Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
149458/14.1YIPRT-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: EXECUÇÃO
DECISÃO
FUNDAMENTAÇÃO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
QUESTÃO PREJUDICIAL
VENDA EXECUTIVA
Data do Acordão: 09/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - C.BRANCO - JC CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.92, 154, 656, CPC, 824 CC, 205 CRP
Sumário: 1. Não se pode considerar fundamentação de direito a que seja feita por simples adesão genérica aos fundamentos invocados pelas partes (art. 154-2; mas é admitida em recurso, quando a questão a decidir é simples e foi já objeto de decisão jurisdicional, a remissão para o precedente acórdão (arts. 656 e 663-5).

2. O dever de fundamentação das decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente, consagrado no art. 205.°/1 da CRP e no art. 154.° do CPC, para além de legitimar a decisão judicial, constitui garantia do direito ao recurso, na medida em que só é viável uma eficaz impugnação da decisão se o destinatário tiver acesso aos seus fundamentos de facto e de direito. Tal dever cumpre-se sempre que a fundamentação da decisão judicial, apesar de algum eventual défice, permite ao destinatário a percepção das razões de facto e de direito, revelando o iter «cognoscitivo» e «valorativo» que a justifica.

3. Consequentemente, o despacho do Juiz em que este se limita a aderir aos fundamentos da informação do funcionário que elaborou conclusão/informação específica, num processo, não enferma, por causa da simples adesão, de qualquer vício.

4. O art. 97.º n.º 1 do Cód. Proc. Civil (92º NCPC), não impõe ao juiz o dever de suspender a instância, na hipótese nela prevista, antes lhe concedendo a faculdade de o fazer, se assim o entender. O juiz só pode suspender a instância, se houver urna verdadeira relação de dependência, de prejudicialidade, entre a questão cível e o “crime”, sendo que a suspensão a que se refere o art. 97º CPC (92º NCPC), constitui uma mera faculdade que não deve ser utilizada, sempre que a matéria invocada possa ser eficazmente discutida na causa onde é suscitada.

5. Atento o carácter excecional da norma do art.97 CPC ( art.92 NCPC) , não pode a mesma ser estendida por analogia a casos diferentes dos previstos.

6. Segundo o art. 824.° do Código Civil, no processo de execução, vendidos os bens penhorados, ficam imediatamente extintas as penhoras que sobre eles incidam, transmitindo-se os direitos que lhe são inerentes para o produto da venda, o que ocorre automaticamente, sem necessidade de qualquer despacho nesse sentido - a penhora traduz-se num direito real de garantia cuja caducidade a lei determina por efeito da venda.

7. Uma vez que a transmissão do bem imóvel, no âmbito da execução fiscal, opera a extinção ipso jure dos direitos de garantia que oneram o bem penhorado, nomeadamente as penhoras efectuadas tanto na execução judicial, como na execução fiscal, cabe ao agente de execução comunicar ao conservador do registo predial competente a realização da venda, para que este proceda ao respectivo registo e ao cancelamento das inscrições relativas aos direitos que tenham caducado com a venda, incluindo o cancelamento do registo das penhoras.

8. A extinção dos direitos, prevista no art. 824º, nº2, do Código Civil, opera ipso jure.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

C (…) S.A., Executada nos autos supra identificados, sendo aí Exequente CM (…), Lda., notificada do Despacho com conclusão de 11/06/2018 (com a referência Citius n.º 30179206), veio, nos termos e para os efeitos dos artigos 853, n.º 2 e 644.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil (CPC), interpor RECURSO de Apelação, alegando e concluindo que:

 A. A Recorrente, no processo declarativo (autos principais) que terminou com a prolação da sentença homologatória da transacção junta pelas partes, confessou-se devedora da Exequente do montante 97.627,49€ que seria pago no período de 18 meses após trânsito em julgado da sentença de homologação da transacção e, para garantia do pagamento da referida quantia, a Recorrente obrigou-se a, no prazo de 60 dias, constituir a favor da Exequente, hipoteca voluntária sobre o prédio rústico denominado “ S (...) ”, sito na freguesia do (...) , do concelho de (...) , inscrito na matriz predial sob o artigo 96 – secção V, do Serviço de Finanças de (...) .

