Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4228/17.6T8LRA.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
PROPRIEDADE INDUSTRIAL
CONCORRÊNCIA DESLEAL
ARRESTO
LESÃO GRAVE
Data do Acordão: 11/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.317, 318, 338 I CPI, 362 CPC
Sumário: I – O Código De Processo Civil e o Código da Propriedade Industrial exigem, em regra, os mesmos requisitos para o decretamento de uma providência cautelar: (I) existência de um direito e (II) receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável a esse direito.

II-O Código da Propriedade Industrial exceciona deste regime o arresto a que se refere o seu artigo 338.º-J, ao qual apenas se aplicam os requisitos previstos no próprio artigo 338.º-J.

III – As providências cautelares cuja causa de pedir reside na concorrência desleal estão sujeitas aos requisitos gerais acabados de indicar no ponto «I», como resulta do disposto no n.º 2 do artigo 317.º do Código da Propriedade Industrial.

IV – Ocorre perigo de lesão grave e dificilmente irreparável do direito – n.º 1, do artigo 338.º - I, do Código da Propriedade Industrial – quando a lesão se situa ao nível das relações que implicam com a sobrevivência económica da sociedade requerente e existe dificuldade na avaliação e prova dos prejuízos futuros.

Decisão Texto Integral:




I. Relatório

a) A recorrente instaurou o presente procedimento cautelar previsto no Código da Propriedade Industrial, contra a recorrida com o fim de obter a procedência dos seguintes pedidos:

(I) Proibição da comercialização e da cobrança de créditos relativamente a fornecimentos já realizados, pela requerida (i) do composto de argilas IB-1 junto da I (…) da A (…) ou de quaisquer outros eventuais clientes, e (ii) do composto de argilas MPHB junto da C (…) ou de quaisquer eventuais outros clientes;

(II) Notificação dos clientes desviados pela requerida, designadamente a (…), para que:

1 - Não procedam a quaisquer pagamentos dos créditos vincendos e dos créditos vencidos não pagos à requerida relativamente ao fornecimento de tais matérias-primas supra indicadas; e

2 - Procedam à consignação em depósito de tais quantias a favor do agente de execução;

3 - Apreensão nas instalações e em entrepostos utilizados pela requerida dos stocks de compostos de argilas IB-1 e MPHB, nomeadamente as 20 mil toneladas do composto de argilas IB-1, ficando o seu depósito à guarda do agente de execução;

4 - A autorização para que o agente de execução proceda à venda dos stocks de compostos de argilas apreendidos, por se tratar de mercadorias deterioráveis, ficando o produto da venda consignado em depósito em favor do agente de execução;

5 - A apreensão de toda e qualquer documentação relacionada com a produção e desenvolvimento dos compostos de argilas IB-1 e MPHB, em especial das fichas técnicas de onde constam as respetivas fórmulas químicas, e a restituição dessa documentação à requerente;

6 - A apreensão (arrolamento) de cópia da documentação contabilística da requerida, em suporte físico ou digital, com realização de uma auditoria forense independente sobre a documentação contabilística, para aferição das mais-valias ilicitamente obtidas pela Requerida, a efetuar por uma das quatro grandes auditoras e consultoras internacionais (…)).

7 - Uma sanção pecuniária compulsória, em valor diário não inferior a €50.000,00 até que a requerida assegure o respeito pelos segredos industriais e a clientela da Requerente.


*

Após um despacho que decidiu procedente o pedido da Requerida, no sentido do Juízo Central Cível do Tribunal da Comarca de Leiria ser incompetente em razão da matéria, por ser competente o Tribunal da Propriedade Intelectual, o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 24 de abril de 2018, decidiu que o Juízo Central Cível do Tribunal da Comarca de Leiria era competente em razão da matéria para conhecer da providência pedida pela Recorrente.

De seguida, o tribunal considerou que perante a factualidade alegada pela requerente, ainda que os factos por si alegados resultassem demonstrados, com o necessário grau de certeza e de forma objetiva, que não ocorre perigo sério da lesão invocada no sentido de não vir a ser ressarcida através de um processo de indemnização, ou seja, através do património da requerida, pelo que, não se podendo extrair daqueles factos a verificação do requisito da impossibilidade ou dificuldade de reparação do dano, se revela manifestamente improcedente o procedimento cautelar.

Tendo-se concluído assim, foi proferida esta decisão:

«Em face do exposto e sem outras considerações, julga-se manifestamente improcedente a providência cautelar requerida, absolvendo a requerida dos pedidos formulados».


*

É desta decisão que vem interposto o recurso, cujas conclusões são as seguintes:

(…)

c) A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão sob recurso.

(…)

II. Objeto do recurso

Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes:

1- A primeira questão colocada pelo recurso consiste em verificar se há nos autos decisão que tenha já decidido, com trânsito em julgado, a questão de saber se a presente providência é uma providência que deve seguir o regime previsto nos artigos 317.º, n.º 2, e 338.º- I do Código da Propriedade Intelectual ou se segue o regime das providências cautelares previsto no Código de processo Civil.

2 - Em segundo lugar, cumpre verificar se a providência requerida prescinde da existência de uma situação de periculum in mora, de receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito do requerente.

3 - Em terceiro lugar, se a anterior resposta for negativa, cumpre verificar se os factos alegados pela Recorrente, se declarados provados, configuram uma situação de receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito do requerente.

4 - Em quarto lugar, face à conclusão a que se tiver chegado na questão anterior, cumpre decidir o recurso.  

