Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PEDRO MARTINS | ||
Descritores: | INVENTÁRIO PARTILHA | ||
Data do Acordão: | 03/29/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COVILHÃ | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS.1341, 1342, 1353 CPC. | ||
Sumário: | Com a partilha do património comum do casal não há transmissão de bens para cada um dos ex-cônjuges, mas apenas modificação do objecto do direito destes, pelo que a dívida resultante do empréstimo bancário contraído para aquisição de um dos bens não se vence em consequência de uma cláusula a prever o vencimento da dívida no caso de transmissão desse bem. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados:
Neste inventário partilha-se o património de um casal entretanto divorciado. Nele foi relacionado como bem comum um apartamento onerado por uma hipoteca a favor de um banco para garantia de um mútuo por este concedido ao casal para compra do apartamento. A 11/02/2009, o banco veio requerer a actualização do valor em dívida do apartamento e declarar não aceitar que no âmbito da partilha a responsabilidade pelo cumprimento das dívidas comuns do casal fique adstrita a um só dos cônjuges. Depois, convocado para a conferência de interessados, o banco fez, a 10/03/2009, exactamente a mesma declaração e requereu, nos termos do disposto no art. 1357º/1 do CPC, o pagamento imediato, por parte dos inte-ressados, das dívidas ao mesmo, determinando, se necessário fôr e para esse efeito, a venda judicial do bem imóvel e dos bens móveis relacionados. Depois de três suspensões e de um adiamento da conferência de interessados, a pedido destes, a conferência iniciou-se a 20/05/2010 e nela o interessado licitou o apartamento (verba 14) e depois ambos disseram, quanto ao passivo (verba 15), que fica aprovado, devendo no entanto ser solicitado ao banco o seu valor actualizado. Mais à frente, a interessada requereu que o banco fosse notificado para nos termos do disposto no nº. 1 do art. 1357º do CPC, informar se pretende exigir o pagamento imediato da divida hipotecária. Este requerimento teve a oposição do interessado. O Sr. juiz proferiu o seguinte despacho quanto a isto: Determinou-se, no entanto, que o banco fosse notificado para infor-mar os autos acerca do montante actual da dívida. Depois disso, numa outra sessão da conferência, o interessado de-clarou: A interessada subscreveu o requerimento apresentado pelo banco, salientando que a dívida se considera vencida nos termos do contrato de mútuo, logo que haja transmissão não autorizada do bem. O Sr. juiz determinou que os autos lhe fossem conclusos a fim de decidir das questões suscitadas. A 09/07/2010, o Sr. juiz proferiu o seguinte despacho: Requerimento do banco: Antes do encerramento da conferência de interessados vem o banco requerer o pagamento imediato da dívida, requerendo, ainda, se necessário, a venda judicial do bem imóvel hipotecado e dos bens móveis relacionados. O interessado insurgiu-se, alegando inexistir incumprimento contratual e, portanto, não haver vencimento da dívida. Apreciando. Como bem ressalta Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, vol. II, pg. 170, "Não estando vencidas, o credor não pode exigir o seu pagamento imediato (...)". Ora, analisado o requerimento apresentado não se descortina se a dívida de que é credor o banco está ou não vencida, pois do mesmo não consta a constatação/demonstração de qualquer incumprimento contratual. A fim de habilitar o tribunal a decidir acerca do requerido pelo banco, deverá este demonstrar nos autos o incumprimento contratual e o vencimento da dívida. Assim, notifique o banco para proceder em conformidade ou dizer o que tiver por oportuno. A 22/10/2010, sem que nada tivesse sido junto ao processo (quer em papel quer electrónico), foi então proferido o seguinte despacho: O interessado recorre deste despacho, a fim de ser substituído por outro que indefira o pedido de pagamento, considerando-se não vencida a dívida do banco, por entender que: Não foram apresentadas contra-alegações. * Questões que importa solucionar: * A 1ª série de argumentos do recurso é improcedente, logo a nível dos factos, por partir de pressupostos que não correspondem à realidade. Como resulta do relatório deste acórdão, o banco desde cedo pediu o pagamento imediato da dívida, isso mesmo antes da conferência para que foi