Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5790/16.6T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO PATRIMONIAL FUTURO
RENDIMENTO ILÍQUIDO
DANO NÃO PATRIMONIAL
Data do Acordão: 11/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JC CÍVEL 
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 494, 496, 562, 563, 564, 566 CC
Sumário: 1. A incapacidade permanente é, de per si, um dano patrimonial indemnizável pela incapacidade em que o lesado se encontra e encontrará na sua condição física e psíquica, quanto à sua resistência e capacidade de esforços; na fixação da indemnização deverão preponderar critérios de equidade e as soluções adoptadas pela jurisprudência.

2. Em situações de relativa autonomia da limitação funcional, a incapacidade permanente parcial com reflexo na actividade em geral e profissional não deverá ser compensada por forma englobante no contexto do “dano biológico” mas como dano patrimonial (indemnização pelo dano patrimonial futuro que pondere a incapacidade funcional do sinistrado).

3. Na compensação por danos não patrimoniais, o tribunal há-de decidir segundo a equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, bem como as exigências do princípio da igualdade.

4. A indemnização por perdas salariais (e pelo dano patrimonial futuro) poderá ter como base os rendimentos ilíquidos mensais, aplicando-se, depois, os critérios (correctivos) do direito laboral e/ou da equidade.

Decisão Texto Integral:




            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:       

           

           

            I. G (…) intentou a presente acção declarativa comum, na Instância Central do Tribunal da Comarca de Viseu, contra Companhia de Seguros (…) S. A., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 59 349,55, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

            Alegou, em síntese, ter sofrido um acidente de viação, em 10.6.2014, que ocorreu por culpa exclusiva da condutora do veículo seguro na Ré, matrícula NP (...) , e do qual resultaram danos patrimoniais e não patrimoniais que pretende ver ressarcidos mediante o pagamento da referida quantia.

            A Ré contestou, aceitando a responsabilidade da condutora do veículo por si seguro, onde era transportado o A., pela produção do acidente, mas impugnando os valores peticionados, pugnando pela sua absolvição parcial do pedido.

            Foi proferido despacho saneador que firmou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.

            Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 11.4.2018, julgou a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, condenou a Ré a pagar ao A. € 16 000 (dezasseis mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora a contar da notificação da decisão até integral pagamento; € 3 849,55 (três mil, oitocentos e quarenta e nove euros, e cinquenta e cinco cêntimos) e € 25 000 (vinte e cinco mil euros) a título de lucro cessante, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

            Inconformada, a Ré apelou formulando as seguintes conclusões:

            (…)

O A. respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa reapreciar: a) impugnação da decisão relativa à matéria de facto; b) a indemnização por perdas salariais durante o período de “baixa médica”, a indemnização pela incapacidade geral de 7 pontos e a compensação pelos danos não patrimoniais.           


*

II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

            1. No dia 10.6.2014, pelas 19 horas, na Estrada Nacional 226, ao km 29,073, em Formilo, Granja Nova, concelho de Tarouca, ocorreu um acidente de trânsito.

            2. O A. era transportado no veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula NP (...) , propriedade de B (…), e conduzido por C (…) sua locatária.

            3. O veículo NP circulava na EN 226, no sentido Granja Nova/Tarouca, pela hemi-faixa direita da via e a uma velocidade superior a 100 km/h.

            4. A determinada altura, ao quilómetro 29,073, num entroncamento situado no lado direito, atento o sentido Granja Nova/Tarouca, por distracção, a condutora saiu da sua hemi-faixa e foi embater num muro, situado na berma do lado direito, atento o seu sentido de marcha.

            5. Após embater no muro, e dada a velocidade a que seguia, perdeu o controlo da viatura, sofreu capotamento e foi imobilizar-se a cerca de 40 m de distância, num terreno com cerca de 6 m de profundidade, situado no lado direito da via, atento o seu sentido de trânsito.

            6. A via tem cerca de 6,10 m de largura, é uma recta e o piso é em alcatrão.

            7. O local do acidente é ladeado por habitações e o limite de velocidade era de 50 km/h.

            8. A responsabilidade civil emergente de acidente de viação causado pela viatura descrita havia sido transmitida para a seguradora A.M.A., que posteriormente veio a ser integrada na Ré, estando o contrato de seguro titulado pela apólice (...) .

