Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
16/19.3GHCTB-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA LAMAS
Descritores: MEDIDA DE COACÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE APRESENTAÇÕES PERIÓDICAS
INDÍCIOS DA PRÁTICA DO CRIME
PERIGO DE PERTURBAÇÃO DA ORDEM OU TRANQUILIDADE PÚBLICAS
CRIME DE TRÁFICO DE PESSOAS
Data do Acordão: 11/20/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE CASTELO BRANCO - JUIZ 1
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 198.º, N.º 1, E 204.º, N.º 1, ALÍNEAS B) E C), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I - Ao contrário do que se exige para medidas de coaçcão mais gravosas, para a aplicação da medida de coacção de obrigação de apresentações periódicas apenas é necessária a verificação de indícios, não de indícios fortes, da prática do crime.

II - O perigo de perturbação da ordem ou tranquilidade públicas exige a verificação das circunstâncias particulares que em concreto tornem previsível a alteração da ordem ou tranquilidade públicas, não bastando a convicção de que certos tipos de crimes podem, em abstracto, causar emoção ou perturbação pública.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4ª secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. RELATÓRIO

1.1. A decisão

…, foi proferido pelo Juiz 1 do Juízo Local Criminal de Castelo Branco, em 1/8/2025, o seguinte despacho :

«Julgo válida a detenção do arguido AA …


*

O arguido AA … encontra-se indiciado pela prática, em (co)autoria material e em concurso efetivo, de:

- dois crimes de tráfico de pessoas, previstos e punidos pelo artigo 160.º n.º 1, a), b), c) e d) e n.º 3, do Código Penal;

- dois crimes de sequestro, previstos e punidos pelo artigo 158.º n.º 1, do Código Penal.


*

Indiciam os autos a prática pelo arguido dos factos constantes do despacho de apresentação a primeiro interrogatório com a referência n.º 39001149, já comunicados ao arguido, que aqui se dão por reproduzidos, por razões de economia processual.

         [  1. …

2. Os arguidos BB … e CC … são os progenitores dos arguidos … e do arguido AA …

3. Pelo menos desde o ano de 2016 que BB … e CC … se dedicam, de forma reiterada e ao longo de vários anos, a angariar pessoas para trabalhar sazonalmente em campanhas agrícolas diversas, particularmente em Espanha, prometendo condições vantajosas, mas obrigando-as a trabalhar em condições desumanas, sendo exploradas, sem receber o vencimento prometido ou qualquer outra compensação monetária.

4. Do mesmo modo, mantêm as vítimas em locais sem condições de habitabilidade dignas, obrigando-as a pernoitar em barracas sem electricidade, água ou aquecimento, com alimentação deficiente, consistindo muitas vezes em restos ou comida de fraca quantidade e qualidade.

5. Nas mesmas circunstâncias, e de modo a lograrem alcançar o seu desígnio, perpetram maus-tratos físicos e psicológicos, com recurso a ameaças permanentes e a intimidação dos seus familiares, dos quais foram vítimas.

6. Desde data não concretamente apurada, mas após terem feito 16 anos de idade, o arguido AA …, …, … e … aderiram ao plano elaborado pelos seus progenitores, dedicando-se em conjugação de esforços e de intentos com os mesmos à referida prática criminosa.

7. Os arguidos escolhiam como alvos indivíduos residentes na zona centro de Portugal e que se encontravam em situação de evidente vulnerabilidade física e psicológica, tratando-se de pessoas socialmente excluídas, com dificuldades económicas notórias, sem qualquer suporte familiar.

8. Os arguidos abordavam estes indivíduos porque sabiam que os mesmos eram facilmente ludibriados com falsas promessas de emprego e, quando assim não conseguem, aproveitavam-se da frágil situação económica, social e familiar em que os mesmos se encontravam para os conseguir levar para Espanha.

