Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1087/10.3TJCBR-J.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME CARLOS FERREIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
CRÉDITO LABORAL
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO ESPECIAL
HIPOTECA
Data do Acordão: 06/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE COIMBRA – 1º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 333º DO CÓDIGO DE TRABALHO DE 2009
Sumário: I – Os chamados créditos laborais que beneficiem de privilégio imobiliário especial (sobre os bens do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade) prevalecem ou têm prioridade de graduação sobre outros créditos mesmo que garantidos por hipoteca voluntária anteriormente constituída.

II - O privilégio imobiliário especial previsto no artº 377º do Código do Trabalho (aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27/08) / artº 333º do actual CT (aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12/02) abrange os imóveis existentes na massa insolvente que estavam afectos à actividade empresarial da insolvente, independentemente de uma qualquer conexão específica ou imediata entre o imóvel e a concreta actividade laboral de cada um dos trabalhadores reclamantes. É ao trabalhador reclamante que compete a alegação e prova dos factos constitutivos do privilégio creditório que invoca, mas o tribunal deverá atender a tudo o que de relevante resultar da globalidade do processo de insolvência.

III - Sendo a insolvente uma empresa de construção civil, é manifesto que a maioria dos seus trabalhadores trabalhará em obras de terceiros, não na sede ou nos estaleiros da firma, mas não pode entender-se, por isso, que deixam de beneficiar do referido benefício em relação a estes locais, desde que estejam afectos (esses locais) à organização empresarial (para a qual os trabalhadores prestam a sua actividade, afinal…), sob pena de esvaziamento do sentido da lei.

IV - Tendo o sr. Administrador da Insolvência listado todos os créditos (laborais) como privilegiados nos termos do artº 333º do Código de Trabalho, e uma vez que é a própria Recorrente a reconhecer que o imóvel em causa é onde funciona/funcionou a sede da Insolvente, manifesto se torna que tal prédio faz parte do seu “estabelecimento” ou organização empresarial, à qual esses trabalhadores estavam necessariamente afectos, pelo que beneficiam do referido privilégio creditório especial sobre tal imóvel.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


I

No Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – 1º Juízo Cível, corre termos o processo de insolvência com o nº 1087/10.3TJCBR, contra a sociedade “S… & C.ª, L.da”, com sede na Av. …, no qual e no apenso de reclamação de créditos foi proferida sentença nos seguintes termos:

              “Nos presentes autos de insolvência de “S… & Cª, L.da”, o Sr. Administrador de insolvência apresentou a lista de credores por si reconhecidos e não reconhecidos, nos termos do artº 129º do CIRE - cfr. fls. 86 a 96.

I - Conforme consta da referida lista, o Sr. Administrador reconhece a existência dos seguintes créditos:

Sucede que posteriormente foram reconhecidos outros créditos em acções de verificação ulterior de créditos, designadamente:

Para a massa insolvente foram apreendidos os seguintes imóveis:

1 - a fracção autónoma, designada pela letra B, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Avª …, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o número … e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo …;

2 - o prédio rústico sito em …, composto de mato, descrito na Conservatória do Registo Predial de Porto de Mós sob o número … e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo …;

3 - o prédio rústico sito em …, composto de terreno de cultura arvense, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o número … e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo …;

Foram também apreendidos diversos bens móveis, melhor identificados no auto de apreensão de fls. 116 a 122 do apenso D.

                O credor Banco …, S.A., impugnou a lista de credores reconhecidos, alegando, em suma, o seguinte: “Foi-lhe reconhecido um crédito no valor total de € 237.589,06. O valor supra referido emerge de várias relações contratuais entre o impugnante e a insolvente: a) Contrato de mútuo em que foi concedido à insolvente crédito no montante de € 100.000,00; b) Contrato de abertura de crédito em conta corrente caucionada, em que foi concedido à insolvente um crédito de € 125.000,00; c) Contrato de conta de depósito à ordem (descoberto) e cartão B…; d) Letra de câmbio aceite pela insolvente, no valor de € 1.500,00; e) garantias bancárias prestadas a favor da Câmara Municipal de … e da Escola …, no montante total de € 39.532,55. Tudo nos termos da documentação junta aquando da apresentação da sua reclamação de créditos. No âmbito da referida lista de créditos reconhecidos, e uma vez que se encontravam garantidos por hipotecas registadas sobre a fracção B, correspondente ao 1º andar do prédio urbano, sito em Coimbra, na Avª …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o nº …, foram os montantes relativos aos contratos referidos nas alíneas a) e b) do artigo anterior graduados como créditos de natureza garantida. No entanto, a realidade é que é que a hipoteca constituída sobre a fracção referida, nomeadamente a hipoteca constituída no âmbito do contrato de abertura de crédito em conta corrente caucionada, e que se encontra registada sob a apresentação AP 63 de 2003/11/14, garante “o cumprimento de todas e quaisquer responsabilidades que existam ou venham a existir, até ao limite de € 150.000,00, decorrentes da respectiva actividade social e emergentes ou resultantes de operações de crédito que lhe tenham ou venham a conceder, por contratos de empréstimo ou de abertura de crédito, por financiamentos titulados por livranças, por desconto de papel comercial, por crédito por descoberto em contas de depósito à ordem e por crédito documentário de importação” - cfr. cópia de certidão do registo predial já junta com a petição inicial de reclamação de créditos, mas que se junta (fls. 107 e ss.). Isso mesmo resulta também da escritura da referida hipoteca, outorgada em 27.11.2003 no 4º Cartório Notarial de Coimbra, Lic. …, inscrita no Livro de escrituras diversas n.º 259-D, de fls. 55 a 57, cfr. registo de hipoteca - cfr. doc. de fls. 109 e ss.. Ora, não pode deixar de concluir-se que para além do crédito no montante de € 125.000,00, concedido pela impugnante no âmbito do contrato de abertura de crédito em conta corrente caucionada, também os restantes créditos concedidos, nomeadamente os constantes das alíneas c), d) e e) se encontram garantidos pela hipoteca genérica constituída sobre a fracção acima identificada e registada na competente Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob a AP 63 de 2003/11/14. Razão pela qual devem também ser aqueles graduados como créditos de natureza garantida. Nesse sentido, deverá a totalidade do crédito da ora impugnante - € 237.589,06, acrescidos dos juros de mora até efectivo e integral pagamento às taxas indicadas na reclamação de créditos - ser reconhecido e graduado como garantido, sendo que o valor respeitante às garantias bancárias prestadas a favor de terceiros  conforme indicado na reclamação de créditos apresentada, e na alínea e) do n.º 2 do presente articulado, no montante de € 39.532,55 – deverá ser graduado como garantido, ainda que sob condição, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 50º nº 1 do CIRE. Face ao exposto, deverá a totalidade do crédito do impugnante, no valor de € 237.589,06 proveniente dos contratos indicados no ponto 2 do presente articulado e garantidos por hipotecas ser reconhecido como crédito garantido (alínea a) do nº 4 do artigo 47º do CIRE).

