Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
396/09.9TBLMG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
JUSTA INDEMNIZAÇÃO
PERITAGEM
BENFEITORIAS
Data do Acordão: 06/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - LAMEGO - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.23, 27, 61 CEXP., 62 CRP
Sumário: 1.- A norma do art.62 nº2 da CRP, consagradora da requisição e da expropriação é, simultaneamente, uma norma de autorização e uma norma de garantia. Por um lado, confere aos poderes públicos o poder expropriatório, autorizando-os a procederem à privação da propriedade ou de outras situações patrimoniais dos administrados; por outro lado, reconhece ao cidadão um sistema de garantias que inclui designadamente os princípios da legalidade, da utilidade pública e da indemnização.

2.- Valem aqui inteiramente os princípios constitucionais relativos à restrição de direitos fundamentais, nomeadamente o princípio da necessidade e da proporcionalidade. O recurso à expropriação só deve ter lugar quando se gorar a aquisição por via negocial, que deve ser previamente explorada, salvo porventura em caso de urgência excepcional.

3.- Mas se o artigo 62º da Constituição e a lei ordinária apontam para uma justa indemnização em caso de expropriação por utilidade pública, o escopo em vista só pode ser alcançado através de uma escrupulosa e transparente fixação dos montantes parcelares que a integram, sendo certo que apresentando o processo de expropriação um cariz eminentemente técnico, o Juiz necessita que lhe sejam fornecidos elementos concretos pelos peritos em ordem a uma cabal fundamentação do escopo final do processo a fixação da indemnização global,

4.- A peritagem é obrigatória, cuja prova, embora não vinculativa, é um instrumento indispensável para se decidir sobre a “justa indemnização”. Daí o entendimento jurisprudencial uniforme, no sentido de que o tribunal deve, em princípio, acolher o parecer dos peritos e dar preferência ao parecer dos peritos escolhidos pelo tribunal, quer pela competência técnica que lhes é reconhecida, quer pelas melhores garantias de imparcialidade que oferecem.

5.- Ao arbitrar a indemnização, cumpre também o Juiz um dos princípios constitucionais, o princípio da igualdade, já que é nesse momento que o expropriado que havia com o desapossamento começado por ser colocado numa posição de desigualdade perante os outros concidadãos, recupera, através da indemnização pecuniária, a paridade que o desfalque patrimonial lhe havia retirado.

6. - As benfeitorias são despesas de efeito permanente: por acção delas e independentemente de novas despesas, o prédio sofre alterações que lhe aumentam o valor ou evitam que se desvalorize.

7.- Os muros de vedação devem ser considerados como uma benfeitoria útil ao prédio, na medida em que, sendo se vedação, constituem um melhoramento para o prédio rústico em causa, o que não aconteceria se apenas fossem de suporte, uma vez que, neste caso, seria uma benfeitoria necessária, não indemnizável por não aumentar o valor da coisa.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. A Causa:

1. Por despacho do Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades n.º 8486-N2008, de 18 de Março de 2008, publicado na II Série do Diário da República, n.º 57, de 20 de Março de 2008, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, bem como autorizada a correspondente posse administrativa, da expropriação de um conjunto de parcelas de terreno necessárias à construção da barragem de Pretarouca, entre as quais se encontra inserida a parcela n.º 253, com a área total de 1312m2, correspondente ao prédio rústico, sito no Lugar do Campo da Ponte, situado na freguesia de Pretarouca, concelho de Lamego, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 165.°-8 e omisso na respectiva Conservatória do Registo Predial.

2. Na sequência dessa declaração, em 9 de Abril de 2008, foi a identificada parcela objecto de vistoria ad perpetuam rei memoriam (cfr. folhas 37 a 42).

3. Em 22 de Abril de 2008, a entidade expropriante A... , S.A. e actualmente AA... , S.A. tomou posse administrativa da parcela a expropriar (cfr. folhas 17 e 18) e, tendo-se frustrado a proposta de acordo apresentada, foi realizada a arbitragem.

Na sequência de anulação do acórdão de arbitragem apresentado em Setembro de 2009, foi junto novo acórdão de arbitragem, datado de Outubro de 2010, classificou o terreno a expropriar como solo apto para outros fins e fixou o valor indemnizatório global em 3881, 12€ (três mil oitocentos e oitenta e um euros e doze cêntimos) - tudo conforme fls, 191 a 196.

4. Em 21.04.2008, a entidade expropriante procedeu ao depósito da quantia de 6152€ (seis mil cento e cinquenta e dois euros) e, em 22.07.2011, efectuou o depósito do montante de 1434,84€ (mil quatrocentos e trinta e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos euros)' - cfr. fls 5 e 214.

5. Proferido despacho de adjudicação da propriedade da referida parcela, em 26.09.2012 - cfr. fls, 258 -, procedeu-se à notificação da decisão arbitral à expropriada e à entidade expropriante.

6. Da decisão arbitral apresentou recurso o expropriado - cfr. fls. 261 a 277 -, por não concordar com o valor atribuído à parcela de terreno expropriada, invocando, em suma, que:

- a parcela em causa, como se integra em área de ocupação condicionada, deveria ter sido classificada como solo apto para construção;

- ainda que assim não se entendesse, a classificação do solo deve considerar as valências construtivas da parcela, além de que a parcela é apta para culturas de regadio e não de sequeiro;

- não aceita o valor dado ao muro divisório, nem a desconsideração dos muros de suporte, tendo sido omitida uma nogueira que lá se encontrava, aceitando o valor dado às demais benfeitorias.

Sustenta, assim, que o valor global indemnizatório a atribuir à parcela expropriada deverá ser fixado em 22 730€ (vinte e dois mil setecentos e trinta euros).

7. A entidade expropriante apresentou resposta ao recurso interposto pelo expropriado, invocando, em síntese, os seguintes fundamentos:

- a classificação dada ao solo da parcela afigura-se justificada e é a correcta; Pugna, assim, pela manutenção da decisão arbitral - cfr. fls. 282 a 293.

8. Procedeu-se à avaliação legal e obrigatória, nos termos do artigo 61.°, n.? 2 do Código das Expropriações e foi junto o relatório pericial subscrito por unanimidade pelos peritos nomeados pelo tribunal, pelo perito da entidade expropriante e pelo perito do expropriado, que atribuiu o valor indemnizatório de 13 994,64€ - cfr. fls, 367 a 381.

1 Correspondente à diferença entre o valor da indemnização atribuída e o valor atribuído pelo relatório arbitral. 

9. Por despacho datado de 23.09.2015 foi atribuído aos expropriados o montante indemnizatório sobre o qual se verificava acordo entre as partes, sem prejuízo da quantia provável a título de custas, nos termos do disposto no artigo 52.°, n.º 2 e 3, do Código das Expropriações.

10. Notificadas as partes para os termos do disposto no artigo 64.° do Código das Expropriações, a entidade expropriante e a expropriada apresentaram as respectivas alegações, sendo que a primeira alega que o valor do solo é manifestamente elevado, considerando que a taxa de capitalização deverá ser fixada em 5%/6%, devendo os critérios a utilizar os previstos no artigo 27.°, n.º 1, do CE; e o segundo apenas discordou da taxa de capitalização que deve ser fixada em 3%.

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Oportunamente, foi proferida decisão, onde se consagrou que:

«Face ao exposto, decide-se julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo expropriado e, em consequência, fixar o montante da indemnização a pagar pela expropriante, pela expropriação da parcela n.º 253, com a área total de 1312 m2, correspondente ao prédio rústico, sito no Lugar do Campo da Ponte, situado na freguesia de Pretarouca, concelho de Lamego, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 165.°-8 e omisso na respectiva Conservatória do Registo Predial, no valor global 12 898,37€ [doze mil oitocentos e noventa e oito euros e trinta e sete cêntimos], actualizada desde a data de publicação da Declaração de Utilidade Pública, ocorrida em 20 de Março de 2008, até à notificação do despacho que autorizou o levantamento de parte do depósito sobre o qual se verificava o acordo das partes, incidindo daí por diante a actualização sobre o valor necessário a perfazer o valor total fixado nos autos até à decisão final do processo, de acordo com os índices de preço do consumidor, com exclusão da habitação, obtidos pelo Instituto Nacional de Estatística.

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Custas a cargo da entidade expropriante e da expropriada na proporção do respectivo decaimento, por referência à diferença entre o valor fixado no acórdão arbitral [3881,12€ (três mil oitocentos e oitenta e um euros e doze cêntimos)], o valor avançado pelo expropriado no seu recurso [22 730€ (vinte e dois mil setecentos e trinta euros)] e o valor atribuído na presente decisão [12 898,37€ (doze mil oitocentos e noventa e oito euros e trinta e sete cêntimos)]- cfr. artigo 527.°, n.os 1 e 2 do Novo Código de Processo Civil.

