Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
354/10.0TBMLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: EUCALIPTOS
REGIME
Data do Acordão: 05/08/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA MEALHADA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DEC. LEI Nº 28039, DE 14/09/1937
Sumário: 1. Sobre as restrições legais relativas à sementeira e plantação de eucaliptos nas proximidades de terrenos cultivados, mantém-se actualmente em vigor o Dec.- Lei nº 28039 de 14/9/1937.

2. A proibição legal, imposta no art.1º do Dec.- Lei nº 28039, de plantar ou semear eucaliptos a menos de 20 metros de terrenos cultivados só se verifica se a plantação dos eucaliptos for posterior ao cultivo.

3. Cabe ao autor, proprietário lesado, o ónus de provar que o seu prédio já estava cultivado na data da sementeira ou plantação dos eucaliptos.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

1.1.- Os Autores – G… e M… – instauraram ( 6/7/2010 ) na Comarca da Mealhada acção declarativa, com forma de processo sumário, contra os Réus – A… e mulher D...

         Alegaram, em resumo:

         Os Autores são donos de um prédio rústico, composto por vinha, sito em …, que confina com dois prédios rústicos pertencentes aos Réus.

         Os Réus, há cerca de 12 anos, plantaram eucaliptos nos seus prédios rústicos deixando apenas a distância de 2,30 metros da vinha plantada na extremidade do prédio dos Autores, com violação do DL nº 28039 de 14/9/1937, causado prejuízos patrimoniais.

         Pediram:

a) Se declare que os Autores são donos do prédio aludido no artigo 1º da PI, condenando-se os Réus a reconhecê-lo;

b) A condenação dos Réus a arrancar os eucaliptos plantados nos seus prédios rústicos de que são proprietários, identificados nos artigos 2º e 3º da PI, que se encontrem a uma distância de menos de 20 metros em relação ao primeiro corrimão da vinha dos Autores existente no prédio rústico aludido em 1º da PI;

c) A condenação dos Réus a inutilizar os cepos de tais eucaliptos, de modo a que não haja nova rebentação;

d) A condenação dos Réus a pagarem aos Autores o montante de € 1.135,00 por danos já ocorridos, bem como o que vier a apurar-se em liquidação da sentença após a propositura da acção e até que sejam arrancados os eucaliptos.

Contestaram os Réus, defendendo-se, por impugnação, dizendo que a plantação dos eucaliptos ocorreu em 1997, antes da plantação da vinha no prédio dos Autores, no qual existiam pinheiros.

No saneador afirmou-se a validade e regularidade da instância.

1.2. - Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção, decidiu:

a) Declarar que os Autores são donos e legítimos possuidores do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial da Mealhada sob o n.º …, prédio este sito em …, inscrito na respectiva matriz sob o n.º …, com uma área total de 1660 m2,confrontando …;

b) Absolver os Réus dos demais pedidos.

1.3. - Inconformados, os Autores recorreram de apelação, com as seguintes conclusões

...

Contra-alegaram os Réus, com a improcedência do recurso.


II – FUNDAMENTAÇÃO

         2.1. – O objecto do recurso:

         A questão submetida a recurso, delimitado pelas conclusões, consiste em saber se existe fundamento para a procedência dos pedidos de condenação dos Réus a arrancarem os eucaliptos e a indemnizarem os Autores.

         2.2. – Os factos provados (descritos na sentença)

...

         2.3. – O mérito do recurso:

         A questão colocada no recurso insere-se no âmbito do chamado “ direito de vizinhança“ em sede de restrições legais ao direito de propriedade (art.1366 nº2 do CC).
         A problemática dos conflitos de vizinhança não deriva da aplicação rigorosa da protecção da propriedade como direito absoluto, mas sobretudo da “relação de facto” emergente da utilização da propriedade em consequência do exercício da actividade económica privada, socialmente vinculada, cujo equilíbrio da “coexistência pacífica” é rompido pela perturbação anormal ou excessiva, isto é, intolerável.
         Daí que alguns autores empreguem sugestivamente a noção de “quase contrato de vizinhança” para realçarem as obrigações recíprocas entre titulares de prédios vizinhos.
         É justamente o rompimento desse equilíbrio, com a violação das obrigações recíprocas de vizinhança, que faz desencadear o mecanismo sancionatório, com vista à reposição do “status quo ante”, quer através da tutela ressarcitória, quer da tutela inibitória, também chamada de “acção negatória” ( cf., por ex., OLIVEIRA ASCENSÃO, “ A preservação do equilíbrio imobiliário como princípio orientador da relação de vizinhança”, ROA 2007, ano 67, vol.I ).
         A plantação de eucaliptos:
         A restrição à plantação de eucaliptos nas proximidades de terrenos cultivados consta de legislação especial (art.1366 nº2 CC ).