B. A referida hipoteca veio a registada no prédio através da Ap. 2945 de 2016/03/03.

C. Em Setembro de 2017 a Exequente intentou os presentes autos e executou a hipoteca, tendo na sequência o prédio sido penhorado, penhora essa registada pela Ap. 3920 de 2017/10/04.

D. Foram efectuadas todas as diligências processuais com vista à promoção da venda do imóvel, que culminou com a aceitação da proposta de compra no valor de 181.919,93€ apresentada por um terceiro à acção executiva.

E. Na sequência da venda, foram efectuadas pela Agente de Execução as competentes notificações, incluindo a do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) com a informação de que o prédio em causa havia sido vendido no âmbito do processo judicial, e que, em consequência, seria o arresto registado extinto.

F. Respondeu o Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) que juntou aos autos certidão da decisão que decretou o arresto preventivo com o Despacho proferido que dá nota que “(…) O arresto em questão é nos termos do disposto no artº 228º do CPP, para garantia de uma perda de bens a favor do Estado, não sendo aplicável o artº 824º – 2 – do Código Civil”.

G. Em Novembro de 2018, a Recorrente foi confrontada com a penhora de uma conta bancária e em sede de Oposição à Penhora pugnou pela nulidade de tal penhora (artigo 195.º, n.º 1 do CPC) e inadmissibilidade da mesma atenta a extensão com que foi realizada (artigo 784.º, n.º 1, alínea a) do CPC).

H. Foi com a notificação da Contestação (que não vinha acompanhada de documentos) que a Recorrente tomou conhecimento da existência de um Despacho de suspensão da execução, no que ao referido bem respeita.

I. Na sequência, no dia 22/01/2019 a Recorrente foi notificada pelo Tribunal do Despacho com conclusão de 11/06/2018, através do qual o Tribunal a quo tomou posição quanto à venda do bem e determinou, ao abrigo do disposto no artigo 92.º, n.º 1 do CPC, a suspensão da presente execução, no que àquele bem imóvel respeita, até que haja decisão no âmbito do processo penal (processo n.º 324/14.0TELSB-AB – TCIC) quanto ao destino do mesmo.

J. O prazo de interposição de recurso do Despacho com conclusão de 11/06/2018 apenas se iniciou no dia 22/01/2019 com a notificação efectuada à Recorrente.

K. O Tribunal a quo não fez a correcta aplicação do direito, limitou-se a copiar o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/10/2010 (processo n.º 2463/09.0TBOER.L1-7, relatora: Dina Monteiro, disponível para consulta no site www.dgsi.pt) e aderir, dando por integralmente reproduzidos os fundamentos naquele aresto invocados, sem análise crítica da situação e sem discorrer qualquer fundamentação.

L. O arresto em causa é o arresto preventivo decretado nos termos do artigo 228.º do CPP, tal como refere o despacho do TCIC que antecedeu o Despacho objecto do presente recurso.

M. O arresto preventivo não se confunde com outros meios de garantia patrimonial previstos no CPP e em legislação extravagante.

N. O arresto preventivo tem como finalidades legais, através de uma análise antecipatória, acautelar o fundado receio de que inexistam ou sejam, diminuídos substancialmente os meios necessários ao pagamento de uma eventual pena pecuniária, custas do processo, dívida para com o Estado relacionada com o crime, indemnização ou outra obrigação civil derivada do crime que venham a integrar tal decisão final de condenação.

O. À luz da redacção em vigor antes das alterações introduzidas pela Lei n.º 30/2017, que é a aplicável, conclui-se que o arresto preventivo (artigo 228.º do CPP) não tem como finalidade garantir a perda de bens a favor do Estado, que se encontra prevista no artigo 111.º do Código Penal.

P. O meio processual adequado a garantir a perda de bens a favor do Estado é a apreensão prevista no artigo 178.º e ss. do CPP.

Q. No decretamento do arresto preventivo visa garantir patrimonialmente pagamentos que serão eventualmente devidos ao Estado ou que são devidos ao lesado e que venham a constar da decisão final condenatória proferida no processo penal.