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Nos termos do disposto nos artigos 38.°, n.ºs 1 e 2, alínea a), primeira parte, do C.E. e 306.° do Código de Processo Civil, fixa-se o valor da acção em 18 848,88€ (dezoito mil oitocentos e quarenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos) [correspondente à diferença entre o valor dado pelo recorrente e atribuído pela decisão arbitral: 22 730€ - 3881, 12€]».

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“ AA... , S.A.“, Expropriante nos presentes autos, tendo sido notificada da Sentença proferida nos mesmos, e por não se conformar com aquela, veio interpor Recurso de Apelação, alegando e concluindo que:

1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nestes autos, a 27 de Janeiro de 2016, pela Meritíssima Juiz “a quo”, a qual, julgou parcialmente procedente o recurso interposto, pelos Expropriados e fixou o montante da indemnização a pagar pela ora Recorrente aos Expropriados, no valor de € 12 898,37, acrescidos da quantia que resultar da aplicação dos índices de preços do consumidor, desde a data da celebração de utilidade pública.

2. Com o devido respeito, não se compreende como podem os Senhores peritos efetuar um exercício, considerando o solo com “apto para construção”, com base no pressuposto definido na alínea c), do n.º 2, do art.º 25.º do Código da Expropriações, aceitando que o solo em causa está destinado a adquirir as características referidas na alínea a), do mesmo número e artigo.

3. Ora, a parcela em apreço está incluída de acordo com o PDM de Lamego em “Área de Ocupação condicionada”, que se regem pelo disposto nos artigos 37.º e 38.º do seu regulamento.

4. Pelo que, não é possível com base nas condições definidas nas 5 alíneas a) a e) do n.º 1 do art.º 38.º efetuar qualquer construção na parcela, nomeadamente, pelo facto da parcela em causa não dispor da área mínima de 10.000 m2 referida na alínea a).

5. O subterfúgio de determinar um valor unitário para a parcela de 10.000 m2 e depois aplicá-lo à parcela em causa não pode ser considerado, já que só com aquela área (indivisa) era possível a construção e não, como acontece nas culturas, que com uma parcela menor é possível obter um rendimento proporcional à sua área.

6. Não obstante, este raciocínio acabar por não produzir resultados, face ao valor unitário encontrado, o mesmo assenta em pressupostos errados e traiçoeiros, que não são aceitáveis.

7. Mais, não deixa de ser curioso que, os peritos consigam fundamentar que um uso agrícola é mais rentável que um uso urbano.

8. Ora, a valorização da parcela, tal como acabou por ser feita na arbitragem, é a 2ª opção, definida no Código das Expropriações para o cálculo da Justa indemnização (nº1 do art.º 23º).

9. Efetivamente, o valor do solo apto para outros fins deveria ser calculado a partir das declarações ou correções efectuadas aos valores declarados, de transações e avaliações fiscais de prédios semelhantes situados na envolvente, de acordo com o estipulado no nº 1 do art.º 27º do CE.

10. E, só na ausência desses elementos se deve fazer uso de outras metodologias, no caso a utilizada na arbitragem, ou mesmo outras (parte final do nº 5 do art.º 23º do CE).

11. E, diga-se, faz todo o sentido a orientação preconizada no CE, já que é universalmente sabido que o método comparativo é o que melhor se adequa à obtenção do “valor real e corrente do bem”, desde que exista uma base de dados significativa, pois sustenta-se em dados reais e concretos.

12. Qualquer um dos outros métodos (utilizando sempre dados por comparação) se apoia em estimação de valores que são sempre mais discricionários, senão mesmo arbitrários.

13. Na ausência desses dados e de uma forma simplificada, o valor das parcelas pode ser calculado nos mesmos moldes adoptados para a arbitragem de acordo com os seguintes pressupostos, para as parcelas de regadio:

d) Rotação Bianual de culturas de Batata e outros produtos hortícolas (milho e feijão) na Primavera Verão e Ferrã de Centeio (alimento para o gado) no Outono e Inverno.

e) Rendimentos e encargos de produção:

- 10.000 Kg por hectare para a batata, com encargos de 50%

- 2000 Kg por hectare para o milho, com encargos de 50 %

- 200 Kg por hectare para o feijão, com encargos de 50%

- 20.000 Kg por hectare, para a ferrã de centeio em verde, com encargos de 20%

f) Valores de venda dos produtos:

- 0,15€/Kg para a batata

- 0,20€/Kg para o milho

- 0,40€/Kg para o feijão

- 0.025 €/kg para a ferrã

14. Assim, com base nestes elementos obtém-se o seguinte rendimento médio anual:

((50%x10.000x0,15+80%x20000x0,025)+(50%x2.000x0,20+50%x200x0,40+80%x2 0000x0,025))/2=895€

15. E, capitalizando esse valor à taxa de 5%, obtém-se para o valor do terreno por hectare: V = R / t = 895 / 0,05 = 17.900€, ou seja 1,79 €/m2.

16. Por fim, usando a taxa de 4%, em vez dos 5% sugeridos obtém-se para o valor do terreno por hectare: V = R / t = 895 / 0,04 = 22.375€, ou seja 2,24 €/m2.

17. Pelo que o valor mais justo e correto é o anteriormente referido de 2,00 €/m2.

18. Assim, o valor correto da Parcela 253 será: 1.312 m2 x 2,00 €/m2 = 2.624 €.

19. No que respeita às benfeitorias referidas na Vistoria APRM dizem respeito a muros de vedação, de suporte e árvores diversas.

20. Pode-se dizer que, se elas são determinantes para se conseguir o rendimento agrícola anteriormente referido, não devem ser consideradas; se não têm interferência com o rendimento, devem ser consideradas.

21. Seguindo esse princípio não se consideraram as benfeitorias relativas a muros de suporte, já que contribuem para a capacidade produtiva tornando o terreno menos íngreme e mais aproveitável.

22. Pelo que, com o devido respeito apenas podem ser consideradas, as seguintes:

c) Muro de vedação com 70 m 700 €

d) Quanto às árvores de fruto existentes, aceita-se o valor proposto na arbitragem de 1.500€ para a totalidade das 18 árvores de fruto existentes na propriedade (10 castanheiros, 1 nogueira, 1 cerejeira, 4 macieiras e 2 cerejeiras).

23. Assim, o valor total das benfeitorias a considerar, ascende a 700 + 1.500 =2.200€. E não mais.

24. Pelo que, o valor justo pela expropriação da parcela 253, deverá ser o seguinte:

Terreno 2.624 €

Benfeitorias 2.200 €

Total: 4.624 €

25. Na totalidade, o valor indemnizatório justo e equitativo, face a todo o exposto, deve ser de € 4.624,00 (quatro mil seiscentos e vinte e quatro euros), e não o fixado na douta sentença ora em crise.

26. Ou seja, os muros de suporte não deverão ser incluídos nas benfeitorias, porquanto, contribuem para a capacidade produtiva do prédio visto que se não existissem, este seria íngreme e com produtividades e culturas distintas das apresentadas no relatório de peritagem agora apresentado.

27. As benfeitorias são determinantes para se conseguir o rendimento agrícola da parcela, pelo que só podem ser contabilizadas as benfeitorias que não tem interferência com o rendimento, in casu, o muro divisório e as árvores diversas.

28. Mais, o coeficiente valorativo que os Senhores peritos, unanimemente ponderaram, 30%, não é o correto e justo.

29. Porquanto, a justificação dada de proximidade da povoação que conduz a uma maior apetência pelos terrenos aptos para o cultivo de culturas arvenses de regadios, é uma justificação sem fundamento plausível ou sustentável, pois não se pode aceitar que o Senhores peritos aumentem o valor, sob este pretexto, quando não o podem qualificar ou classificar como terreno apto para construção.

30. Sendo que, um terreno considera-se apto para culturas arvenses de regadio quando o solo dispõe de recursos hídricos e de estruturas de aproveitamento desses recursos, não se fazendo referência, nunca, à proximidade a localidades.

31. Acresce que, o valor unitário de 4,40 m2 é elevadíssimo para as culturas indicadas na região de Trás-os-Montes, aliás, os dados do INE apresentados são referentes a toda a região norte do País, e não circunscreve a região de Trás-os-Montes que não é igual, por exemplo à zona do Porto.

32. Nesse sentido, o Relatório Pericial padece de uma série de irregularidades e imprecisões, pois, na totalidade, o valor indemnizatório justo e equitativo, face a todo o exposto, deve ser de € 4.624,00 (quatro mil seiscentos e vinte e quatro euros).

33. Por todo o exposto, reitera-se, a totalidade, do valor indemnizatório justo e equitativo, face a todo o exposto, deve ser de € 4.624,00 (quatro mil seiscentos e vinte e quatro euros).

