Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ANABELA MARQUES FERREIRA | ||
Descritores: | PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO MEDIDA PROVISÓRIA SITUAÇÃO DE PERIGO PARA A CRIANÇA INSTABILIDADE EMOCIONAL SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA MEDIDA DE APOIO JUNTO DO OUTRO PROGENITOR | ||
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Data do Acordão: | 03/11/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO LOCAL CÍVEL DA GUARDA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA | ||
Texto Integral: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 3.º, 4.º, 35.º, N.º 1, ALÍNEA A), E 37.º, N.º 1, DA LEI DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO | ||
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Sumário: | Apesar de a criança ter estado anteriormente aos cuidados da progenitora e ter grandes laços afetivos com a mesma, tendo esta criado situações de perigo para a criança e sofrendo de instabilidade emocional, os princípios do superior interesse da criança e da atualidade implicam a aplicação da medida de apoio junto do progenitor, quando este se encontre em melhores condições para assegurar à criança, um ambiente mais seguro e estável. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Apelação nº 682/24.8T8GRD-C.C1
Juízo Local Cível da Guarda - Juiz ...
Recorrente/Progenitora AA Criança BB
Juiz Desembargador Relator:Anabela Marques Ferreira Juízes Desembargadores Adjuntos: Maria João Areias Paulo Correia
Sumário (da responsabilidade do Relator – artº 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
(…).
Acordam os juízes que nestes autos integram o coletivo da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório
Nos autos de processo de promoção e proteção, relativo à criança BB, nascida em ../../2007, em que são requeridos os seus progenitores, AA e CC, que correm termos no Juízo Local Cível da Guarda - Juiz ..., o Ministério Público deu início ao processo na sequência do envio para Tribunal do processo de promoção e proteção que corria termos na CPCJ da Guarda. A 29 de Maio de 2024, foi junto aos autos relatório social elaborado pela EMAT. A 16 de Junho de 2024, foram tomadas declarações aos progenitores. A 19 de Junho de 2024, foram tomadas declarações a à Sra. Técnica da EMAT, DD, e a EE, que foi técnica da CPCJ até finais de março de 2024. Nessa diligência, pelos progenitores e pelos progenitores foi dito que acordam num projeto de um acordo nesta sede nos seguintes moldes: Foi então determinada a realização de diligências, não tendo o acordo chegado a ser homologado. Foram juntas aos autos informações prestadas por: Ministério Público da Guarda e Fundão, da CPCJ da Guarda, da Clineve e da .... A 11 de Julho de 2024, tentada a solução consensual, a mesma não se mostrou possível, tendo sido declarada encerrada a instrução, prosseguindo os autos para efeitos de posterior debate judicial. Foram juntas informações aos autos, nomeadamente imagens do sistema a de CCTV do dia 03.jul.2014, do Centro Comercial ..., que retratam incidente aí ocorrido entre os progenitores, na presença do menor. O Ministério Público promoveu a aplicação de uma medida cautelar, de apoio junto dos pais, nomeadamente do seu Progenitor, CC, à luz do plasmado no artigo 37.º, n.º 1, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo. Foram realizadas mais diligências. A 25 de Setembro de 2024, foi proferido despacho, nos seguintes termos: Em face do exposto, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 3º, 4º, 35º, n.º 1, alínea a), e 37º, n.º 1, parte final, da LPCJP, decido aplicar, cautelar e provisoriamente, em benefício da criança BB, a medida de apoio junto dos pais, a executar junto do seu progenitor, prevendo contactos presenciais com a progenitora supervisionados pelo CAFAP, uma vez por semana, por um período mínimo de duas horas.
A Recorrente AA interpôs recurso da sentença, concluindo, nas suas alegações, que: (…).
O Ilustre Defensor do menor veio aos autos responder ao recurso, dizendo que concorda com a douta decisão objecto de recurso e que a mesma não merece qualquer censura.
O Ministério Público veio aos autos responder ao recurso, concluindo, nas suas contra-alegações, que: (…).