R. O legislador previu dois meios processuais distintos para garantir a execução efectiva da decisão judicial final, a apreensão no que se refere à perda de vantagens do facto ilícito típico que venha a ser declarada, e as medidas de garantia patrimonial onde se inclui o arresto preventivo, quanto às obrigações patrimoniais que venham a ser determinadas na decisão final.

S. O juiz aquando da sua aplicação está vinculado, para todos os efeitos, à distinção que resulta da lei, sob pena da violação do princípio da legalidade.

T. Sobre o prédio cuja suspensão da venda foi decidida pelo Despacho objecto do presente recurso, recaem os seguintes ónus registados: (i) Hipoteca voluntária registada a favor da Exequente, para garantia do capital de 97.627,49€, registada pela inscrição Ap. 2945 de 2016/03/03; (ii) Arresto registado a favor DCIAP, para garantia do capital de 1.635.000.000,00€, registada pela inscrição Ap. 2898 de 2016/08/23; e, (iii) Penhora registada a favor da Exequente, para garantia da quantia exequenda 99.096,42€, registada pela inscrição Ap. 3920 de 2017/10/04.

U. Ainda que se possa considerar que o arresto é um verdadeiro ónus real em relação ao prédio, este uma vez vendido em execução, é vendido livre de ónus e encargos, caducando o arresto constituído e registado depois da constituição de hipoteca – e independentemente de ser anterior à penhora (artigo 824.º CC).

V. O exposto resulta igualmente do respeito pelo princípio da prioridade do registo estabelecido no n.º 1 do artigo 6.º do Código do Registo Predial que estipula que o direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que lhe seguirem relativamente aos mesmos bens.

W. A decisão para a qual o Tribunal a quo remete integralmente a sua fundamentação tem por base o registo de uma apensação, e portanto a situação em análise nos presentes autos conduziria à decisão em sentido contrário.

X. Resulta da própria lei que o n.º 2 do artigo 824.º do CC não é excepcionado pelo regime do arresto preventivo.

Y. Parece-nos, claro e inequívoco que a venda judicial do imóvel em causa não poderá de forma alguma dependente do levantamento do arresto, uma vez que o mesmo foi registado em data posterior à data da constituição da hipoteca registada sobre o prédio e garantia da quantia exequenda.

Z. Se a apreensão de bens no processo de insolvência (que é um processo de execução universal), abrange, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 149.º do CIRE os bens que tenham sido “arrestados, penhorados, ou por qualquer forma apreendidos ou detidos seja em que processo for”, e que são posteriormente vendidos livre de ónus ou encargos no âmbito da liquidação que ocorrer no referido processo de insolvência, não poderia existir tal limitação no âmbito de uma acção executiva.

AA. Se não foi intenção do legislador ressalvar a venda livre de ónus ou encargos na acção executiva, mesmo quando esse ónus é um arresto, não pode ser o julgador interpretar no sentido de excepcionar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 824.º do CC.

BB. A venda judicial do imóvel em causa não poderá de forma alguma dependente do levantamento do arresto, uma vez que o mesmo foi registado em data posterior à data da constituição da hipoteca registada sobre o prédio e garantia da quantia exequenda.

CC. No âmbito da acção executiva não pode haver nenhuma limitação ao prosseguimento da venda do referido bem, não há legalmente nenhum impedimento ao prosseguimento do processo.

DD. O arresto preventivo decretado não pode de forma alguma colocar em crise o direito real de garantia da Exequente.

EE. O Tribunal a quo ao decidir que a execução fica suspensa quanto ao bem em causa, está a limitar totalmente o direito real de garantia da Exequente, que por via de tal decisão fica impedida de exercer livremente o seu direito real de garantia, quando resulta da lei expressamente o contrário.

FF. Na venda judicial de um bem no âmbito de uma acção executiva este é transmitido livre de quaisquer ónus e encargos (artigo 824° do Código Civil).

GG. Não se consegue descortinar qualquer fundamento legal para a suspensão da execução por referência ao bem em causa.

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Não foram proferidas contra-alegações.