34. Sendo que, a decisão que aqui se recorre violou os artigos 1.º, 2.º, 24.º, 25.º, 27.º e 49.º, todos do CE e, ainda, o artigo 484.º, do CPC.

35. Concluindo, os Senhores Peritos procederam a uma errónea aplicação do disposto nos artigos 1.º, 2.º, 24.º, 27.º e 49.º, todos do CE e, ainda, o artigo 484.º, do CPC.

36. Face ao exposto, verifica-se que o quantum indemnizatorium decidido pelo tribunal a quo viola o disposto nos artigos 1.º, 2.º, 24.º, 27.º e 49.º, todos do CE e, ainda, o artigo 484.º, do CPC, pelo que deverá ser revisto e rectificado em conformidade.

37. Devendo, em conformidade e conforme já referido e sustentado supra, fixar-se a indemnização em valor que não deverá ultrapassar o montante de € 4.624,00 (quatro mil seiscentos e vinte e quatro euros).


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Não foram produzidas contra-alegações.


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II. Os Fundamentos:

Colhidos nos vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de facto assente na 1°Instância, e que consta da decisão recorrida:

A - Com relevo para a boa decisão da causa, importa considerar os seguintes factos provados:

1. A parcela a expropriar, com o n.º 253, com a área total de 1312m2, corresponde ao prédio rústico, sito no Lugar do Campo da Ponte, situado na freguesia de Pretarouca, concelho de Lamego, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 165.°-8 e omisso na respectiva Conservatória do Registo Predial, que confronta a norte com Maria Manuela Lamelas da Costa Ribeiro e outros, a sul com caminho público, a nascente com Ismael Pereira Rodrigues Morgado e a poente com caminho público.

2. Por despacho do Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades n.? 8486-A/2008, de 18 de Março de 2008, publicado na Il.a Série do Diário da República, n.º 57, de 20 de Março de 2008, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, bem como a correspondente posse administrativa, da expropriação da parcela aludida em 1.

3. Em 9 de Abril de 2008 a parcela referida em 1. supra foi objecto de vistoria ad perpetuam rei memoriam, tendo sido descrito o seguinte:

a.      Parcela de forma irregular, com armação em socalcos, sendo ligeiramente ondulada e com uma pendente dominante a poente, sendo dotada de boa exposição solar;

b.      O solo da parcela, medianamente profundo, tem vocação para suporte de culturas arvenses de regadio, sendo a rega efectuada em regime de consortes provindo a água de uma nascente próxima;

c.      A parcela está localizada no PDM como Área de Ocupação Condicionada;

d.      Situa-se a menos de 300 metros do centro de aglomerado de Pretarouca, predominantemente constituído por edifícios de construção modesta, unifamiliares, de pequena dimensão e em estado de conservação satisfatório, encontrando-se aquele aglomerado servido de arruamentos pavimentados, embora não dotados de passeios, de rede de abastecimento de água, de rede de saneamento ligado a uma fossa, de rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, de sistema de drenagem de águas pluviais e de rede telefónica;

e.      Na aludida parcela existia:

f.       um muro de suporte, de pedras soltas arrumadas à mão, com 2 metros de altura média numa extensão de 20 metros;

         ii.         um muro de suporte, de pedras soltas arrumadas à mão, com 1,5 metros de altura média numa extensão de 50 metros;

iii. um muro divisório, de pedras soltas arrumadas à mão, com 1 metro de altura média, numa extensão de 70 metros; iv. 3 castanheiros com 0,50 m DAP;

v. 7 castanheiros com 0,30 m DAP;

vi. 1 nogueira com 0,30 m DAP;

vii. 1 cerejeira com 0.30 m DAP; 

viii. 4 macieiras com 0.20 m DAP; ix. 2 pereiras com 0.20 m DAP. f. Inexiste parte sobrante;

4. Em 22 de Abril de 2008, a entidade expropriante tomou posse administrativa da parcela aludida em 1 ..

5. À data da respectiva declaração de utilidade pública, o prédio referido em 1. supra estava inserido no P.D.M. de Lamego, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 46/94, publicado na 1.a Série - B, do Diário da República, de 23 de Junho de 1994, em zona classificada como Área de Ocupação Condicionada.

6. Por acórdão arbitral datado de Outubro de 2010, os Srs. Árbitros nomeados pelo tribunal elaboraram o respectivo acórdão arbitral, dele constando, para além do mais, o seguinte:

a.      Atento o PDM de Lamego e a classificação como área de ocupação condicionada, não estando a parcela abrangida por nenhuma das alíneas do n.º 2 do artigo 25.° do Código das Expropriações, o terreno deve ser classificado como solo para outros fins;

b.      Não sendo conhecidos os elementos das Finanças, tomou-se em linha de conta o seu rendimento efectivo ou possível, no estado existente à data aludida em 2., a natureza do solo e subsolo, a configuração do terreno, as condições de acesso, as culturas predominantes e outras condições objectivas para influir no respectivo cálculo;

c.      O solo é avaliado em função do seu rendimento agrícola, tendo por base uma rotação bianual de culturas de trigo/azevém, 1.° ano: rendimento agrícola de 384€; 2.° ano numa rotação de feijão/azevém, com o rendimento agrícola de 520€, com média anual de 452€, capitalizado a 3%, dá um valor m2 de 1 ,51€/m2, o que confere o valor global de 1981, 12€ (1 ,51€/m2 x 1312 m2);

d.      Valor atribuído às seguintes benfeitorias:

e.      um muro divisório, de pedras soltas arrumadas à mão, com 1 metro de altura média, numa extensão de 70 metros = 1050€;

ii. 3 castanheiros com 0,50 m DAP = 270€;

iii. 7 castanheiros com 0,30 m DAP = 350€;

iv. 1 cerejeira com 0.30 m DAP = 50€; v. 4 macieiras com 0.20 m DAP = 120€; vi. 2 pereiras com 0.20 m DAP = 60€.

7. No relatório de peritagem apresentado por unanimidade por todos os Srs. Peritos nomeados:

a.      O solo da parcela é apto para culturas arvenses de regadio;

b.      O solo foi classificado como solo apto para outros fins;

c.      Não sendo possível a aplicação do critério de avaliação do artigo 27.°, n.os 1 e 2, do Código das Expropriações, por indisponibilidade de dados, o respectivo valor é determinado de acordo com o n.º 3, desse preceito, tomando-se em atenção o seu rendimento efectivo ou possível, tendo por base um aproveitamento economicamente normal, no estado existente à data aludida em 2., a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e outras condições susceptíveis de influírem no respectivo cálculo; assim, considerando as práticas agrícolas da região, a disponibilidade de água para rega e a potencialidade da parcela para as culturas arvenses de regadio, considera-se como prática cultural adequada à sua avaliação uma rotação de produção de milho e feijão na PrimaveraNerão e azevém no Outono/Inverno, obtendo-se o rendimento líquido anual de 1732,50€;

d.      Foi aplicada a taxa de capitalização de 4%, obtendo-se o valor do solo de 4,40€/m2 [1732,50€/0,04 = 43 312,50€/ha], o qual deve ser majorado em 30%, atenta a proximidade da povoação, que confere uma maior apetência para o cultivo de culturas arvenses de regadio, cifrando-se o justo valor do solo, real e corrente na região, em 5,72€/m2;

e.      Quanto às benfeitorias:

f.       um muro de suporte com 2 metros de altura, numa extensão de 20 metros = 1200€ [40 m2 x 30€/m2];

         ii.         um muro de suporte com 1,50 metros de altura, numa extensão de 50 metros = 2250€ [75 m2 x 30€/m2]; 

iii. um muro divisório, de pedras soltas arrumadas à mão, com 1 metro

de altura média, numa extensão de 70 metros = 21 OO€; iv. 1 nogueira = 90€;

v. 3 castanheiros com 0,50 m DAP = 270€; vi. 7 castanheiros com 0,30 m DAP = 350€; vii. 1 cerejeira com 0.30 m DAP = 50€;

viii. 4 macieiras com 0.20 m DAP = 120€;

ix. 2 pereiras com 0.20 m DAP = 60€.

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B - Factos não provados:

Com relevância para a boa decisão da causa, inexistem factos não provados.

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Nos termos do art.635º do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto do art. 608°, do mesmo Código.

Das conclusões, formuladas, ressaltam, na sua formulação originária, as seguintes questões:

I.

8. A valorização da parcela, tal como acabou por ser feita na arbitragem, é a 2ª opção, definida no Código das Expropriações para o cálculo da Justa indemnização (nº1 do art.º 23º).

9. Efetivamente, o valor do solo apto para outros fins deveria ser calculado a partir das declarações ou correções efectuadas aos valores declarados, de transações e avaliações fiscais de prédios semelhantes situados na envolvente, de acordo com o estipulado no nº 1 do art.º 27º do CE.

