Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
419/09.1GBOBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: REJEIÇÃO DA ACUSAÇÃO
ACUSAÇÃO MANIFESTAMENTE INFUNDADA
Data do Acordão: 11/03/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA (OLIVEIRA DO BAIRRO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 283º,E 311ºDO CPP
Sumário: Constando nos autos a indicação da residência da queixosa e narrando-se na acusação que os factos foram praticados naquela morada, a acusação não deve ser rejeitada – por manifestamente infundada – por não proceder à localização da prática dos factos.
Decisão Texto Integral: 7
Proc. nº 419/09.1GBOBR.C1
RELATÓRIO

Em autos de inquérito que correram termos nos Serviços do Ministério Público da Comarca do Baixo Vouga – Oliveira do Bairro, o assistente N, deduziu acusação contra M, imputando-lhe a prática de um crime de injúrias p. e p. no artº 181º do CP.
Distribuídos os autos, proferiu o Mmº Juiz despacho em que rejeitou a acusação, fundamentalmente por entender que a mesma não concretiza o local da prática dos factos.
Por não se conformar com o despacho da Exmª Juiz, interpôs o assistente o presente recurso.
Na respectiva motivação vêm formuladas as seguintes conclusões:
“- A douta decisão de rejeitar a acusação particular por considerar que apenas a indicação do nome da arguida no libelo acusatório não satisfaz as exigências previstas nos artigos 311 ° nº 1 e 2 a) e nº 3 a) do Código do Processo Penal, decidindo pela rejeição da acusação por manifestamente infundada, violou as normas referidas nos artigos 119; 283 n°. 3 al. b); 311° todos do C.P.P. e art. 32 nº 7 da C.R.P. ,por não efectuar uma correcta interpretação do espírito e letra da lei.
- Isto porque, a indicação apenas do nome da arguida na acusação particular em causa, satisfaz plenamente o disposto no artigo 283° nº 3 a) do C.P.P., já que não determina a sua rejeição por manifestamente infundada. E, a Mmª Juíza ela mesmo diz que a sua identificação facilmente se retira dos autos.
- Na acusação particular deduzida pelo Assistente N contra a Arguida M, a acusação não é deficiente nem quanto aos factos nem quanto ao direito. Mostra-se a mesma devidamente estruturada, formal e substancialmente, assentando em factos que a suportam e estes integram os elementos típicos da infracção cometida pela arguida.
- Sendo a nulidade prevista no artigo 283° do Código de Processo Penal uma nulidade sanável, seria sempre prerrogativa do Tribunal "a quo "a promoção da sanação do vício, já que de mera irregularidade se trata.
- O convite à indicação pormenorizada da residência da arguida, não implicaria nenhuma alteração dos termos da acusação. Esta permaneceria intacta. Diria apenas respeito a um elemento formal que acompanha a acusação e em nada beliscaria os direitos da arguida.
- E a existir na acusação em causa, uma deficiência formal é sempre possível corrigi-la, sem que esse facto viole o princípio da independência do Juiz em relação às partes.
- Sendo certo que, a Doutrina e Jurisprudência dominantes vão no sentido de reduzir ao mínimo o número das nulidades em processo penal e de não incluir no seu número quaisquer vícios formais.
- Evitando-se, assim, que se denegue o acesso e a concretização da Justiça e a violação do direito do Assistente no processo penal, nos termos do nº 7 do art. 32 da C. R. Portuguesa.
- Por outro lado, arguida vem devidamente referida pelo seu nome na acusação particular.
- Aliás, a identificação da arguida pelo seu nome e complementado pelos "sinais dos autos" permite considerar minimamente satisfeita a exigência constante da al. a) do nº 3 do art. 283° do CPP, não devendo por isso ser rejeitada a acusação particular.
- Sendo de salientar, que não constitui causa de rejeição de acusação, mas simples irregularidade, a identificação da arguida nessa peça processual apenas com a mera indicação do seu nome.
- Só a total omissão de identificação da arguida ou a insuficiência de elementos identificativos, que não permitam identificar pessoa certa e determinada, poderá acarretar a rejeição da acusação.
- Na queixa apresentada pelo assistente no Posto da GNR de Oliveira do Bairro consta referido o seu nome completo, filiação, naturalidade, data de nascimento, estado civil, profissão, nº do B.I., data e local de sua emissão, bem como a sua RESIDÊNCIA..
- A residência do assistente encontra-se referida inúmeras vezes nos autos. Começando, desde logo na queixa apresentada pelo Assistente na GNR de Oliveira do Bairro; na convocatória que lhe foi enviada pela referida GNR para prestar declarações, nos relatórios elaborados pela mesma, em documentos juntos aos autos pelo Assistente, mormente o requerimento de pedido de protecção jurídica apresentado na Segurança Social.
- O seu nome, a sua profissão e a sua residência à data dos factos estão assim perfeitamente individualizados e em audiência de julgamento facilmente se confirmaria a residência do assistente nos autos.
- Não cabe ao assistente indicar se a arguida vai ser julgada em sede de tribunal singular ou colectivo.
- A acusação particular não é omissa quanto aos factos que integram o elemento subjectivo do crime imputado á arguida.
- A acusação contém a narração dos factos. Descreve os factos e as circunstâncias que consubstanciam o crime de injúrias, previsto e punido pelo artº 181 do Código Penal.
- A arguida agiu livre, deliberada e conscientemente, com o intuito de conseguir ofender o Assistente na sua integridade física e moral, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei sem nada ter feito para o evitar.
- A acusação não é manifestamente infundada porque no plano fáctico possui factos que a suportam e no plano jurídico os factos integram os elementos típicos da infracção e ser possível apurar a responsabilidade da arguida.
- A sujeição da arguida a julgamento é de elementar justiça e são imensas as probabilidades de o Tribunal poder acolher o teor acusatório.
- É desajustado aos interesses que o processo penal visa proteger com a necessidade de constituição de assistente e da existência de uma acusação particular, a interpretação segundo a qual o juiz está impossibilitado de interferir, mediante convite ao assistente, numa situação como a dos autos.
- Aliás, deve ter-se como presente que a prova dos factos vertidos numa acusação deve ser feita em sede de julgamento.
- O Tribunal" a quo" ao não receber a acusação particular, em causa, violou o que se encontra disposto nos arts. 119; 283 nº e al. b); 311 todos do C.P.P. e o artº 32 nº 7 da C.R.Portuguesa.”
Respondeu o Ministério Público, concluindo que não deve ser dado provimento ao recurso.
Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, no seu douto parecer conclui igualmente pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