III. Fundamentação

a) Matéria de facto

Os factos alegados são os seguintes:

«18 - A Requerente tem por objeto social a “Prospeção, pesquisa, exploração e comercialização de depósitos minerais, especialmente argilas destinadas á indústria de cerâmica e venda de energia elétrica” — cf. Documento n.º 4 que se junta e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

«21.º Por sua vez, a Requerida tem por objeto social a extração de argilas, moagem de pedra calcária, comercialização de matérias-primas para cerâmica e compra e venda de imóveis, bem como de serviços de transporte rodoviário nacional e internacional — cf. Documento n.º

«37.º - No âmbito da Auditoria Forense Independente, a Requerente apurou que o r. C (…) e a sua filha, Sra. A (…), gozando do seu estatuto de administradores (com funções executivas) da Requerente, têm vindo a desviar sistematicamente património, recursos materiais, financeiros e humanos, know-how, oportunidades de negócio e clientela do Grupo (…) para a Requerida e para outras empresas por si detidas».

38.º Desta forma, a Requerida tem vindo a apropriar-se dos segredos industriais, dos negócios, da clientela e das matérias-primas da Requerente que levaram vários anos a construir.

39.º -  A Requerente foi contactada pela sociedade espanhola A (…) sua cliente habitual, no sentido de desenvolver um novo composto (blend) de argilas, que fosse capaz de corresponder a determinadas especificações indicadas pela cliente.

40.º - Nesta sequência, a equipa de investigação da Requerente desenvolveu, em laboratório, um novo composto (blend) de argilas, que recebeu a designação de “IB-1”,

41.º - Tendo a ficha técnica descritiva dos elementos e do método de fabrico do novo composto (a fórmula química) – blend – ficado guardada, como habitualmente, no arquivo interno da Requerente.

42.º - De forma a evitar que esta caísse nas mãos de terceiros, nomeadamente empresas concorrentes, por se tratar de um importante segredo industrial legalmente protegido.

43.º - Note-se que, com o objetivo de preservar o segredo, até os contratos de trabalho dos trabalhadores do laboratório da Requerente contêm uma cláusula de sigilo profissional onde se consagra um «dever legal imperativo de guardar lealdade de um modo geral (…) e especificamente não divulgando informações relativas à sua organização, métodos de produção ou negócios».

44.º - O que demonstra que, desde a primeira hora, era fundamental preservar o segredo associado à produção do composto de argilas IB-1 e de outros (tal como o MPHB, que será referido infra).

45.º - Do laboratório passou-se para a produção, tendo, em 08.02.2017, a Requerente expedido 500 toneladas do referido produto através do distribuidor espanhol I (…), a título de lote mínimo para ensaio industrial, para o cliente final A (..), com a qual obteve o pagamento de EUR 14.125,00 (catorze mil cento e vinte cinco euros).

46.º - Na sequência da aprovação da qualidade do produto pelo cliente A (…) em 31.03.2017, a Requerente expediu mais 4.000 toneladas de composto IB-1, com a qual obteve o pagamento de EUR 113.000,00 (cento e treze mil euros)

47.º - Em abril de 2017, o Sr. C (…) decidiu transferir a produção do composto IB-1, o stock já produzido pela Requerente e prestes a embarcar e as respetivas encomendas em carteira da Requerente para a Requerida,

48.º - Tendo-se deslocado a Espanha para convencer o distribuidor espanhol da Requerente – a I (…) a passar a receber os fornecimentos da Requerida,

49.º - Nessa altura estava a ser carregado um barco com produto IB-1 produzido pela Requerente, tendo o Sr. C (…) – para surpresa e inquietação de funcionário da Requerente – dado instruções para que os documentos de transporte marítimo (Bill of Lading – conhecimento de transporte marítimo) e a fatura fossem emitidas em nome da Requerida, ao invés da Requerente, tal como tinha sido feito até esta data.

50.º - Nessa sequência, a informação técnica sobre os elementos e o método de fabrico do composto (blend) IB-1 foi transferida para a Requerida.

51.º - E o produto IB-1 passou a ser produzido e fornecido à A (…), via I (…)pela Requerida.

52.º - Para cúmulo, o laboratório da Requerente continuou a testar a qualidade dos lotes de composto IB-1, agora faturados pela Requerida.

53.º - Até outubro de 2017, este esquema implicou para a Requerente uma perda de faturação de, pelo menos, EUR 475.700,00 (quatrocentos e setenta e cinco mil e setecentos euros).

54.º - Recentemente, no dia 18 de outubro de 2017, foi realizado outro fornecimento pela Requerida de produto IB-1, na quantidade de 6.700 toneladas, por cerca de EUR 186.450,00.

55.º - Estes valores continuarão a aumentar se o Sr. C (…) continuar a desviar encomendas do distribuidor I (…) e dos clientes finais da Requerente para a Requerida, porquanto os clientes da Requerente carecem de fornecimentos regulares deste produto.

56.º - De facto, à partida, o cliente final A (…) estimava encomendar 60.000 toneladas de IB-1 em 2018, o que implica uma estimativa de perda anual de faturação não inferior a EUR 1.600.000,00, só com este cliente.

57.º - No dia a seguir ao embarque do primeiro navio com composto de argilas IB-1 faturado em nome da C (…) (dia 27 de abril de 2017), o Sr. C (…) solicitou à I (…) que emitisse uma fatura de prospeção comercial à C (…) no valor de EUR 35.000,00.

58.º - Quando a promoção comercial em causa havia sido efetuada pela Requerente e não pela Requerida.

59.º - Bem mais tarde, no início do mês de setembro de 2017, o Sr. C (…) solicitou ao Sr. M (…) (responsável comercial de exportação do Grupo (…) para o mercado espanhol) que preparasse um orçamento com data prévia à referida fatura e ainda um relatório de – supostas – visitas de prospeção comercial realizadas por conta da Requerida.