Nos termos da lista definitiva de credores junta pelo administrador de insolvência, foram reconhecidos e graduados como privilegiados nos termos do artigo 333º do C.T. os créditos identificados com os números 1 a 10, 12 a 14, e 16 a 18 da referida lista, no montante total de € 249.472,96. Sucede que a natureza privilegiada dos referidos créditos não vem especificada na lista de credores junta, não se identificando se os créditos em questão beneficiam de privilégio creditório mobiliário geral, ou privilégio creditório imobiliário especial. E esta diferenciação é essencial, pois, como se sabe, os créditos dos trabalhadores apenas beneficiam do privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade. A este facto acresce que “o privilégio imobiliário especial sobre determinado imóvel do empregador, concedido aos seus trabalhadores pelo artigo 337º do CT para contratos de trabalho vigentes à data da sua entrada em vigor, depende da alegação e prova, por tais trabalhadores, de exercerem a sua actividade profissional nesse imóvel” - Ac. STJ, de 31.1.2007; Proc.07A4111.dgsi.net. Assim, apenas os créditos cuja respectiva alegação e prova referida supra sejam efectuadas pelo respectivo reclamante podem ser considerados como créditos que gozam de privilégio imobiliário especial, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 333º do CT. Ainda a este respeito, apenas poderão ser considerados como detentores de créditos privilegiados com privilégio imobiliário especial todos os trabalhadores/credores reclamantes que efectivamente exercessem a sua actividade no imóvel/sede da empresa ora insolvente. Será assim vital determinar-se o âmbito espacial da actividade de cada trabalhador, sendo certo que nos termos do artigo 193º, nº 1 do C.T. “o trabalhador deve, em princípio, exercer a actividade no local contratualmente definido...”. O que desde logo implica que os trabalhadores, ao reclamarem o seu crédito, e caso pretendam fazer-se valer do privilégio imobiliário especial previsto no artigo 333º, nº 1, alínea b) do C.T., devem juntar à reclamação apresentada o respectivo contrato de trabalho celebrado, com o intuito de se perceber qual o local acordado entre as partes no qual o trabalhador deveria exercer a sua actividade. A insolvente dedicava-se à construção civil, exercendo por isso a maior parte dos seus trabalhadores a respectiva actividade nas obras contratadas e não no imóvel sede da empresa insolvente.

Concluindo, o privilégio imobiliário especial agora consagrado incide apenas sobre os bens imóveis onde o trabalhador preste a sua actividade e não em outros “que sejam propriedade do empregador e onde aquele não preste o seu trabalho”. Face a tudo quanto supra exposto, vem impugnar, enquanto créditos privilegiados detentores de privilégio imobiliário especial nos termos e para os efeitos do artigo 333º, nº 1, alínea b) do C.T., os seguintes créditos reclamados:

….

Razões pelas quais, acrescendo a tudo quanto exposto, deverá entender-se que os créditos supra referidos não gozam do privilégio imobiliário especial previsto no artigo 333º, nº 1, alínea b) do C.T., não devendo por isso ser graduados como tal para efeitos do artigo indicado.

Deste modo, requer: a) seja reconhecido como garantido o montante total do crédito da ora Impugnante, no valor de € 237.589,06 proveniente dos contratos indicados e garantidos por hipotecas, nos termos do disposto na alínea a) do nº 4 do artigo 47º do CIRE; No que concerne aos créditos dos trabalhadores indicados, que se considere que estes não são detentores de privilégio imobiliário especial, nos termos e para os efeitos do artigo 333º, nº 1, alínea b) do C.T., graduando-os nos termos legais.”.