9. Logo que iniciam a viagem para Espanha, as vítimas ficam privadas da sua liberdade, sendo permanentemente vigiadas, ficando os arguidos em permanência junto delas, para evitar que fugissem ou contactem com terceiros para pedir ajuda.

10. O objectivo dos arguidos era a obtenção de proveitos económicos através da exploração de cidadãos portugueses e/ou estrangeiros que eram transportados para Espanha, onde eram obrigados a trabalhar em campanhas agrícolas, apoderando-se do dinheiro que lhes é entregue para pagamento dos respectivos salários desses trabalhadores.

11. Na concretização desta actividade de tráfico de pessoas com o objectivo de sujeitar as vítimas a exploração laboral em Espanha, apoderando-se dos proveitos económicos gerados pelo seu trabalho, os arguidos levaram de Portugal para Espanha, pelo menos, os seguintes indivíduos:

15. Os arguidos obrigaram DD … a pernoitar em diferentes locais, sem quaisquer condições de habitabilidade ou dignidade, havendo situações em que obrigaram o mesmo a pernoitar ao relento ou em tendas/barracões, onde dormia no chão, apenas em cima de um plástico.

16. Estes locais não eram providos de casa-de-banho, o que fazia com que DD … tomasse banho de água fria, em ribeiros, fazendo as necessidades fisiológicas no campo.

17. Alguns destes locais, não tinham electricidade.

18. DD … durante este período de tempo passou fome, pois só era alimentado por restos ou com um pedaço de pão.

19. Os arguidos impediram que DD … contactasse com os seus familiares, …

20. Durante o mesmo período de tempo, encontravam-se nas mesmas circunstâncias EE …, FF … e GG …

26. Em data não concretamente apurada, mas que se situa no decurso do ano de 2017, GG … aceitou ir trabalhar com os arguidos para Espanha, para a agricultura/vinhas, na região de La Rioja, porque lhe prometeram boas condições laborais, como transporte, um vencimento diário de 30,00 €, alojamento e alimentação.

27. Naquele local, trabalhou sob o domínio dos arguidos, sendo laboralmente explorado, vivendo em condições indignas e sem receber qualquer vencimento pelo seu trabalho.

28. Assim, aí viveu numa tenda, não tendo acesso a casa de banho, razão pela qual fazia as suas necessidades fisiológicas no campo e tomando banho pontualmente, em rios e ribeiros.

29. Os arguidos obrigaram-no a trabalhar na agricultura «de sol a sol», com pouco descanso, sem nunca lhe pagarem qualquer remuneração pelo trabalho realizado.

30. Em Março de 2016 EE … aceitou ir trabalhar com os arguidos para Espanha, para a agricultura/vinhas, na região de La Rioja, porque lhe prometeram boas condições laborais, como um vencimento mensal de 650,00 €, alojamento e alimentação.

31. Quando chegou a Espanha, a 12 de Março de 2016, residiu, juntamente com os arguidos, durante 15 dias num acampamento.

32. Depois, passou a residir numa habitação sem mobília, sem electrodomésticos e sem casa-de-banho, tendo que dormir em colchões velhos, apenas assentes em estrados, …

33. Cerca de 2 meses depois, os arguidos e suspeitos passaram a residir numa casa na localidade de …, tendo o EE … e os demais trabalhadores ocupado o sótão da mesma, que não tinha quaisquer divisões, casa de banho ou eletrodomésticos.

34. O EE … e demais trabalhadores tinham de utilizar a casa-de-banho da parte da habitação afecta aos arguidos e suspeitos.

56. Os arguidos obrigaram-nos a pernoitarem em locais sem as mínimas condições de habitabilidade, nomeadamente sem casa de banho.

61. O arguido sabia que, com as suas condutas supra descritas, estava a propiciar e fomentar a deslocação para Espanha de cidadãos portugueses para exploração laboral, de forma organizada e com recurso à violência e a meios enganosos, obtendo lucros com as quantias em dinheiro que as suas vítimas recebiam pelo seu trabalho, tal como sabia que estas condutas constituíam crime, e nem mesmo esse conhecimento o demoveu de actuar da forma descrita concretizando os seus objectivos.