60.º - Pelo que se conclui que o Sr. C (…) ordenou a elaboração de documentos falsos de encobrimento do desvio de clientela da Requerente para a Requerida.

61.º - Muito recentemente, a Requerente tomou conhecimento de que agentes ou distribuidores comerciais espanhóis se têm apresentado junto dos clientes finais da Requerente em Espanha com o objetivo de vender matéria-prima IB-1 produzida pela Requerida.

62.º - Outro caso de desvio de património e de know how para a Requerida é um caso relacionado com outro cliente da Requerente respeitante à argila MPHB – de novo um composto (blend) desenvolvido nos laboratórios da Requerente.

63.º - Desde novembro de 2016, a Requerente recebeu várias encomendas, por parte da sociedade  espanhola  C (…)S.A. (“…”), na pessoa do Sr. J (…), de uma argila com determinadas características.

64.º - Em particular, em 22 de novembro de 2016, foram encomendados pela C (…) dois camiões dessa argila.

65.º - Nesta sequência, a equipa de investigação da Requerente desenvolveu, em laboratório, estudos de composição da argila com as características solicitadas, que passou a ser designada por argila MPHB.

66.º - No dia 24 de novembro 2016, a produção da composição MPHB ficou concluída e o respetivo trabalho devidamente faturado à Requerente

67.º - Foram efetuadas novas encomendas durante os meses seguintes, designadamente:

(1) No dia 16 de dezembro de 2016, foram encomendados mais quatro camiões da argila com composição MPHB, sendo que tal pedido foi cancelado no dia 18 de dezembro de 2016.

 (2) No dia 3 de janeiro de 2017, foram encomendados mais dois camiões da argila com composição MPHB, tendo a Requerente aceite essa encomenda e avançado de imediato com a produção da argila e com a resolução de todas as questões operacionais.

(3) No dia 7 de fevereiro de 2017, foram encomendadas mais 150 toneladas da argila MPHB, tendo a Requerente novamente diligenciado pela produção da composição em causa.

 (4) No dia 30 de março de 2017, foram encomendadas à Requerente mais 600 toneladas desta composição MPHB, o que foi mais uma vez aceite.

 (5) No dia 10 de maio de 2017, foram encomendadas à Requerente mais 500 toneladas desta composição MPHB, o que foi mais uma vez aceite.

 (6) No dia 20 de junho de 2017, foram encomendadas à Requerente mais 300 toneladas desta composição MPHB, o que foi mais uma vez aceite pela Requerente.

 (7) No dia 21 de julho de 2017, foram encomendadas à Requerente mais 10 camiões semanais desta composição MPHB, o que foi mais uma vez aceite pela Requerente

68.º - Como fica demonstrado, a relação comercial entre a Requerente e a C (…) encontrava-se em grande atividade e em franca expansão.

69.º - E para que não existam quaisquer dúvidas, o composto de argila MPHB foi inteiramente criado e desenvolvido pela Requerente.

70.º - No entanto, na data de 11 de julho de 2017, o Sr. C (…) levou o proprietário da C (…) o Sr. J (…), e o seu diretor geral, o Sr. E (…), a visitar as instalações e as minas da Requerida.

71.º - Discutindo nessa visita a capacidade da Requerida para dar resposta às necessidades futuras da C (…)

72.º - E isto quando o objetivo inicial da vinda a Portugal do proprietário da C (…) o Sr. J (…), era para conhecer as instalações da CCM e da Requerente e não as da Requerida.

73.º - No entanto, o Sr. C (…) aproveitou-se da presença do Sr. J (…) e procurou assim desviar o cliente da Requerente para a Requerida, tal como já tinha feito em casos  anteriores.

74.º - A verdade é que, depois desta visita do proprietário e do diretor geral da C (…), pelo menos, a partir de 7 de agosto de 2017, passou a ser adjudicada à Requerida a operação com a C (…) relativamente à argila MPHB.

75.º - O referido Documento refere expressamente que a morada de faturação destes serviços é a da Requerida, ao contrário do que aconteceu em todas as operações anteriores, em que a faturação era endereçada à Requerente.

76.º - Aliás, é ainda dada indicação por parte de uma colaboradora da Requerente, seguindo instruções do Sr. C (…), à empresa de transporte da argila MPHB que esta “deve coordenar-se com a C (…) para estas cargas de argila para B (…)” (leia-se: sede da C (…).

77.º - Uma outra situação particularmente escandalosa verificou-se quando colaboradores da Requerente, sob indicações do Sr. C (…), apresentaram propostas à cliente S (…) em nome da Requerida

78.º - Dessa forma tentando desviar mais um cliente da Requerente – e o correspondente fabrico e fornecimento de produtos industriais – para a Requerida.

79.º - Note-se, porém, que as tentativas de desvio de clientela não se cingem apenas a este tipo de instruções a trabalhadores da Requerente.

80.º - O Sr. C (…) aproveita-se das informações comerciais sobre quantidades, produtos, especificações técnicas e outros elementos, obtidos pelos comerciais da Requerente em benefício da Requerida.

81.º - Em concreto, e com regularidade, o Sr. C (…) encaminha os relatórios preparados pelos comerciais da Requerente para o departamento comercial da Requerida

82.º - O que, mais uma vez, deixa demonstrado à saciedade a intenção de desvio de clientela (in concreto, potencial clientela) para a Requerida, controlada pelo Sr C (…) e familiares diretos.

83.º - A Requerida continua a utilizar o know-how relativo à produção das matérias-primas acima referidas.