                O credor G… apresentou a sua resposta, alegando: Carece de fundamento o alegado pela impugnante porquanto o crédito que o trabalhador/credor reclamante detém pode efectivamente ser considerado e qualificado como privilegiado, detentor de privilégio imobiliário especial nos termos e para os efeitos do artigo 333º, nº 1, alínea b) do Código do Trabalho. Não juntou o respectivo contrato de trabalho reduzido a escrito, pois, não obstante o ter solicitado por diversas vezes à sua entidade patronal, nunca lhe foi disponibilizado. Todavia, tal não significa, nem se pode concluir, que o trabalhador não exercia a sua actividade profissional na sede da empresa ora insolvente. Na verdade, o trabalhador/credor esteve ao serviço da Insolvente “S… e Companhia, L.da”, vinculada a esta por contrato de trabalho subordinado para o exercício da sua actividade de Técnico de Obras desde 08 de Fevereiro de 2006 até 14 de Abril de 2010, exercendo a sua actividade na sede, e por conta daquela empresa. Acresce que, na verdade, todos os elementos que caracterizam o contrato de trabalho e a relação de trabalho verificam-se in casu: - Existe o elemento de subordinação; -Remunerado; -Realizado pelo homem; - Livre; - Por conta alheia. Mas ainda que faltasse qualquer dos elementos supra mencionados, à face da lei (cfr. disposto no artigo 12º do Código do Trabalho) sempre seria de presumir a existência de um contrato de trabalho, já que os instrumentos de trabalho utilizados pertenciam ao beneficiário da actividade, o trabalhador observava um horário de trabalho, era-lhe pago com periodicidade mensal uma quantia certa como contrapartida da actividade desempenhada, e estava inserido na estrutura organizativa da insolvente realizando a sua prestação sob orientações desta. Ora, o trabalhador em causa exercia a sua prestação na sede da insolvente, utilizando os seus instrumentos de trabalho, e estando na sede da empresa todos os dias, excepto, claro está, quando no exercício da sua actividade de técnico de obras, que era, tinha de efectuar deslocações ao serviço da insolvente, sempre no interesse desta. Na realidade, todo o núcleo central dos actos manuais e intelectuais estavam ligados à sede da insolvente – elemento caracterizador do local de trabalho. E assim sendo, não pode concluir-se que pelo facto daquele trabalhador ter na realidade frequentes deslocações a obras em curso, no âmbito da sua categoria profissional, o seu local de trabalho não era a sede da insolvente, ao arrepio aliás da própria noção de local trabalho, estipulado no artigo 193º nº 2 do Código de Trabalho, noção esta por natureza ampla e variável no que respeita aos diversos tipos da prestação. Apenas porque a redução a escrito do contrato de trabalho não foi apresentada pelo trabalhador, pese embora por diversas vezes solicitada à insolvente. Acresce que facilmente se percebe e se conclui pelos factos e pelos documentos que se juntam (cfr. doc. de fls. 130 a 134) que o trabalho/credor exercia na sede da insolvente de forma regular a sua actividade e que o conceito de local de trabalho explanado no articulado da impugnante mostra-se contrário à lei. Pelo que carece de qualquer fundamento, e desde já se impugna, para os devidos e legais efeitos, o alegado pelo impugnante. Os créditos do reclamante/credor sobre a Simões Pereira e Companhia, Lda., gozam do privilégio imobiliário especial e do privilégio mobiliário geral estabelecidos nos artigos 333º do Código do Trabalho e 747º, nº 1 e 748º do Código Civil. Nestes termos, deve a impugnação apresentada ser julgada improcedente por não provada, e serem os créditos supra identificados verificados e graduados como créditos detentores de privilégio imobiliário especial, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 333º do Código do Trabalho.

               

                Em sede de tentativa de conciliação (artº 136º do CIRE), o Sr. administrador da insolvência referiu que, …, no que respeita às impugnações dos créditos dos trabalhadores, efectuado pelo credor Banco…, SA, o administrador da insolvência mantém a mesma posição, no sentido de deverem estes créditos serem considerados como créditos privilegiados.

Relativamente ao crédito do Banco …, SA, não se opõe a que o mesmo seja reconhecido nos termos em que o credor considera dever ser – cfr. acta de fls. 148/149.


*

                O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.

Não há nulidades que invalidem todo o processo.

As partes gozam de personalidade, de capacidade judiciária e são legítimas.

Não há outras excepções, nulidades ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

                Os autos permitem que desde já se proceda à verificação e graduação de créditos, sendo, por conseguinte, essas as questões a solucionar.

                Apreciemos, antes de mais, a impugnação do credor Banco…, S.A. relativamente ao seu próprio crédito.

                Tendo em conta os documentos juntos aos autos pelo Banco… - cfr. doc. de fls. 107 a 118 destes autos e a fls. 25 e ss. do apenso D -, pensamos que lhe assiste razão. Assim, deverá a totalidade do crédito da credor Banco …, S.A. ser reconhecido e graduado como garantido, nos termos da alínea a) do nº 4 do artigo 47º do CIRE).

                E que dizer da impugnação desta credora no que respeita aos créditos dos trabalhadores?

                Pensamos que nessa parte não lhe assiste razão.

                A impugnante não põe em causa a qualidade de trabalhadores desses credores. Também não põe em causa (antes admite) que o imóvel em causa seja o imóvel sede da insolvente. Assim sendo, cumpre apreciar a questão suscitada.

Como acima referimos, presentemente os privilégios creditórios dos créditos laborais estão estabelecidos no artº 333º do actual Código do Trabalho (aprovado pela Lei nº 7/2009 de 12 de Fevereiro, com as rectificações introduzidas pela declaração de rectificação nº 21/2009 de 18 de Março).

Estatui este preceito legal:

Privilégios creditórios

1 – Os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam dos seguintes privilégios creditórios:

a) Privilégio mobiliário geral;

b) Privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade.

2 – A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte:

a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes de crédito referido no n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil;

b) O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes de crédito referido no artigo 748.º do Código Civil e de crédito relativo a contribuição para a segurança social.