            9. Em consequência do embate, o A. sofreu ferimentos, tendo sido transportado para o Hospital de (...) , onde recebeu os primeiros socorros e lhe foram diagnosticadas e confirmadas as seguintes lesões: traumatismo cervical, lombar e dos membros inferiores, incluindo várias escoriações pelo corpo, nomeadamente no couro cabeludo, face e membro superior direito.

            10. Naquele hospital, foi submetido a limpeza e desinfecção das lesões, realizou exames imagiológicos, e foi-lhe instituída terapêutica analgésica, com alta no mesmo dia.

            11. Nos dias seguintes, o A. teve dores lombares com irradiação para o membro superior direito, tendo recorrido ao Hospital de (...) , no Porto, onde foi reencaminhado para a consulta de neurologia para despiste de patologia da coluna vertebral lombar.

            12. Realizou exames complementares de diagnóstico, designadamente à coluna lombar que revelou uma hérnia lombar L5-S1 à direita migrada e com compressão da raiz nervosa de S1 direita.

            13. Naquele Hospital, foi submetido a excisão da hérnia discal L5-S1 para central direita, no dia 17.10.2014, tendo estado internado durante 2 dias.

            14. Após aquela intervenção cirúrgica, o A. continuou em consultas de neurologia e realizou novos exames complementares de diagnóstico, designadamente uma RMN (ressonância magnética) que revelou uma recidiva de hérnia lombar L5-S1 à direita, tendo sido submetido a novo tratamento cirúrgico para tratamento daquela lesão, a saber, discectomia de L5-S1, no dia 19.12.2014, mantendo-se internado durante pelo menos 2 dias.

            15. Sofreu défice funcional temporário total em 10.6.2014, entre 16.10.2014 e 19.10.2014[1], e entre 16.12.2014 e 22.12.2014 (12 dias), e défice funcional temporário parcial entre 11.6.2014 e 15.10.2014, entre 20.10.2014 e 15.12.2014, e entre 23.12.2014 e 07.4.2015 (290 dias), data da consolidação médico-legal das lesões.

            16. E teve os seguintes períodos de incapacidade temporária absoluta (ITA) para o trabalho: 10.6.2014 a 22.6.2014 e 15.10.2014 a 07.4.2015.

            17. Após alta clínica, como consequência directa e necessária do acidente, o A. ficou a padecer das seguintes sequelas permanentes: a) Raquialgia com aumento de queixas álgicas nos movimentos de flexão e extensão do tronco, bem como nos movimentos de lateralização da coluna, nomeadamente no período matutino, por dor e rigidez referidas à região lombar; b) Cicatriz cirúrgica lombar com cerca de 3 cm.

            18. As sequelas ao nível da coluna lombar implicam esforços suplementares no exercício da sua actividade de enfermeiro, designadamente quando é necessário pegar e transportar doentes tarefa ou tarefas que exigem esforço físico.

            19. Em consequência directa e necessária do acidente, o A. ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 pontos.

            20. O quantum doloris fixa-se num grau 4, numa escala de 0 a 7 de gravidade crescente.

            21. O dano estético fixa-se num grau 1, numa escala de 0 a 7 de gravidade crescente.[2]

            22. O A. era uma pessoa saudável e activa, sentindo, neste momento, um enorme desgosto e tristeza pelo aleijão de que padece.

            23. O A. sentiu momentos de grande medo, angústia e de tristeza.

            24. O A. tinha, à data do acidente, 40 anos de idade - nasceu a 24.6.1974.

            25. Exercia à data do acidente a profissão de enfermeiro no Centro Hospitalar (...) , EPE e auferia as seguintes remunerações:

            a. A quantia de € 1 020,06 sob a rubrica de remuneração base.

            b. A quantia fixa mensal de € 145,66 sob a rubrica de prémio.

            c. E auferia ainda uma remuneração média mensal no valor de € 127,13 de trabalho suplementar,

            Num total médio mensal de € 1 292,85.