10. E, só na ausência desses elementos se deve fazer uso de outras metodologias, no caso a utilizada na arbitragem, ou mesmo outras (parte final do nº 5 do art.º 23º do CE).

11. E, diga-se, faz todo o sentido a orientação preconizada no CE, já que é universalmente sabido que o método comparativo é o que melhor se adequa à obtenção do “valor real e corrente do bem”, desde que exista uma base de dados significativa, pois sustenta-se em dados reais e concretos.

12. Qualquer um dos outros métodos (utilizando sempre dados por comparação) se apoia em estimação de valores que são sempre mais discricionários, senão mesmo arbitrários.

18. Assim, o valor correto da Parcela 253 será: 1.312 m2 x 2,00 €/m2 = 2.624 €.

Apreciando, diga-se que vincula, circunstancialmente, o facto do Código das Expropriações clangorar, exactamente no seu art. 23°/1, que a justa indemnização, em verdade, corresponde ao valor real e corrente do bem, de acordo com o seu destino efectivo ou possível, à data da DUP, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data. A este propósito (do conceito de justa indemnização), escreveram, em parecer publicado na CJ., Ano XV, Tomo V, pp. 22 e segs., os Profs. Doutores Menezes Cordeiro e Teixeira de Sousa, o seguinte:

«A ideia de justa indemnização implica o afastamento de indemnizações irrisórias ou desproporcionadas. É de atender-se, por exemplo, à localização do prédio em aglomerado urbano e ao custo médio da construção possível normal; além desses, outros factores deverão ser tidos em conta, sendo certo que, em última análise, a bitola mais segura é o valor de mercado dos bens em jogo».

A este respeito escreveu, também, o Prof. Alves Correia, o seguinte:

«A obrigação de indemnização por expropriação por utilidade pública não se confunde com o dever de indemnização correspondente à responsabilidade civil por factos ilícitos, pelo risco e pela violação dos deveres contratuais. Ao passo que esta abrange todas as perdas patrimoniais do lesado e cobre não só o prejuízo causado, mas também os benefícios que deixou de obter em consequência da lesão, tendo como objectivo colocá-lo na situação em que estaria se a intervenção não tivesse tido lugar; aquela engloba apenas a compensação pela parte patrimonial suportada e tem por finalidade a criação de uma nova situação patrimonial correspondente e de igual valor.

De uma maneira geral, entende-se que o dano patrimonial suportado pelo expropriado é ressarcido de uma forma integral e justa, se a indemnização corresponder ao valor comum do bem expropriado ou, por outras palavras, ao respectivo valor de mercado ou ainda ao seu valor de compra e venda» (As Garantias do Particular na Expropriação Por Utilidade Pública, pp. 128 e 129).

A mais - valia referida no n.° 3 deste preceito não implica, mesmo, o desconto de qualquer montante, mas só a determinação do valor real e corrente do prédio, sem os factores aludidos nesse preceito. (Cfr. Ac. da Relação do Porto de 1-4-86, CJ., Ano XI, Tomo II, p. 184). Por mais-valia se entendendo o aumento do valor do prédio por efeito de obras e realização de infra-estruturas urbanísticas, que favoreçam a sua situação, independentemente do esforço, inteligência ou diligência dos proprietários. (Cfr. Ac. da Relação do Porto de 8-6-82, CJ., Ano VII, Tomo III, p. 230).

Decorre do n.° 2 deste dispositivo legal que, em princípio, não devem ser consideradas, para efeitos de fixação da indemnização, mesmo, quaisquer modificações materiais ou jurídicas realizadas pelo expropriado, após ter sido notificado da declaração de utilidade pública [o disposto na alínea a) do n.° 2 deste preceito corresponde ao disposto no n.° 3 do artigo 22.° do diploma anterior (Sobre a evolução histórica do princípio aqui plasmado José Osvaldo Gomes, Expropriações Por Utilidade Pública, pp. 156 e segs.).

Na presente situação, evidencia-se - tal como expresso no relatório de peritagem, apresentado por unanimidade por todos os Senhores Peritos nomeados -, que inexistem motivos, tendo em conta o que se expendeu, que levem a derrogar a metodologia e os valores atribuídos por estes. Assim, ressalva feita, tendo, exactamente, em conta os valores que se encontram na sua base analítica e radiográfica da situação, devidamente discriminados e justificados, no referido laudo, considerados de acordo com os parâmetros de avaliação previstos na lei, tal qual se expressam, haverão, necessariamente, de vincular.

Isto porque, do mesmo modo, continua a impor-se que o ónus consiste na necessidade de observância de determinado comportamento, não para satisfação do interesse de outrem, mas como pressuposto da obtenção de uma vantagem para o próprio, a qual pode inclusivamente cifrar-se em evitar a perda de um benefício antes adquirido (A. Varela, Obrigações, 35); traduz-se, «para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências, se os autos não contiverem prova bastante desse facto, trazida, ou não, pela mesma parte» (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1956. pag. 184). O ónus da prova traduz-se, nestes termos, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta (Ac.RC. 17-11-1987: CJ. 1987, 5°-80). O que a recorrente, no esquisso apresentado, não logrou.

Não se configuram, assim, como suficientes, as razões invocadas pela recorrente, para retirar vinculação ao relatório subscrito pelos peritos referenciados, que a decisão sob recurso validou, melhor ainda justificando. Não logrando, deste modo, comprovação e, por isso, sustentação os argumentos, in casu, de alternativa, conceitual e quântica, contrários.

Aqui, do mesmo modo, a pretexto de que o que se revela compatível, por emergência, com a circunstância de o ónus de alegação da prova, como elemento pressuponente principiológico actuante e vinculador, consistir em cada uma das partes, que quer ver vingar as suas pretensões, ter de cuidar de que os factos, de que resulta a exactidão das suas afirmações jurídicas segundo as disposições do direito material, sejam levadas ao tribunal mediante as afirmações correspondentes (A. Anselmo de Castro, Dir. Processual Civil Declaratório, ed., 1981, 1.°-70). Deste modo, se a parte a quem incumbe o “onus probandi” fizer prova por si suficiente, o adversário terá, por seu lado, de fazer prova que invalide aquela; que a naturalize, criando no espírito do juiz um estado de dúvida ou incerteza; não carece de persuadir o juiz de que o facto em causa não é verdadeiro (M. Andrade, Noções Elementares Proc. Civil, 2.ª ed., 193; ed. 1979, 207).

Tal, em si - e a revelação dos Autos a tal respeito é elucidativa -, pois que não tem apenas a faculdade de fornecer a prova; ele deve provar, se quiser fazer reconhecer o seu direito. Não é obrigado a fornecer a prova; mas do não exercício do ónus depende a renúncia ao reconhecimento do direito que carece de prova. São perfeitos ou imperfeitos, consoante o resultado que asseguram depende somente da prestação que forma o conteúdo do ónus, ou essa prestação é, por si só, insuficiente. São ainda formais e materiais. O primeiro consiste no dever para as partes de produzir a prova; o segundo consiste na sujeição às consequências desfavoráveis resultantes da falta de prova (Cavaleiro de Ferreira, Curso, 1956, 11-304).

O que, em si, inviabiliza a (plena) conversão da retórica argumentativa da parte recorrente - perfeitamente compreensível da defesa de individualizado “interesse” (justamente o que inter est as pessoas, instituições ou organismos e os bens), de consequência específica determinada -, em elemento de objectivação que só pode ter correspondência, como se equacionou, na verdade “real” consubstanciada naquilo que a revelação processual intra-diegética possibilitou. E que, pelas razões indicadas, não pode ir além do que se consagrou em decisório, também com respaldo precípuo no relatório pericial.

Noutra formulação, a decisão colhe a sua justeza na conformidade integral como sistema jurídico que a propicia. A complexidade dos elementos que, nela depondo, a informam, torna-a possível, apenas, através do funcionamento da Ciência Jurídica que, assim se afirma como prudencial. E à Ciência do Direito compete ainda assegurar o controlo das decisões, numa operação fundamental para alargar o consenso e, daí, a sua eficácia. Nenhuma norma jurídica resolve, por si, problemas concretos ainda quando, no caso considerado, ela possa surgir como o argumento decisivo no modelo de decisão. A lei não se confunde com o Direito. Uma dogmática jurídica, radicada na cultura que a suporte e na segurança das convicções científicas dos juristas que a sirvam, coloca, entre a fonte e a solução do caso concreto, um percurso que nenhuma lei pode dispensar e que o legislador não pode corromper. Reside aqui, o harmonizar das soluções desavindas ou disfuncionais dentro do espaço jurídico, complementando as mensagens apenas esboçadas pelo legislador e limando, no concreto, as saídas injustas, inconvenientes ou paradoxais existentes numa individualizada praxis judicial, que haverá de atender à singularidade de qualquer caso (Cf. Menezes Cordeiro, Estudos de Direito Civil, 1, 1987, págs. 236 e s.).

