserido social e profissionalmente, o que, como nos parece resultar da matéria de facto, também não será propriamente o caso.
Sendo de toda a forma também certo que a mera suspensão da pena, sem sujeição a qualquer obrigação ou regime de prova, nos parece ser branqueadora do seu reiterado comportamento anti-social.
Face ao exposto, sem necessidade de outras considerações, entendemos que o recurso do M.P. deverá obter provimento.
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Diga-se, por fim que bem andou o tribunal recorrido na determinação das penas parcelares e mo respectivo cúmulo jurídico, e ainda no que respeito diz à sanção acessória, que, por tal se mantêm intocadas.
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Termos em que se acorda em revogar a decisão recorrida (apenas, como se referiu, quanto à suspensão da pena) ordenando-se o cumprimento efectivo da cominada pena de prisão de 8 (oito) meses.
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Sem tributação.
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Coimbra,
Arlindo Félix de Almeida.