            26. Durante os 188 dias de baixa médica, o A. recebeu da parte da segurança social, a título de subsídio de doença, a quantia de € 4 718,24, sofrendo perdas salariais de € 3 384,56.

            27. O A. despendeu no Hospital de (...) , em episódios de urgência, consultas e com taxas moderadoras, a quantia de € 99,70.

            28. O A. despendeu no Hospital de (...) , em episódios de urgência, consultas e com taxas moderadoras, a quantia de € 212,15.

            29. Dependeu no Centro Saúde de (...) , em consultas e taxas moderadoras e em medicamentos, a quantia de € 41.

            30. Despendeu numa consulta de ortopedia no Hospital da CUF a quantia de € 80.

            31. E despendeu em medicamentos, ainda não pagos pela Ré, a quantia de € 32,14.

            2. E deu como não provado:

            a) O A. sofre de dor esporádica pelo membro inferior direito na pesquisa do sinal de Laségue, e apresenta sequelas de feridas abrasivas dispersas pelo corpo e feridas suturadas nos dois membros superiores.

            b) Durante os períodos de internamento, o A. esteve longe da família e dos amigos, o que lhe causou momentos de solidão e de tristeza.

            3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            A Ré pretende ver alteradas as respostas aos pontos de facto 25 e 26 (provados), na forma indicada nas “conclusões 6ª e 8ª”, ponto I, supra, tendo em conta, sobretudo, o que diz ser o “valor líquido” da retribuição média mensal do período considerado e o “montante líquido” das perdas salariais.

            Ainda que a Ré não tenha cumprido adequadamente os ónus da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, mormente quanto à indicação dos concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (art.º 640º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil/CPC), excepto no tocante ao valor pago a título de subsídio de alimentação, no entanto, afigura-se conveniente expurgar a parte final do ponto 26 (“conclusão” a extrair do cálculo a efectuar infra[3]) e clarificar a matéria do ponto 25, sabendo-se que o cálculo das indemnizações no domínio da sinistralidade civil e laboral é feito, normalmente, a partir dos valores ilíquidos habitualmente percebidos pelos sinistrados.[4]

            Ademais, sabemos a importância crescente dada à equidade no cálculo das indemnizações pelo dano no direito civil.[5]

            Pelo exposto e atendendo à documentação de fls. 10 verso a 15 e 51 a 62 (recibos de vencimento), à informação de fls. 50 e à demais factualidade assente, decide-se atender parcialmente a impugnação da Ré, dando aos pontos de facto 25 (II. 1. 25., supra) e 26 (II. 1. 26., supra) a seguinte redacção:

            - 25. Exercia à data do acidente a profissão de enfermeiro no Centro Hospitalar (...) , EPE e auferia as seguintes remunerações:

            a) A quantia de € 1 020,06 sob a rubrica de remuneração base.

            b) A quantia fixa mensal de € 145,66 sob a rubrica de prémio.

            c) A quantia diária de € 4,27 a título de subsídio de alimentação.

            d) E auferia ainda a remuneração média mensal no valor de € 127,13 de trabalho suplementar,

            Num total médio mensal ilíquido de € 1 292,85.

            - 26. Durante os 188 dias de baixa médica, o A. recebeu da parte da segurança social, a título de subsídio de doença, a quantia de € 4 718,24.

            4. Inquestionada a responsabilidade pela reparação dos danos decorrentes do acidente, transferida para a Ré em razão do contrato de seguro dito em II. 1. 8., supra, resta apenas reapreciar a indemnização por danos patrimoniais futuros e (eventuais) perdas salariais e a compensação por danos não patrimoniais.

            5. A obrigação de indemnizar tem como finalidade precípua a remoção do dano causado ao lesado.

            Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art.º 562º do Código Civil/CC), obrigação que apenas existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (art.º 563º do CC).

            Têm a natureza de dano não só o prejuízo causado (dano emergente) como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, sendo atendíveis danos futuros, desde que previsíveis (art.º 564º do CC).

            O nosso legislador acolheu prioritariamente a via da reconstituição natural (art.º 566º, n.º 1, do CC) e, sempre que a indemnização é fixada em dinheiro, determina que se fixe por referência à medida da diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (art.º 566º, n.º 2, do CC).