No dia 26 de Novembro de 2024, nos autos apensos de regulação das responsabilidades parentais, foi fixado regime provisório, fixando as visitas de idêntica forma: As visitas da progenitora ao filho serão supervisionadas pelo CAFAP, uma vez por semana, por um período mínimo de duas horas. A progenitora interpôs recurso de tal decisão. Entretanto, nestes autos, a 13 de Dezembro de 2024, foi junto aos autos relatório de acompanhamento da execução da medida, descrevendo de forma positiva, quer os cuidados que estão a ser prestados pelo progenitor, quer a visita que decorreu com a progenitora, concluindo que findo o período de dois meses e caso o CAFAP não apresente informação desfavorável. O BB poderá passar os fins-de-semana, de 15 em 15 dias, indo a progenitora busca-lo ao final das atividades letivas no jardim de Infância na sexta- feira e entregando-a no jardim de Infância na segunda-feira, antes das atividades letivas. A 20 de Janeiro de 2025, foi proferido despacho de revisão da medida, decidindo manter a execução da medida de apoio junto do progenitor, aplicada à criança. A 17 de Fevereiro de 2025, foi junto aos autos o relatório de perícia em Psicologia Forense ao progenitor CC, dele não resultando qualquer inconveniente para a manutenção da medida aplicada. II – Objeto do processo Colhidos os vistos legais, prestados contributos e sugestões pelos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos e realizada conferência, cumpre decidir. Da conjugação do disposto nos artºs 635º, nºs 3 e 4, 637º, nº 1 e 639º, todos do Código de Processo Civil, resulta que são as conclusões do recurso que delimitam os termos do recurso (sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - artº 608º, nº 2, ex vi artº 663º, nº2, ambos do mesmo diploma legal), não vinculando, porém, o Tribunal ad quem às soluções jurídicas preconizadas pelas partes (artº 5º, º 3, do Código de Processo Civil). Assim: Questões a decidir: Da medida cautelar adequada a acautelar o perigo a que se encontra exposto o menor III – Fundamentação A) De facto
Factos julgados provados na decisão recorrida: 1. BB nasceu em ../../2021 e é filho de CC e de AA. 2. Em 25-11-2023 foi participado pela Polícia de Segurança Pública, Comando Distrital da Guarda, um episódio envolvendo agressões físicas perpetradas pela progenitora contra o progenitor da criança, o qual deu origem ao processo de inquérito n.º 465/23...., que corre termos pela 2.ª Secção de Inquéritos da Procuradoria da República do Juízo Local Criminal da Guarda. 3. Em 01-12-2023, no Comando Distrital da Polícia de Segurança Pública da Guarda, foi apresentada uma denúncia pela progenitora, em virtude de agressões sexuais e físicas praticadas pelo progenitor da criança contra si, que deu origem ao Inquérito n.º 473/23..... 4. No âmbito do processo n.º 465/23...., ambos os progenitores foram constituídos arguidos, tendo aí prestado termo de identidade e residência. 5. Desde data não concretamente apurada, mas situada em finais de novembro de 2023, os progenitores residem em habitações distintas. 6. A ocorrência referida em 2. foi reportada à CPCJ da Guarda, que procedeu ao acompanhamento da situação da criança através do processo de promoção e proteção n.º ...79.... 7. No âmbito desse processo de promoção e proteção, foi obtido o consentimento de ambos os progenitores para o acompanhamento e apresentação das correspondentes medidas de promoção e proteção da criança. 8. Em 07/02/2024, na CPCJ da Guarda, foi celebrado, pelos progenitores, um acordo de promoção e proteção, no âmbito do qual foi acordada a aplicação da medida de apoio junto dos pais, tendo ambos se comprometido a, entre o mais: - zelar pela assiduidade da criança na creche onde se encontra integrada, cumprindo com as orientações da equipa de educadores; - garantir o cumprimento das consultas agendadas no âmbito da saúde infantil e cumprir todas as recomendações médicas; - adotar comportamentos que promovessem o bem estar psicossocial da criança. Ademais, a progenitora comprometeu-se “a facilitar o contacto do BB com o pai de acordo com a sua disponibilidade laboral e salvaguardando os períodos de descanso da criança”, até que fosse regulado o exercício das responsabilidades parentais relativas à mesma, tendo sido definidos fins de semana em que o progenitor conviveria com a criança, entre os quais o fim de semana de 16 e 17 de março de 2024. 