O Decreto n.º 13.658, de 20/5/1927, proibiu (art.5º § único) a plantação de eucaliptos a menos de 20 metros de campos agricultados, quando entre estes e o local da plantação se não interpusesse estrada, rio, ribeiro, edifício ou no caso de os referidos terrenos de cultura se encontrarem a nível superior em 4 metros ao da base da plantação.

Depois de algumas alterações introduzidas pelo Decreto n.º 16.953, de 8/6/1929, surgiu a Lei n.º 1.951, de 9/3/1937, que alargou a proibição às acácias e substituiu a multa pelo arrancamento como forma de reacção contra a plantação ilegal.

Posteriormente este regime foi alterado pelo Dec-Lei n.º 28.039 e pelo Decreto n.º 28.040, ambos de 14 de Setembro de 1937.

O art.º 1.º do Dec.-Lei n.º 28.039 proíbe a plantação ou sementeira de eucaliptos, acácias da espécie denominada dealbata, conhecida por acácia mimosa, a menos de 20 metros de terrenos cultivados e a menos de 30 metros de nascentes, terras de cultura de regadio, muros e prédios urbanos. E o art.2º atribui competência à Câmara Municipal para ordenar o arrancamento de plantações ou sementeiras feitas em contravenção do disposto no art.º 1.º e do § único do art.º 5.º do Decreto n.º 13.658, mas foi declarado inconstitucional, por violação da reserva da função jurisdicional (cf. Ac TC nº 963/96 de 11/7/96, DR.I-A de 9/10/96).

O Dec.-Lei nº 254/2009 de 24/9 (que aprovou o Código Florestal) revogou ( art.5º i/) o Dec.- Lei nº 28039 de 14/9/1937. Contudo, a Lei nº 12/2012, de 13/3, revogou o Código Florestal, determinando ( art.3º nº2 ) que se mantém em vigor o quadro existente à data da publicação do Dec. Lei nº 254/2009.

Por isso, mantém-se em vigor o Dec.-Lei nº 28039 de 14/9/1937 que também era o aplicável à data da plantação dos eucaliptos (1998).

Na interpretação e aplicação do art.1º do Dec.- Lei nº 28039, a jurisprudência tem uniformemente entendido que a proibição legal só se verifica se a plantação deste tipo de árvores for posterior, precisamente porque a proibição reporta-se, não à existência delas, mas à sua plantação ( “ É proibida a plantação ou sementeira (…)” ) ( cf., por ex., Ac STA de 25/3/71 ( proc. nº 008319), Ac STA de 28/1/71 ( proc. nº 008242), Ac RG de 22/3/2006 ( proc. nº 2479/05), Ac RG de 19/11/2009 ( proc, nº 2194/07 ), Ac RG de 15/9/2011 ( proc. nº 3061/08 ), Ac RC de 18/1/2011 ( proc. nº 3018/08 ), disponíveis em www dgsi.pt ).

Está provado que os Réus, há cerca de 12 anos, ou seja, em 1998, arrancaram a vinha existente nos seus prédios (confinantes com o dos Autores) e procederam à plantação de eucaliptos, que ainda hoje aí permanecem, à distância de 2,20 metros entre o primeiro corrimão da vinha (plantada após 14/7/2006) do prédio dos Autores e os eucaliptos dos Réus ( I/, r.q. 14º).

Porém, a sentença argumentou que os Autores não provaram, como lhes competia, por se tratar de facto constitutivo do direito (art.342 nº1 CC) que aquando da plantação dos eucaliptos o prédio rústico dos Autores já estivesse cultivado, ou seja, já tivesse a vinha.

Diz a sentença:

“ A plantação ou sementeira de eucaliptos apenas é proibida a menos de vinte metros de “terrenos cultivados”.

Se à data da plantação de eucaliptos pelos réus, os autores não provam que o seu prédio era um terreno cultivado, não sabemos se foi violada a proibição de plantação ou sementeira de eucaliptos ou acácias a menos de 20 metros das estremas.

E nessas circunstâncias, nenhuma norma ou princípio geral de direito lhes confere o direito de impor o respectivo arrancamento.

A prova de que o seu terreno estava cultivado na data da plantação de eucaliptos, pertence, salva melhor opinião, aos autores, pois é um facto que integra a causa de pedir, sendo um dos segmentos normativos que integram a hipótese prevista no artigo 1º do DL nº 28039, de 14.09.1937 e justifica a respectiva cominação legal.

Nem se diga que o que resultou do ponto 13. é suficiente para demonstrar que o terreno dos autores estava cultivado na data da plantação de eucaliptos.