                Ora, entendemos que com a formulação da al. b), o legislador teve em mente, não um concreto ou individualizado local de trabalho, mas os imóveis em que esteja implantado o estabelecimento para o qual o trabalhador prestou a sua actividade, independentemente de essa actividade ter sido aí desenvolvida ou no exterior – cfr. neste sentido, entre outros, os Ac. da Relação de Coimbra de 27-02-2007, de 16-10-2007 e de 28/06/2011, os Ac. da Relação de Guimarães de 10-05-2007 e de 28/06/2011 e o Ac. da Relação do Porto de 8/02/2011, todos disponíveis em http.//www.dgsi.pt. No primeiro dos referidos acórdãos pode ler-se: “… os trabalhadores reclamantes gozam do privilégio relativamente à universalidade dos bens imóveis existentes no património da falida e afectos à sua actividade industrial, e não apenas sobre um específico prédio onde trabalham ou trabalharam, v.g., um escritório, um armazém, um prédio destinado à produção, etc., supondo que o património da empresa é constituído por vários prédios. Ou seja, o trabalhador do escritório, de armazém, e da produção não gozam apenas de privilégio creditório, respectivamente, sobre o escritório, sobre o armazém e sobre o pavilhão de produção. Salvo o devido respeito, a distinção defendida pelo Recorrente carece de qualquer sentido, nem essa é a “ratio legis”, pois conduziria a uma injustificada discriminação entre os trabalhadores de uma mesma empresa. O que restaria, por exemplo, para um motorista? Embora concedendo o legislador tal privilégio imobiliário especial, com a eficácia e amplitude prevista no art. 751º do Código Civil, logo o restringiu ao património do empregador onde o trabalhador presta a sua actividade, excluindo todo o demais património, mas sem estabelecer qualquer discriminação entre os trabalhadores. Portanto, o trabalhador integrado numa unidade empresarial, e relativamente aos seus créditos laborais, goza de privilégio sobre todos os imóveis afectos a essa actividade e apenas sobre esses prédios…”. Apenas se deve excluir o património do empregador não afecto à sua organização empresarial, notadamente os imóveis exclusivamente destinados à fruição pessoal do empregador tratando-se de pessoa singular, ou de qualquer modo integrados em estabelecimento diverso daquele em que o reclamante desempenhou o seu trabalho.

No caso sub judice, como acima referimos, nenhuma dúvida se levanta quanto à natureza laboral de todos os créditos reclamados pelos trabalhadores e à circunstância de o imóvel em questão ser o imóvel sede da insolvente, factualidade que sempre relevará, quando documentada nos autos, ainda que não haja sido especificamente alegada no requerimento apresentado pelos trabalhadores reclamantes, mas resulte da actividade de indagação do próprio tribunal (cfr. artºs 265º e 515º, do CPC). Isto é, o imóvel fazia parte integrante da unidade empresarial a que esses trabalhadores pertenciam… Logo, entendemos ser irrelevante apurar em que espaço físico correspondente, ou não, a elementos desse acervo se achava o posto de trabalho de cada um dos ditos trabalhadores. É esse o nosso entendimento. Aliás, a posição defendida pela credora Banif conduziria a uma verificação de situações de manifesta desigualdade e arbitrariedade envolvendo trabalhadores de uma mesma empresa e com igual condição em face da realidade social, laboral e empresarial. Em suma, entendemos que os créditos dos trabalhadores (todos) gozam de privilégio imobiliário especial sobre o dito imóvel. Daí que também se aplique o disposto no artº 751º do CC, a fazer prevalecer o privilégio de que gozam esses créditos laborais sobre as hipotecas, ainda que anteriormente constituídas e registadas. De notar que estes privilégios, os especiais, porque munidos de sequela, constituem garantias reais de cumprimento de obrigações, enquanto os gerais se quedam por meras preferências de pagamento - diferentemente dos primeiros, estes não valem contra terceiros titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas por ele abrangidas, sejam oponíveis ao exequente (artºs 749º, nº 1 e 751º, do CC).

                                                                                              *

Considerando o que supra se deixou exposto, cumpre graduar os créditos em conformidade - à excepção do Crédito de C…, SA, cuja reclamação foi declarada extinta por inutilidade superveniente da lide, por despacho de 11/05/2011.

Deve proceder-se ao pagamento dos créditos, através do produto da massa insolvente, pela seguinte ordem:

As custas da insolvência e todas as demais que devam ser suportadas pela massa insolvente, bem como as despesas de liquidação, saem precípuas de todo o produto da massa.

- No que tange ao produto da venda do prédio urbano - a fracção autónoma designada pela letra B, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Avª …, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o número … e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo …:
1º - O(s) crédito(s) dos trabalhadores;
2º - O crédito do credor Banco…, S.A., que dispõe de hipoteca sobre o dito prédio;
3º - O crédito do Instituto da Segurança Social, IP, até ao montante de € 61.249,51;
4º - Todos os demais créditos (ou parte de créditos) comuns acima referidos;
5º - Os créditos (ou parte de créditos) subordinados.

- No que respeita ao produto da venda dos demais prédios:

- No que respeita ao produto da venda dos bens móveis:
...”


II

                Desta sentença interpôs recurso o BANCO …, S.A., recurso que foi admitido como apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.

                Nas alegações que apresentou o Apelante formula as seguintes conclusões:


III

                Não foram apresentadas contra-alegações e nesta Relação foi aceite o recurso interposto tal como foi admitido em 1ª instância, nada obstando ao conhecimento do seu objecto, o qual se resume à reapreciação da graduação dos créditos reclamados, designadamente no que respeita ao crédito do Recorrente e aos créditos ditos laborais e concretamente objecto de impugnação por parte da agora Recorrente – nºs 1, 3, 4, 5, 7, 8, 9, 12, 14, 16 e 18 supra -, todos eles definitivamente reconhecidos.