-

Nesta vertente, continua a não poder deixar de se referir que nem a sentença ao considerar, nos termos expressos, o laudo pericial (tirado pela maioria expressa), e fundamentando da forma exposta essa adesão interpretou erradamente as disposições legais apontadas. Com efeito, sempre revertendo à situação dos Autos, com os pressupostos supra enunciados, não pode deixar de se validar a metodologia de cálculo determinante, nos termos expressos, de se haver considerado como adequada a indemnização proposta por aqueles, referente ao valor do terreno.

O que quer dizer, em absoluto respeito ao conceito de justa indemnização, concretizado no art. 25.° do CE, que se não poderia, em tais termos, ter concluído, circunstancialmente, pela afectação do solo expropriado senão a outros fins. Na verdade, pesando muito embora a qualificação reconhecida da argumentação expressa em recurso, que permanece intangível, e as razões de ciência divergentes aí expressas, o facto de elas não haverem colhido aceitação, em termos decisórios, não determina erro de apreciação. Com efeito, verificando-se - volte a referir-se - que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668.º, n.° 1, alíneas b), c) e e) do Cód. Proc. Civil (615º NCPC) (Cf. Ac. RE, de 22.5.1997: Col. Jur., 1997, 3.°-265).

Nem se pode postergar - nem a tal deixar de atribuir ênfase específica - que,

«uma vez que não se procedeu à inquirição de testemunhas, nem foi realizada inspecção judicial ao local, a convicção do tribunal sobre a matéria de facto provada resultou da análise conjugada da prova documental e pericial junta aos autos e, em particular, do teor do despacho de declaração de utilidade pública junto a fls. 62 a 158; auto de posse administrativa da parcela expropriada de fls. 17 e 18; relatório de vistoria ad perpetuam rei memoriam, o qual descreveu, pormenorizadamente, a parcela expropriada antes da expropriação e a configuração da área envolvente, com o respectivo registo fotográfico e representação gráfica - cfr. fls. 19 a 25; acórdão de arbitragem de fls. 191 a 201; certidão matricial de fls. 4; relatório de peritagem de fls. 367 a 381».

Querendo significar, nesta dimensão, também, em termos perfeitamente compatíveis, que a expropriação por utilidade pública só pode ocorrer com base na lei e mediante o pagamento contemporâneo de justa indemnização ao proprietário e aos titulares dos outros direitos reais afectados. A indemnização justa deverá proporcionar ao expropriado um valor monetário que o coloque em condições de adquirir outro bem de igual natureza e valor. Assim, até o cálculo do solo para outros fins (que circunstancialmente, tudo visto, não recebe - já se disse - essa tipologia) é feito seguindo a norma actualmente em vigor - art. 27º CE -, dever-se-á tomar em consideração as condições de facto e elementos de valorização existentes no prédio expropriado à data da declaração de utilidade pública, relevando entre outras, a respectiva localização, a área e as características do terreno, a sua potencialidade edificativa e aptidão agrícola, a proximidade de centros urbanos e vias de comunicação, ponderando-se de igual forma, o facto da expropriação se reportar ao prédio no seu todo ou apenas a parcela deste, como eventual desvalorização da parte não abrangida pela expropriação (Ac. da Relação de Lisboa de 6 de Abril de 2006, relatado por Granja da Fonseca, www.dgsi.pt). O que não deixou, pela forma expressa, de ser feito, assinalando-o exuberantemente.

Deste modo, o relatório, circunstancialmente subscrito pelos senhores peritos, volte a dizer-se, apresentado por unanimidade por todos os nomeados, a que se atendeu, está correctamente elaborado e mostra-se fundamentado, não podendo o tribunal senão fazer uso destes princípios e reconhecer-lhe crédito, na compatibilidade legal aos preceitos invocados, com a elaboração referida que lhe atribuiu. Tendo em consideração que a expropriação envolve competência técnica, a sentença que sobre ela recair ter que se socorrer dos conhecimentos avançados pelos peritos, atribuindo ao expropriado a indemnização por eles preconizada, após necessária ponderação dos valores por eles encontrados, e outros elementos que - como no caso - se imponha considerar.

Muito embora a força probatória das respostas dos peritos seja fixada livremente pelo julgador - peritus peritorum - o certo é que a força deste princípio se esgota no poder conferido ao juiz de controlar os critérios utilizados pelos peritos e moldá-los aos legalmente estatuídos.

O que a decisão em causa também salvaguardou ao fazer consignar que:

«(…) a fixação da quantia indemnizatória cabe exclusivamente ao juiz, que deverá apreciar criticamente todos os elementos coligidos nos autos de forma a chegar ao montante indemnizatório justo.

Daí ressalta, com maior acuidade, que o resultado da avaliação realizada pelos Srs. Peritos, independentemente de quem os indicou, não tem qualquer valor abstractamente pré-definido, estando igualmente sujeito ao princípio da livre apreciação.

No entanto, atendendo à natureza do litígio será o elemento essencial a ter em conta e que permite fazer o enquadramento factual, técnico e jurídico da expropriação.

A própria lei destaca a sua importância impondo a obrigatoriedade da sua realização - cfr. artigo 61.º, n.º 2 do Código das Expropriações, na medida em que a avaliação de um terreno implica específicos conhecimentos de ordem técnica, que escapam ao domínio do julgador.

Daí que, no Acórdão da Relação de Coimbra de 07 de Fevereiro de 2012 (entre outros) se tenha defendido que "( ... ) como se sabe, a peritagem é obrigatória, cuja prova, embora não vinculativa, é um instrumento indispensável para se decidir sobre a “Justa indemnização”. Daí o entendimento jurisprudencial uniforme, no sentido de que o tribunal deve, em princípio, acolher o parecer dos peritos e dar preferência ao parecer dos peritos escolhidos pelo tribunal, quer pela competência técnica que lhes é reconhecida, quer pelas melhores garantias de imparcialidade que oferecem. A este propósito, escreveu-se no Ac da RC de 29/6/2010 (disponivel em www dgsi.pt): "porque a determinação do valor da coisa expropriada é essencialmente um problema técnico, sendo a avaliação, no processo expropriatívo, uma diligência probatória fundamental, deve o juiz aderir, em princípio, ao parecer dos peritos, dando preferência ao valor resultante desses pareceres, desde que sejam coincidentes, e, por razões de imparcialidade e independência, optar pelo laudo dos peritos nomeados pelo tribunal quando haja unanimidade destes".

Não se trata, portanto, da utilização de metodologias alternativas, antes, rigorosamente - em função dos padrões legais referenciados -, concluir, com elementos fundamentadores de adequação por específica tipologia classificatória e de correspondência quântica.

Daí que se considere adequada a apreciação segundo a qual (no que respeita à classificação do solo da parcela nº 253º):

«no que diz respeito ao caso concreto, de acordo com o P.D.M. de Lamego, a parcela n.º 253 é constituída por uma área de 1312 m2 que integra área de ocupação condicionada.

O expropriado coloca tal classificação em crise, porque a parcela em causa se integra em área de ocupação condicionada e possui acesso rodoviário pavimentado, dispondo ainda de acesso rodoviário, rede de abastecimento de água, luz, saneamento e rede de águas pluviais, tendo que se considerar como integrada dentro do aglomerado urbano de Pretarouca, integrando esse núcleo por se situar a menos de 300 metros do mesmo, sendo que o P.D.M. de Lamego não exclui possibilidade de construção nas áreas de ocupação condicionada, existindo perto da parcela construções implantadas, pelo que deveria ser considerada como solo apto para construção.

Os Srs. Árbitros e Srs. Peritos, por unanimidade, explicam o motivo de terem considerado tal parte da parcela como solo para outros fins, já que, integrando tal parcela uma área de ocupação condicionada, e apesar de ser permitida a construção de uma habitação unifamiliar, a parcela em causa tem que ter uma área mínima igual ou superior a 10 000 m2; no caso de as parcelas a edificar serem contíguos a pelo menos uma construção existente que aparente uso habitacional, a área mínima é de 1500 m2.

(…)

Considerando a área da parcela em causa - 1312 m2 -, a mesma não respeita os requisitos expostos nos artigos 37.° e 38.° do PDM de Lamego que permitissem a sua classificação como solo apto para construção, ou seja, não possui área superior a 10 000 m2, não é contígua a nenhuma construção que apresente uso habitacional, apesar de possuir rede de abastecimento de água, energia eléctrica e saneamento em serviço, junto da sua linha perimetral, encontrando-se a menos de 300 metros, medidos em linha recta, e isolada do núcleo urbano de Pretarouca, distância considerada demasiado afastada para ser considerada como parte integrante de tal núcleo urbano.