84.º E continua a realizar fornecimentos dessas matérias-primas aos clientes da Requerente.

85.º - Em particular, a Requerida tem em stock, nas suas instalações, várias toneladas de composto de argilas IB-1 (alegadamente cerca de 20 mil toneladas).

86.º - Matéria-prima que – recorde-se – foi produzida com recurso ao desvio de segredos industriais da Requerente pela Requerida.

87.º - E que pode a todo o momento ser vendida pela Requerida aos clientes finais da Requerente.

88.º - A utilização dos segredos industriais e comerciais, o desvio de matéria-prima pertencente à Requerente e o consequente desvio de clientela pela Requerida continuará a provocar quebras de faturação da Requerente, colocando em risco a sua viabilidade económica.

89.º - O acesso à documentação contabilística da Requerida é indispensável ao apuramento das mais-valias que a Requerida está a fazer à conta dos segredos industriais retirados à Requerente,

90.º - Pelo que a efetiva reparação dos prejuízos da Requerente depende da apreensão e análise de cópia dessa documentação.

Do requerimento de 19 DE JUNHO DE 2018

1. O produto “IB-1” foi concebido no laboratório da Requerente para o cliente final espanhol A (…), por intermédio do agente comercial I (…)

2. O produto “MPHB” foi concebido no laboratório da Requerente para o cliente espanhol C (…)

3. Os nomes destes produtos criados à medida do cliente (tailor made) encontram-se sintomaticamente ligados aos nomes dos clientes, i.e. as letras “IB” do produto “IB-1” referem-se ao agente comercial I (…)e as letras “MP” do produto “MPHB” referem-se à M (…)

4. Contudo, é possível que os compostos de argila possam ser comercializados junto de outros clientes finais com necessidades semelhantes.

5. O apuramento dos clientes a quem são vendidos ilicitamente pela Requerida os produtos “IB-1” e “MPHB” depende do decretamento desta providência, na parte em que determine a apreensão e análise da documentação relativa à produção destes compostos de argilas e da documentação contabilística.

6. Em concretização dos artigos 83.º e 88.º da Petição Inicial, importa informar o Douto Tribunal que a antiga funcionária da Requerente, a Sra. L (…) – responsável pelo laboratório da Requerente – é agora funcionária da Requerida.

7. Conforme decorre do Requerimento apresentado pela Requerente em 20 de dezembro de 2017, esta antiga funcionária da Requerente foi a responsável pela transmissão, em diversas ocasiões, da formulação do produto “IB-1” aos responsáveis de produção da Requerida,

8. Ou seja, foi através desta transmissão ilegal do segredo comercial e industrial relativo ao “IB-1” da Requerente para a Requerida que esta conseguiu desenvolver, produzir e comercializar, por sua própria conta, o produto “IB-1” diretamente ao cliente da Requerente.

9. Note-se que a Sra. L (…) já confessou expressamente em Tribunal, sob juramento, que (i) transmitiu aos responsáveis de produção da Requerida a formulação (leia-se: fórmula de composição e produção de um determinado produto) do produto “IB-1”, e que (ii) essa formulação é um segredo industrial.

10. Para prova de tal facto, requer-se ao Douto Tribunal que ordene oficiosamente a obtenção da gravação do referido depoimento prestado em 16 de abril de 2018, no Processo n.º 4039/17.9T8LRA, a correr termos no Juízo de Comércio de Leiria – Juiz 1. Em alternativa, a Requerida disponibiliza-se para apresentar, junto dos serviços, um CD com a referida gravação.

11. Acrescente-se que, enquanto responsável pelo laboratório da Requerente, a Sra. L (…) tinha acesso à informação sobre a composição da generalidade dos produtos da Requerente.

12. Conclui-se assim pela existência de uma probabilidade extremamente forte – ou mesmo certeza – de que, através da antiga responsável pelo laboratório da Requerente, a Requerida tenha utilizado e continue a utilizar os segredos industriais e comerciais sobre a composição dos produtos da Requerente – quer do “IB-1” e do “MPHB”, quer da generalidade dos outros produtos da Requerente.

13. Desviando e continuando a desviar os seus clientes – quer a A (…),  a I (…) e a M (…), quer a generalidade dos outros clientes da Requerente –,

14. Obtendo lucros e mais-valias, à conta dos segredos industriais e comerciais da Requerente,

15. E provocando uma diminuição do volume de negócios da Requerente ou, pelo menos, o seu não aumento.

16. Em complemento e concretização dos artigos 83.º e 88.º da Petição Inicial, a Requerente gostaria ainda de informar o douto Tribunal que a Requerida esteve representada no passado mês de abril de 2018 na Feira Internacional de Munique, entre outras pessoas, por um dos administradores da C (…) a Sra. A (…)

17. O que corrobora ideia de que a Requerida concorre diretamente com a Requerente, podendo aliciar diretamente os clientes desta, como, aliás, o chegou a fazer na referida feira.

18. E que o faz de forma desleal, com acesso quer a segredos industriais e comerciais, quer aos contactos comerciais da Requerente, que obtém nomeadamente através da Sra. (…)

19. Por se revelar importante para a presente causa, a Requerente requer a junção da decisão de confirmação da suspensão de dois administradores da CCM proferida no âmbito do Processo n.º 4039/17.9T8LRA, a correr termos no Juízo de Comércio de Leiria – Juiz 1, por violação dos seus deveres de administração, nomeadamente, por entre outras coisas, serem administradores de facto da Requerida, praticarem atos prejudiciais à Requerente e, consequentemente, beneficiarem a Requerida e demais empresas familiares e até os próprios! – cf. Documento em anexo.