                Nesta apreciação não podemos deixar de aludir a um nosso anterior acórdão, de 28/06/2011 e disponível em www.dgsi.pt/jtrc, cujo teor tem todo o interesse aqui salientar.

                Nele defendemos o seguinte:

Tribunal da Relação de Coimbra

Apelação nº 278/10.1TBFND-C.C1

Relator: Des. Jaime Carlos Ferreira

Adjuntos: Des. Jorge Arcanjo

                Des. Isaías Pádua

                Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I

                No Tribunal Judicial da Comarca do Fundão corre termos o processo de insolvência com o nº 278/10.1TBFND, em que foi declarada insolvente, por sentença de 17/09/2010, transitada em julgado em 14/10/2010, a sociedade “C…, L.dª “, com sede na ...

                Instaurado o respectivo apenso de reclamação de créditos, foi nele proferida sentença de verificação e de graduação dos ditos e a propósito do que nela se escreveu o seguinte:

“No presente processo de insolvência, por despacho proferido na tentativa de conciliação que antecedeu, foram julgados verificados todos os créditos reclamados.

Subsiste, todavia, a questão do privilégio creditório reconhecido pelo Sr. Administrador aos trabalhadores por reporte ao imóvel da insolvente, verba 1 dos bens apreendidos.

É esta questão que ora nos cumpre decidir.

…”.

                Nesta Relação foi aceite o recurso interposto, tal como foi admitido em 1ª instância, nada obstando ao conhecimento do seu objecto, o qual se resume em saber se os créditos dos trabalhadores reclamados e já reconhecidos gozam ou não de algum privilégio e qual e sendo esse privilégio o imobiliário especial sobre o único imóvel da insolvente se ele (privilégio) deve preferir (ou não) ao crédito de outro credor/reclamante garantido por hipoteca, ainda que esta tenha sido registada em momento anterior à entrada em vigor da Lei 7/2009, de 12/02.

               

                Apreciando, importa, antes de mais, que se diga que foi pelo sr. Administrador da Insolvência apresentada a relação de créditos reclamados, conforme fls. 3 a 6, créditos esses que foram considerados como reconhecidos ou verificados, por não impugnados, conforme fls. 41.

                Entre os bens da sociedade insolvente apreendidos conta-se um único bem imóvel (verba 1 dos bens apreendidos).

                A referida relação de bens constam diversos créditos ditos laborais, designadamente o crédito do Reclamante/recorrente.

                A C… é credora da insolvente e esse seu crédito goza de hipoteca voluntária sobre o imóvel descrito sob a verba nº 1 do auto de arrolamento e apreensão de bens, hipoteca essa registada em 19/12/2002.

                A sentença de declaração de insolvência é de 17/09/2010, tendo transitado em julgado em 14/10/2010.  


***

 Prosseguindo, afigura-se-nos que na sentença recorrida, na parte supra transcrita, se comete um erro de apreciação ao nela se escrever que “respondeu apenas o Sr. Administrador, alegando que é certo que o contrato de hipoteca foi celebrado em 19 de Dezembro de 2002, enquanto que os privilégios dos créditos emergentes do contrato de trabalho gozam de privilegio mobiliário e imobiliário geral, nos termos do disposto no n° 1 do artigo 4° da Lei 96/2001, de 20 de Agosto, alíneas a) e b)”, na medida em que na própria relação de bens reclamados por ele apresentada consta que “os créditos reclamados pelos trabalhadores gozam de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário especial, nos termos do artº 333º do Código de Trabalho aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12/02” e porque teve lugar a realização de uma tentativa de conciliação nos presentes autos e nela foi ouvido o sr. administrador da insolvência, aí tendo referido que “entende que os trabalhadores gozam de privilégio mobiliário e imobiliário especial, considerando que exerceram a sua actividade nos bens a que se reporta a massa insolvente” – fls. 40/41.

Ora, tendo presente que a declaração de insolvência data de 17/09/2010, dúvidas não pode haver sobre o tipo de privilégio de que gozam os créditos laborais reclamados e reconhecidos em relação ao único imóvel apreendido para a massa insolvente – é o privilégio imobiliário especial, resultante dos artºs 377º, nº 1, al. b) do Código de Trabalho de 2003, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27/08 (que entrou em vigor em 01/12/2003, embora o novo regime dos privilégios imobiliários que servem de garantia aos direitos de crédito da titularidade dos trabalhadores, previsto no citado artº 377º apenas tenha entrado em vigor em 28/08/2004, atento o disposto nos artºs 3º, 8º, nº 1 e 21º, nº 2, als. e) e f) da Lei nº 35/2004, de 29/08, que regulamentou a Lei nº 99/2003) e 333º do Código de Trabalho vigente, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12/02, preceitos esses onde se dispõe o seguinte: “Os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios: a) privilégio mobiliário geral; b)privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade…”.

Por isso enferma de erro a dita sentença, quando nela se escreve que “…3º- Em particular, no que ao imóvel respeita, a graduação será feita naqueles moldes, alterando-se todavia, a ordem aí preconizada, no que respeita à preferência dos créditos laborais, na medida em que os créditos garantidos por hipoteca, ao abrigo da legislação anterior ao CT de 2003, devem ser pagos, relativamente aos bens imóveis sobre que esta incide, com preferência sobre os créditos laborais que, gozando embora de privilégio imobiliário geral, têm de ser graduados depois dos créditos hipotecários”, já que os créditos laborais reclamados/reconhecidos neste processo gozam de privilégio imobiliário especial sobre o único bem imóvel apreendido para a massa insolvente, nos termos supra referidos.