62. Mais sabia que as pessoas que levavam para Espanha eram pessoas fragilizadas por questões de exclusão social e dificuldades económicas, que acederam em ir para aquele país na convicção de que aí iriam trabalhar na agricultura, sendo remunerados por esse trabalho com salários de valor elevado para Portugal e com alojamento e alimentação gratuitos.

63. O arguido fê-lo bem sabendo que às vítimas não iria ser paga a retribuição mensal pelo trabalho prestado, que as mesmas iriam ser sujeitas a longos períodos de trabalho, sem descanso semanal, seriam alojadas em locais sem condições mínimas de habitabilidade e salubridade, lhes seria dada alimentação desadequada, quer pela qualidade, quer pela quantidade, e que seriam privados da sua liberdade de locomoção, na medida em que não se poderiam deslocar livremente, seriam colocados em locais isolados e permaneceriam sob constante vigilância de elementos dos arguidos.

64. O arguido sabia que as condutas que adoptava constituíam a prática de ilícitos criminais, não tendo esse conhecimento demovido a sua vontade de as levar a cabo, como fez, desde pelo menos atingir os 16 anos, obtendo por esta via as quantias monetárias ainda não concretamente apuradas, correspondentes ao valor das retribuições e indeminização que deviam ter sido pagas às vítimas, das quais se apoderou por via do ingresso daquele dinheiro na economia familiar, como era sua vontade.

66. Para atingirem o referido propósito, os arguidos ludibriaram-nos através de erro que ardilosamente os induziram, mediante promessas de integração num posto de trabalho remunerado, alimentação e alojamento condigno, promessas que sabiam, antecipada e deliberadamente, que não iriam cumprir, aproveitando-se das débeis condições psíquicas e inexistente suporte familiar das vítimas, razões pelas quais foram os mesmos seduzidos e aceitaram as propostas de trabalho, sujeitando-os, efectivamente, a jornadas de trabalhos excessivos e em condições laborais e de vida degradantes, assim obtendo enriquecimento ilegítimo na mesma medida que causaram prejuízo patrimonial às vítimas.

67. Foram a vítimas constrangidas, deliberadamente pelos arguidos, a trabalhar e a viver sem o mínimo de condições de habitabilidade, higiene, saúde física e psíquica, privacidade, alimentação e trabalho, sobrecarregando-os com trabalhos excessivos, sendo maltratados física e psicologicamente pelos suspeitos, por forma a subjugá-los inteiramente à sua vontade e caprichos, privando-os de toda e qualquer liberdade, nomeadamente liberdade física de movimentos, liberdade de decisão e liberdade de acção.

68. Causaram, pois, as referidas condutas assumidas pelo arguido, danos irreparáveis na personalidade e na integridade física e psíquica das vítimas.


*

A convicção do Tribunal, …


1.2.O recurso

1.2.1. Das conclusões do arguido

Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):

                                                 

1. Da ponderação da realidade indiciária dos autos não resultam contra si quaisquer indicios de ter praticado quaisquer factos ilicitos.

2. O que ocorre é que é filho de BB …, mas isso, ainda, não é indicio de crime.

3. Ninguém lhe consegue atribuir a prática de um único facto que seja ilícito criminal.

4. Não se verificam quaisquer dos requisitos do artigo 204º do CPP. A sua invocação resultou só do tipo de crime, não sendo ponderada a realidade concreta, entre ela, o facto de ter actividade profissional normal distinta da dos familiares, a recolha de sucata.

5. Não há, pois, qualquer perigo processual a atenuar ou a esbater.

6. A decisão recorrida violou o principio da ponderação objectiva da realidade indiciária e os artigos 127º e 193º, ambos do CPP.