Periculum in mora - Concretização do artigo 84.º da Petição Inicial

20. Em concretização do artigo 84.º da Petição Inicial, diga-se que a Requerida efetuou vários carregamentos do produto IB-1 à I (…), entre abril e outubro de 2017, num total de 22.200 toneladas, correspondentes a cerca de EUR 662.150,00.

21. Quanto ao produto MPHB, diga-se que a Requerida forneceu à C (…) pelo menos, entre agosto de 2017 e outubro de 2017, num total de 3.600 toneladas, correspondentes a cerca de EUR 66.600,00.

22. Foi entretanto possível apurar que a Requerida continuou, após outubro de 2017, a comercializar o produto IB-1 – ainda que sob uma designação diferente – no mercado espanhol de clientes finais.

23. O apuramento da quantidade e do valor dos fornecimentos do produto IB-1 pela Requerida aos clientes finais espanhóis após outubro de 2017 – e, consequentemente, o apuramento das mais-valias ilicitamente auferidas pela Requerida à custa da Requerente – depende do decretamento desta providência.

24. É extremamente provável que a Requerida tenha continuado, após outubro de 2017, a vender o produto MPHB – sob esta ou outra designação – à C (…)

25. O apuramento da quantidade e do valor dos fornecimentos do produto MPHB pela Requerida à C (…) após outubro de 2017 – e, consequentemente, o apuramento das mais-valias ilicitamente auferidas pela Requerida à custa da Requerente depende do decretamento desta providência.

b) Apreciação da questão objeto do recurso.

1- A primeira questão colocada pelo recurso consiste em verificar se há nos autos decisão que tenha já decidido, com trânsito em julgado, a questão de saber se a presente providência é uma providência que deve seguir o regime previsto nos artigos 317.º, n.º 2, e 338.º - I do Código da Propriedade Industrial ou se segue o regime das providências cautelares previsto no Código de Processo Civil.

A resposta a esta questão é negativa.

A decisão tomada nos autos, com transito em julgado, consiste no acórdão desta relação, do pretérito dia 24 de abril, a fls. 504 e seguintes e decidiu que a competência para julgar o presente procedimento cautelar pertencia ao Juízo Central Cível de Leiria e não ao Tribunal da Propriedade Industrial.

Por conseguinte, não foi decidida a questão de saber se a presente providência é uma providência que deve seguir o regime previsto nos artigos 317.º, n.º 2, e 338.º - I do Código da Propriedade Intelectual ou o regime previsto no Código de processo Civil.

2 - Em segundo lugar, cumpre verificar se a providência requerida prescinde da existência de uma situação de periculum in mora.

A questão colocada tem resposta negativa, pelas razões que vão ser indicadas de seguida.

Os pedidos formulados são os seguintes:

«a. A proibição da comercialização e da cobrança de créditos relativamente a fornecimentos já realizados, pela Requerida

(i) do composto de argilas IB-1 junto da I (…) e da A (…) ou de quaisquer outros eventuais clientes, e

 (ii) do composto de argilas MPHB junto da C (…) ou de quaisquer eventuais outros clientes;

b. A notificação dos clientes desviados pela Requerida, designadamente a I (…), a A (…) e a C (…), para que:

i. Não procedam a quaisquer pagamentos dos créditos vincendos e dos créditos vencidos não pagos à Requerida relativamente ao fornecimento de tais matérias-primas supra indicadas; e

ii. Procedam à consignação em depósito de tais quantias a favor do Agente de Execução;

c. A apreensão nas instalações e em entrepostos utilizados pela Requerida dos stocks de compostos de argilas IB-1 e MPHB, nomeadamente as 20 mil toneladas do composto de argilas IB-1, ficando o seu depósito à guarda do Agente de Execução;

d. A autorização para que o Agente de Execução proceda à venda dos stocks de compostos de argilas apreendidos, por se tratar de mercadorias deterioráveis, ficando o produto da venda consignado em depósito em favor do Agente de Execução;

e. A apreensão de toda e qualquer documentação relacionada com a produção e desenvolvimento dos compostos de argilas IB-1 e MPHB, em especial das fichas técnicas de onde constam as respetivas fórmulas químicas, e a restituição dessa documentação à Requerente;

f. A apreensão (arrolamento) de cópia da documentação contabilística da Requerida, em suporte físico ou digital, com realização de uma auditoria forense independente sobre a documentação contabilística, para aferição das mais-valias ilicitamente obtidas pela Requerida, a efetuar por uma das quatro grandes auditoras e consultoras internacionais ((…)

g. Ser decretada uma sanção pecuniária compulsória, em valor diário não inferior a EUR 50.000,00 (cinquenta mil euros) até que a Requerida assegure o respeito pelos segredos industriais e a clientela da Requerente».

Ora, quanto aos pedidos de apreensão de mercadorias a solução será uma, quanto aos restantes pedidos, outra.

Fundamentando.

Sobre a razão de ser e requisitos gerais das providências cautelares, o Prof. Alberto dos Reis referiu o seguinte, ainda atual:

«O sucesso da acção cautelar depende de dois requisitos:

1.º A verificação da aparência de um direito;

2.º A demonstração do perigo de insatisfação desse direito aparente.

Quanto ao 1.º requisito pede-se ao tribunal uma apreciação ou um juízo de mera probabilidade ou verosimilhança; quanto ao 2.º pede-se-lhe mais alguma coisa: um juízo, senão de certeza e segurança absoluta, ao menos de probabilidade mais forte e conveniente» ([1]).