Os Srs. Peritos vão mais longe e referem que, ainda que fosse considerado como solo apto para construção, teriam sempre que definir qual o índice de construção que constituísse a base da avaliação - por o mesmo não estar definido no PDM de Lamego -, lançando mão do disposto no artigo 26.°, n.º 12 do Código das Expropriações e considerando as áreas condicionadas similares a zona verde, de lazer ou para instalação de equipamentos públicos, o que levaria a um índice de construção exíguo que a sua valorização por m2 seria sempre inferior à que se obteria com base na valorização agrícola do solo.

No caso em apreço, efectivamente a área de 1312 m2 se integra em área de ocupação condicionada.

Nesses termos, para ser considerada como solo apto para construção, ou seja, para que se possa construir, essa parte da parcela em causa tem que se enquadrar em qualquer das situações supra descritas.

Contudo, na situação em causa, não vislumbramos como poderá tal parte da parcela ser considerada como solo apto para construção, conforme pretende a expropriada, já que a sua área é inferior a 10 000m2 (1312 m2); não é contígua a construção existente que apresente uso habitacional e ainda que fosse sempre seria de área inferior a 1500 m2.

Desta feita, a nosso ver, a classificação da parcela n.º 253 deve ser de solo apto para outros fins.

Deste modo (e no que respeita B. Avaliação do solo da parcela n.°253), tendo a parcela expropriada sido classificada como solo apto para outros fins, apreciando os concretos métodos e critérios utilizados para alcançar o respectivo valor, faça-se ressumar, convocando, os elementos obsidiantes, a este respeito, que foram tidos como preponderantes. A saber,

«No vertente caso, na ausência de elementos disponíveis que permitam o cálculo pelo n.º 1 do artigo 27.° - por a entidade expropriante não ter fornecido, como era seu dever, as listas referentes aos preços unitários de aquisições ou avaliações fiscais -, está, de per si, justificado o afastamento do critério fiscal comparativo.

Por conseguinte, tal como se defendeu no acórdão arbitral e no relatório de peritagem por unanimidade, importa lançar mão do método estabelecido no n.º 3 do artigo 27.° do Código das Expropriações.

Definida, então, que está a aplicação do método analítico, vejamos se as críticas apontadas pelo expropriado merecem provimento.

(…)

Verificamos que, no acórdão arbitral, escreveu-se que o solo é avaliado em função do seu rendimento agrícola, tendo por base uma rotação bianual de culturas de trigo/azevém, 1.° ano: rendimento agrícola de 384€; 2.° ano numa rotação de feijão/azevém, com o rendimento agrícola de 520€, com média anual de 452€, capitalizado a 3%, dá um valor m2 de 1 ,51€/m2, o que confere o valor global de 1981, 12€ (1 ,51€/m2 x 1312 m2).

Já os Srs. Peritos, por unanimidade, tomaram em atenção o seu rendimento efectivo ou possível, tendo por base um aproveitamento economicamente normal, no estado existente à data aludida em 2., a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e outras condições susceptíveis de influírem no respectivo cálculo; assim, considerando as práticas agrícolas da região, a disponibilidade de água para rega e a potencialidade da parcela para as culturas arvenses de regadio, considera-se como prática cultural adequada à sua avaliação uma rotação de produção de milho e feijão na Primavera/Verão e azevém no Outono/lnverno, obtendo-se o rendimento líquido anual de 1732,50€; foi aplicada a taxa de capitalização de 4%, obtendo-se o valor do solo de 4,40€/m2 [1732,50€/0,04 = 43 312,50€/ha], o qual deve ser majorado em 30%, atenta a proximidade da povoação, que confere uma maior apetência para o cultivo de culturas arvenses de regadio, cifrando-se o justo valor do solo, real e corrente na região, em 5,72€/m2.

No confronto entre os critérios usados pelos Srs. Árbitros e, em contrapartida, pelos Srs. Peritos, não podemos deixar de considerar que a posição defendida por estes últimos é aquela que se mostra mais consentânea com o valor real da parcela expropriada, conclusão essa a que chegamos precisamente por reporte à justificação que os mesmos avançaram para esse efeito: ou seja, as concretas características do solo e subsolo da parcela expropriada, o tipo de culturas usuais na região, bem como ao facto de terem estimado o valor da mesma actualizando o rendimento líquido do fluxo de bens e serviços gerados ao longo da sua vida útil, tendo por referência as práticas agrícolas da região, as respectivas condições edafo-climáticas, a disponibilidade de água para rega e a potencialidade da parcela para as culturas do milho e hortícolas, tanto mais que concederam ainda ao terreno em causa a majoração de 30% por a proximidade com arruamento, embora não servindo directamente a parcela, conferir a garantia de fácil escoamento dos produtos agrícolas em função da respectiva procura e proximidade das boas e modernas vias de comunicação (como vem sendo notado pela jurisprudência, designadamente no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, com o n.º de processo 3349/07).

Como se tal não bastasse, não podemos igualmente olvidar que os Srs. Peritos fixaram o supra aludido valor referente ao rendimento líquido anual por unanimidade.

Donde, no seguimento do que dissemos supra quanto ao facto de ser entendimento jurisprudencial uniforme que o tribunal deve, em princípio, acolher o parecer dos peritos e dar preferência ao parecer dos peritos escolhidos pelo tribunal, quer pela competência técnica que lhes é reconhecida, quer pelas melhores garantias de imparcialidade que oferecem, então, facilmente concluímos que, no caso sub judice, não só há coincidência entre os pareceres dos Srs. Peritos nomeados pelo tribunal, mas inclusivamente dos próprios Srs. Peritos indicados pelo expropriado e pela entidade expropriante, sendo certo que tendo estes cinco Srs. Peritos justificado convenientemente os valores atingidos, obedecendo aos critérios estabelecidos na lei, não se vislumbra qualquer razão para deles divergir.

Nessa linha de pensamento, entende o tribunal que não deve ser mantida a decisão dos Srs. Árbitros, mas sim a dos Srs. Peritos.

Pelo exposto, concluímos, pois, que o mesmo apenas merece provimento parcial, devendo considerar-se assim o valor do rendimento líquido anual fixado no laudo pericial por unanimidade dos Srs. Peritos».

Deste modo, verificando-se - volte a referir-se - que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668.º, n.° 1, alíneas b), c) e e) do Cód. Proc. Civil (615º NCPC) (Ac. RE, de 22.5.1997: Col. Jur., 1997, 3.°-265).

Valendo, ainda, convocar, como imperativo de análise, o alcance - observado, circunstancialmente, também, com arrimo - do disposto no art. 62° n° 2 da Constituição da República Portuguesa, tido por inultrapassável, a pretexto, exactamente, de dispor ser o direito de propriedade garantido «nos termos da Constituição» (nº 1, in fine). A fórmula parece supérflua, mas não o é: trata-se de sublinhar que o direito de propriedade não é garantido em termos absolutos, mas sim dentro dos limites e nos termos previstos e definidos noutros lugares da Constituição. Importa sobretudo anotar o estatuto específico da propriedade relativa a meios de produção. Com efeito, existe um regime constitucional próprio da propriedade de meios de produção - que decorre fundamentalmente dos arts. 82º, 83º, 89º, 97º, - e que surge como um regime especial em confronto com o regime geral da propriedade, sobretudo em matéria de faculdade de uso e fruição e de regime de desapropriação. Este fraccionamento do conceito de propriedade não é mais do que o reflexo dos princípios da constituição económica sobre o direito de propriedade.

Por igual forma, a norma consagradora da requisição e da expropriação é, simultaneamente, uma norma de autorização e uma norma de garantia. Por um lado, confere aos poderes públicos o poder expropriatório, autorizando-os a procederem à privação da propriedade ou de outras situações patrimoniais dos administrados; por outro lado, reconhece ao cidadão um sistema de garantias que inclui designadamente os princípios da legalidade, da utilidade pública e da indemnização.

Valem aqui inteiramente os princípios constitucionais relativos à restrição de direitos fundamentais, nomeadamente o princípio da necessidade e da proporcionalidade. O recurso expropriação só deve ter lugar quando se gorar a aquisição por via negocial, que deve ser previamente explorada, salvo porventura em caso de urgência excepcional.