FUNDAMENTAÇÃO

A questão colocada à cognição deste Tribunal consiste em saber se a acusação particular é omissa quanto ao local da ocorrência dos factos.
Vejamos.
Nos termos do artº 283º nº 3 CPP, a acusação deve conter, sob pena de nulidade, os seguintes requisitos:
a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;
c) A indicação das disposições legais aplicáveis;
d) O rol com o máximo de 20 testemunhas, com a respectiva identificação, discriminando-se as que só devam depor sobre os aspectos referidos no artigo 128º, nº 2, que não podem exceder o número de cinco;
e) A indicação dos peritos e consultores técnicos a serem ouvidos em julgamento, com a respectiva identificação;
f) A indicação de outras provas a produzir ou a requerer.
g) A data e a assinatura.
Por sua vez estabelece o artº 311º nº 2 a) CPP que se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido de rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada.
Ora nos termos do nº 3 do referido preceito legal, acusação manifestamente infundada é aquela que:
- não contenha a identificação do arguido.
- não contenha a narração dos factos.
- não indique as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam.
- os factos não constituírem crime.
São pois taxativamente quatro os pilares básicos da acusação: identificação do arguido, narração dos factos, normas incriminadoras e provas que os fundamentem.
A omissão de qualquer um dos citados requisitos implica a sua rejeição liminar por insuficiência de fundamentos.
Ora conforme decorre da leitura do despacho recorrido, o Sr., juiz no que concerne à identificação da arguida, pese embora reconheça que esta não está devidamente identificada, reconhece que tal não obstaria ao prosseguimento da acusação pois “se retiraria dos elementos juntos aos autos”.
E pensamos que agiu bem.
Efectivamente o assistente identifica a arguida como sendo “ M”, referindo-se ao longo do texto à denunciada “Mónica”, sendo que o seu nome completo é Mónica …
Ora considerando que esta é a única arguida nos autos, é evidente tratar-se de manifesto lapso cometido na sua identificação, o qual era naturalmente susceptível de ser suprido por parte do tribunal face aos restantes elementos que deles já constavam.
O que nada justificaria era rejeitar a acusação por lapso ou mesmo erro na sua identificação já que se tratava da mesma pessoa física.
Porém já não se entende a decisão do Sr. juiz ao não ter usado do mesmo critério relativamente à identificação do local onde alegadamente os factos teriam ocorrido.
Recorde-se que na acusação particular se escreveu “ No dia 5/08/2009, pelas 08h50, a arguida M, acompanhada pelo seu pai e irmãos, apareceram na residência do participante. Esta tocou à campainha do apartamento…”.
Na perspectiva do Sr. juiz esse texto não concretiza o local da prática dos factos.
Não concordamos.
Com efeito não se entende que aceitando o Sr. juiz que os elementos que constam dos autos servem para suprir a identificação da arguida, não sirvam também para concretizar a residência da ofendida.
É que não se verifica propriamente uma ausência total de identificação do local onde alegadamente os factos teriam ocorrido.
Esta concretização existe – a residência do depoente -, sendo que a morada está claramente indicada nos autos (cfr. entre outros, a queixa apresentada a fls. 5).
Não podia pois o Sr. juiz ignorar tal facto, assumindo uma posição demasiado formalista da peça acusatória relativamente àquele elemento, o que não fizera quanto ao anteriormente abordado.
Daí que se conclua que o recurso é merecedor de provimento e consequentemente carece de fundamento a rejeição liminar.

DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os Juízes desta Relação, em conceder provimento ao recurso interposto pelo assistente, pelo que se revoga a douta decisão impugnada, determinando-se a sua substituição por outra que faça o processo prosseguir os seus termos.
Sem tributação.
Notifique.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (Artº 94º nº 2 CPP)
Tribunal da Relação de Coimbra, 3 de Novembro de 2010.