E que «Para a reconstituição exacta da figura de providência cautelar não basta conhecer as condições ou requisitos de que depende o seu sucesso; é necessário, além disso, definir a sua função jurisdicional.

Sob este aspecto, o traço fundamental a assimilar é o seguinte: a providência cautelar surge como antecipação e preparação duma providência ulterior; prepara o terreno e abre o caminho para uma providência final» ([2]).

Relativamente ao aspeto funcional o mesmo professor referiu:

«Como se justifica a emissão duma providência provisória, destinada a antecipar a providência definitiva?

O que justifica este fenómeno jurisdicional é o chamado periculum in mora (…). Há casos em que a formação lenta e demorada da decisão definitiva expõe o presumido titular do direito a riscos sérios de dano jurídico; para afastar estes riscos, para eliminar o dano, admite-se a emanação duma providência provisória ou interina, destinada a durar somente enquanto não se elabora e profere o julgamento definitivo» ([3]), pelo que, para finalizar, «A função das providências cautelares consiste no justamente em eliminar o periculum in mora, em defender o presumido titular do direito contra os danos e prejuízos que lhe pode causar a formação lenta e demorada da decisão definitiva» ([4]).

Verifica-se, pois, que é essencial para o êxito em geral das providências cautelares mostrar que há um direito próprio lesado ou ameaçado seriamente de lesão e o perigo de insatisfação desse direito, se porventura não for decretada a providência.

Mas o legislador pode tutelar casos excecionais que prescindam do perigo de insatisfação do direito caso a providência não seja decretada.

Era o que ocorria nos casos denominados de «arresto repressivo».

No Código de Processo Civil de 1961, o artigo 407.º, n.º1, dispunha que «O requerente de arresto fundado em contrafação ou uso ilegal de marcas industriais ou comerciais fará prova da propriedade industrial ou comercial e do facto ofensivo dessa propriedade».

Como referia o Prof. Alberto dos Reis, «…quando se requere o arresto em consequência de reprodução fraudulenta ou de contrafacção, de uso ilegal de marcas ou carimbos, o arresto representa reacção contra facto ilícito já praticado: exerce, portanto, função essencialmente repressiva. Pode dizer-se que exerce também função preventiva porque se tem em vista evitar que o prejuízo causado pelo facto ilícito se agrave ou se reproduza» ([5]).

Esta natureza repressiva da providência prescinde da verificação da existência de uma situação de periculum in mora, ou melhor, não permite que essa situação surja.

Cumpre, pois verificar se algum dos pedidos acima formulados poderá obter tutela do tipo assinalado ao «arresto repressivo».

A resposta é negativa, pois, como se verá, isso só ocorre para os casos de «arresto repressivo».

Para os restantes pedidos, como os feitos no caso dos autos, exigem-se os requisitos gerais das providências cautelares.

Quanto a estes requisitos gerais eles são exigidos (I) quer no artigo 338,- I do Código da Propriedade Industrial, onde se dispõe:

«Artigo 338.º-I

Providências cautelares

1- Sempre que haja violação ou fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito de propriedade industrial, pode o tribunal, a pedido do interessado, decretar as providências adequadas a:

a) Inibir qualquer violação iminente; ou

b) Proibir a continuação da violação.

2 - O tribunal exige que o requerente forneça os elementos de prova para demonstrar que é titular do direito de propriedade industrial, ou que está autorizado a utilizá-lo, e que se verifica ou está iminente uma violação.

3 - As providências previstas no n.º 1 podem também ser decretadas contra qualquer intermediário cujos serviços estejam a ser utilizados por terceiros para violar direitos de propriedade industrial.

4 - Pode o tribunal, oficiosamente ou a pedido do requerente, decretar uma sanção pecuniária compulsória com vista a assegurar a execução das providências previstas no n.º 1.

5 - Ao presente artigo é aplicável o disposto nos artigos 338.º-E a 338.º-G.

 6 - A pedido da parte requerida, as providências decretadas a que se refere o n.º 1 podem ser substituídas por caução, sempre que esta, ouvido o requerente, se mostre adequada a assegurar a indemnização do titular.

7 - Na determinação das providências previstas neste artigo, deve o tribunal atender à natureza dos direitos de propriedade industrial, salvaguardando, nomeadamente, a possibilidade de o titular continuar a explorar, sem qualquer restrição, os seus direitos» (aditado pela Lei n.º 16/2008, de 01 de Abril).

(II) Quer nos artigos 362.º e seguintes do Código de Processo Civil, cujo n.º 1 deste artigo dispõe que «Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado».

Verifica-se, por conseguinte, que quer no Código da Propriedade Industrial, que no Código de Processo Civil se exigem os mesmos requisitos para o decretamento da providência: (I) a existência de um direito e (II) o receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável a este direito.

O Código da Propriedade Industrial exceciona deste regime o arresto, nos termos que prevê no seu artigo 338.º-J, que tem este teor:

«1- Em caso de infracção à escala comercial, actual ou iminente, e sempre que o interessado prove a existência de circunstâncias susceptíveis de comprometer a cobrança da indemnização por perdas e danos, pode o tribunal ordenar a apreensão preventiva dos bens móveis e imóveis do alegado infractor, incluindo os saldos das suas contas bancárias, podendo o juiz ordenar a comunicação ou o acesso aos dados e informações bancárias, financeiras ou comerciais respeitantes ao infractor.

2 - Sempre que haja violação de direitos de propriedade industrial, pode o tribunal, a pedido do interessado, ordenar a apreensão dos bens que se suspeite violarem esses direitos ou dos instrumentos que apenas possam servir para a prática do ilícito.