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II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa as que decorrem do elemento narrativo dos Autos, em decorrência da sua própria revelação, designadamente, importando fazer ressumar, que:

- Na decisão, consubstanciada no despacho em causa, se consagra:

«Analisada a certidão da CRP que antecede, verificámos que sobre o bem descrito sob o n.º 3100/200010720 (cfr. fls. 233 a 236) incide, para além do mais, uma hipoteca registada a favor da aqui exequente sob a Ap. 2945 de 2016/03/03, um arresto registado sob a Ap. 2898 de 2016/08/23, bem assim, uma penhora efectivada no âmbito destes autos sob a Ap. 3920 de 2017/10/04.

Insurge-se a exequente contra a decisão do Tribunal Central de Instrução Criminal (processo n.º 324/14.0TELSB-AB – TCIC - cfr. certidão de fls. 181 a 223) na medida em que determina que na venda do referido bem não se aplica o disposto no art.º 824.º/2 do CC, disso dando conhecimento à AE.

Conforme se decidiu no Ac. da RL de 10.10.2010 (processo n.º 2463/09.0TBOER.L1-7, relatora: Dina Monteiro, disponível para consulta no site www.dgsi.pt) “I - Se sobre o bem penhorado em sede de execução incidir uma apreensão penal, esta poderá determinar a perda do bem a favor do Estado – artigo 374.°, n.° 3, alínea c) do Código de Processo Penal – quer o bem pertença ao arguido (o Executado), quer a terceiro - artigo 178.°, n.° 7, do Código de Processo Penal. II. Pode, porém, tal situação de perda a favor do Estado não se verificar e o Exequente pode ver satisfeito o seu crédito na acção executiva. Para tal, no entanto, há que aguardar pela decisão a ser proferida no processo penal, sobrestando a decisão a proferir no processo executivo, nos termos do artigo 97.º, n.° 1, do Código de Processo Civil”.

Donde, aderindo aos fundamentos aí invocados, os quais aqui damos por inteiramente reproduzidos, ao abrigo do disposto no art.º 92.º/1 do CPC, determino a suspensão da presente execução, no que aquele bem imóvel respeita, até que haja decisão no âmbito do processo penal (processo n.º 324/14.0TELSB-AB – TCIC) quanto ao destino do mesmo».

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Nos termos do art. 635º do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art° 608º, do mesmo Código.

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As questões suscitadas, na sua própria matriz constitutiva e redactorial, consistem em apreciar, se:

1.

K. O Tribunal a quo não fez a correcta aplicação do direito, limitou-se a copiar o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/10/2010 (processo n.º 2463/09.0TBOER.L1-7, relatora: Dina Monteiro, disponível para consulta no site www.dgsi.pt) e aderir, dando por integralmente reproduzidos os fundamentos naquele aresto invocados, sem análise crítica da situação e sem discorrer qualquer fundamentação.

Apreciando, refira-se, neste particular, que a nulidade por falta de fundamentação, prevista no art. 615.º. n.º 1, aI. b), do NCPC, só se verifica no caso de ausência absoluta de fundamentação de facto ou de direito, com exclusão da motivação deficiente, medíocre ou errada.

A referida nulidade não ocorre se a decisão recorrida contém a fundamentação de facto e/ou de direito bastante para a compreensão do que ali foi decidido (Cf. Ac. STJ de 27.10.2015, Proc. 5649/12:Sumários. 2015, p. 584). Mesmo, na individualizada parte, em que, de resto, ao direito respeita, se fez, no caso, funcionar, per remissionem.

Deste modo, fazendo relevar que a nulidade da aI. b) do n.º 1 do art. 615.° do NCPC (2013), só se verifica no caso de falta absoluta de fundamentação e não de mera insuficiência ou deficiência da mesma (Cf. Ac. STJ, de 27.10.2015, Proc. nº 773/07:Sumários, 2015, p. 587).