9. No dia 18-03-2024, a progenitora não foi buscar a criança à creche frequentada pela mesma, “Creche/ Lar Jardim de Infância de ...”, sendo que as tentativas de contacto com a mesma, encetadas pela instituição e pela CJPC da Guarda, resultaram infrutíferas, tendo a criança sido entregue a um amigo do progenitor, porquanto este se encontrava a exercer a sua atividade profissional em .... 10. Desde o descrito em 9., a criança ficou entregue aos cuidados do pai, residindo com o mesmo. 11. A CPCJ da Guarda, por entender que houve incumprimento, por parte da progenitora, do acordo de promoção e proteção referido em 8., remeteu os autos ao Ministério Público, que instaurou o presente processo de promoção e proteção. 12. Em data não concretamente apurada, mas situada próximo do final do mês de março de 2024, a progenitora compareceu na creche identificada em 9., a fim de levar a criança consigo, não o tendo logrado por não lhe ter sido permitido por aquela instituição, em virtude do sucedido no dia 18-03-2024 e por indicação da CPCJ da Guarda. 13. Pelo menos até 26-06-2024, a progenitora estava a ser acompanhada em consulta de psiquiatria na clínica “...”, comparecendo às consultas agendadas e cumprindo com os tratamentos prescritos. 14. A irmã da criança BB, FF, filha da requerida, beneficia de processo de promoção e proteção, que corre termos na CPCJ da Guarda e que se encontra em fase de avaliação diagnóstica. 15. No dia 03-07-2024, pelas 20h30m, o requerido, acompanhado da criança BB, encontrava-se no “Centro Comercial ...”. 16. Nas circunstâncias de tempo e local referidas em 15., comparecerem a requerida, a sua filha, o seu companheiro e outras duas crianças, tendo aquela pegado no menino BB ao colo e, após, entregue o mesmo ao requerido. 17. Em seguida, o requerido dirigiu-se à loja “...”, sita naquele centro comercial, acompanhado da criança BB. 18. Em ato contínuo, a requerida deslocou-se àquela loja, tendo entrado na mesma e, logo em seguida, saído a correr com o menino BB nos braços. 19. O requerido foi no encalce da requerida e, ao alcançar a mesma, agarrou-a pelo cabelo e pelo pescoço, tendo, nessa sequência, logrado retirar a criança do colo daquela que, em resposta, lhe desferiu uma bofetada. 20. Foi solicitada a intervenção da PSP, que tomou conta da ocorrência no âmbito do inquérito n.º 260/24..... 21. No âmbito do inquérito com o n.º 60/23...., que iniciou com uma queixa apresentada pela progenitora contra o progenitor pela prática do crime de violência doméstica, em data não concretamente apurada, mas situada em março de 2023, foi proferido despacho de arquivamento. 22. A habitação onde reside o requerido possui um quarto para o menino BB. 23. A residência da progenitora reúne condições para receber a criança.
B) De Direito
Da medida cautelar adequada a acautelar o perigo a que se encontra exposto o menor
Prevê o artº 3º, da Lei de Promoção e Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, as situações em que, de forma exemplificativa, se deve considerar que um menor está em perigo, estando assim legitimada a intervenção, no sentido da promoção dos seus direitos. Atenta a matéria provada supra descrita, verificamos que a criança BB se encontra numa situação de perigo que legitima a intervenção pública, na medida em que, nos termos do nº 2, al. f), do citado preceito, Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional, comportamentos estes adotados pelos progenitores que demonstraram ter, um para com o outro, comportamento conflituoso, mesmo na presença do menor, o que motivou ab initio a intervenção da CPCJ. Mas igualmente comportamentos perpetrados pela progenitora quando, no dia 18-03-2024, a progenitora não foi buscar a criança à creche frequentada pela mesma, “Creche/ Lar Jardim de Infância de ...”, sendo que as tentativas de contacto com a mesma, encetadas pela instituição e pela CJPC da Guarda, resultaram infrutíferas, tendo a criança sido entregue a um amigo do progenitor, porquanto este se encontrava a exercer a sua atividade profissional em ..., o que motivou a remessa do processo para o Tribunal. E também quando, já na pendência dos presentes autos, no dia 03-07-2024, pelas 20h30m, o requerido, acompanhado da criança BB, encontrava-se no “Centro Comercial ...”, onde comparecerem a requerida, a sua filha, o seu companheiro e outras duas crianças, tendo aquela pegado no menino BB ao colo e, após, entregue o mesmo ao requerido. Em seguida, o requerido dirigiu-se à loja “...”, sita naquele centro comercial, acompanhado da criança BB. Em ato contínuo, a requerida deslocou-se àquela loja, tendo entrado na mesma e, logo em seguida, saído a correr com o menino BB nos braços. O requerido foi no encalce da requerida e, ao alcançar a mesma, agarrou-a pelo cabelo e pelo pescoço, tendo, nessa sequência, logrado retirar a criança do colo daquela que, em resposta, lhe desferiu uma bofetada Está assim efetivamente legitimada a presente intervenção, cumprindo aplicar a favor da criança BB, medida que acautele tal perigo. Os princípios que devem nortear a intervenção são os previstos no artº 4º, do mesmo diploma, designadamente, os do interesse superior da criança, da intervenção mínima, da proporcionalidade e da atualidade, da responsabilidade parental e da prevalência da família. São de preferir as medidas a executar em meio natural e, sempre que possível, a de apoio junto dos pais, prevista no artº 35º, nº 1, al. a), aqui aplicada, mais concretamente, de apoio junto do progenitor. Entende a Recorrente que a criança deveria continuar, como sempre, aos cuidados da mãe, não tendo a decisão recorrida considerado devidamente o vínculo emocional forte entre a Apelante e o menor, limitando os contactos entre o menor e a Apelante de forma desproporcional e injustificada. Neste ponto, há que ter em conta que foi a progenitora que, mais recentemente, e de forma grave, expôs a criança a situações de perigo para a sua estabilidade emocional, quer ao não a recolher na instituição de ensino, não estando contactável, quer ao ter tentado tê-la na sua companhia pelo uso da força, o que motivou mais um episódio de violência entre os progenitores, na presença da criança. Acresce que a progenitora demonstra instabilidade emocional, sendo seguida em consultas de psiquiatria, sendo ainda desconhecidas dos autos as conclusões do relatório de perícia psicológica que foi requerido. Pelo contrário, nada desabona contra o progenitor, o qual, aquando do episódio da falta de recolha da criança, encontrou solução, quer imediata, quer de longo prazo, tendo-lhe, desde então, assegurado os devidos cuidados. Apesar de a criança ter estado anteriormente aos cuidados da progenitora e ter certamente grandes laços afetivos com a mesma, neste momento, é certamente o progenitor quem se encontra em melhores condições para assegurar à criança, um ambiente mais seguro e estável. Assim, cumpre aplicar a medida de apoio junto do progenitor, em conformidade com os princípios do interesse superior da criança e da atualidade. No que concerne ao regime convívios com a progenitora, verificamos que os mesmos são efetivamente diminutos. Porém, atendendo ao contexto supra descrito, não se mostra adequada, neste momento, a sua ampliação, sendo de aguardar pelas propostas da Técnica que acompanha os convívios. Mais alega a Recorrente que a decisão recorrida desvaloriza o histórico de violência doméstica sofrido pela Apelante. Porém, nenhum histórico há a considerar apenas contra o progenitor, uma vez que o que se apurou foi da existência de queixas mútuas e ainda que, no âmbito do inquérito com o n.º 60/23...., que iniciou com uma queixa apresentada pela progenitora contra o progenitor pela prática do crime de violência doméstica, em data não concretamente apurada, mas situada em março de 2023, foi proferido despacho de arquivamento. Mais invoca a omissão de uma regulação provisória das responsabilidades parentais, a qual, como se vê do histórico supra, não está omissa. Finalmente, fala de abuso do progenitor e conluio com a técnica que geraram uma situação de desequilíbrio, o que também não se retira minimamente dos factos apurados. Assim, cumpre julgar improcedente o presente recurso.
IV - Decisão
Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Secção deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas pela Apelante – artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, todos do Código de Processo Civil.
Coimbra, 11 de Março de 2025
Com assinatura digital: Anabela Marques Ferreira Maria João Areias Paulo Correia
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