            Se não puder ser averiguado o valor exacto do dano, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (n.º 3, do mesmo art.º).

            São compensáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art.º 496º, n.º 1, do CC).

            Os danos não patrimoniais não são por sua própria natureza passíveis de reconstituição natural e, em rigor, não são indemnizáveis mas apenas compensáveis pecuniariamente, compensação que não é o preço da dor ou de qualquer outro bem não patrimonial, mas, sim, uma satisfação concedida ao lesado para minorar o seu sofrimento ou “que contrabalance o mal sofrido”.

            A lei remete a fixação do montante indemnizatório por estes danos para juízos de equidade, haja mera culpa ou dolo (art.º 496°, n.º 3, 1ª parte, do CC[6]), tendo em atenção os factores referidos no art.º 494°, do CC.

            6. Desde há muito se firmou o entendimento de que, em razão da extrema dificuldade e delicadeza da operação de “quantificação” dos danos não patrimoniais e não obstante a infinita diversidade das situações, dever-se-ão ter presentes os padrões usuais de indemnização estabelecidos pela jurisprudência corrigidos por outros factores em que se atenda à época em que os factos se passaram, à desvalorização monetária, etc.[7]

            Assim, o julgador deve ter em conta todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem esquecer a natureza mista da reparação, pois visa-se reparar o dano e também punir a conduta.

            A indemnização por danos não patrimoniais não se destina obviamente a repor as coisas no estado anterior, mas tão só a dar ao lesado uma compensação pelo dano sofrido, proporcionando-lhe situação ou momentos de prazer e alegria que neutralizem, quanto possível, a intensidade da dor física ou psíquica sofrida.[8]

            Para a determinação da compensação por danos não patrimoniais, o tribunal há-de assim decidir segundo a equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente, a dialéctica comparativa das situações económicas do lesante/responsável e do lesado[9] e as demais circunstâncias do caso, bem como as exigências do princípio da igualdade.[10]

            Ademais, na fixação do montante compensatório dos danos não patrimoniais associados à violação de certos tipos de bens pessoais (v. g., vida, integridade física, honra, personalidade moral), os ditames da equidade devem sobrepor-se à necessidade de salvaguarda da segurança jurídica.[11]

            7. Relativamente à problemática da reparação dos danos patrimoniais derivados de uma situação de incapacidade permanente tem vindo a ser entendido, maioritariamente, que há lugar ao arbitramento de indemnização, por danos patrimoniais, independentemente de não se ter provado que o autor, por força de uma IPP que sofreu, tenha vindo ou venha a suportar qualquer diminuição dos seus proventos conjecturais futuros, isto é, uma diminuição da sua capacidade geral de ganho, considerando-se, designadamente, que a IPP é um dano patrimonial indemnizável, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto dela resultante, dada a inferioridade em que o lesado se encontra na sua condição física, quanto a resistência e capacidade de esforços; a IPP produz um dano patrimonial, traduzido no agravamento da penosidade para a execução, com normalidade e regularidade, das tarefas próprias e habituais da actividade profissional do lesado, que se repercutirá em diminuição da condição e capacidade física e da resistência para a realização de certas actividades e correspondente necessidade de um esforço suplementar, o que em última análise representa uma deficiente e imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades humanas em geral e um maior dispêndio e desgaste físico e psíquico.[12]

            8. Como critérios de determinação do valor dos danos correspondentes à perda de ganho tem-se lançado mão de vários métodos e tabelas de cálculo, de pendor matemático e financeiro, que a jurisprudência, depois de uma fase de progressiva aceitação, embora sempre sem perder de vista que elas não representam mais que métodos de cálculo, vem acentuando que, apesar da sua reconhecida utilidade, assumem natureza meramente indicativa em vista da justa e equilibrada, e tanto quanto possível uniforme, aplicação dos princípios legalmente acolhidos, mas não dispensam a intervenção do prudente arbítrio do julgador com recurso à equidade, o que, de resto, deve suceder com qualquer outro critério abstracto que, decerto por isso, o legislador não adoptou; assim se afirma progressivamente a preferência pela avaliação equitativa, sendo aqueles métodos de cálculo tabelas meramente referenciais ou indiciárias, só revelando como meros instrumentos de trabalho, com papel adjuvante, que não poderão substituir o prudente arbítrio do tribunal e a preponderante equidade (art.ºs 564º, n.º 2 e 566º, n.º 3 do CC).[13]