Note-se que historicamente o instituto da expropriação sofreu duas importantes mudanças desde as primeiras constituições liberais, em que ela só era admitida em caso de necessidade pública e mediante prévia indemnização (cfr. art. 62º da Constituição de 1822). Hoje, à face da CRP, basta a utilidade pública para justificar a expropriação e, embora o pagamento da indemnização não possa ser arbitrariamente protelado, não é condição o seu prévio pagamento. Esta evolução dá conta da moderação da concepção liberal clássica, tipicamente hipostasiadora da propriedade (Cfr. — MENEZES CORDEIRO, «A Constituição patrimonial privada», in Estudos sobre a Constituição, vol. III; FERNANDO ALVES CORREIA, As garantias do particular na expropriação por utilidade pública, Coimbra, 1982; ID., Formas de pagamento da indemnização na expropriação por utilidade pública, Coimbra, 1991; ANA PRATA, A tutela constitucional da autonomia privada, Coimbra, 1982, Cap. VII; JORGE MIRANDA, Manual de direito constitucional, vol. IV, pp. 430 ss; ID.; JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, Estudos sobre expropriações e nacionalizações, Lisboa, 1989; por todos J.J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, CRP, Anotada, 3ª Edição Revista, pp.330-336).

 O princípio da igualdade é, pois, um dos princípios estruturantes do sistema constitucional global, conjugando dialecticamente as dimensões liberais, democráticas e sociais inerentes ao conceito de Estado de direito democrático e social (art. 2º). Na sua dimensão liberal, o princípio da igualdade consubstancia a ideia de igual posição de todos os cidadãos, independentemente do seu status, perante a lei, geral e abstracta, considerada subjectivamente universal em virtude da sua impessoalidade e da indefinida repetibilidade na aplicação. A dimensão democrática exige a explícita proibição de discriminações (positivas e negativas) na participação no exercício do poder político, seja no acesso a ele (sufrágio censitário, etc.), seja na relevância dele (desigualdade de voto), bem como no acesso a cargos públicos (cfr. arts. 10º-1, 48º e 50º. A dimensão social acentua a função social do princípio da igualdade, impondo a eliminação das desigualdades fácticas (económicas, sociais e culturais), de forma a atingir-se a «igualdade real entre os portugueses» (art. 9º/d).

Com estas três dimensões, o princípio da igualdade é estruturante do Estado de direito democrático e social, dado que: (a) impõe a igualdade na aplicação do direito, fundamentalmente assegurada pela tendencial universalidade da lei e pela proibição de diferenciação de cidadãos com base em condições meramente subjectivas (igualdade de Estado de direito liberal); (b) garante a igualdade de participação na vida política da colectividade e de acesso aos cargos públicos e funções políticas (igualdade de Estado de direito democrático); (c) exige a eliminação das desigualdades de facto para se assegurar uma igualdade material no plano económico, Cf. J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, pp. 579 ss; 1º., Constituição dirigente e vinculação do legislador (Coimbra, 1982), 4.2; JORGE MIRANDA, Manual de direito constitucional, IV, pp. 224 ss; ANA PRATA, A tutela constitucional da autonomia privada (Coimbra, 1983), Cap. VI; F. ALVES CORREIA, O plano urbanístico e o princípio da igualdade (Coimbra, 1990); M. G. FERREIRA PINTO, «Princípio da igualdade — Fórmula vazia ou carregada de sentido?», BMJ, n 358; J. MARTINS CLARO, «O princípio da igualdade», in JORGE MIRANDA (org.), Nos dez anos da Constituição (Lisboa, 1987); Ac.s do Tribunal Constitucional nºs 2/83, 1/84, 5/84, 10/84, 15/84, 44/84, 45/84, 126/84, 53/85, 68/85, 76/85, 142/85, 143/85, 204/85, 243/85, 309/85, 18/86, 64/86, 122/86, 203/86, 71/87, 181/87, 449/87, 12/88, 39/88, 40/88, 480/89, 186/90, 187/90, 188/90, 349/91 e 400/91..

Todavia, a proibição de discriminações (n 2) não significa uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações, nem proíbe diferenciações de tratamento. A Constituição indica ela mesma um conjunto de factores de discriminação ilegítimos (n 2). Aí se contam os mais frequentes e historicamente os mais significativos dos elementos fundadores de diferenças de tratamento jurídico. Mas esse elenco não tem obviamente carácter exaustivo, sendo puramente enunciativo. São igualmente ilícitas as diferenciações de tratamento fundadas em outros motivos, sempre que eles se apresentem como contrários à dignidade humana, incompatíveis com o princípio do Estado de direito democrático, ou simplesmente arbitrários ou impertinentes.

O que se exige é que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade e não se baseiem em qualquer motivo constitucionalmente impróprio. As diferenciações de tratamento podem ser legitimas quando: (a) se baseiem numa distinção objectiva de situações; (b) não se fundamentem em qualquer dos motivos indicados no n 2; (c) tenham um fim legítimo segundo o ordenamento constitucional positivo; (d) se revelem necessárias, adequadas e proporcionadas à satisfação do seu objectivo (J.J. Gomes Canotilho, CRP, Anotada, 3ª Edição, Revista, pp.125/128).

Razões pelas quais, no presente caso, e a pretexto da decisão proferida, também permanecem intangíveis os arts. 13º e 62º, da Constituição da República, naquilo que a decisão pressupõe e enuncia.

Mas se o artigo 62º da Constituição e a lei ordinária apontam para uma justa indemnização em caso de expropriação por utilidade pública, o escopo em vista só pode ser alcançado através de uma escrupulosa e transparente fixação dos montantes parcelares que a integram, sendo certo que apresentando o processo de expropriação um cariz eminentemente técnico, o Juiz necessita que lhe sejam fornecidos elementos concretos pelos peritos em ordem a uma cabal fundamentação do escopo final do processo a fixação da indemnização global, que não representa senão o segundo termo do “sinalagma expropriativo” desapossamento/indemnização, objecto do processo em análise. Ao arbitrar a indemnização, cumpre também o Juiz um dos princípios constitucionais, o princípio da igualdade, já que é nesse momento que o expropriado que havia com o desapossamento começado por ser colocado numa posição de desigualdade perante os outros concidadãos, recupera, através da indemnização pecuniária, a paridade que o desfalque patrimonial lhe havia retirado (Ac. RC, 15 Fev. 2005, Relator Távora Victor, CJ, 2005, t.I, p.23). O que foi logrado com a decisão proferida.

O que determina responder de forma negativa às questões em I.

II.

19. No que respeita às benfeitorias referidas na Vistoria APRM dizem respeito a muros de vedação, de suporte e árvores diversas.

20. Pode-se dizer que, se elas são determinantes para se conseguir o rendimento agrícola anteriormente referido, não devem ser consideradas; se não têm interferência com o rendimento, devem ser consideradas.

21. Seguindo esse princípio não se consideraram as benfeitorias relativas a muros de suporte, já que contribuem para a capacidade produtiva tornando o terreno menos íngreme e mais aproveitável.

22. Pelo que, com o devido respeito apenas podem ser consideradas, as seguintes:

c) Muro de vedação com 70 m 700 €

d) Quanto às árvores de fruto existentes, aceita-se o valor proposto na arbitragem de 1.500€ para a totalidade das 18 árvores de fruto existentes na propriedade (10 castanheiros, 1 nogueira, 1 cerejeira, 4 macieiras e 2 cerejeiras).

23. Assim, o valor total das benfeitorias a considerar, ascende a 700 + 1.500 =2.200€. E não mais.

Nesta específica vertente, impõe-se referir que a justa indemnização visa ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação calculado à data da declaração de utilidade pública – cfr. art. 23º do Código das Expropriações. Ou seja, apresenta-se “como uma restituição em termos de valor da posição de proprietário que o expropriado detinha” – Alves Correia “in” As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública p.128.

Nessa posição estão, obviamente, incluídas as benfeitorias, exactamente porque se “consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa” - art. 216º, nº1, do Código Civil. Sendo benfeitorias necessárias “as que têm por fim evitar a perda, destruição ou e deterioração da coisa” e úteis “as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam todavia o valor” - n.º3 do citado artigo. Em conformidade, a entidade expropriante deve, pois, indemnizar o expropriado pela perda das benfeitorias existentes no prédio, à data da declaração de utilidade pública.

Em todo o caso, e perante o exposto, não podem os muros acima aludidos deixar de ser considerados como uma benfeitoria útil ao prédio em questão, na medida em que, sendo se vedação, constituem um melhoramento para o prédio rústico em causa, o que não aconteceria se apenas fossem de suporte, uma vez que, neste caso, seria uma benfeitoria necessária, não indemnizável por não aumentar o valor da coisa (Cf. Ac. TR Porto, de 15-12-2005, com o nº 0536398/JTRP00038612, Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS)

Revela-se, pois, congruente a consagração em decisório de que:

«No cálculo dessa indemnização não está prevista a exclusão de qualquer benfeitoria ou de outro elemento do património expropriado, antes impondo a lei (artigo 22.°, n.º 2, parte final, do C.E.) a consideração das circunstâncias e condições de facto existentes.