                Apreciada e decidida a referida questão e não se colocando qualquer dúvida ou incerteza sobre o facto de ser no dito imóvel, único conhecido à insolvente e onde esta tinha a sua sede/oficina, que trabalhavam todos os seus trabalhadores, coloca-se então a questão subsequente e que é a de se saber se os ditos créditos sobre a insolvente, beneficiários de tal garantia ou privilégio devem preferir (ou não) ao crédito de outro credor/reclamante garantido por hipoteca e que tenha sido registada em momento anterior à entrada em vigor quer da Lei nº 99/2003, de 27/08, quer da Lei nº 7/2009, de 12/02.

                Tal como se diz/escreve na sentença recorrida, esta questão não é entendida de forma unânime pela jurisprudência dos Tribunais superiores, como, aliás, as próprias partes alegantes referem nas suas alegações.

                Muito recentemente, por acórdão de 01/02/2011 – ver Col. Jur. ano XXXVI, tomo I/2011, pg. 30 -, esta Relação (sendo seu relator o sr. Des. Nunes Ribeiro) defendeu a tese de que “I – Apesar de o trânsito em julgado da sentença declaratória da falência ser anterior à entrada em vigor do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 99/2003, é de aplicar aos créditos dos trabalhadores reclamados na falência o disposto no artº 377º daquele diploma que criou a favor deles um privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade, pois a lei que regula em novos termos a garantia patrimonial de determinados créditos, criando a seu favor um privilégio creditório, aplica-se retroactivamente. II – A prevalência do privilégio imobiliário especial de que gozam os créditos emergentes do contrato de trabalho sobre a hipoteca constituída anteriormente não viola o princípio da confiança ínsito no Estado de Direito Democrático, pois está em causa o direito fundamental dos trabalhadores à sua remuneração e à sua sobrevivência condigna, que o privilégio visa assegurar”.

                Esta posição baseia-se, também, no entendimento (expresso no próprio acórdão) de que “Há que considerar que no dia 01 de Dezembro de 2003 entrou em vigor o novo Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27/08.

                (Lei) que veio estatuir, no seu artº 377º, que «os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios: a) privilégio mobiliário geral; b) privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade…».

                Os créditos dos trabalhadores passaram, assim, com o novo Código do Trabalho, a gozar, ao invés do que antes sucedia, de privilégio imobiliário especial, tendo ficado, dessa forma, claramente abrangidos pela letra do artº 751º do CC, na redacção saída do Dec. Lei nº 38/2003, de 08/03, quando estatui que «os privilégios imobiliários especiais são oponíveis a terceiros que adquiriram o prédio ou um direito real sobre ele, e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores».

                Entendemos que a lei que regula em novos termos a garantia patrimonial de determinados créditos, criando a seu favor um privilégio creditório, deve aplicar-se retroactivamente, de acordo com o disposto na 2ª parte nº 2 do artº 12º do C.C., …, sendo, por isso, de aplicar o regime decorrente daquele artº 377º do Código do Trabalho aos direitos de crédito laborais ainda que constituídos antes da referida data de 28/08/2004.

                De modo que, sendo os privilégios creditórios imobiliários especiais garantia mais forte do que a hipoteca, os créditos dos trabalhadores reclamantes dev(em) ser graduados à frente de todos os demais créditos, apesar de estes se (poderem) mostrar(em) garantidos por hipoteca voluntária anteriormente constituída…”. 

                Ver, neste mesmo sentido, o também acórdão da Rel. Coimbra de 28/01/2009, proferido no Procº nº 374-D/1977.C1 (sendo seu relator o Des. Serra Leitão), disponível em www.dgsi.pt/jtrc...

                Esta tese também foi acolhida no STJ, pelo acórdão de 20/10/2009, proferido no Procº nº 1799/06.6TBAGD-B.C1.S1 (disponível em www.dgsi.pt/jstj...), no qual se defende que “os privilégios creditórios imobiliários especiais constituem garantias reais de cumprimento das obrigações, valem contra terceiros e gozam de preferência sobre hipoteca anteriormente constituída; o privilégio imobiliário especial de que gozam os trabalhadores da empresa insolvente por crédito constituído posteriormente ao início da vigência da lei que o criou – o Código do Trabalho – prevalece sobre hipoteca voluntária constituída e registada anteriormente à entrada em vigor dessa lei, sendo irrelevante a data da sentença que decretou a insolvência”.

                Mas a jurisprudência não é unânime neste entendimento, como sucede, p. ex., com o Acórdão desta mesma Relação de 20/04/2010, proferido no Procº nº 412-A/2000.C1, sendo seu relator o sr. Des. Távora Vítor (disponível em www.dgsi.pt/jtrc...), em que se entendeu que “o Código do Trabalho veio estatuir no seu artº 377º, nº 1, al. b) que os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam de privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade; havendo créditos com garantia hipotecária sobre imóveis de uma instalação fabril os mesmos não cedem perante o privilégio imobiliário especial que os créditos laborais gozam sobre aqueles imóveis se à data da entrada em vigor do Código do Trabalho que criou tal privilégio a hipoteca já tivesse sido registada; ao mesmo resultado se chegará ainda que ponderemos a aplicação ao caso do artº 751º do CC, segundo o qual o crédito hipotecário cede perante o privilégio imobiliário especial ainda que o primeiro seja de constituição anterior. É que, na verdade, isto supõe que a norma que cria tal privilégio casuisticamente já se encontrasse em vigor”.