            9. Em consequência directa e necessária do acidente, o A. ficou portador de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 7 pontos, sendo que as sequelas ao nível da coluna lombar implicam esforços suplementares no exercício da sua actividade profissional de enfermeiro, designadamente quando é necessário pegar e transportar doentes, tarefa ou tarefas que exigem esforço físico [cf. II. 1. 18. e 19., supra] e, naturalmente, no desenvolvimento de outras actividades em geral que impliquem idêntico esforço físico, o que o limitará ou impedirá no exercício dalgumas delas [podendo-se admitir - como a 1ª instância - o eventual surgimento de patologias provavelmente incapacitantes, de forma parcial e futura, sendo certo que, no domínio da sinistralidade cível, não será possível a “revisão da incapacidade”...].

            O A., à data do acidente, tinha 40 anos de idade e exercia a profissão de enfermeiro, auferindo um rendimento médio mensal ilíquido de € 1 292,85 [cf. II. 1. 24. e 25., e II. 3., supra]

             Sendo inequívoca a descrita limitação funcional, encontra-se, pois, justificada a atribuição de uma quantia para ressarcimento de danos patrimoniais futuros.

            Dadas as dificuldades inerentes à fixação da pretendida e devida indemnização, pensamos que se deverá atender, sobretudo, a critérios de equidade e aos valores que têm sido atribuídos pela jurisprudência em situações similares.

            Por conseguinte, considerando ainda que a vida activa do A. se desenvolverá, pelo menos, até aos 70 anos de idade[14], e atentos os demais elementos disponíveis (mormente, a data da consolidação das lesões – cf. II. 1. 15., supra), afigura-se que a indemnização fixada no montante de € 25 000 (vinte e cinco mil euros) não será excessiva, antes reparará adequadamente os prejuízos decorrentes da descrita limitação funcional e com repercussão na esfera patrimonial do A..[15]

            10. Relativamente às perdas salariais do período de ITA de 188 dias (10.6.2014 a 22.6.2014 e 15.10.2014 a 07.4.2015), afigura-se que se deverá atender ao valor ilíquido do salário mensal de € 1292,85 (aceite pelas partes) e aplicar o critério seguido em matéria de acidentes de trabalho (art.º 48º, n.º 3, alínea d) da Lei n.º 98/2009, de 04.9), levando ainda em conta a necessidade de considerar os proporcionais de subsídios de férias e de natal[16], donde resulta o valor global de € 6 616,52 (€ 1292,85 : 30 x 188 x 0,7 + € 1292,85 x 0,7 x 188:360 x 2).[17]

            Por conseguinte, a título de perda salarial, é ainda devida a importância de € 1 898,28 (€ 6 616,52 - € 4 718,24) e não o valor de € 3 384,56 [188 x € 1295,85 : 30 - € 4718,24].

            11. O Tribunal recorrido, atendendo às lesões [traumatismo cervical, lombar e dos membros inferiores, incluindo várias escoriações pelo corpo, nomeadamente no couro cabeludo, face e membro superior direito – cf. II. 1. 9., supra], a todo o subsequente processo de tratamento hospitalar, às diversas intervenções cirúrgicas e às dores sofridas [cf., sobretudo, II. 1. 10. a 14., supra], ao longo período decorrido até à consolidação médico-legal das lesões e correspondentes períodos de incapacidade temporária absoluta e parcial [cf. II. 1. 15. e 16., supra], às sequelas permanentes advindas do acidente [raquialgia com aumento de queixas álgicas nos movimentos de flexão e extensão do tronco, bem como nos movimentos de lateralização da coluna, nomeadamente no período matutino, por dor e rigidez referidas à região lombar; cicatriz cirúrgica lombar com cerca de 3 cm. – cf. II. 1. 17., supra], à circunstância de as sequelas ao nível da coluna lombar implicarem esforços suplementares no exercício da sua actividade de enfermeiro - designadamente quando é necessário pegar e transportar doentes ou nas tarefas que exigem esforço físico [cf. II. 1. 18., supra] -, ao défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 pontos de que ficou portador em consequência das mesmas sequelas [cf. II. 1. 19., supra], bem como ao quantum doloris de grau 4, dano estético de grau 1 e repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer também de grau 1, numa escala de 1 a 7 de gravidade crescente [cf. II. 1. 20. e 21., supra, e as “conclusões” de fls. 109 verso] e considerando ainda que o A. era uma pessoa saudável e activa, sentindo, neste momento, um enorme desgosto e tristeza pelo aleijão de que padece, e bem assim que o A. sentiu momentos de grande medo, angústia e de tristeza e tinha, à data do acidente, 40 anos de idade [cf. II. 1. 22. a 24., supra], julgou adequado compensar tais danos não patrimoniais com o montante de € 16 000 (dezasseis mil euros).