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Quer isto dizer que «não se pode considerar fundamentação de direito a que seja feita por simples adesão genérica aos fundamentos invocados pelas partes (art. 154-2); mas é admitida em recurso, quando a questão a decidir é simples e foi já objeto de decisão jurisdicional, a remissão para o precedente acórdão (arts. 656 e 663-5; ver, antes da revisão de 1995-1996 do CPC de 1961, o ac. do STJ de 26.3.63, BMJ, 125, p. 523) (Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª Edição, p. 736).

Ou seja, o dever de fundamentação das decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente, consagrado no art. 205.°/1 da CRP e no art. 154.° do CPC, para além de legitimar a decisão judicial, constitui garantia do direito ao recurso, na medida em que só é viável uma eficaz impugnação da decisão se o destinatário tiver acesso aos seus fundamentos de facto e de direito. Tal dever cumpre-se sempre que a fundamentação da decisão judicial, apesar de algum eventual défice, permite ao destinatário a percepção das razões de facto e de direito, revelando o iter «cognoscitivo» e «valorativo» que a justifica (Cf. Ac. RP, de 19.10.2015, Proc. 1643/15: dgsi.Net). O que sai e foi, perfeitamente, inteligível, na presente circunstância.

Consequentemente, o despacho do Juiz em que este se limita a aderir aos fundamentos da informação do funcionário que elaborou conclusão/informação específica, num processo, não enferma, por causa da simples adesão, de qualquer vício (Cf. Ac. RP, de 19.5.2005, CJ, 2005, 3.°-168).

É, por isso - neste segmento -, negativa a resposta à questão em 1.

2.

AA. Se não foi intenção do legislador ressalvar a venda livre de ónus ou encargos na acção executiva, mesmo quando esse ónus é um arresto, não pode ser o julgador interpretar no sentido de excepcionar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 824.º do CC.

BB. A venda judicial do imóvel em causa não poderá de forma alguma dependente do levantamento do arresto, uma vez que o mesmo foi registado em data posterior à data da constituição da hipoteca registada sobre o prédio e garantia da quantia exequenda.

CC. No âmbito da acção executiva não pode haver nenhuma limitação ao prosseguimento da venda do referido bem, não há legalmente nenhum impedimento ao prosseguimento do processo.

DD. O arresto preventivo decretado não pode de forma alguma colocar em crise o direito real de garantia da Exequente.

EE. O Tribunal a quo ao decidir que a execução fica suspensa quanto ao bem em causa, está a limitar totalmente o direito real de garantia da Exequente, que por via de tal decisão fica impedida de exercer livremente o seu direito real de garantia, quando resulta da lei expressamente o contrário.

FF. Na venda judicial de um bem no âmbito de uma acção executiva este é transmitido livre de quaisquer ónus e encargos (artigo 824° do Código Civil).

GG. Não se consegue descortinar qualquer fundamento legal para a suspensão da execução por referência ao bem em causa.

Neste específico e noemático segmento, mais apreciando, diga-se que o art. 97.º n.º 1 do Cód. Proc. Civil (92º NCPC), não impõe ao juiz o dever de suspender a instância, na hipótese nela prevista, antes lhe concedendo a faculdade de o fazer, se assim o entender. De todo o modo, no âmbito de tal matéria, o juiz só pode suspender a instância, se houver urna verdadeira relação de dependência, de prejudicialidade, entre a questão cível e o “crime” (Cf. Ac. STJ. de 12.1.1994: CoI. Jur./STJ, 1994.1.°-33).

Depois, porque a suspensão a que se refere o art. 97º CPC (92º NCPC), constitui uma mera faculdade que não deve ser utilizada, sempre que a matéria invocada possa ser eficazmente discutida na causa onde é suscitada (Cf. Ac. RP, de 23.4.2012:Proc. 2596/09.2TBMTS.P1.dgsi.Net).

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Como acervo efluente e confluente, convocar - em referencial de doutrinadores -, ser, efectivamente, questão prejudicial «toda aquela cuja resolução constitui pressuposto necessário da decisão de mérito, quer esta necessidade resulte da configuração da causa de pedir, quer da arguição ou existência duma exceção, perentória ou dilatória, quer ainda do objeto de incidentes em correlação lógica com o objeto do processo, e seja mais ou menos direta a relação que ocorra entre essa questão e a pretensão ou o thema decidendum (LEBRE DE FREITAS, Introdução cit., n.º 11.5.2). Quando autonomizada como objeto de outra ação, constitui causa prejudicial, a qual pode constituir fundamento de suspensão da instância (art. 272). Mas, deste universo, o art. 92 só se ocupa das questões prejudiciais cujo conhecimento seja da competência do tribunal criminal ou administrativo (e fiscal).