3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, o tribunal exige que o requerente forneça todos os elementos de prova razoavelmente disponíveis para demonstrar que é titular do direito de propriedade industrial, ou que está autorizado a utilizá-lo, e que se verifica ou está iminente uma violação.

4 - Ao presente artigo é aplicável o disposto nos artigos 338.º-E a 338.º».

Trata-se, pois, com exceção do n.º 1, de um arresto com finalidades repressivas que prescinde da verificação do requisito do receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável a este direito, pois destina-se a remediar situações consumadas ou de perigo de consumação (caso do n.º 2).

Esta norma é sucessora das normas dos antigos artigos 407.º e 409.º dos Códigos de processo Civil antes citados e deve ser interpretada nos mesmos termos, no sentido de não ser exigível o «fundado receio de lesão» a que se refere o artigo 338.º - I do Código da Propriedade Industrial, mas apenas os requisitos previstos no próprio artigo 338.º-J do Código da Propriedade Industrial.

 Quanto ao caso dos autos, está em análise uma questão de concorrência desleal, materializada com a subtração e utilização industrial de segredos de fabrico de produtos manufaturados e comercializados pela Requerente, que esta imputa aos Requeridos.

Sobre esta questão o artigo 317.º do Código da Propriedade Industrial dispõe o seguinte:

«1- Constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, nomeadamente:

a) Os actos susceptíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue;

b) As falsas afirmações feitas no exercício de uma actividade económica, com o fim de desacreditar os concorrentes;

c) As invocações ou referências não autorizadas feitas com o fim de beneficiar do crédito ou da reputação de um nome, estabelecimento ou marca alheios;

d) As falsas indicações de crédito ou reputação próprios, respeitantes ao capital ou situação financeira da empresa ou estabelecimento, à natureza ou âmbito das suas actividades e negócios e à qualidade ou quantidade da clientela;

e) As falsas descrições ou indicações sobre a natureza, qualidade ou utilidade dos produtos ou serviços, bem como as falsas indicações de proveniência, de localidade, região ou território, de fábrica, oficina, propriedade ou estabelecimento, seja qual for o modo adoptado;

f) A supressão, ocultação ou alteração, por parte do vendedor ou de qualquer intermediário, da denominação de origem ou indicação geográfica dos produtos ou da marca registada do produtor ou fabricante em produtos destinados à venda e que não tenham sofrido modificação no seu acondicionamento.

2 - São aplicáveis, com as necessárias adaptações, as medidas previstas no artigo 338.º-I».

Logo de seguida, o artigo 318.º do mesmo código (Proteção de informações não divulga) determina que:

 «Nos termos do artigo anterior, constitui acto ilícito, nomeadamente, a divulgação, a aquisição ou a utilização de segredos de negócios de um concorrente, sem o consentimento do mesmo, desde que essas informações:

a) Sejam secretas, no sentido de não serem geralmente conhecidas ou facilmente acessíveis, na sua globalidade ou na configuração e ligação exactas dos seus elementos constitutivos, para pessoas dos círculos que lidam normalmente com o tipo de informações em questão;

b) Tenham valor comercial pelo facto de serem secretas;

c) Tenham sido objecto de diligências consideráveis, atendendo às circunstâncias, por parte da pessoa que detém legalmente o controlo das informações, no sentido de as manter secretas».

Verifica-se, por conseguinte, que os casos previstos no artigo 318.º desenvolvem o regime previsto no artigo 317.º e o n.º 2 deste artigo determina a aplicação à concorrência desleal do disposto no artigo 338.º - I, ou seja, exige, nos termos do n.º 1 deste artigo que «Sempre que haja violação ou fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito de propriedade industrial, pode o tribunal, a pedido do interessado, decretar as providências adequadas a:…».

Concluiu-se, por conseguinte, que o caso dos autos exige a verificação dos requisitos gerais das providências cautelares, ou seja, a existência do direito e a lesão grave de difícil reparação.

 Passando à questão seguinte.

3 - Em terceiro lugar, como a anterior resposta foi negativa, cumpre verificar se os factos alegados pela Recorrente, na hipótese de «provados», configuram uma situação de «receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito».

A resposta é afirmativa, pelas seguintes razões:

(I) Em primeiro lugar, cumpre verificar qual o direito que está a ser lesado e como poderá ser reparado.

A Requerente afirma que os requeridos se apropriaram de segredos industriais sobre a composição e fabrico de compostos de argilas, que identifica, passando a produzir e a fornecer os compostos de argilas desenvolvidos nos laboratórios da requerente aos clientes desta.

Diz que, por força da composição do conselho de administração da requerente e da requerida, esta tem vindo a apropriar-se dos segredos industriais, dos negócios, da clientela e das matérias-primas daquela que levaram vários anos a construir, designadamente um novo composto (blend) de argilas, que recebeu a designação de “IB-1”, o qual foi desenvolvido para satisfazer determinadas especificações do cliente A (…).

Para além daquele produto desenvolveu ainda um outro composto sob a designação de MPHB a pedido do cliente C (…) que solicitou uma argila com determinadas características. No entanto, a partir de Agosto de 2017 este cliente foi desviado para a requerida, tendo-se verificado uma tentativa de igual actuação no que se refere ao cliente S (…)

Alega ainda que a requerida continua a utilizar o Know-how relativo aos produtos que descreve supra e continua a fornecer os mesmos a clientes da requerente, sendo que dispõe em stock cerca de 20 mil toneladas de IB-1, o que continuará a provocar quebras de facturação da requerente pondo em causa a sua viabilidade económica, sendo que o acesso à documentação contabilística da requerida é indispensável ao apuramento das mais-valias e ao ressarcimento da requerente.