            Tal quantia não é excessiva e poder-se-á considerar equitativa, razoável e ajustada à situação concreta no confronto com as situações com alguma similitude versadas nas diversas decisões dos tribunais superiores[18] - e na plena afirmação das exigências da equidade, da proporcionalidade e da igualdade -[19], conferindo, pois, o devido relevo ao tipo de bem violado e à natureza, intensidade e extensão dos danos[20].    

            12. Procedem, desta forma, parcialmente, as “conclusões” das alegações de recurso.


*

            III. Pelo exposto, na parcial procedência da apelação, decide-se alterar a decisão de facto como se indica em II. 3, supra, e, revogando parcialmente a sentença recorrida, condena-se a Ré Seguradora a pagar ao A. a indemnização de € 1 898,28 (mil oitocentos e noventa e oito euros e vinte e oito cêntimos), a título de perdas salariais do período de ITA, mantendo-se no mais o decidido.

            Custas a cargo do A. e da Ré, na proporção do decaimento.          

                                                                    *


28.11.2018

Fonte Ramos ( Relator )

Maria João Areias

Alberto Ruço



[1] Rectificou-se (cf. o relatório pericial de fls. 105 e seguintes, maxime, a fls. 108 e verso).
[2] Faltou enumerar a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer também de grau 1, numa escala de 1 a 7 de gravidade crescente (cf. as “conclusões” do relatório médico-legal de fls. 109 verso).

[3] Relegando a definição do (eventual) montante a pagar para a fundamentação da decisão de mérito e com base nos factos apurados (rendimento bruto e valor percebido).
[4] Vide, por último, por exemplo, o art.º 71º, n.ºs 1 a 3 da Lei n.º 98/2009, de 04.9 (que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais) e que estabelece: A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente (n.º 1). Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios (n.º 2). Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade (n.º 3).

[5] Cf., por último, entre outros, os acórdãos do STJ de 22.6.2017-processo 104/10.1TBCBC.G1.S1, 06.12.2017-processo 1509/13.1TVLSB.L1.S1 e 24.5.2018-processo 7952/09.3TBVNG.P1.S1, publicados no “site” da dgsi.
[6] Redacção que se manteve, na 1ª parte do n.º 4 do mesmo art.º, na redacção conferida pela Lei n.º 23/2010, de 30.8.

[7] Vide, de entre vários, os acórdãos da RL de 20.02.1990 e da RP de 07.4.1997, in CJ, XV, 1, 188 e XXII, 2, 204, respectivamente.