                Neste mesmo sentido pode ver-se o Ac. do STJ de 26/10/2010, proferido no Procº nº 103-H/2000.C1.S2, relatado pelo sr. Conselheiro Hélder Roque (disponível em www.dgsi.pt/jstj...), no qual se dispõe, muito em resumo, que “os créditos garantidos por hipoteca, ao abrigo da legislação anterior ao CT de 2003, devem ser pagos, relativamente aos bens imóveis sobre que esta incide, com preferência sobre os créditos laborais que, gozando embora de privilégio imobiliário geral, têm de ser graduados depois dos créditos hipotecários”.

                São, pois, estas as duas teses em confronto e que relevam para a graduação (hierarquia) de créditos sobre o único imóvel apreendido no presente processo de insolvência, sendo certo que a sentença recorrida seguiu esta última orientação.

                Havendo, pois, necessidade de optar por uma das referidas teses em confronto, propendemos para a 1ª posição supra exposta, isto é, de que, apesar da hipoteca que favorece o crédito da Caixa Agrícola Mútuo reclamado/reconhecido nos autos ter sido registada antes da entrada em vigor do Código de Trabalho de 2003, cujo artº 377º criou a favor dos trabalhadores um privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais os trabalhadores prestem a sua actividade, deve entender-se que este privilégio prefere à dita hipoteca, tendo presente o disposto no artº 751º do C. Civil, na sua redacção resultante do D.L. nº 38/2003, de 8/03, e bem assim os fundamentos constantes dos citados arestos, que aqui se dão como reproduzidos, muito em especial a interpretação da aplicação retroactiva das leis relativas ao regime legal dos privilégios creditórios (artº 12º, nº 2, 2ª parte, do CC) – ver Prof. Antunes Varela, in C.Civ. anotado, vol. I, 4ª edição revista e actualizada, pg. 62.

                Neste sentido vejam-se, ainda, os Acórdãos do STJ de 30/11/2006, in Col. Jur.STJ, ano XIV, tomo III/2006, pg. 140; de 29/04/2008, in Col. Jur. STJ, ano XVI, tomo II/2008, pg. 43; (2) de 2/07/2009, in Col. Jur. STJ, ano XVII, tomo II/2009, pgs. 160 e 163; da Relação de Coimbra de 11/10/2005, Proc.º nº 2239/05, disponível em www.dgsi.pt/trc; da Rel. de Lisboa de 26/03/2009, Proc.º nº 10744/08-8, também disponível em www.dgsi.pt/trl.

Ver também Abílio Neto, in C. Civil anotado, 14ª edição e seguintes, notas ao artº 751º, onde cita Álvaro Moreira e Carlos Fraga in Direitos Reais, pg. 70.

                O mesmo é dizer-se que se impõe a revogação da sentença que graduou os créditos sobre a insolvente, na sua parte relativa ao único imóvel apreendido para a massa insolvente, por cujo produto da venda a realizar se respeitará a seguinte ordem de pagamentos:

1º - os créditos dos trabalhadores reclamados/reconhecidos;

2º - o crédito da C… também reconhecido e que goza de hipoteca registada sobre tal imóvel;

3º - os demais créditos reconhecidos.


***

                Nos termos do artº 713º, nº 7 do CPC, elabora-se o seguinte sumário:

I – Sendo a declaração de insolvência datada de 17/09/2010, dúvidas não pode haver sobre o tipo de privilégio de que gozam os créditos laborais reclamados e reconhecidos em relação ao único imóvel apreendido para a massa insolvente – é o privilégio imobiliário especial, resultante dos artºs 377º, nº 1, al. b) do Código de Trabalho de 2003, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27/08 (que entrou em vigor em 01/12/2003, embora o novo regime dos privilégios imobiliários que servem de garantia aos direitos de crédito da titularidade dos trabalhadores, previsto no citado artº 377º apenas tenha entrado em vigor em 28/08/2004, atento o disposto nos artºs 3º, 8º, nº 1 e 21º, nº 2, als. e) e f) da Lei nº 35/2004, de 29/08, que regulamentou a Lei nº 99/2003) e 333º do Código de Trabalho vigente, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12/02.

II - Os créditos dos trabalhadores passaram, com o Código do Trabalho de 2003, a gozar, ao invés do que antes sucedia, de privilégio imobiliário especial (sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade), tendo ficado, dessa forma, claramente abrangidos pela letra do artº 751º do CC, na redacção saída do Dec. Lei nº 38/2003, de 08/03, quando estatui que «os privilégios imobiliários especiais são oponíveis a terceiros que adquiriram o prédio ou um direito real sobre ele, e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores».

III – De modo que, sendo os privilégios creditórios imobiliários especiais uma garantia mais forte do que a hipoteca, os créditos dos trabalhadores reclamantes dev(em) ser graduados à frente de todos os demais créditos, apesar de estes se (poderem) mostrar(em) garantidos por hipoteca voluntária anteriormente constituída.”.

                Face ao que entendemos e não pomos sequer em questão que os chamados créditos laborais que beneficiem de privilégio imobiliário especial (sobre os bens do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade) prevalecem ou têm prioridade de graduação sobre outros créditos mesmo que garantidos por hipoteca voluntária anteriormente constituída.

                Mas nem é esta a questão que a agora Recorrente suscita no seu recurso, mas sim o saber-se quais os imóveis do empregador que devem ser abrangidos nesse reconhecimento, isto é, saber-se se determinado ou determinados bens do empregador devem ou não ser abrangidos por aquele privilégio favorável ao trabalhador.