Por isso, necessita que o tribunal proteja os seus segredos industriais e a sua clientela da atuação em concorrência desleal da requerida, determinando a devolução do know-how e das mercadorias e proibindo o desvio da clientela, para que não seja colocada em risco a sua viabilidade económica e proteger os seus acionistas, credores e trabalhadores.

O direito da requerente que está a ser violado respeita à subtração e utilização para fins industriais e comerciais, por parte dos Requeridos, de segredos de fabrico que a requerente desenvolveu, constituindo esta prática uma ação ilícita, nos termos previstos no artigo 318.º do Código da Propriedade Industrial, acima transcrito.

Trata-se de uma infração que está em curso, pois os segredos, segundo o alegado, já foram utilizados e continuam disponíveis para os Requeridos, podendo voltar a ser utilizados para os mesmos fins.

(II) Vejamos se se existirá uma situação de «receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito», ou seja, uma situação em que os requeridos causem lesão grave e dificilmente reparável ao direito que ficou assinalado.

A resposta é afirmativa, pelas seguintes razões:

(a) A lesão grave resulta do facto, partindo da ideia que se provará, da empresa concorrente ter produzido já mercadoria replicando o composto designado por MPHB, encomendado à Requerente pela sua cliente Cerâmica M (…) cliente esta que a Requerente afirma ter sido já desviada para a Requerida, tendo-se verificado uma tentativa em relação ao cliente S (…)

O mesmo ocorrendo com os segredos de fabrico relativos a um novo composto (blend) de argilas, que recebeu a designação de «IB-1», o qual foi desenvolvido para satisfazer determinadas especificações do cliente A (…)

A Requerente alega que a Requerida continua a utilizar o know-how relativo a este produto e continua a fornecer os mesmos a clientes da Requerente, sendo que dispõe em stock cerca de 20 mil toneladas de IB-1, e que esta situação causará quebras de faturação à Requerente, pondo em causa a sua viabilidade económica.

A lesão grave do direito tem a ver com o grau de lesão do direito, que vai de uma lesão mínima à lesão máxima que equivale à perda do direito.

No caso reputa-se de grave porque se localiza ao nível das relações de concorrência, ou seja, a apropriação e utilização dos segredos é utilizada para fomentar a concorrência comercial com a Requerente, o que mostra a importância e relevância da violação do direito ao nível da existência e manutenção das relações comerciais da Requerente com os seus clientes, sendo certo que a sobrevivência da requerente depende precisamente da existência e fomento positivo das relações com os seus clientes, não subsistindo sem clientes.

Por conseguinte, a lesão é grave porque se situa ao nível das relações que implicam com a sobrevivência da Requerente.

(b) Quanto ao item «dificilmente reparável».

A decisão recorrida parte do pressuposto que a lesão do direito invocada é reparável através de indemnização em dinheiro dos prejuízos que vierem a ser apurados no futuro.

Afigura-se excessivo este critério, pois, em regra, tudo é reparável através do equivalente em dinheiro e apenas não seria reparável a ofensa do direito quando o Requerente provasse que o Requerido não teria recursos económicos para indemnizar.

Como referiu Alberto dos Reis, já acima citado, a função das providências cautelares consiste em eliminar o periculum in mora, em defender o presumido titular do direito contra os danos e prejuízos que lhe pode causar a formação lenta e demorada da decisão definitiva.

Ou, nas palavras de Lebre de Freitas, «…a gravidade e a difícil reparabilidade da lesão receada apontam para um excesso de risco relativamente àquele que é inerente à pendência de qualquer acção; trata-se de um risco que não seria razoável exigir que fosse suportado pelo titular do direito» ([6]).

No caso dos autos, segundo o alegado, estamos perante uma lesão atual, na medida em que a Requerida está na posse de segredos de fabrico e utiliza-os e pode continuar a usá-los na sua produção industrial e posterior comercialização dos produtos assim obtidos, junto de clientes da Requerente.

Ora, a perda de clientes já verificada ocorre porque os clientes obtiveram melhores condições de mercado junto da Requerida.

Isto mostra que essa perda de clientes ou a sua não recuperação, pode continuar a favor da Requerida, mesmo após a decisão favorável que venha a ser tomada no processo principal, e tornar-se-á definitiva.

Esta definitividade dificilmente será reparável porque respeita a relações futuras, incluindo as posteriores à decisão favorável que eventualmente venha a ser tomada no processo principal, situações essas difíceis de provar em termos de prejuízos económicos, sendo certo que o ónus da prova recai sobre a Requerente.

Por isso, o modo de impedir essa definitividade e essa dificuldade de avaliação e prova dos prejuízos futuros, consiste em impedir a Requerida, o mais depressa possível, de fornecer tais produtos.

Cumpre, por isso, concluir pela existência de uma situação em que a Requerida cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito que ficou assinalado.

4 – Face à conclusão a que se chegou, cumpre dar provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida, com vista à continuação dos autos.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso procedente e revoga-se a decisão recorrida, para permitir a continuação dos autos.

Custas pela parte vencida a final.


*

Coimbra, 6 de novembro de 2018

Alberto Ruço ( Relator )

Vítor Amaral

Luís Cravo


[1] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição, Reimpressão. Coimbra Editora, 1982, pág. 621.
[2] Ob. cit, pág. 623.
[3] Ob. cit., pág. 623-624.
[4] Ob.cit, pág.625
[5] Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3.ª Edição, Reimpressão. Coimbra Editora, 1981, pág. 2.

[6] Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2, 2.ª Edição. Coimbra Editora, 2008, pág. 6.