1.2.2 Da resposta do Ministério Público

Respondeu em 1ª instância o Ministério Público, …

1.2.3. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação emitiu parecer …

1.2.4. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do C.P.P., respondeu o recorrente em 3/10/2025. Foi solicitada à primeira instância a remessa de elementos em falta na certidão que instrui o recurso, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência.

II. OBJECTO DO RECURSO

Assim, examinadas as conclusões de recurso, são as seguintes as questões a conhecer :

- Verificação de indícios da prática do crime;

- Verificação dos perigos previstos no artigo 204º do C.P.P..

III. APRECIAÇÃO DO RECURSO

4.1. - Verificação de indícios da prática do crime:

O recorrente insurge-se contra a sua sujeição à medida de coacção aplicada após o interrogatório judicial, qual seja, a de se apresentar três vezes por semana, às segundas-feiras, quartas-feiras e sextas-feiras na esquadra/posto do órgão de polícia criminal da área da sua residência, invocando, em primeiro lugar, inexistirem quaisquer indícios contra si da prática de dois crimes de tráfico de pessoas . Argumenta que o seu azar é ser filho de BB.

O artigo 191º, nº 1 do C.P.P., estipula que «A liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de as exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coacção e de garantia patrimonial previstas na lei» (princípio da legalidade das medidas de coacção).

Por seu turno,  o artigo 193º, nº 1 do mesmo diploma legal, prescreve que «As medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas» (princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade na aplicação das medidas de coacção).

O artigo 198º, nº 1 do C.P.P. estipula como requisito substantivo específico para a aplicação da medida de coacção de obrigação de apresentação periódica, a existência de indícios da prática de crime punível como pena de prisão de máximo superior a 6 meses .

O crime de tráfico de pessoas é punível com pena de 3 a 12 anos de prisão .

Em primeiro lugar faz-se notar que, ao contrário do que se exige para medidas de coaçcão mais gravosas – proibição e imposição de condutas, obrigação de permanência na habitação e a prisão preventiva –, para aplicação da medida de coação em questão apenas é necessária a verificação de indícios – não de indícios fortes – da prática do crime.

Cotejando o decidido pelo tribunal recorrido, constata-se que a medida de coacção em causa foi aplicada ao arguido recorrente por se ter concluído pela existência de indícios da prática de dois crimes de tráfico de pessoas, sendo que o recorrente discorda da indiciação penal, remetendo, para o efeito, para o depoimento para memória futura da principal vítima, ….

Deste modo, constatamos que a decisão recorrida se sustenta na análise dos elementos probatórios carreados para os autos, análise essa que conduz ao juízo de indiciação feito pelo tribunal recorrido em relação ao recorrente, e que não nos merece qualquer censura .

Assim, improcede esta primeira questão suscitada no recurso .

4.2.  - Verificação dos perigos previstos no artigo 204º do C.P.P.:

Alega o recorrente que nenhum destes perigos está concretizado, que a sua invocação resultou apenas do tipo de crime e que não foi ponderado o facto de ter actividade profissional distinta da dos familiares.

O artigo 204º do C.P.P. fornece-nos o quadro das exigências cautelares que justificam a aplicação de medidas de coacção - exceptuando o termo de identidade e residência - sob a designação de requisitos gerais da aplicação das medidas de coacção, preceituando que:

«Nenhuma medida de coacção à excepção da prevista no artigo 196º, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida:

a) Fuga ou perigo de fuga;

b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou

c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas»

Analisando a decisão recorrida, constatamos que a mesma afirmou existirem os perigos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 204º.

Começando pelo perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas – cfr. a alínea c) -, sem querer repetir o que o tribunal de primeira instância a este propósito consignou, por estar transcrito supra, diremos que não se limitou a considerar o tipo de crime, em abstracto.

Sem embargo, os crimes de tráfico de pessoas são, na verdade, crimes graves que trazem a comunidade alarmada e intranquila pelas consequências a que normalmente dão lugar, tendo os tribunais o dever de proteger as populações.