                Defende a Recorrente que em relação aos credores/trabalhadores que identifica na sua impugnação e supra referidos nada consta nos autos que esclareça tal questão e que se deve presumir que todos eles exerceram a sua actividade fora do prédio apreendido e referido sob o nº 1 supra, que é a sede da insolvente, razão pela qual não podem beneficiar do dito privilégio.

                Ora, não podemos deixar, quanto a este aspecto, de concordar com a argumentação exposta na sentença recorrida, no sentido de que “…No caso sub judice, como acima referimos, nenhuma dúvida se levanta quanto à natureza laboral de todos os créditos reclamados pelos trabalhadores e à circunstância de o imóvel em questão ser o imóvel sede da insolvente, factualidade que sempre relevará, quando documentada nos autos, ainda que não haja sido especificamente alegada no requerimento apresentado pelos trabalhadores reclamantes, mas resulte da actividade de indagação do próprio tribunal (cfr. artºs 265º e 515º, do CPC). Isto é, o imóvel fazia parte integrante da unidade empresarial a que esses trabalhadores pertenciam…

Logo, entendemos ser irrelevante apurar em que espaço físico correspondente, ou não, a elementos desse acervo se achava o posto de trabalho de cada um dos ditos trabalhadores. É esse o nosso entendimento. Aliás, a posição defendida pelo credor Banco … conduziria a uma verificação de situações de manifesta desigualdade e arbitrariedade envolvendo trabalhadores de uma mesma empresa e com igual condição em face da realidade social, laboral e empresarial.

Em suma, entendemos que os créditos dos trabalhadores (todos) gozam de privilégio imobiliário especial sobre o dito imóvel. Daí que também se aplique o disposto no artº 751º do CC, a fazer prevalecer o privilégio de que gozam esses créditos laborais sobre as hipotecas, ainda que anteriormente constituídas e registadas. De notar que estes privilégios, os especiais, porque munidos de sequela, constituem garantias reais de cumprimento de obrigações, enquanto os gerais se quedam por meras preferências de pagamento - diferentemente dos primeiros, estes não valem contra terceiros titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas por ele abrangidas, sejam oponíveis ao exequente (artºs 749º, nº 1 e 751º, do CC)”.

                Com efeito, sendo a insolvente uma empresa de construção civil, como a própria Recorrente alega e reconhece, é manifesto que a maioria dos seus trabalhadores trabalhará em obras de terceiros, não na sede ou nos estaleiros da firma, mas não pode entender-se, por isso, que deixam de beneficiar do referido benefício em relação a estes locais, desde que estejam afectos (esses locais) à organização empresarial (para a qual os trabalhadores prestam a sua actividade, afinal…), sob pena de esvaziamento do sentido da lei.

                Conforme bem se argumentou e se sumariou no acórdão desta Relação de 28/06/2011, Proc.º nº 494/09.9TBNLS-C.C1, disponível em www.dgsi.pt/jtrc (também citado na sentença recorrida), “O privilégio imobiliário especial previsto no artº 377º do Código do Trabalho (aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27/08) / artº 333º do actual CT (aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12/02) abrange os imóveis existentes na massa insolvente que estavam afectos à actividade empresarial da insolvente, independentemente de uma qualquer conexão específica ou imediata entre o imóvel e a concreta actividade laboral de cada um dos trabalhadores reclamantes. É ao trabalhador reclamante que compete a alegação e prova dos factos constitutivos do privilégio creditório que invoca, mas o tribunal deverá atender a tudo o que de relevante resultar da globalidade do processo de insolvência. … O legislador teve em mente, não um concreto ou individualizado local de trabalho, mas os imóveis em que esteja implantado o estabelecimento para o qual o trabalhador prestou a sua actividade, independentemente de essa actividade ter sido aí desenvolvida ou no exterior – apenas se exclui o património do empregador não afecto à sua organização empresarial, notadamente os imóveis exclusivamente destinados à fruição pessoal do empregador, tratando-se de pessoa singular, ou de qualquer modo integrados em estabelecimento diverso daquele em que o reclamante desempenhou o seu trabalho”.  

                    No mesmo sentido ainda se podem ver, entre outros, o Ac. Rel. Guimarães de 28/06/2011, Proc.º nº 4224/10.4TBBRD-D.G1 (disponível em www.dgsi.pt/jtrg) e o Ac. do STJ de 13/09/2011, cujo sumário está disponível na Col. Jur. STJ, ano XIX, tomo III/2011, pg. 276.

                Ora, uma vez que o sr. Administrador da Insolvência listou todos os referidos créditos (laborais) como privilegiados nos termos do artº 333º do Código de Trabalho, e uma vez que é a própria Recorrente a reconhecer que o imóvel em causa é onde funciona/funcionou a sede da Insolvente, manifesto se torna que tal prédio faz parte do seu “estabelecimento” ou organização empresarial, à qual esses trabalhadores estavam necessariamente afectos, pelo que beneficiam do referido privilégio creditório especial sobre tal imóvel.

                Pelo que esses credores/Créditos têm de ser graduados antes do crédito do Recorrente, como bem se decidiu na sentença recorrida, face ao que se impõe manter a graduação a que se procedeu na dita sentença, improcedendo, pois, o presente recurso, o que de decide.

  


IV

                Decisão:

                Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida, designadamente no que respeita à graduação dos créditos reconhecidos.

                Custas pela Apelante.

Jaime Carlos Ferreira (Relator)

Jorge Arcanjo

Teles Pereira