Nem todas as questões incidentais (no sentido rigoroso do termo: ver art. 91º) revestem natureza prejudicial; não obstante a eventualidade que as caracteriza (nunca fazem parte do encadeado das questões logicamente necessárias à resolução do pleito, tal como ele é inicialmente desenhado pelas partes), algumas podem apresentar-se no final em correlação lógica necessária, como acontece com a questão da sucessão de parte falecida na pendência da causa (CASTRO MENDES, Limites objetivos cit., p. 213), enquanto outras se mantêm a ele estranhas, como é o caso da genuinidade ou falsidade do documento (LEBRE DE FREITAS, Afalsidade cit., n.º III.D.4); só as primeiras constituem questões prejudiciais, sem prejuízo de umas e outras poderem ser objeto do pedido de declaração incidental do art. 91-2. Além disso, como se deixa dito, constituem-no as resultantes da configuração da causa de pedir e da dedução de exceções, bem como da existência de exceções de conhecimento oficioso.

Aplica-se, pois, o artigo quando, para o conhecimento autónomo de alguma dessas questões, indispensável para a decisão de outra que constitui objeto de ação instaurada perante tribunal judicial, no âmbito da jurisdição civil, é competente o tribunal criminal ou administrativo.

Atento o carácter excecional da norma em apreço, não pode a mesma ser estendida por analogia a casos diferentes dos previstos. Neste sentido, decidiram o TRL (em 9.1.79) e o STJ (em 28.6.79) que não constituía questão prejudicial, para os efeitos do art. 92, sem prejuízo da aplicação do art. 272, uma questão que era de outra competência (respetivamente, CJ, 1979, r, p. 73, e BMJ, 288, p. 348, sendo relatores AMÉRICO CAMPOS COSTA e DANIEL FERREIRA) (Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 3ª Edição, pp. 183-184).

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Por sua vez, levando em consideração o disposto no próprio art. 272º NCPC (suspensão por determinação do juiz), considerar-se-á como prejudicial o processo em que determinada questão é discutida a titulo principal, em relação a outro em que se discute, a mesma questão, porém, a título incidental. No entanto, a lei exige que a dependência da decisão de uma causa da decisão ou julgamento de outra vá mais além do que a simples conveniência, exigindo que a decisão de mérito de uma dependa da decisão de mérito prévia de outra (Cf. Ac. STJ. de 24.3.2015. Proc. 444-A/1980: Sumários, 2015. p. 172).

Ou seja, deve entender-se por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia - cfr. art. 272.° n.º 1 do NCPC. Assim, () existindo entre duas acções esse nexo de prejudicialidade, deverá ser suspensa a instância nestes autos (causa dependente), até à decisão que vier a ser proferida na causa prejudicial (Cf. Ac. RE, de 21.1.2016: Proc. 457/15.5T8BJA-B.E1.dgsi.Net).

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Tal considerando, não pode deixar de se reter, considerando como elemento obsidiante, concernente à circunstância de

«sobre o prédio cuja suspensão da venda foi decidida pelo despacho objecto do presente recurso, recaem os seguintes ónus registados:

- Hipoteca voluntária registada a favor da Exequente, para garantia do capital de 97.627,49€, registada pela inscrição Ap. 2945 de 2016/03/03;

- Arresto registado a favor DCIAP, para garantia do capital de 1.635.000.000,00€, registada pela inscrição Ap. 2898 de 2016/08/23; e,

- Penhora registada a favor da Exequente, para garantia da quantia exequenda 99.096,42€, registada pela inscrição Ap. 3920 de 2017/10/04».