Nesse conspecto, a indemnização apresenta-se, pois, como uma reposição, em termos de equivalente pecuniário, da posição de proprietário de que o expropriado era titular, devendo, por via disso, nesta, serem incluídas as benfeitorias existentes na parcela expropriada, sendo que se consideram benfeitorias as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa (artigo 216.°, n.º 1, do Código Civil).

Assim, são benfeitorias necessárias "[a]s que têm por fim evitar a perda, destruição ou e deterioração da coisa", úteis "[a]s que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor" e voluptuárias "[a]s que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante" (artigo 216.°, n.º 3, do Código Civil).

Antes de prosseguirmos, importa referir que o expropriado aceitou os valores atribuídos às espécies arbóreas pelos Srs. Árbitros, apenas questionando a omissão de uma nogueira, o valor atribuído ao muro e a desconsideração dos demais.

A este propósito, temos que os Srs. Árbitros excluíram os muros de suporte, dado que entendem que, sem eles, o terreno teria uma configuração distinta e uma diferente avaliação, não os tendo considerado; os Srs. Peritos, por unanimidade, decidiram considerar todos os muros existentes na parcela, sem adiantarem qualquer explicação, sendo que não mencionaram ainda que o valor dado ao terreno teve em consideração a existência das mesmas.

O expropriado alega que a desconsideração efectuada pelos Srs. Árbitros não se encontra devidamente fundamentada.

Contudo, atento o teor do acórdão arbitral, temos que os Srs. Árbitros justificaram a exclusão dos dois muros de suporte, dado que, sem eles, o terreno teria configuração distinta, o que levaria a uma diferente avaliação.

Considerando a função inerente aos mesmos e tendo em conta que a parcela é constituída por socalcos, temos que esses muros permitem o suporte das terras em socalcos, que permitiram uma exploração agrícola distinta da que seria considerada se os mesmos não existissem.

Desta feita, os muros de suporte integram os factores de produção, devendo ser englobados no cálculo da produtividade do próprio solo, sem os quais teriam necessariamente menor valor, pelo que não podem, a nosso ver, ser alvo de indemnização, sob pena de existir aqui uma duplicação de indemnização.

(…)                                          

 Nessa conformidade, aderindo a este entendimento, por ser aquele que mais assegura a atribuição de uma justa indemnização, sem enriquecimentos ilegítimos de nenhuma das partes, afastamos, nesta parte, a solução avançada na peritagem, mantendo o acórdão arbitral quanto à não indemnização dos muros de suporte existentes na parcela em causa.

Quanto ao valor do muro divisório, que também é questionado pelo expropriado, atendendo aos valores atribuídos ao aludido muro divisório, pelos Srs. Peritos nomeados pelo tribunal e por unanimidade, se mostram adequados, o tribunal irá precisamente considerar os montantes constantes na avaliação dos Srs. Peritos; no mais, o facto de o recorrente não ter impugnado os valores fixados no acórdão arbitral relativamente às espécies arbóreas existentes na parcela expropriada, faz com que sejam esses os valores a atribuir.

Termos em que se decide atribuir à expropriada a indemnização, a título de benfeitorias, no valor total de 3040€ (três mil e quarenta euros)».

 Em tais termos, pois que as benfeitorias não se confundem, sequer, com as despesas de produção ou cultivo, referidas no art. 215.° do Cód. Civil, que visam directamente cada colheita, destinando-se a prepará-la e, portanto, são de efeito transitório, visto que têm de ser realizadas periodicamente, para haver frutos. As benfeitorias, pelo contrário, são despesas de efeito permanente: por acção delas e independentemente de novas despesas, o prédio sofre alterações que lhe aumentam o valor ou evitam que se desvalorize (Ac. STJ, 15-6-1989: AJ, 0.°/89, pág. 12).

O que tudo determina que a decisão de que aqui se recorre não violou os artigos 1.º, 2.º, 24.º, 25.º, 27.º e 49.º, do CE e, ainda, o artigo 484.º, do CPC.

Impondo, do mesmo modo, resposta negativa para as questões em II.

***

Podendo, assim, sumariando (art. 663º, nº7 NCPC), concluir-se que:

1.

O relatório, circunstancialmente subscrito, em expressão unânime, pelos senhores peritos a que se atendeu, está correctamente elaborado e mostra-se fundamentado, não podendo o tribunal - muito embora, como nos Autos, ainda os melhor elaborando e completando - senão fazer uso de tais princípios e reconhecer-lhe crédito, na compatibilidade legal aos preceitos invocados.

2.

Tendo em consideração que a expropriação envolve competência técnica, a sentença que sobre ela recair ter que se socorrer, pois, dos conhecimentos avançados pelos peritos, atribuindo ao expropriado a indemnização por eles preconizada, após necessária ponderação e correcção dos valores por eles encontrados. Muito embora a força probatória das respostas dos peritos seja fixada livremente pelo julgador - peritus peritorum - o certo é que a força deste princípio esgota-se no poder conferido ao juiz de controlar os critérios utilizados pelos  peritos e moldá-los aos legalmente estatuídos, em função da prova produzida, e tal como proficientemente empreendido.

3.

No caso dos autos, evidenciou-se que os critérios de avaliação utilizados no relatório referido se afiguram equilibrados e suficientemente sustentados, estando de acordo com o preceituado nos art.°s 23°, 25°, 27°, do Código das Expropriações.

4.

Assim também pois que, em direito processual, sendo a prova o acto ou série de actos processuais através dos quais há que convencer o juiz da existência ou inexistência dos dados lógicos que tem que se ter em conta na causa, o ónus da prova é a obrigação que recai sobre os sujeitos processuais da realidade de tais actos. A traduzir-se - haverá de dizer-se, agora e sempre -, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou - como nos Autos - realizar essa prova.

5.

A convicção do tribunal sobre a matéria de facto provada revela-se adequada, resultando da análise conjugada da prova documental e pericial junta aos autos e, em particular, do teor do despacho de declaração de utilidade pública junto a fls. 62 a 158; auto de posse administrativa da parcela expropriada de fls. 17 e 18; relatório de vistoria ad perpetuam rei memoriam, o qual descreveu, pormenorizadamente, a parcela expropriada antes da expropriação e a configuração da área envolvente, com o respectivo registo fotográfico e representação gráfica - cfr. fls. 19 a 25; acórdão de arbitragem de fls. 191 a 201; certidão matricial de fls. 4; relatório de peritagem de fls. 367 a 381».

6.

A peritagem é obrigatória, cuja prova, embora não vinculativa, é um instrumento indispensável para se decidir sobre a “justa indemnização”. Daí o entendimento jurisprudencial uniforme, no sentido de que o tribunal deve, em princípio, acolher o parecer dos peritos e dar preferência ao parecer dos peritos escolhidos pelo tribunal, quer pela competência técnica que lhes é reconhecida, quer pelas melhores garantias de imparcialidade que oferecem. A este propósito, pois que a determinação do valor da coisa expropriada é essencialmente um problema técnico, sendo a avaliação, no processo expropriatívo, uma diligência probatória fundamental, deve o juiz aderir, em princípio, ao parecer dos peritos, dando preferência ao valor resultante desses pareceres, desde que sejam coincidentes, e, por razões de imparcialidade e independência, optar pelo laudo dos peritos nomeados pelo tribunal quando haja unanimidade destes. Não se trata, portanto, da utilização de metodologias alternativas, antes, rigorosamente - em função dos padrões legais referenciados -, concluir, com elementos fundamentadores de adequação por específica tipologia classificatória e de correspondência quântica.

7.

Ao arbitrar a indemnização, cumpre também o Juiz um dos princípios constitucionais, o princípio da igualdade, já que é nesse momento que o expropriado que havia com o desapossamento começado por ser colocado numa posição de desigualdade perante os outros concidadãos, recupera, através da indemnização pecuniária, a paridade que o desfalque patrimonial lhe havia retirado. O que foi logrado com a decisão proferida.

8.

As benfeitorias, pelo contrário, são despesas de efeito permanente: por acção delas e independentemente de novas despesas, o prédio sofre alterações que lhe aumentam o valor ou evitam que se desvalorize.

9.

Não podem os muros acima aludidos deixar de ser considerados como uma benfeitoria útil ao prédio em questão, na medida em que, sendo se vedação, constituem um melhoramento para o prédio rústico em causa, o que não aconteceria se apenas fossem de suporte, uma vez que, neste caso, seria uma benfeitoria necessária, não indemnizável por não aumentar o valor da coisa.

10.

Deste modo, verificando-se que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668.º, n.° 1, alíneas b), c) e e) do Cód. Proc. Civil (615º NCPC).

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III. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela apelante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

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                                                              António Carvalho Martins – Relator

 

                                                              Carlos Moreira – 1º Adjunto

 

                                                                João Moreira do Carmo – 2º Adjunto