[8] Vide Vaz Serra, BMJ 278º, 182.
[9] Vide Filipe Albuquerque Matos, in RLJ 143º, pág. 214 e ainda, entre outos, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 474.
   Propendemos, assim, para o entendimento sufragado nas referidas anotações, de sentido contrário àquela que parece ser a posição adoptada pelo STJ, entre outros, nos acórdãos de 24.4.2013-processo 198/06.TBPMS.C1.S1 e 07.5.2014-processo 436/11.1TBRGR.L1.S1, publicados no “site” da dgsi.
[10] Cf., de entre vários, o acórdão do STJ de 30.9.2010-processo 935/06.7TBPTL.G1.S1, publicado no “site” da dgsi.
[11] Cf., entre outros, o acórdão do STJ de 09.9.2014-processo 654/07.7TBCBT.G1.S1, publicado no “site” da dgsi.
[12] Vide, de entre vários, os acórdãos do STJ de 13.01.2009-processo 08A3734, 26.11.2009-processo 2659/04.0TJVNF.P1.S1, 17.12.2009-processo 340/03.7TBPNH.C1.S1, 25.02.2010-processo 172/04.5TBOVR.S1, 21.3.2013-processo 565/10.9TBPVL.S1, 22.6.2017-processo 104/10.1TBCBC.G1.S1, 06.12.2017-processo 1509/13.1TVLSB.L1.S1 e 24.5.2018-processo 7952/09.3TBVNG.P1.S1, bem como os acórdãos da RL de 06.10.2005-processo162/2005-8, da RP de 15.02.2005-processo 0425710 e da RC de 14.10.2008-processo 2353/05.5TBCBR.C1, publicados no “site” da dgsi.

    Porém, também se defende (pensamos que ainda minoritariamente) que o ressarcimento do denominado “dano biológico” deve ser feito em sede de dano não patrimonial, casuisticamente, verificando se a lesão origina, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, uma afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade, entendendo-se ainda que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial.
    Desenvolvendo e explicitando esta segunda perspectiva, afirma-se que nem sempre é concretamente previsível que determinada IPP, sobretudo de reduzido grau (inferior a 10 % ou a 5 %), seja adequada a determinar consequências negativas ao nível da actividade geral do lesado ou a reflectir-se, ainda que de modo indirecto, no desempenho da sua actividade profissional ou a implicar, para o mesmo, uma maior dificuldade ou esforço no exercício de actividades profissionais ou da vida quotidiana, pelo que nem sempre será possível sustentar a consideração do dano biológico como de cariz patrimonial para fundamentar a procedência do pedido de indemnização a título de danos patrimoniais futuros, esgotando-se a sua valoração e ressarcimento em sede de dano não patrimonial - cf., neste sentido, os acórdãos do STJ de 20.01.2010-processo 203/99.9TBVRL.P1.S1 e 13.4.2010-processo 4028/06.9TBVIS.C1.S1, publicados no “site” da dgsi.
    Desenvolvendo largamente esta problemática e propendendo para esta segunda perspectiva, cf., ainda, o acórdão do STJ de 20.01.2011-processo 520/04.8GAVNF.P2.S1, publicado no “site” da dgsi.

[13] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 19.10.1999-processo 99A356, 06.4.2005-processo 05A2167, 13.01.2009-processo 08A3747, 01.10.2009-processo 1311/05.4TAFUN.S1, 25.11.2009-processo 397/03.0GEBNV.S1, 02.5.2012-processo 1011/2002.L1.S1 e de 02.10.2007, os primeiros publicados no “site” da dgsi e, o último, na CJ-STJ, XV, 3, 68.
[14] Cf., por exemplo, os acórdãos do STJ de 17.11.2005-processo 05B3167, 12.10.2006-processo 06B2581, 06.3.2007-processo 07A189 e 17.12.2009-processo 340/03.7TBPNH.C1.S1, publicados no “site” da dgsi, e de 02.10.2007 e 11.3.2010, publicados na CJ-STJ, XV, 3, 68 e XVIII, 1, 123, respectivamente. 