O que implica, necessariamente, fazer referência ao n.º 2 do artigo 824.º do Código Civil, já que, «nos termos deste número, há que distinguir duas espécies de direitos que incidam sobre os bens vendidos. Os de garantia caducam todos; os direitos de gozo só caducam se não tiverem um registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, ou seja, anterior à mais antiga destas garantias (Cons. Lopes Cardoso, Manual da acção executiva, 1964, 3.ª ed., n.º 214). Exceptuam-se os direitos que produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo, porque estes também não caducam, se tiverem sido constituídos anteriormente ao mais antigo daqueles actos (assim, também, não caduca um usufruto sobre os bens imóveis vendidos, se o direito estiver registado antes do registo de qualquer arresto, penhora ou garantia. Também não caduca um usufruto sobre bens móveis, constituído antes do arresto, penhora ou garantia, visto esse usufruto não estar sujeito a registo) (Cf. Pires de Lima / Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, 1968, pp. 71-72).

Deste modo, ressalvando, pois, a individualidade do processo sub judice, relativamente àquele outro, que se vê convocado no despacho em causa e nas alegações de recurso, de resto, em diversa temporalidade da que, num e noutro local, vem aludida - Ac. RL, de 19-10-2010, Proc. nº 2463/09.0TBOER.L1-7, Relatora: DINA MONTEIRO -, onde, na sua sinopse, se destaca:

      

«I. Se, sobre o bem penhorado em sede de execução, incidir uma apreensão penal, esta poderá determinar a perda do bem a favor do Estado – artigo 374.°, n.° 3, alínea c) do Código de Processo Penal – quer o bem pertença ao arguido (o Executado), quer a terceiro - artigo 178.°, n.° 7, do Código de Processo Penal.

II. Pode, porém, tal situação de perda a favor do Estado não se verificar e o Exequente pode ver satisfeito o seu crédito na acção executiva.

III. Para tal, no entanto, há que aguardar pela decisão a ser proferida no processo penal, sobrestando a decisão a proferir no processo executivo, nos termos do artigo 97.º, n.° 1, do Código de Processo Civil».

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É que o art. 824.°. n.ºs 1 e 2, do Código Civil (venda em execução), preceitua que "a venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida. Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os oneram, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que constituídos em data anterior, produzam efeito em relação a terceiros independentemente de registo” (Cf. Ac. RC, de 1.06.2010:Proc. nº3624/05.dgsi.Net).

Com efeito, segundo o art. 824.° do Código Civil, no processo de execução, vendidos os bens penhorados, ficam imediatamente extintas as penhoras que sobre eles incidam,  transmitindo-se os direitos que lhe são inerentes para o produto da venda, o que ocorre automaticamente, sem necessidade de qualquer despacho nesse sentido - a penhora traduz-se num direito real de garantia cuja caducidade a lei determina por efeito da venda (Cf. Ac. STJ, de 11.1.2011:Proc. 5398/07.7TVLSB.L1.S1.dgsi.Net).

Assim, aquiescendo, pois, ao que vem alegado, em expressão de parte, que:

«(…) o arresto preventivo decretado não pode de forma alguma colocar em crise o direito real de garantia da Exequente.

Acontece que, o Tribunal a quo ao decidir que a execução fica suspensa quanto ao bem em causa, está a limitar totalmente o direito real de garantia da Exequente, que por via de tal decisão fica impedida de exercer livremente o seu direito real de garantia, quando resulta da lei expressamente o contrário.

Na venda judicial de um bem no âmbito de uma acção executiva este é transmitido livre de quaisquer ónus e encargos (artigo 8240 do Código Civil)».

Com este alcance, já que a transmissão do bem imóvel, no âmbito da execução fiscal, opera a extinção ipso jure dos direitos de garantia que oneram o bem penhorado, nomeadamente as penhoras efectuadas tanto na execução judicial, como na execução fiscal. Cabe ao agente de execução comunicar ao conservador do registo predial competente a realização da venda, para que este proceda ao respectivo registo e ao cancelamento das inscrições relativas aos direitos que tenham caducado com a venda, incluindo o cancelamento do registo das penhoras. A extinção dos direitos, prevista no art. 824º, nº2, do Código Civil, opera ipso jure (Cf. Ac. STJ de 30.9.2014:Proc. nº 3959/05.dgsi.Net e CDP, nº 48, Out./Dez., 2014, p. 41 e ss., com Anotação de Mónica Jardim).