De facto, apurou-se que outrora tal prédio foi composto por vinha, mas desconhecemos até que concreto período temporal (foi antes de 14.07.2006, mas desde quando? e até que momento?) e em que concretos termos, pois a prova, foi vaga nessa matéria, não atingido o mínimo de rigor exigível para apurar o que se pretendia.

Desconhecemos, pois, se na data da plantação de eucaliptos, há cerca de 12 anos (1998) havia ou não um terreno cultivado de vinha, que impedisse os réus de plantarem no seu os aludidos eucaliptos – sendo certo que, garantidamente, não se trata do mesmo cultivo que hoje em dia aí está (ponto 15.), pelo que, a acção naufraga quanto a este pedido, devendo os réus ir absolvidos, nesta parte.”

Em contrapartida, alegam os Autores estar factualmente demonstrado (em especial no ponto 13) que o seu prédio rústico era composto de vinha, quando, em 1998, os Réus plantaram os eucaliptos.

A questão essencial contende com a interpretação da decisão sobre a matéria de facto e da sentença, segundo o critério dos arts.236 e 238, por força do art.295 CC (cf., por ex., Ac STJ de 16/4/2002 (proc. nº 02B3349), em www dgsi.pt) que deve ser feita no seu conjunto, mas dela não se retira, salvo o devido respeito, a leitura dos Autores/Apelantes.

Desde logo, está assente que os Autores procederam à plantação de uma vinha no seu prédio, após 14/7/2006 (cf. alínea I/) e que, posteriormente a essa data, a arrancaram (cf. r.q. 9º).

Está provado que o prédio foi vendido por J… e mulher aos Autores, por escritura pública de 14 de Julho de 2006 (cf. alínea C/).

Ao quesito 2º (“ O prédio descrito em A) dos factos assentes, antes de 14/7/2006, era composto por vinha?”) – o tribunal respondeu – “Provado que o prédio descrito em A) dos factos assentes, antes de 14/7/2006, foi composto apenas por vinha”.

Como se refere na respectiva fundamentação (fls.135), a resposta foi dada “de forma explicativa, tendo em consideração, em especial, os vendedores do prédio, M… e J…, que, de forma credível, a testaram as vicissitudes do prédio, sendo as pessoas  em melhores condições de o fazer”.

Na resposta conjunta aos quesitos 3º a 8º, consignou-se:

“ Durante o período aludido em 2., J… e mulher O… e M… fruíam das utilidades de tal prédio, designadamente pela recolha das uvas, pela surriba do terreno, pela plantação da vinha, pelo adubamento e aplicação do estrume na vinha e pelo tratamento da mesma”.

Por seu turno, o tribunal não deu como provado que aquando da plantação dos eucaliptos os Réus deixassem a distância de 2,30 metros entre eles e o primeiro corrimão da vinha, referida em 2º (cf. resposta negativa ao quesito 13º).

Daqui é legítimo extrair-se (como fizeram os Apelados) que se o tribunal tivesse concluído (em face da valoração da prova) que quando da plantação dos eucaliptos já lá existia a vinha, a resposta teria de ser outra, ou seja, só a resposta positiva pressuporia logicamente que antes da plantação já existisse a vinha.

Pese embora a redacção não seja a mais explícita, a verdade é que o sentido que se colhe da resposta ao quesito 2º (conjugado com as restantes respostas e a respectiva motivação) é o de que, antes de 14/7/2006, o prédio (descrito em A/) teve uma vinha, mas não se apurou temporalmente quando tal sucedeu, ou seja, antes de 14/7/2006, mas em período indeterminado, o prédio foi composto apenas por vinha.

Foi, aliás, esta a interpretação dada pelo tribunal na própria sentença, ao justificar que os Autores não lograram provar que a plantação foi posterior ao cultivo da vinha, tratando-se, segundo a “teoria da norma”, de facto constitutivo do seu direito.

Por conseguinte, não provando os Autores os factos constitutivos da seu direito ( art.342 nº1 CC ), a acção teria que improceder.

2.4. – Síntese conclusiva:

1. Sobre as restrições legais relativas à sementeira e plantação de eucaliptos nas proximidades de terrenos cultivados, mantém-se actualmente em vigor o Dec.-Lei nº 28039 de 14/9/1937.

2. A proibição legal, imposta no art.1º do Dec.-Lei nº 28039, de plantar ou semear eucaliptos a menos de 20 metros de terrenos cultivados só se verifica se a plantação dos eucaliptos for posterior ao cultivo.

3. Cabe ao autor, proprietário lesado, o ónus de provar que o seu prédio já estava cultivado na data da sementeira ou plantação dos eucaliptos.


III – DECISÃO

         Pelo exposto, decidem:

1)

         Julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.

2)

         Condenar os Apelantes nas custas.


 Jorge Arcanjo (Relator)

 Teles Pereira

 Manuel Capelo