[15] Cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 13.3.2001-processo 01A3307, 14.02.2008-processo 07B4508, 26.01.2012-processo 220/2001.L1.S1, 26.01.2016-processo 2185/04.8TBOER.L1.S1, 02.6.2016-processo 3987/10.1TBVFR.P1.S1, 16.6.2016-processo 1364/06.8TBBCL.G1.S2, 10.11.2016-processo 175/05.2TBPSR.E2.S1, 22.6.2017-processo 104/10.1TBCBC.G1.S1 (aresto que efectua uma análise profundamente lúcida acerca dos raciocínios totalmente deslocados, desumanos e miserabilistas expressos em muitas alegações de recurso…, mormente quando está em causa a fixação equitativa da perda da capacidade de ganho/dano patrimonial futuro de jovens que ainda não ingressaram no “mercado de trabalho”; aí se extraiu, entre outras, a seguinte “conclusão”: “A atribuição de indemnização pelo dano biológico não substitui nem impede a atribuição de uma indemnização pelo dano patrimonial futuro que pondere a incapacidade funcional do sinistrado.” ), 06.12.2017-processo 1509/13.1TVLSB.L1.S1, 06.12.2017-processo 559/10.4TBVCT.G1.S1 e 24.5.2018-processo 7952/09.3TBVNG.P1.S1, da RC de 12.4.2011- apelação 756/08.2TBVIS.C1 e 27.9.2016-processo 2206/11.8TBPBL.C1 e da RP de 16.3.2015-processo 224/12.8TVPRT.P1, publicados no “site” da dgsi.
[16] Este o critério acolhido no acórdão da RC de 12.4.2011-apelação 756/08.2TBVIS.C1, publicado no "site" da dgsi.

[17] Se se considerasse a média dos valores líquidos dos recibos de vencimento de Julho/2013 a Maio/2014 (fls. 10 verso a 15 verso/51 a 62) e a totalidade do subsídio de Natal de 2013, teríamos um valor líquido médio mensal de € 1038,81 [€ 11 426,88 : 11], pelo que, atendendo a este valor e porque se poderia/deveria desconsiderar o subsídio de férias (de algum modo "consumido" pelo valor acrescido do subsídio de Natal), obteríamos, por esta via, o montante total de € 6 509,87 (188 x 1038,81 : 30).

[18] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 13.4.2010-processo 4028/06.9TBVIS.C1.S1, 27.5.2010-processo 8629/05.4TBBRG.G1.S1, 14.9.2010-processo 267/06.0TBVCD.P1.S1, 30.9.2010-processo 935/06.7TBPTL.G1.S1, 07.10.2010-processo 2171/07.6TBCBR.C1.S1, 21.10.2010-processo 1331/2002.P1.S1, 11.11.2010-processo 270/04.5TBOFR.C1.S1, 07.6.2011-processo 3042/06.9TBPNF.P1.S1, 07.6.2011-processo 524/07.9TCGMR.G1.S1, 07.5.2014-processo 436/11.1TBRGR.L1.S1, 09.9.2014-processo 654/07.7TBCBT.G1.S1 e 16.6.2016-processo 1364/06.8TBBCL.G1.S2 e, ainda, os acórdãos da RP de 27.9.2016-processo 791/09.3TBVCD.P1 e da RC de 12.4.2011-processo 756/08.2TBVIS.C1 (subscrito pelo aqui relator) e 27.9.2016-processo 2206/11.8TBPBL.C1 [relativo a uma situação com alguma similitude com o caso vertente, subscrito pelos aqui relator e 1ª adjunta e no qual ficaram expressas, nomeadamente, as seguintes “conclusões”: «4. Em termos de busca e fixação do valor dos danos advenientes da responsabilidade civil extracontratual (morais/patrimoniais) os princípios da igualdade e da unidade do direito e o valor da previsibilidade da decisão judicial vinculam à padronização e à normalização do valor da indemnização. 5. A determinação do quantum da indemnização do dano não patrimonial deve orientar-se por uma valoração casuística, orientada por critérios de equidade. 6. A indemnização destinada a ressarcir os danos não patrimoniais sofridos por um qualquer lesado não deve revestir carácter miserabilista, nem esquecer o aumento regular dos seguros obrigatórios estradais, e dos respectivos prémios, justificantes do aumento das indemnizações.»], publicados no “site” da dgsi.
[19] Exigências e princípios que, cremos, poderão/deverão ser adequadamente conjugados, ainda que, simultaneamente, se procure alcançar uma maior uniformização jurisprudencial.
   Afigura-se-nos, assim, porventura excessivo o juízo crítico expresso por Filipe Albuquerque Matos, sobre esta matéria, na parte final da anotação ao acórdão do STJ de 24.4.2013 (RLJ 143º, pág. 218).
[20] Vide Filipe Albuquerque Matos, in RLJ 143º, págs. 214 e seguinte.