Daí, no que, na sua essencialidade, releva, se configurar como afirmativa a resposta às questões em 2.

**

Podendo, deste modo, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº7, NCPC), que:

1.

Não se pode considerar fundamentação de direito a que seja feita por simples adesão genérica aos fundamentos invocados pelas partes (art. 154-2; mas é admitida em recurso, quando a questão a decidir é simples e foi já objeto de decisão jurisdicional, a remissão para o precedente acórdão (arts. 656 e 663-5).

2.

O dever de fundamentação das decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente, consagrado no art. 205.°/1 da CRP e no art. 154.° do CPC, para além de legitimar a decisão judicial, constitui garantia do direito ao recurso, na medida em que só é viável uma eficaz impugnação da decisão se o destinatário tiver acesso aos seus fundamentos de facto e de direito. Tal dever cumpre-se sempre que a fundamentação da decisão judicial, apesar de algum eventual défice, permite ao destinatário a percepção das razões de facto e de direito, revelando o iter «cognoscitivo» e «valorativo» que a justifica. O que sai e foi, perfeitamente, inteligível, na presente circunstância.

3.

Consequentemente, o despacho do Juiz em que este se limita a aderir aos fundamentos da informação do funcionário que elaborou conclusão/informação específica, num processo, não enferma, por causa da simples adesão, de qualquer vício.

--

4.

O art. 97.º n.º 1 do Cód. Proc. Civil (92º NCPC), não impõe ao juiz o dever de suspender a instância, na hipótese nela prevista, antes lhe concedendo a faculdade de o fazer, se assim o entender. De todo o modo, no âmbito de tal matéria, o juiz só pode suspender a instância, se houver urna verdadeira relação de dependência, de prejudicialidade, entre a questão cível e o “crime”. Depois, porque a suspensão a que se refere o art. 97º CPC (92º NCPC), constitui uma mera faculdade que não deve ser utilizada, sempre que a matéria invocada possa ser eficazmente discutida na causa onde é suscitada.

5.

Aplica-se, pois, o artigo quando, para o conhecimento autónomo de alguma dessas questões, indispensável para a decisão de outra que constitui objeto de ação instaurada perante tribunal judicial, no âmbito da jurisdição civil, é competente o tribunal criminal ou administrativo. Atento o carácter excecional da norma em apreço, não pode a mesma ser estendida por analogia a casos diferentes dos previstos. Neste sentido, não constituí questão prejudicial, para os efeitos do art. 92, sem prejuízo da aplicação do art. 272, uma questão de outra.

6.

Segundo o art. 824.° do Código Civil, no processo de execução, vendidos os bens penhorados, ficam imediatamente extintas as penhoras que sobre eles incidam,  transmitindo-se os direitos que lhe são inerentes para o produto da venda, o que ocorre automaticamente, sem necessidade de qualquer despacho nesse sentido - a penhora traduz-se num direito real de garantia cuja caducidade a lei determina por efeito da venda.

6.1.

Com este alcance, já que a transmissão do bem imóvel, no âmbito da execução fiscal, opera a extinção ipso jure dos direitos de garantia que oneram o bem penhorado, nomeadamente as penhoras efectuadas tanto na execução judicial, como na execução fiscal. Cabe ao agente de execução comunicar ao conservador do registo predial competente a realização da venda, para que este proceda ao respectivo registo e ao cancelamento das inscrições relativas aos direitos que tenham caducado com a venda, incluindo o cancelamento do registo das penhoras. A extinção dos direitos, prevista no art. 824º, nº2, do Código Civil, opera ipso jure.

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III. A Decisão:

Pelas razões expostas, concede-se provimento ao recurso interposto, “revogando-se o despacho judicial em causa, permitindo-se a prossecução dos Autos, com a venda judicial do mesmo, livre de ónus e encargos”.

Sem Custas.

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Coimbra17 de Setembro  de 2019.

António Carvalho Martins ( Relator)

Carlos Moreira

Moreira do Carmo