convocado. Não tem pois razão o recorrente quando diz o contrário. Desconhecerá ele tal facto? Mesmo que assim fosse, não estaria já em tempo de arguir a nulidade decorrente da ausência da notificação de tal pretensão do banco, porque, depois da mesma ter sido deduzida, o recorrente já por diversas vezes esteve em juízo com possibilidade de consultar o processo em papel (e o requerimento do banco, de 11/02/2009, também consta do processo em papel – fls. 176). E o processo electrónico é de consulta possível a qualquer momento (sendo que os requerimentos do banco constam todos do processo electrónico). * Já quanto à segunda série de argumentos o recurso é procedente. Não pela parte que se refere à não aprovação da dívida, já que, de novo ao contrário do que diz o recorrente, ele aprovou a dívida, como resulta do relatório feito neste acórdão (veja-se a referência na sessão da conferência de 20/05/2010). Mas procede na parte em que diz que a dívida não estava vencida. O despacho judicial diz o contrário baseado no seguinte: a cláusula 12ª do contrato de mútuo prevê o vencimento da dívida caso se verifique a transmissão não autorizada do apartamento; o apartamento foi transmitido sem anuência do banco; logo, a dívida venceu-se. Mas a verdade é que não houve qualquer transmissão da dívida. Como lembra Esperança Pereira Mealha (Acordos conjugais para partilha dos bens comuns, Almedina, 2004, págs. 63/64): A autora em nota (150 a 152) cita apoiantes de um e de outro destes autores e não cita nenhuma doutrina no sentido de dar à partilha um carácter atributivo. Com a partilha não existe pois qualquer transmissão de direitos. Há apenas uma modificação no objecto do direito. No mesmo sentido, já ia há muito Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. II, Almedina, 1990, págs. 522 a 528, de cujas citações resulta que, em Portugal, apenas dois autores, com estudos anteriores a 1982, defendiam o carácter atributivo//translativo/transmissivo da partilha. Note-se que, no caso de partilha de heranças, de que trata Lopes Cardoso naquelas páginas, há algo mais: há a transmissão de bens do de cujus para os herdeiros. Aquilo que interessa para o caso destes autos é, no entanto, só a natureza da partilha dos bens subsequente a essa transmissão. A partilha dos bens entre os herdeiros. No caso, entre os ex-cônjuges. Assim, como o apartamento não foi transmitido, não se punha a questão da necessidade da autorização do banco, nem a do preenchimento da previsão da clª 12ª do contrato de empréstimo. Pelo que a dívida não estava vencida. Logo, o banco não podia exigir o pagamento da mesma. * E isso porque o banco é um terceiro em relação à partilha. Como se diz no ac. do TRL de 01/06/2010 (2104/09.5TBVFX-A.L1-7 da base de dados do ITIJ) “estas normas [arts. 1689 e 1697 do CC] regulam simplesmente as relações patrimoniais entre os cônjuges, em nada prejudicando as relações dos cônjuges perante terceiros, mantendo estes, apesar do divórcio, da partilha ou das compensações a que houver lugar, os mesmos direitos que antes detinham, podendo, de acordo com o regime das dívidas, responsabilizar ambos ou apenas algum deles, nos termos dos arts. 1691º e segs. do CC.” Assim, no que ao banco respeita, a sua posição com a partilha não se altera: continua a ser parte numa relação na qual existem, na outra parte, os mesmos dois devedores que lá estavam antes da partilha. Para que passasse a existir apenas um devedor teria, aí sim, de haver anuência do banco (art. 595 do Código Civil). Daí a declaração que o mesmo fez – para evitar isso, e essa sim pertence à normalidade das coisas - de que não aceitava que a responsabilidade pelo cumprimento das dívidas comuns do casal ficasse adstrita a um só dos cônjuges. * Sumário: Com a partilha do património comum do casal não há transmissão de bens para cada um dos ex-cônjuges, mas apenas modificação do objecto do direito destes, pelo que a dívida resultante do empréstimo bancário contraído para aquisição de um dos bens não se vence em consequência de uma cláusula a prever o vencimento da dívida no caso de transmissão desse bem. * Pelo exposto, julga-se o recurso procedente e, porque a dívida não está vencida, substitui-se a sentença recorrida por esta outra que indefere o pedido do Banco ..., SA, de pagamento imediato da mesma. Custas pelo banco.
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