Como observa Maia Costa, in  Código de Processo Penal comentado, 2ª edição, Coimbra, 2016, p. 823, o perigo de perturbação da ordem ou tranquilidade públicas exige a verificação das circunstâncias particulares que em concreto tornem previsível a alteração da ordem ou tranquilidade públicas, não bastando a convicção de que certos tipos de crimes podem em abstrato causar emoção ou perturbação pública.

Porém, no caso em apreço, os factos imputados ocorreram durante vários anos e afectaram pessoas cuja vulnerabilidade física e psicológica era propositadamente explorada (também) pelo recorrente, o que suscita um especial sentimento de receio e insegurança nas respectivas vítimas.

Não estamos perante presunções, considerações genéricas ou meras abstracções mas antes perante factos concretos.

Quanto ao perigo de perturbação do inquérito, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, concordamos com o tribunal recorrido, na medida em que importa salvaguardar, além da recolha de outra prova, a conservação da já recolhida, no sentido de garantir a sua reprodução em julgamento .

Ora, mais uma vez importa trazer à colação a circunstância de os ofendidos e, por via disso, as testemunhas, serem pessoas particularmente vulneráveis, além de que, como resulta, quer dos factos indiciados, quer dos depoimentos das testemunhas atrás referenciados, os arguidos, alguns de forma directa, outros, onde se inclui o recorrente, através de atitudes intimidatórias, pressionaram-nas a actuar de forma não coincidente com a sua verdadeira vontade.

Deste modo, a afirmação, no despacho recorrido, da verificação deste perigo não foi feita no campo da mera probabilidade ou possibilidade genérica ou abstracta.

É, assim, igualmente real o perigo de perturbação do inquérito.

Por último, no que ao perigo de continuação da actividade criminosa diz respeito, o Acórdão da Relação do Porto de 25/3/2010, processo 1936/09.9japrt, relatado por Joaquim Gomes, salienta que «o perigo de continuação da actividade criminosa decorrerá de um juízo de prognose de perigosidade social do arguido, a efectuar a partir de circunstâncias anteriores ou contemporâneas à conduta que se encontra indiciada e sempre relacionada com esta» - no mesmo sentido, ver ainda os Acórdãos da Relação do Porto de 6/5/2015, processo 53/14.4sfprt-B.P1, relatado por Elsa Paixão, e de 11/10/2017, processo 343/17.4jaavr-A.P1, relatado por Maria Ermelinda Carneiro, e da Relação de Guimarães de 18/4/2016, processo 1131/15.pbgmr.G1, relatado por João Lee Ferreira, disponíveis in www.dgsi.pt.

Como se afirmou já, os factos imputados ocorreram durante vários anos e iniciaram-se quando o ora recorrente era ainda adolescente, pelo que o seu desenvolvimento enquanto pessoa decorreu num ambiente de normalização da exploração de outras pessoas .

No que toca ao argumento de que o recorrente tem actividade profissional de recolha de sucata, importa considerar ainda que continua a deslocar-se para Espanha, sazonalmente, e que recebe 500 euros de RSI, sinal de que os proventos obtidos com a recolha de sucata são diminutos, razão pela qual a obtenção fácil de dinheiro através do aproveitamento do trabalho de terceiros continua a poder induzir à continuação do crime.

Verificam-se, pois, os perigos previstos no artigo 204º, alíneas b) e c) do C.P.P., pelo que nada há a pontar, também nesta parte, ao despacho recorrido. 

V. DECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam as Juízes da 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em:

Julgar totalmente improcedente o recurso interposto, confirmando-se o despacho recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs (cfr. o artigo 513º do C.P.P. e artigo 8º do RCP e tabela III anexa).

Coimbra, 20 de Novembro de 2025


 (Helena Lamas - relatora)


 (Ana Paula Grandvaux – 1ª adjunta)


 (Cândida Martinho – 2ª adjunta)